Abordagem ao paciente com suspeita de imunodeficiência

PorJames Fernandez, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: jan. 2023
Visão Educação para o paciente

Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. Entretanto, as infecções recorrentes têm maior probabilidade de ter outras causas além da imunodeficiência (p. ex., tratamento inadequado, organismos resistentes, outras doenças que predispõem à infecção). Tanto achados clínicos como laboratoriais são necessários para o diagnóstico.

(Ver também Visão geral dos distúrbios de imunodeficiência.)

A imunodeficiência pode ser

  • Primária: determinada geneticamente, que normalmente se manifesta durante a infância ou adolescência

  • Secundária: adquirida, a causa mais comum de imunodeficiência

Há muitas causas da imunodeficiência secundária, mas a maioria das imunodeficiências resulta de um ou mais dos seguintes:

  • Doenças sistêmicas (p. ex., diabetes, desnutrição, infecção pelo HIV)

  • Tratamentos imunossupressores (p. ex., quimioterapia citotóxica, ablação da medula óssea antes de transplante, radioterapia)

  • Doenças graves prolongadas (particularmente em pacientes criticamente enfermos, idosos e/ou hospitalizados)

As imunodeficiências primárias são classificadas pelo componente principal do sistema imunitário que está deficiente, ausente ou defeituoso:

Manifestações das imunodeficiências

Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. Todavia, as causas mais comuns das infecções recorrentes em crianças são as exposições repetidas às infecções em berçários ou escolas (neonatos e crianças normalmente podem ter mais de 10 infecções respiratórias por ano) e as causas mais comuns em crianças e adultos são o tempo insuficiente da antibioticoterapia, microrganismos resistentes e outras doenças que predisponham à infecção (p. ex., anomalias congênitas do coração, rinite alérgica, estenose uretral ou estenose ureteral, síndrome dos cílios imóveis, asma, fibrose cística e dermatite grave).

Deve-se suspeitar de imunodeficiência quando as infecções recorrentes forem:

  • Grave

  • Complicadas

  • Em múltiplas localizações

  • Refratários ao tratamento convencional, i.e., requerem múltiplos cursos de antibióticos orais ou algum tratamento com antibióticos IV para se resolver

  • Causadas por microrganismos não usuais

  • Presente em familiares

Inicialmente, as infecções decorrentes de imunodeficiências são basicamente infecções dos tratos respiratórios superior e inferior (p. ex., sinusite, bronquite, pneumonia) e gastroenterite, mas também podem ser infecções bacterianas graves (p. ex., meningite e sepse).

Também se deve suspeitar de imunodeficiência em lactentes ou crianças pequenas com diarreia crônica e má evolução ponderal, em especial quando a diarreia é provocada por vírus menos comuns (p. ex., adenovírus) ou fungos (p. ex., Cryptosporidium). Existem outros sinais, como lesões de pele (p. ex., eczema, verrugas, abscessos, piodermites e alopecia), candidíase oral e esofágica, úlceras na cavidade oral e periodontite.

As manifestações menos comuns incluem infecções graves por HSV e VZV, bem como problemas do sistema nervoso central (p. ex., encefalite crônica, atraso no desenvolvimento e distúrbios convulsivos). O uso frequente de antibióticos pode mascarar muitos sinais e sintomas característicos. A imunodeficiência deve ser considerada particularmente em pacientes com infecções e doenças autoimunes (p. ex., anemia hemolítica, plaquetopenia).

Avaliação da imunodeficiência suspeita

A história clínica e o exame físico do paciente são úteis, mas devem ser complementados com testes de função imunitária. Testes pré-natais estão disponíveis para muitas doenças e são indicados quando houver história familiar de imunodeficiência e seja identificada mutação em membros da família.

História

Os médicos devem determinar se os pacientes têm fatores de risco de uma infecção ou história de sintomas e/ou fatores de risco de imunodeficiências secundárias. A história familiar é muito importante.

