Professional edition active

Visão geral das imunodeficiências

PorJames Fernandez, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: out. 2024
Visão Educação para o paciente

Imunodeficiências estão associadas com ou predispõem os pacientes a várias complicações, como infecções, doenças autoimunes, linfomas e outros tipos de câncer. Imunodeficiências primárias são geneticamente determinadas e podem ser hereditárias; imunodeficiências secundárias são adquiridas e muito mais comuns. O diagnóstico geralmente envolve testes da função imunológica. O tratamento inclui prevenção e cuidado de infecções e reposição de componentes imunológicos.

A avaliação da imunodeficiência é feita por anamnese, exame físico e teste da função imunitária. Os testes variam com base no seguinte:

  • Se há suspeita de imunodeficiência primária ou secundária

  • Em uma imunodeficiência primária, qual componente do sistema imunitário é considerado deficiente?

Imunodeficiências primárias

Esses distúrbios são determinados geneticamente; podem ocorrer de modo isolado ou como parte de alguma síndrome. Em 2022, a International Union of Immunological Societies relatou que 485 erros inatos da imunidade estavam ligados a imunodeficiências primárias (1). Somente cerca de 20 a 30% das imunodeficiências primárias atuais têm uma mutação genética identificada.

As imunodeficiências primárias se manifestam tipicamente na infância por infecções anormalmente frequentes (recorrentes) ou incomuns. Embora as taxas de incidência variem amplamente dependendo da fonte, uma revisão sistemática dos dados dos registros de imunodeficiência primária em todo o mundo sugere que aproximadamente 70% dos pacientes têm < 20 anos no início dos sintomas; como a transmissão em geral é ligada ao X, 60% são do sexo masculino (2). A incidência total da doença sintomática é de cerca de 1/280 pessoas.

As imunodeficiências primárias são classificadas pelo componente principal do sistema imunitário que está deficiente, ausente ou defeituoso:

À medida que vão sendo definidos, será mais apropriado classificar as imunodeficiências por seus defeitos moleculares (3).

As síndromes de imunodeficiência primária são imunodeficiências geneticamente determinadas com manifestações infecciosas e não infecciosas. As manifestações não infecciosas podem se apresentar antes das complicações infecciosas da imunodeficiência. Exemplos são ataxia-telangiectasia, hipoplasia da cartilagem e pilosa, síndrome de DiGeorge, síndrome de hiper-IgE e síndrome de Wiskott-Aldrich. Apesar de ter alguma imunodeficiência, alguns pacientes também apresentam doenças autoimunes.

Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. A idade em que as infecções recorrentes começaram fornece uma pista quanto ao componente do sistema imunitário que é afetado. Outros achados clínicos característicos auxiliam no diagnóstico clínico (ver tabela Achados clínicos característicos em algumas imunodeficiências primárias). Mas testes são necessários para confirmar o diagnóstico de imunodeficiência (ver tabela Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências). Se os achados clínicos ou os testes iniciais sugerirem uma doença específica das células imunitárias ou das funções do sistema complemento, indicam-se exames adicionais para confirmação (ver tabela Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências).

O tratamento e o prognóstico dos transtornos por imunodeficiência primários dependem de cada transtorno (4).

Imunodeficiências humorais

Imunodeficiências humorais (defeitos nas células B) que causam deficiências de anticorpos somam 50 a 60% das imunodeficiências primárias (ver tabela Imunodeficiências humorais) (5). Os títulos séricos de anticorpos diminuem, predispondo a infecções bacterianas.

O distúrbio mais comum de células B é

A deficiência seletiva de IgA é a doença de células B mais comum, mas muitos pacientes são assintomáticos. Imunodeficiência variável comum (IDCV) é a imunodeficiência humoral sintomática mais comum.

Para a avaliação diagnóstica das deficiências da imunidade humoral, ver Abordagem ao paciente com suspeita de imunodeficiência e tabela Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências.

Tabela
Tabela

Imunodeficiências celulares

Imunodeficiências celulares (defeitos nas células T) representam cerca de 5 a 10% das imunodeficiências primárias e predispõem a infecções por vírus, Pneumocystis jirovecii, fungos, outros microrganismos oportunistas e alguns patógenos mais comuns (ver tabela Imunodeficiências celulares). Os distúrbios das células T também causam deficiências de imunoglobulinas (Ig), pois os sistemas imunitários das células B e T são interdependentes.

Os distúrbios de células T mais comuns são

Os defeitos primários das células NK, que são muito raros, podem predispor a infecções virais (especificamente infecção por herpes-vírus) e tumores.

