Vírus estão entre os menores micróbios, tipicamente variando 0,02 a 0,3 micrômetro, embora diversos vírus muito grandes de até 1 micrômetro de comprimento (megavírus chilensis, pandoravírus) tenham sido descobertos recentemente. Vírus dependem completamente das células (bactérias, plantas ou animais) para se reproduzir. Alguns vírus têm um invólucro externo que consiste em proteínas e lipídios, circundando um complexo proteico com RNA ou DNA genômico e, às vezes, enzimas necessárias para os primeiros passos da replicação viral.
A classificação dos vírus é feita principalmente de acordo com a sequência do genoma, levando em consideração a natureza e a estrutura do genoma e o método de replicação, mas não de acordo com as doenças que os vírus causam (ver International Committee on Taxonomy of Viruses (ICTV), 2021 release). Assim, há vírus de DNA e vírus de RNA; ambos podem ter cadeias simples ou duplas de material genético. Os vírus de RNA de fita simples são divididos naqueles com RNA de senso (+) e senso (-). Os vírus de RNA de sentido positivo têm um genoma de RNA de cadeia simples que pode servir como RNA mensageiro (m RNA) que, por sua vez, pode ser diretamente traduzido para produzir uma sequência de aminoácidos. Os vírus de RNA de sentido negativo têm um genoma de cadeia simples de sentido negativo que primeiro precisa sintetizar um antígeno complementar de sentido positivo, o qual, então, é utilizado para produzir o RNA genômico de sentido negativo. Os vírus de DNA tipicamente se replicam no núcleo da célula hospedeira e os vírus de RNA normalmente se replicam no citoplasma.
Alguns vírus de RNA de fita simples e senso (+), denominados retrovírus, utilizam um método muito diferente de replicação. Os retrovírus utilizam a transcrição reversa para criar uma cópia de DNA de fita dupla (um pró-vírus) do seu genoma RNA, que é inserida no genoma da sua célula hospedeira. A transcrição reversa é realizada por meio da enzima de transcriptase reversa, que o vírus transporta com ele dentro de seu invólucro. Exemplos de retrovírus são os vírus da imunodeficiência humana e os vírus da leucemia de células T humanas. Depois que o pró-vírus está integrado ao DNA da célula hospedeira, ele normalmente é transcrito utilizando mecanismos celulares típicos para produzir as proteínas virais e o material genético.
Se uma célula da linha germinativa é infectada por um retrovírus, o pró-vírus integrado pode se estabelecer como um retrovírus endógeno que é transmitido para a prole. O sequenciamento do genoma humano revelou que pelo menos 1% do genoma humano consiste em sequências retrovirais endógenas, representando encontros anteriores com retrovírus durante o curso da evolução humana. Alguns retrovírus humanos endógenos permaneceram transcricionalmente ativos e produzem proteínas funcionais (p. ex., as sincitinas que contribuem para a estrutura da placenta humana) (1). Alguns especialistas supõem que algumas doenças de etiologia incerta, como a esclerose múltipla, certas doenças autoimunes e vários tipos de câncer, possam ser causadas por retrovírus endógenos.
Como a transcrição do RNA não envolve os mesmos mecanismos de verificação de erros que a transcrição do DNA, os vírus de RNA, sobretudo os retrovírus, são especialmente propensos a mutações.
Os genomas virais são pequenos; o genoma dos vírus de RNA varia de 3,5 quilobases (alguns retrovírus) a 27 quilobases (alguns reovírus), e o genoma dos vírus de DNA varia de 5 quilobases (alguns parvovírus) a 280 quilobases (alguns poxvírus). Esse tamanho administrável juntamente com os avanços atuais na tecnologia de sequenciamento de nucleotídeos significa que o sequenciamento parcial e total do genoma dos vírus irá tornar-se um componente essencial nas investigações epidemiológicas das epidemias de doenças.