A idade de início das infecções recorrentes é importante:

  • O início antes dos 6 meses de idade sugere defeito nas células T, porque os anticorpos maternos geralmente permanecem protegendo o lactente nos primeiros 6 a 9 meses.

  • O início entre os 6 e 12 meses de idade sugere imunodeficiência combinada de células T e B ou apenas de células B, que fica evidente quando os anticorpos herdados da mãe estão desaparecendo (até aproximadamente os 6 meses de idade).

  • Início muito além dos 12 meses de vida normalmente sugere um defeito nas células B ou imunodeficiência secundária.

Em geral, quanto mais cedo é a ocorrência da doença em crianças, mais grave ela é. Algumas outras imunodeficiências primárias (p. ex., imunodeficiência variável comum [CVID]) podem não se manifestar antes da idade adulta.

Várias infecções sugerem a presença de algumas imunodeficiências (ver tabela Alguns achados na história do paciente que sugerem diferentes tipos de imunodeficiências); contudo, nenhuma infecção é específica a qualquer tipo de imunodeficiência e muitas infecções comuns (p. ex., infecções bacterianas e virais) ocorrem em muitas delas.

Tabela
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Exame físico

Os pacientes com imunodeficiência podem ou não parecer cronicamente enfermo. Podem ser evidentes exantema maculares, vesículas, piodermite, eczema, petéquias, alopecia ou telangiectasia.

Os linfonodos cervicais e os tecidos das tonsilas são caracteristicamente pequenos ou até ausentes nos casos de agamaglobulinemia ligada ao X, síndrome da hiper-IgM ligada ao X, imunodeficiência combinada grave (IDCG) e outras imunodeficiências de células T, apesar da história de infecções recorrentes. Em certas outras imunodeficiências (p. ex., doença granulomatosa crônica), os linfonodos da cabeça e do pescoço podem estar aumentados e apresentar supuração.

As membranas timpânicas põem estar lesionadas ou perfuradas. As narinas apresentando crostas, indicam secreção nasal purulenta.

A tosse crônica é comum, assim como estertores pulmonares crepitantes, especialmente em pacientes com imunodeficiência variável comum.

O fígado e o baço estão aumentados em pacientes com imunodeficiência variável comum ou com doença granulomatosa crônica. A massa muscular e os depósitos de gordura dos glúteos estão diminuídos.

Nas crianças, a pele perianal pode estar comprometida devido à diarreia crônica. O exame neurológico pode detectar atraso significativo no desenvolvimento ou ataxia. Demora na separação do cordão umbilical pode sugerir deficiência de adesão leucocitária.

Outros achados clínicos característicos auxiliam no diagnóstico clínico (ver tabela Achados clínicos característicos em algumas imunodeficiências primárias).

Tabela
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Exames iniciais

Se houver suspeita clínica de imunodeficiência secundária, os exames devem ter como objetivo o diagnóstico dessa doença (p. ex., diabetes, infecção por HIV, fibrose cística, discinesia ciliar primária).

São necessários testes laboratoriais para confirmar o diagnóstico da imunodeficiência (ver tabela Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências). Os exames iniciais de triagem devem incluir

  • Hemograma completo com diferencial manual

  • Medições quantitativas de imunoglobulina (Ig)

  • Títulos de anticorpos

  • Teste cutâneo de hipersensibilidade tardia

Tabela
Tabela

Se os resultados forem normais, a possibilidade de imunodeficiência (em especial a deficiência de Ig) pode ser excluída. Se os resultados apresentarem anormalidades, serão necessários testes adicionais em laboratórios especializados para identificar as deficiências específicas. No caso de doenças crônicas devidamente documentadas, testes iniciais e os específicos devem ser realizados de modo simultâneo. Se o médico suspeitar que a imunodeficiência ainda pode estar se desenvolvendo, os testes talvez precisem ser repetidos, com monitoramento ao longo do tempo, antes de um diagnóstico definitivo ser feito.