Defeitos secundários nas células NK podem ocorrer em pacientes com várias outras imunodeficiências primárias ou secundárias, frequentemente naqueles com câncer ou doença autoimune e naqueles que tomam certos medicamentos (6, 7).

Para a avaliação diagnóstica das imunodeficiências celulares, ver tabelas Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências e Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências.

Tabela
Tabela

Imunodeficiências humoral e celular combinadas

Imunodeficiências humorais e celulares combinadas (defeitos nas células B e T) são responsáveis por cerca de 20% das imunodeficiências primárias (ver tabela Imunodeficiências humoral e celular combinadas).

A forma mais importante é

Em algumas formas de imunodeficiência combinada (p. ex., deficiência de purina nucleosídeo fosforilase), os níveis de Ig são normais ou elevados, mas em razão da atividade deficiente da célula T ocorre diminuição da formação de anticorpos.

Para a avaliação diagnóstica das imunodeficiências humorais e celulares combinadas, (ver tabela Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências).

Tabela
Tabela

Defeitos de fagócitos

Os defeitos de células fagocíticas representam cerca de 10 a 15% das imunodeficiências primárias e comprometem a capacidade fagocitária (monócitos, macrófagos e granulócitos, como os neutrófilos e os eosinófilos) de destruição dos patógenos (ver tabela Defeitos fagocitários). São características as infecções cutâneas por Staphylococcus e bactérias Gram-negativas.

Os defeitos de células fagocíticas mais comuns (embora ainda raros) são

Para a avaliação diagnóstica dos defeitos fagocitários, ver tabelas Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências e Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências.

Tabela
Tabela

Deficiências de complemento

As deficiências de complemento são raras ( 2% das imunodeficiências primárias); englobam as deficiências isoladas de componentes ou os inibidores do complemento e podem ser hereditárias ou adquiridas (ver tabela Deficiências de complemento). As deficiências hereditárias são autossômicas recessivas, exceto nas deficiências do inibidor de C1, que são autossômicas dominantes, e da properdina, ligada ao X. Essas deficiências resultam em opsonização defeituosa, fagocitose e lise de patógenos, além de prejudicarem a depuração de imunocomplexos.

As consequências mais sérias são

  • Infecção recorrente, que ocorre por causa da opsonização defeituosa

  • Doenças autoimunes (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico, glomerulonefrite), que ocorrem por causa da depuração defeituosa de complexos antígeno-anticorpo

Uma deficiência em uma proteína reguladora do complemento, inibidor de C1 causa o angioedema hereditário.

Deficiências de complemento podem comprometer as vias clássica e/ou alternativa do sistema de complemento. A via alternativa compartilha C3 e C5 até C9 com a via clássica, mas tem componentes adicionais: fator D, fator B, properdina (P) e fatores regulatórios H e I.

Para a avaliação diagnóstica das deficiências do complemento, ver tabelas Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências e Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências.

Tabela
Tabela

Referências em relação à imunodeficiência primária

  1. 1. Tangye SG, Al-Herz W, Bousfiha A, et al: Human Inborn Errors of Immunity: 2022 Update on the Classification from the International Union of Immunological Societies Expert Committee [published online ahead of print, 2022 Jun 24]. J Clin Immunol 2022;1–35. doi:10.1007/s10875-022-01289-3

  2. 2. Abolhassani H, Azizi G, Sharifi L, et al: Global systematic review of primary immunodeficiency registries. Expert Rev Clin Immunol 2020;16(7):717–732. doi:10.1080/1744666X.2020.1801422

  3. 3. Chinn IK, Chan AY, Chen K, et al: Diagnostic interpretation of genetic studies in patients with primary immunodeficiency diseases: A working group report of the Primary Immunodeficiency Diseases Committee of the American Academy of Allergy, Asthma and Immunology. J Allergy Clin Immunol 145(1):46–69, 2020. doi: 10.1016/j.jaci.2019.09.009

  4. 4. Leonardi L, Rivalta B, Cancrini C, et al: Update in primary immunodeficiencies. Acta Biomed 91(11-S):e2020010, 2020. doi: 10.23750/abm.v91i11-S.10314

  5. 5. Modell V, Orange JS, Quinn J, Modell F: Global report on primary immunodeficiencies: 2018 update from the Jeffrey Modell Centers Network on disease classification, regional trends, treatment modalities, and physician reported outcomes. Immunol Res 66(3):367-380, 2018. doi:10.1007/s12026-018-8996-5