Para que a infecção ocorra, o vírus primeiramente ataca a célula do hospedeiro em um ou em um das várias moléculas receptoras na superfície celular. O DNA ou o RNA viral, então, separa-se da camada externa (desencapsulamento) e reproduz-se dentro da célula hospedeira, em um processo que requer enzimas específicas. Os componentes virais recém-sintetizados então formam uma partícula viral completa. A célula hospedeira geralmente morre, liberando novos vírus que infectam outras células hospedeiras. Cada passo da replicação viral recruta diferentes enzimas e substratos e oferece uma oportunidade de interferir no processo da infecção.
As consequências de uma infecção viral variam consideravelmente. Muitas infecções causam doença grave após um breve período de incubação, mas algumas são assintomáticas ou provocam sintomas leves que talvez não possam ser reconhecidos. Muitas infecções virais são eliminadas pelo sistema imunitário, mas algumas permanecem em estado latente, e algumas causam doença crônica.
Nas infecções latentes, o RNA ou o DNA viral permanece nas células hospedeiras, mas não se replica nem causa doenças por muito tempo, algumas vezes por muitos anos. Infecções virais latentes podem ser transmissíveis durante o período assintomático, facilitando o contágio de pessoa para pessoa. Às vezes, um deflagrador (particularmente, a imunossupressão) provoca reativação.
Vírus comuns que permanecem latentes incluem
Papovavírus (composto por 2 subgrupos: papilomavírus e poliomavírus)
O vírus Ebola parece persistir em locais imunologicamente privilegiados do corpo humano (p. ex., testículos, olhos) (2).
Algumas doenças são causadas por reativação viral no sistema nervoso central após um período de latência muito longo. Essas doenças incluem
Leucoencefalopatia multifocal progressiva (decorrente da reativação do vírus JC [John Cunningham], um poliomavírus)
Pan-encefalite esclerosante subaguda (decorrente do vírus do sarampo)
Pan-encefalite progressiva por rubeola (decorrente do vírus da rubeola)
As infecções virais crônicas são caracterizadas pela transmissão viral contínua e prolongada; exemplos são a infecção congênita pelo vírus da rubeola ou por citomegalovírus e hepatite B ou C persistente. O HIV pode causar tanto infecções crônicas como latentes.
Várias centenas de vírus diferentes infectam seres humanos. Vírus que primariamente infectam seres humanos com frequência disseminam-se por via respiratória e por excreções entéricas. Testa-se o sangue coletado para transfusão à procura de múltiplas viroses (ver tabela Testes para doenças infecciosas transmissíveis). Muitos vírus são transmitidos por meio de vetores roedores ou artrópodes, e os morcegos foram recentemente identificados como hospedeiros de quase todos os vírus de mamíferos, incluindo alguns responsáveis por certas infecções humanas graves (p. ex., SARS-CoV-2).
Alguns vírus são transmitidos sexualmente por contato com mucosas, como o zika virus. Outros vírus são transmitidos por transferência hematológica (p. ex., perfuração por agulha contaminada ou transfusão), incluindo os vírus da hepatite A, B, C e E, e os seguintes arbovírus:
Citomegalovírus [CMV] e Vírus Epstein-Barr são os vírus mais predominantemente transferidos por meio de transplante de tecido. Outros desses vírus incluem
Arbovírus como zika virus, vírus do oeste do Nilo, e dengue
Os vírus existem mundialmente, mas sua disseminação é limitada por resistência inata, imunização por infecções anteriores ou vacinas, medidas de controle sanitário e outras medidas de saúde pública e fármacos antivirais profiláticos.
O ciclo biológico dos vírus zoonóticos ocorre principalmente em animais; seres humanos são os hospedeiros secundários ou acidentais. Esses vírus são limitados a áreas e ambientes capazes de suportar seus ciclos naturais de infecção em não humanos (vertebrados, artrópodes, ou ambos).
Inicialmente, acreditava-se que a doença de Creutzfeldt-Jakob variante e a encefalopatia espongiforme eram causadas por um vírus e denominadas doenças virais lentas porque têm incubações demoradas (anos), mas agora são conhecidas por serem causadas por príons; príons são agentes proteicos causadores de doenças que não são bactérias, fungos ou vírus, e que não contêm material genético.
(Ver também Tipos de doenças virais.)
Vírus e câncer
Alguns vírus são oncogênicos e predispõem a certos tipos de câncer:
Vírus da imunodeficiência humana (HIV): sarcoma de Kaposi, linfoma não Hodgkin, carcinoma de colo do útero, linfoma de Hodgkin e carcinomas de boca, garganta, fígado, pulmão e ânus
Papilomavírus humano (HPV): carcinoma cervical, carcinoma peniano, carcinoma vaginal, carcinoma anal, carcinoma orofaríngeo e carcinoma esofágico
Vírus T-linfotrópico humano 1: certos tipos de leucemia e linfomas humanos
Vírus Epstein-Barr: carcinoma nasofaríngeo, linfoma de Burkitt, linfoma de Hodgkin e linfomas em receptores imunossuprimidos de órgãos transplantados
Vírus da hepatite B e da hepatite C: carcinoma hepatocelular
Herpes-vírus humano tipo 8: sarcoma de Kaposi, linfomas de efusão primária e doença multicêntrica de Castleman (um distúrbio linfoproliferativo)
Referências
1. Dupressoir A, Lavialle C, Heidmann T: From ancestral infectious retroviruses to bona fide cellular genes: role of the captured syncytins in placentation. Placenta 33(9):663-671, 2012. doi:10.1016/j.placenta.2012.05.005
2. Schindell BG, Webb AL, Kindrachuk J: Persistence and sexual transmission of filoviruses. Viruses 10(12):683, 2018. doi: 10.3390/v10120683
Diagnóstico de infecções virais
Algumas doenças virais podem ser diagnosticadas como a seguir:
Clinicamente (isto é, diagnóstico baseado em sintomas conhecidos do paciente, p. ex., sarampo, rubeola, roséola infantil, eritema infeccioso e catapora)
Epidemiologicamente (isto é, diagnóstico baseado na definição de caso durante surtos epidêmicos, p. ex., influenza, norovírus e caxumba)
O diagnóstico definitivo é necessário principalmente quando o tratamento específico puder ser útil ou quando o agente puder ser uma ameaça à saúde pública (p. ex., HIV). A maioria dos laboratórios hospitalares pode testar muitos vírus, mas para as doenças menos comuns (p. ex., raiva, encefalite equina oriental ou parvovírus humano B19), as amostras devem ser enviadas para laboratórios de saúde estatais ou (nos Estados Unidos) para os Centers for Disease Control and Prevention (CDC).
Exame sorológico para anticorpos durante as fases aguda e convalescente pode ser sensível e específico, mas é demorado; com alguns vírus, sobretudo flavivírus, reações cruzadas confundem o diagnótico. Diagnóstico mais rápido pode ser feito utilizando cultura, PCR (polymerase chain reaction) ou testes para antígenos virais. Histopatologia com microscopia eletrônica (não luz) às vezes pode ajudar. Procedimentos diagnósticos específicos, ver Diagnóstico laboratorial de doenças infecciosas.
Tratamento das infecções virais
Fármacos antivirais
O progresso no uso de fármacos antivirais está ocorrendo rapidamente. Os mecanismos dos fármacos antivirais podem ser direcionados para várias fases da replicação viral. Os antivirais podem
Interferir na ligação das partículas virais com as membranas das células hospedeiras ou remover revestimentos de ácidos nucleicos virais
Inibir um receptor ou fator celular necessário para a replicação viral
Bloquear enzimas codificadas por vírus específicas e proteínas que são produzidas nas células hospedeiras e que são essenciais para a replicação viral, mas não para o metabolismo normal da célula hospedeira
Utilizam-se frequentemente antivirais de forma terapêutica ou profilática contra herpes-vírus (incluindo citomegalovírus), vírus respiratórios, HIV, hepatite crônica B e hepatite crônica C. Porém, alguns fármacos são eficazes contra muitos tipos diferentes de vírus. Por exemplo, alguns fármacos contra HIV são utilizadas para outras infecções virais, como pelo vírus da hepatite B (HBV, hepatitis B virus).
Fármacos antivirais foram desenvolvidos para o tratamento da covid-19, que é causada pelo SARS-CoV-2.
Interferonas
Interferonas são compostos liberados de células infectadas do hospedeiro, em resposta ao vírus ou a outros antígenos estranhos.
Há muitas interferonas diferentes com numerosos efeitos, incluindo bloqueio na tradução e transcrição de RNA viral e interrupção da replicação viral sem alterar a função normal da célula do hospedeiro.
As interferonas, às vezes, são ligadas ao polietilenoglicol (formulações peguiladas), o que permite uma lenta e contínua liberação da interferona.
As doenças virais às vezes tratadas com terapia com interferona são
Verrugas genitais (condiloma acuminado)
Efeitos adversos das interferonas incluem febre, calafrios, fraqueza e mialgia, iniciando-se tipicamente 7 a 12 horas após a primeira injeção e prevalecendo até 12 horas. Depressão, hepatite e supressão de medula óssea, quando utilizadas em doses altas, também podem ocorrer.
Anticorpos
Pode-se utilizar soro convalescente e anticorpos monoclonais (mAbs) para tratar algumas infecções virais, (p. ex., infecção pelo vírus Ebola Zaire, vírus sincicial respiratório [VSR], vírus da raiva).
Prevenção de infecções virais
Vacinas
Vacinas funcionam estimulando a imunidade. Vacinas antivirais de uso geral incluem vacinas contra
Encefalite japonesa
Encefalite transmitida por carrapato
As vacinas contra adenovírus, varíola, e varíola dos macacos, bem como as vacinas para a febre do Vale Rift e encefalite equina oriental estão disponíveis, mas são utilizadas apenas em grupos de alto risco (p. ex., recrutas militares).
Diversas vacinas para prevenção da covid-19, causada pelo SARS-CoV-2, incluindo vacinas de mRNA e outros tipos de vacina, foram desenvolvidos.
Doenças virais podem ser erradicadas por vacinas eficazes. A varíola foi erradicada em 1978, e a peste bovina (causada por um vírus estreitamente relacionado com o vírus do sarampo humano) foi erradicada em 2011. A ampla vacinação quase erradicou poliomielite em todo o mundo, mas ainda ocorrem casos em regiões com imunização incompleta, como na África subsaariana e no sul da Ásia. O sarampo foi praticamente erradicado de algumas regiões do mundo, nomeadamente das Américas, mas como o sarampo é altamente contagioso e a cobertura vacinal é incompleta mesmo nas regiões onde é considerado erradicado, a erradicação final não é iminente.
As perspectivas para o desenvolvimento de vacinas e erradicação de outras infecções virais mais intratáveis (como o HIV) são atualmente incertas.
Imunoglobulinas
Imunoglobulinas estão disponíveis para imunização passiva profilática em situações limitadas. Podem ser utilizados pré-exposição (p. ex., para hepatite A), pós-exposição (p. ex., raiva, varicela, vírus sincicial respiratório, hepatite) e para tratar doenças (p. ex., eczema vaccinatum).
Medidas de proteção
Muitas infecções virais podem ser evitadas por meio de medidas de proteção de rotina (que variam dependendo do modo de transmissão de um determinado agente).
Medidas importantes de prevenção incluem
Lavar as mãos
Preparação adequada de alimentos e tratamento da água
Evitar contato com pessoas enfermas
Práticas sexuais mais seguras
Uso de máscara
Distanciamento físico quando apropriado (p. ex., para prevenção de covid-19)
Para infecções por insetos vetores (p. ex., mosquitos, carrapatos), a proteção pessoal contra picadas de vetores é importante, como repelentes e roupas adequadas.
Para infecções como Infecção pelo vírus Ebola, evitar contato com sangue e líquidos corporais (como urina, fezes, saliva, suor, vômitos, leite materno, líquido amniótico, sêmen e líquidos vaginais) de pessoas enfermas é uma medida protetora importante. Deve-se evitar o contato com o sêmen de um homem que se recuperou da infecção pelo vírus Ebola até que os exames mostrem que o vírus desapareceu de seu sêmen.