O HC pode detectar anormalidades em um ou mais tipos celulares (p. ex., leucograma, plaquetas) características de determinadas doenças, como nos seguintes:

  • A neutropenia (contagem total de neutrófilos < 1.200 células/mcL [1,2 x 109/L]) pode ser congênita ou cíclica, ou ser constatada em casos de anemia aplásica.

  • A linfopenia [linfócitos < 2000/mcL (2,0 X 109/L) ao nascimento, < 4500/mcL (4,5 x 109/L) na idade de 9 meses ou < 1.000/mcL (1,0 X 109/L) em crianças maiores ou em adultos] sugere um distúrbio de células T, pois 70% dos linfócitos circulantes são células T.

  • A leucocitose que persiste entre episódios de infecções pode estar relacionada com a deficiência de adesão dos leucócitos.

  • A plaquetopenia em crianças do sexo masculino sugere síndrome de Wiskott-Aldrich.

  • A anemia pode estar relacionada com a anemia da doença crônica ou a anemia hemolítica autoimune, que pode ocorrer na imunodeficiência variável comum e em outras imunodeficiências.

Todavia, muitas alterações são manifestações transitórias de infecções, uso de fármacos, ou de outros fatores, de tal modo que essas anormalidades devem ser confirmadas e acompanhadas.

Deve-se realizar um esfregaço de sangue periférico para verificar a presença de corpos de Howell-Jolly (fragmentos residuais do núcleo nos eritrócitos) e outros eritrócitos incomuns, sugerindo asplenia primária ou comprometimento da função esplênica. Os granulócitos podem apresentar alterações morfológicas (p. ex., grânulos gigantes na síndrome de Chédiak-Higashi).

Os níveis quantitativos séricos de Ig devem ser mensurados. Baixos níveis de IgG, IgM, ou IgA sugerem deficiência de anticorpos, mas os resultados devem ser comparados com os dos controles de mesma idade. Um nível de IgG < 200 mg/dL (< 2 g/L) geralmente indica deficiência significativa de anticorpos, embora esses níveis sejam comuns nas enteropatias com perda proteica e na síndrome nefrótica.

Pode-se avaliar a função de anticorpos IgM medindo os títulos de iso-hemaglutinina (anti-A, anti-B). Todos os pacientes, exceto crianças < 6 meses e pessoas com sangue tipo AB, têm anticorpos naturais em um título 1:8 (anti-A) ou 1:4 (anti-B). Os anticorpos contra os grupos sanguíneos A e B e contra alguns polissacarídeos bacterianos são seletivamente deficientes em certos distúrbios (p. ex., síndrome de Wiskott-Aldrich, deficiência completa de IgG2).

Títulos de anticorpos IgG podem ser mensurados em pacientes imunizados, avaliando-se esses títulos de anticorpos antes e depois da administração dos antígenos da vacina (Haemophilus influenzae tipo B, tétano, difteria, pneumocócica conjugada ou não conjugada e antígenos meningocócicos); um aumento inferior a duas vezes o título de anticorpos em 2 ou 3 semanas pode representar deficiência de anticorpos independentemente dos níveis de Ig. Anticorpos naturais (p. ex., antiestreptolisina O, anticorpos heterófilos) também podem ser quantificados.

Com testes de pele a maioria dos adultos e crianças imunocompetentes reage a 0,1 mL do extrato de Candida albicans (1:100 para lactentes, 1:1.000 para crianças maiores e adultos) injetado por via intradérmica. A reatividade positiva, definida por um eritema e uma pápula com > 5 mm após 24, 48 e 72 horas, exclui a possibilidade de um distúrbio de células T. A ausência de resposta não confirma a imunodeficiência em pacientes que não foram anteriormente expostos à Candida.

Uma radiografia de tórax pode ser útil em algumas crianças; a ausência de imagem do timo pode ser um sinal de deficiência de células T, principalmente se a imagem for obtida antes do aparecimento de infecção ou de outro estresse que possa impedir o crescimento do timo. Radiografias laterais da faringe podem mostrar a ausência da tonsila faríngea (adenoide).

Exames adicionais

Se os achados clínicos ou os testes iniciais sugerirem um distúrbio específico das células imunitárias ou das funções do sistema complemento, indicam-se outros testes.

Se o paciente apresentar infecções recorrentes e linfopenia, é indicada a fenotipagem linfocítica, utilizando citometria de fluxo e anticorpos monoclonais para as células T, B e NK, para verificar a possível deficiência de linfócitos.

E se há suspeita de deficiência na imunidade celular, pode-se fazer hemograma completo com diferencial para identificar lactentes com baixa contagem absoluta de linfócitos. Se os testes mostram que a contagem de linfócitos é baixa ou eles estão ausentes, realizam-se ensaio com citometria de fluxo seguido por estudos da estimulação mitogênica in vitro para avaliar a função e quantidade de linfócitos T. Se há suspeita de deficiência de antígeno do complexo principal de histocompatibilidade (CPH), indica-se a tipagem sorológica (não a molecular) do antígeno leucocitário humano (HLA).

Todos os estados norte-americanos agora examinam os recém-nascidos com círculos de excisão do receptor de células T (TREC) para avaliar a presença de células T disfuncionais ou ausentes. Círculos de DNA são normalmente criados à medida que os células T atravessam o timo e passam por rearranjo de seus genes receptores; a presença desses círculos na análise de TREC fornece uma medida da maturação das células T. A ausência desses círculos no rastreamento utilizando a análise de TREC é uma característica da imunodeficiência combinada grave (IDCG).

E se houver suspeita de imunodeficiência humoral, os pacientes podem ser testados à procura de mutações específicas — por exemplo, nos genes que codificam para a tirosina-quinase de Bruton (BTK), CD40 e ligante de CD40 e modulador essencial do fator nuclear kappa-B (NEMO). Normalmente se faz um teste do suor durante a avaliação para descartar fibrose cística.

E se a imunidade celular e humoral combinada está prejudicada e há suspeita de IDCG, pode-se testar nos pacientes certas mutações típicas [p. ex., no gene do receptor gama de interleucina (IL-2) (IL-2RG, ou IL-2Rγ)].

E se houver suspeita de defeitos das células fagocíticas, mede-se CD15 e CD18 por citometria de fluxo e testa-se a quimiotaxia de neutrófilos. Um teste de explosão oxidativa (respiratória) por citometria de fluxo (medida por dihidrororodamina 123 [DHR] ou nitroazul de tetrazólio [NBT]) pode detectar se há produção de radicais oxigênio durante a fagocitose; não se constatando essa produção, fica caracterizada a presença de doença granulomatosa crônica.

Se o tipo ou padrão das infecções sugerir uma deficiência de complemento, mede-se a diluição sérica para lisar 50% das eritrócitos cobertas por anticorpos. Esse teste (chamado CH50) detecta deficiências de componentes do sistema complemento nas vias clássicas de complemento, mas não indica qual componente está anormal. Um teste semelhante (AH50) pode ser feito para detectar deficiências do complemento na via alternativa.

Se os exames ou a triagem constatarem anormalidades com suspeita de deficiências linfocitárias ou em fagócitos, outros testes podem caracterizar de forma mais precisa os distúrbios específicos (ver tabela Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências).

As técnicas de sequenciamento de genes estão se tornando cada vez mais utilizadas para elucidar imunodeficiências com características incomuns. A identificação de defeitos monogenéticos no contexto da imunodeficiência primária tornou-se robusta, e as melhorias estão gradualmente mudando a maneira como se aborda o diagnóstico e o tratamento dessas doenças (1).

Tabela
Tabela

Diagnóstico pré-natal e neonatal

Um número significativo de imunodeficiências primárias pode ser diagnosticado no período pré-natal, utilizando-se biópsia da vilosidade coriônica, cultura de células amnióticas, ou amostras de sangue fetal, mas esses testes só devem ser realizados quando já se tiver constatado uma alteração em membros da família.