  6. 6. Moon WY, Powis SJ: Does natural killer cell deficiency (NKD) increase the risk of cancer? NKD may increase the risk of some virus induced cancer. Front Immunol 10:1703, 2019. Published 2019 Jul 19. doi:10.3389/fimmu.2019.01703

  7. 7 Schleinitz N, Vély F, Harlé JR, Vivier E: Natural killer cells in human autoimmune diseases. Immunology 131(4):451–458, 2010. doi:10.1111/j.1365-2567.2010.03360.x

Imunodeficiências secundárias

As causas (ver tabela Algumas doenças que causam imunodeficiência secundária) são

  • Doenças sistêmicas (p. ex., diabetes, desnutrição, infecção pelo HIV)

  • Tratamentos imunossupressores (p. ex., quimioterapia citotóxica, ablação da medula óssea antes de transplante, radioterapia)

  • Doença grave prolongada

Imunodeficiências secundárias também ocorrem em pacientes com doenças graves, idosos, ou hospitalizados. As doenças graves prolongadas podem deprimir a resposta imunológica; esse efeito prejudicial pode ser reversível, se a doença se resolver. Em casos raros, a exposição prolongada a substâncias tóxicas (p. ex., determinados pesticidas, benzeno) pode ser imunossupressora.

Tabela
Tabela
Tabela
Tabela

A imunodeficiência pode resultar da perda de proteínas séricas (particularmente imunoglobulina G [IgG] e albumina) por causa de:

  • Rins na síndrome nefrótica

  • Pele em queimaduras graves ou dermatites

  • Trato gastrointestinal (GI) na enteropatia

As enteropatias também podem causar perda de linfócitos, resultando em linfopenia (linfocitopenia).

O tratamento é direcionado à doença de base; p. ex., uma alimentação rica em triglicerídeos de cadeia média pode diminuir a perda de imunoglobulinas e de linfócitos do trato gastrointestinal e ser muito benéfica.

Se houver suspeita clínica de imunodeficiência secundária, os testes devem ter como objetivo o diagnóstico dessa doença (p. ex., diabetes, infecção por HIV, fibrose cística, discinesia ciliar primária).

Fundamentos de geriatria: imunodeficiência

Há alguma diminuição da imunidade com o avanço da idade. Por exemplo, no idoso, o timo tende a produzir menor número de células T naive, portanto poucas células estão disponíveis para responder a novos antígenos. O número total de células T não diminui (devido à oligoclonalidade), mas essas células só podem reconhecer um limitado número de antígenos.

A transdução do sinal (transmissão do sinal de ligação com o antígeno através da membrana celular para a célula) é prejudicada, consequentemente as células T têm menos probabilidade de responder aos antígenos. Além disso, as células T helper não têm muita capacidade para sinalizar para as células B no sentido de produzir anticorpos.

O número de neutrófilos não diminui, mas essas células se tornam menos efetivas na fagocitose e ação microbiana.

Desnutrição, comum em idosos, prejudica as respostas imunes. Cálcio, zinco e vitamina E são particularmente importantes para a imunidade. O risco de deficiência de cálcio é maior em idosos em parte porque, com o envelhecimento, o intestino passa a absorver menos cálcio. Além disso, idosos não ingerem quantidades adequadas de cálcio na dieta. A deficiência de zinco é muito comum em adultos institucionalizados e pacientes que vivem em suas próprias casas.

Certas doenças (p. ex., diabetes, doença renal crônica, desnutrição), que são mais comuns em idosos, e determinados tratamentos (p. ex., imunossupressores, medicamentos e tratamentos imunomoduladores), que idosos são mais propensos a utilizar, também podem prejudicar a imunidade.

Pontos-chave

  • Imunodeficiências secundárias (adquiridas) são muito mais comuns do que imunodeficiências primárias (genéticas).

  • Imunodeficiências primárias podem afetar a imunidade humoral (mais comum), a imunidade celular, tanto a imunidade humoral quanto a celular, células fagocíticas ou o sistema complemento.

  • Alguns pacientes com imunodeficiências primárias podem ter manifestações não infecciosas que podem se apresentar mais precocemente do que as complicações infecciosas da imunodeficiência.

  • A imunidade tende a diminuir com o envelhecimento em parte por causa de mudanças relacionadas com a idade; além disso, condições que comprometem a imunidade (p. ex., certas doenças, uso de determinados medicamentos) são mais comuns em idosos.

quizzes_lightbulb_red
Test your KnowledgeTake a Quiz!
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS