Imunodeficiência combinada grave (IDCG)

PorJames Fernandez, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: jan. 2023
Visão Educação para o paciente

A imunodeficiência combinada grave caracteriza-se por nível baixo ou ausência de células T e níveis baixo, alto ou normal de células B e células NK. A maioria das crianças desenvolve infecções oportunistas do primeiro ao 3º mês de vida. O diagnóstico é feito pela detecção de linfopenia, pela ausência ou baixo número de células T e pelas respostas linfoproliferativas deficientes perante mitógenos. Os pacientes devem ser mantidos em ambientes protegidos; o tratamento definitivo é o transplante de células-tronco hematopoiéticas.

(Ver também Visão geral das imunodeficiências e Abordagem ao paciente com distúrbios de imunodeficiência.)

Imunodeficiência combinada grave (IDCG) é uma imunodeficiência primária que envolve imunodeficiências humoral e celular combinadas. É causada por mutações em algum de muitos genes diferentes [p. ex., para formas autossômicas recessivas, Janus kinase 3 (JAK3), protein tyrosine phosphatase, receptor type, C (PTPRC, ou CD45), recombination activating genes 1 (RAG1) e 2 (RAG2)]. Há várias formas de imunodeficiência combinada grave que são defeitos autossômicos recessivos, portanto, para que a criança tenha manifestações de imunodeficiência combinada grave, o mesmo gene precisa sofrer mutações nos dois cromossomos.

Há 4 fenótipos de linfócitos anormais diferentes:

  • Linfócitos B positivos, células NK negativas

  • Linfócitos B negativos, células NK positivas

  • Linfócitos B negativos, células NK negativas

  • Linfócitos B positivos, células NK positivas

Na maioria das formas da imunodeficiência combinada grave, as células T estão ausentes (T-); o número de células B e/ou NK pode ser baixo ou ausente (B-; NK-), alto ou normal (B+; NK+), dependendo da forma da imunodeficiência combinada grave. Todavia, as células B, mesmo em quantidades normais, não funcionam adequadamente, pois as células T estão ausentes. A função das células NK geralmente é prejudicada.

A forma mais comum de imunodeficiência combinada grave é a ligada ao cromossomo X. Afeta a cadeia gama (gamma) comum do receptor de interleucina 2 (IL-2) (um componente de pelo menos 6 receptores de citocinas) e, desse modo, causa doença grave; o fenótipo é T- B+ NK-. Isso resulta de uma mutação no gene receptor gama de IL-2 (IL-2RG).

A 2ª forma mais comum resulta da deficiência de adenosina deaminase (ADA), que provoca apoptose de precursores das células B, T e NK; o fenótipo é T-, B-, NK-.

Depois desta, a forma mais comum é proveniente da deficiência da cadeia alfa do receptor de IL-7; o fenótipo é T- B+ NK+.

Mutações no gene ativador da recombinação 1-2 (RAG1 ou RAG2) representam um fenótipo T-B- NK + IDCD.

A síndrome de Omenn é outro fenótipo T-B-NK+ da imunodeficiência combinada grave. É tipicamente resultado de um alelo RAG defeituoso e, assim, é comumente chamado imunodeficiência combinada grave atípica, ou imunodeficiência combinada grave com extrasamento. É uma forma autossômica recessiva da imunodeficiência combinada grave. Frequentemente, os níveis de IgA, IgG e IgM estão baixos em caso de IgE elevada e eosinofilia. Em geral, esses pacientes têm grau variável de linfopenia com baixa quantidade de células T e B e apresentam inflamação e linfadenopatia.

A IDCG com deficiência de Artemis é um tipo raro que ocorre principalmente em crianças de ascendência apache ou navajo. Resulta de uma mutação em DCLRE1C.

Sinais e sintomas da imunodeficiência combinada grave

Por volta de 6 meses de idade, a maioria dos lactentes com imunodeficiência combinada grave desenvolve candidíase sistêmica, infecção viral persistente, pneumonia por Pneumocystis jirovecii, e diarreia, causando má evolução ponderal. Algumas têm doença enxerto-hospedeiro, em decorrência de linfócitos maternos ou transfusões sanguíneas. Outras crianças apresentam esse quadro entre 6 e 12 meses de vida. Pacientes com síndrome de Omenn podem desenvolver dermatite esfoliativa, eritrodermia, descamação, alopecia, diarreia crônica, má evolução ponderal, linfadenopatia, eosinofilia, hepatoesplenomegalia e níveis séricos de IgE elevados. A deficiência de ADA pode causar anormalidades ósseas. Em todas as formas, o timo é extremamente pequeno e o tecido linfoide pode estar diminuído ou ausente.

Todas as formas de imunodeficiência combinada grave são fatais durante a infância, a menos que o diagnóstico seja precoce e o tratamento precoce.

Diagnóstico da imunodeficiência combinada grave

O rastreamento de todos os neonatos utilizando o teste de TREC frequentemente é recomendado e é feita rotineiramente em muitos estados norte-americanos.

Há suspeita de imunodeficiência combinada grave em crianças com história de infecções persistentes ou outras manifestações características. É feito o hemograma completo, incluindo a contagem absoluta de leucócitos e diferenciais; os níveis de imunoglobulinas são medidos. Para avaliar a função dos mitógenos e leucócitos é preciso determinar as respostas aos mitógenos e aos antígenos das vacinas padronizadas.

A doença é diagnosticada em pacientes com as seguintes características:

  • Linfopenia

  • Baixo número ou ausência de células T

  • Ausência de resposta da proliferação linfocítica aos mitógenos

Outros testes são feitos para determinar o tipo de imunodeficiência combinada grave; estes incluem a citometria de fluxo para determinar as contagens de linfócitos T, B e células NK. Dosar a ADA e os níveis de nucleosídeo fosforilase da purina na contagem de leucócitos, eritrócitos e fibroblastos. Testes de inativação X devem ser realizados para determinar se o imunodeficiência combinada grave é ligado ao X.

Para ajudar a determinar a gravidade e o prognóstico, os médicos muitas vezes testam os pacientes à procura de mutações comuns que são características da imunodeficiência combinada grave (p. ex., IL-2RG, RAG1 e RAG2, JAK3, Artemis [DCLRE1C]).

Não se recomenda teste genético de parentes.

Tratamento da imunodeficiência combinada grave

  • Suspender o isolamento

  • Tratamento de suporte utilizando terapia de reposição de imunoglobulinas, antibióticos e antifúngicos

  • Transplante de células-tronco hematopoiéticas

  • Reposição enzimática para deficiência de ADA

  • Terapia genética para imunodeficiência combinada grave deficiente de ADA

Pacientes com de imunodeficiência combinada grave devem ser mantidos em repouso e isolamento reverso.

O tratamento com reposição de imunoglobulinas, antibióticos (incluindo profilaxia para P. jirovecii) e antifúngicos pode ajudar a prevenir as infecções, mas não é curativo.

Em 90 a 100% dos neonatos com imunodeficiência combinada grave ou suas variantes, transplante de células-tronco hematopoiéticas de irmão compatível com cultura de leucócitos misturada e HLA idêntico restaura a imunidade. Quando não há um irmão com HLA idêntico, pode-se utilizar células-tronco hematopoiéticas haploidênticas de um parente que seja rigorosamente depletado de células T. Se a imunodeficiência combinada grave for diagnosticada aos 3 meses de idade, a taxa de sobrevida após o transplante com um desses dois tipos de células-tronco hematopoiéticas é de 96%. A quimioterapia pré-transplante é desnecessária, pois os pacientes não possuem células T, logo, não apresentarão rejeição ao enxerto.

Pode-se tratar os pacientes com deficiência de ADA que não receberam enxerto de medula óssea com injeções de ADA bovina modificada com polietilenoglicol, uma ou duas vezes por semana.

A terapia gênica tem sido bem-sucedida no imunodeficiência combinada grave deficiente em ADA, não se tendo relatado leucemias ou linfomas pós-tratamento. Uma publicação mostrou resultados altamente favoráveis da terapia gênica em 50 pacientes com IDCG-ADA (1). A terapia gênica também foi bem-IDCG ligada ao X, mas causou leucemias de células T, impossibilitando seu uso. A terapia genética contra outros tipos de IDCG está sob estudo, incluindo os ensaios clínicos que estão com inscrições abertas e que irão analisar a IDC-ADA e IDCG ligada ao X. Um pequeno estudo recente mostrou resultados favoráveis da terapia gênica na IDCG com deficiência de Artemis (2).

Referências sobre tratamento

  1. 1. Kohn DB, Booth C, Shaw KL, et al: Autologous ex vivo lentiviral gene therapy for adenosine deaminase deficiency. N Engl J Med 384(21):2002–2013, 2021. doi:10.1056/NEJMoa2027675

  2. 2. Cowan MJ, Yu J, Facchino J, et al: Lentiviral gene therapy for Artemis-deficient SCID. N Engl J Med 387(25):2344–2355, 2022. doi:10.1056/NEJMoa2206575

Pontos-chave

  • Suspeitar de imunodeficiência combinada grave (IDCG) se o recém-nascido tem infecções recorrentes, doença enxerto-hospedeiro ou dermatite esfoliativa.

  • O diagnóstico é confirmado se os pacientes têm linfopenia, números deficientes de células T e nenhuma resposta linfoproliferativa a mitógenos.

  • Determinar as contagens de linfócitos T, B e células NK para identificar o tipo de imunodeficiência combinada grave.

  • Administrar imunoglobulina profilática e antimicrobianos.

  • Fazer transplante precoce de células-tronco hematopoiéticas sempre que possível.

  • Se os pacientes com imunodeficiência combinada grave deficientes de ADA não recebem um enxerto da medula óssea, utilizar reposição de ADA e, às vezes, terapia genética.

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