A agamaglobulinemia ligada ao X, síndrome de Wiskott-Aldrich, ataxia-telangiectasia, síndrome linfoproliferativa ligada ao X, todas as formas de imunodeficiência combinada grave (utilizando o teste de TREC, agora feito para rastreamento de todos os recém-nascidos nos Estados Unidos) e todas as formas da doença granulomatosa crônica podem ser detectadas.

A verificação do sexo da criança pode ser útil para a exclusão da possibilidade de distúrbios ligados ao X.

Referência sobre avaliação

  1. 1. Chinn IK, Orange JS: A 2020 update on the use of genetic testing for patients with primary immunodeficiency. Expert Rev Clin Immunol 16(9):897–909, 2020. doi: 10.1080/1744666X.2020.1814145

Prognóstico da suspeita de imunodeficiência

O prognóstico depende da imunodeficiência primária.

Muitos pacientes com deficiência de Ig ou complemento apresentam prognóstico favorável com expectativa de vida próxima do normal, se a doença for diagnosticada precocemente, tratada de maneira adequada e não coexistir nenhuma doença crônica (p. ex., doença pulmonar, como bronquiectasia).

Outros pacientes imunodeficientes (p. ex., aqueles com defeito dos fagócitos ou imunodeficiências combinadas, como a síndrome de Wiskott-Aldrich ou ataxia-telangiectasia) têm um prognóstico mais delicado; muitos precisam de tratamento frequente e intensivo.

Vários pacientes com imunodeficiência (p. ex., aqueles com imunodeficiência combinada grave) morrerão na infância, se não houver reposição da imunidade por meio de transplante de células-tronco hematopoiéticas autólogas. Todas as formas de imunodeficiência combinada grave podem ser diagnosticadas se um teste para o ciclo de excisão do receptor de células T (TREC) é feito rotineiramente em neonatos. A suspeita de imunodeficiência combinada grave, uma verdadeira emergência pediátrica, deve ser grande, pois o pronto diagnóstico é essencial para a sobrevida. Se imunodeficiência combinada grave é diagnosticada antes de o paciente alcançar 3 meses de idade, o transplante de células-tronco de um parente compatível ou semicompatível (haploidêntico) pode salvar vidas em 95% das vezes.

Dicas e conselhos

  • Para evitar a morte precoce, considerar fortemente o rastreamento de todos os recém-nascidos à procura de imunodeficiência combinada grave utilizando um teste de círculo de excisão do receptor de células T (TREC).

Tratamento da imunodeficiência suspeita

  • Evitar vacinas com organismos vivos e exposição a infecções

  • Antibióticos e, algumas vezes, cirurgia

  • Reposição dos componentes imunitáros ausentes

O tratamento das imunodeficiências geralmente envolve a prevenção da infecção, manejo da infecção aguda e repor os componentes imunes faltantes, quando possível.

Prevenção da infecção

A infecção pode ser prevenida evitando-se a exposição ambiental e administrando-se vacinas de vírus vivos (p. ex., varicela, rotavírus, sarampo, caxumba, rubeola, herpes-zóster, febre amarela polio oral, vacinas intranasais contra influenza) ou BCG (bacilo de Calmette-Guérin). Vacinas antipneumocócica, antimeningocócica, contra difteria-tétano-coqueluche (DTPa), contra hepatite B, e contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib) são as vacinas específicas de risco recomendadas, mas sua eficácia varia de acordo com o grau de imunodeficiência (1).

As vacinas baseadas no RNA mensageiro e em adenovírus para prevenção da covid parecem ser seguras em pacientes com imunodeficiência primária. Mas ainda não está claro a proporção em que essas vacinas aumentarão os títulos de anticorpos e por quanto tempo continuarão a ser protetoras. É provável que pacientes com deficiências humorais e de células B tenham uma resposta diminuída.

A profilaxia contra a reativação da hepatite B ou C em pacientes imunossuprimidos com evidências sorológicas de exposição pode feita com fármacos antivirais como a lamivudina ou o entecavir.

Os pacientes em risco de infecções graves (p. ex., aqueles com imunodeficiência combinada grave, doença granulomatosa crônica, síndrome de Wiskott-Aldrich ou asplenia) ou infecções específicas (p. ex., Pneumocystis jirovecii em pacientes com distúrbios de célula T) podem receber profilaxia antibiótica (p. ex., sulfametoxazol/trimetoprima, 5 mg/kg por via oral duas vezes ao dia).

Para prevenir a doença enxerto-hospedeiro após transfusão, os médicos devem utilizar produtos sanguíneos de doadores citomegalovírus-negativo; a produção deve ser filtrada para remover os glóbulos brancos e irradiar (15 a 30 Gy).

Controle da infecção aguda

Envolve o uso imediato de antibióticos que visem às causas da infecção, após tentativa de obtenção de culturas. Algumas vezes a cirurgia é necessária (p. ex., drenagem de abscesso).

Infecções virais que costumam ser autolimitadas podem causar doença grave persistente em pacientes imunocomprometidos. Antivirais (p. ex., oseltamivir, peramivir ou zanamivir, no caso de influenza; aciclovir para infecção por herpes simples e varicela zóster; ribavirina para as infecções pelos vírus sincicial respiratório ou parainfluenza 3) podem salvar a vida do paciente.

Reposição dos componentes imunitáros ausentes

Essa reposição ajuda a prevenir infecção. As terapias utilizadas em mais de uma imunodeficiência primária incluem:

  • IGIV é efetiva em muitos casos de deficiência de anticorpos. A dose habitual é de 400 mg/kg 1 vez por mês; o tratamento começa com baixas taxas de infusão. Alguns pacientes necessitam de doses mais elevadas ou mais frequentes. Uma dose de 800 mg/kg/mês de IGIV auxilia em alguns pacientes com deficiência de anticorpos, os quais não respondem bem às doses convencionais, em particular aqueles com distúrbio pulmonar crônico. Altas doses de IGIV têm por objetivo manter níveis mínimos de IgG [> 600 mg/dL (> 6 g/L)].

  • A imunoglobulina subcutânea (IgSC) pode ser administrada em vez de IgIV. A IgSCpode ser aplicada em casa, geralmente pelos próprios pacientes. A dose habitual é 100 a 150 mg/kg, 1 vez/semana. Como a IgSC e IgIV diferem em termos de biodisponibilidade, pode ser necessário ajustar a dose de SCIG se os pacientes anteriormente tomavam IgIV. Com IgSC, as reações locais são um risco, mas IgSC parece ter menos efeitos adversos sistêmicos.

  • O transplante de células-tronco hematopoiéticas utilizando a medula óssea, sangue do cordão umbilical ou sangue periférico em adultos é efetivo para células T letais e outras imunodeficiências. A quimioterapia pré-transplante é desnecessária em pacientes com ausência de células T (p. ex., naqueles com imunodeficiência combinada grave). Mas os pacientes que apresentam células T com funções preservadas ou até com deficiências parciais (p. ex., síndrome de Wiskott-Aldrich e imunodeficiência combinada com funções diminuídas, mas não ausentes, de células T) precisam da quimioterapia pré-transplante para garantir a aceitação do enxerto. Quando um irmão idêntico está descartado como doador, a medula óssea haploidêntica de um dos pais pode ser utilizada. Em tais casos, as células T maduras que causam a doença enxerto-hospedeiro devem ser rigorosamente retiradas da medula dos doadores antes da doação. O sangue do cordão umbilical de um irmão com compatibilidade de HLA pode ser utilizado como fonte de células-tronco hematopoiéticas. Em alguns casos, a medula óssea ou o sangue do cordão umbilical de um doador compatível sem relação de parentesco podem ser utilizados, mas é necessária a administração de imunossupressores para prevenir a doença enxerto-hospedeiro e sua utilização atrasa a restauração da imunidade. A sobrevida dos pacientes pós-transplante de células-tronco atualmente é 80% (2).

Tratamentos experimentais

Terapia gênica refere-se à introdução de um gene exógeno (transgene) em um ou mais tipos de células com a esperança de corrigir um gene ausente ou defeituoso conhecido por causar a doença.

A terapia gênica utilizando vetores gama-retrovirais foi utilizada para a deficiência de adenosina-desaminase (ADA; um tipo de imunodeficiência combinada grave) e resultou na inserção do vetor em oncogenes, com algumas curas; até o momento não houve casos de desenvolvimento de leucemia.

Em modelos de camundongos com doença granulomatosa crônica, a tecnologia CRISPR/Cas9 (repetições palindrômicas curtas interespaçadas regularmente intercaladas e proteína 9 associada ao CRISPR) foi utilizada para corrigir a mutação CYBB.

Em estudos pré-clínicos utilizando modelos humanos e de camundongos com células-tronco com deficiência de Artemis, utilizou-se um vetor lentiviral portando o DNAc humano Artemis DCLRE1C sob regulação transcricional de seu próprio promotor Artemis humano para corrigir a imunodeficiência combinada grave (3).

Outras terapias gênicas estão sendo pesquisadas para o tratamento da IDCG ligada ao X, síndrome de hiper-IgM, doença granulomatosa crônica e agamaglobulinemia ligada ao X. A terapia gênica com linfócitos T (CAR-T) também está sendo estudada para corrigir defeitos intrínsecos de células T na síndrome IPEX, síndrome de hiper IgM, doença linfoproliferativa ligada ao X, deficiência de Munc 13-4 e deficiência de perforina (4). A eficácia comparativa da terapia genética versus terapia de reposição e transplante de células-tronco hematopoiéticas para doenças específicas continua incerta.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Shearer WT,  Fleisher TA, Sullivan K, et al: Recommendations for live viral and bacterial vaccines in immunodeficient patients and their close contacts. J Allergy Clin Immunol 133 (4): 961–966, 2014.

  2. 2. Marsh RA, Hebert KM, Keesler D, et al: Practice pattern changes and improvements in hematopoietic cell transplantation for primary immunodeficiencies. J Allergy Clin Immunol 142(6): 2004–2007, 2018.

  3. 3. Punwani D, Kawahara M, Sanford U, et al: Lentivirus mediated correction of Artemis-deficient severe combined immunodeficiency. Hum Gene Ther 28: 112–124, 2017.  doi: 10.1089/hum.2016.064

  4. 4. Ferreira LMR, Muller YD, Bluestone JA, et al: Next-generation regulatory T cell therapy. Nat Rev Drug Discov 18(10): 749–769, 2019. doi: 10.1038/s41573-019-0041-4

Pontos-chave

  • Considerar imunodeficiência primária se as infecções são incomumente frequentes ou graves, sobretudo se elas ocorrem em familiares, ou se os pacientes têm aftas, úlceras orais, periodontite ou determinadas lesões cutâneas.

  • Fazer exame físico completo, incluindo da pele, todas as mucosas, linfonodos, baço e reto.

  • Começar os testes com hemograma completo (com diferencial manual), níveis quantitativos de Ig, títulos de anticorpos e testes cutâneos para hipersensibilidade tardia.

  • Selecionar testes adicionais com base no tipo de defeito imunitáro sob suspeita (celular, humoral, células fagocíticas ou complemento).

  • Testar o feto (p. ex., utilizando sangue fetal, amostras da vilosidade coriônica ou células amnióticas cultivadas), se os familiares são conhecidos por terem um distúrbio de imunodeficiência.

  • Ensinar os pacientes a evitar infecções, administrar as vacinas indicadas, evitar vacinas com vírus vivos e prescrever antibióticos profiláticos para pacientes com certos distúrbios.

  • Considerar reposição contínua de imunoglobulinas para deficiências de anticorpos e transplante de células-tronco hematopoiéticas para imunodeficiências graves, particularmente imunodeficiências em linfócitos T.

  • Embora a terapia gênica ainda esteja em fase de investigação, avanços podem torná-la uma opção viável no futuro.

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