Arbovírus (vírus transmitidos por artrópodes) aplica-se ao vírus que é transmitido para seres humanos e/ou outros vertebrados por certas espécies de artrópodes que se alimentam de sangue, principalmente insetos (moscas e mosquitos) e aracnídeos (carrapatos).
Doença de Mayaro
O vírus Mayaro é um alfavírus da família dos Togavírus.
A doença de Mayaro é uma doença do tipo dengue por transmitida por mosquitos infectados pelo vírus Mayaro. É comum no Brasil e na Bolívia e é endêmica nas áreas tropicais da América do Sul (Trinidad, Suriname, Guiana, Brasil, Peru, Bolívia e Venezuela). Um caso de 2014 em Trinidad e um caso de 2015 no Haiti sugerem que há potencial de disseminação para outras áreas nas Américas com população abundante de Aedes aegypti.
A prevenção da doença de Mayaro é evitar picadas de mosquitos. Não há vacina disponível.
Febre pelo vírus Oropouche
O vírus Oropouche é um bunyavírus do grupo Simbu.
O vírus Oropouche é transmitido para seres humanos por Culicoides paraensis, uma espécie de muruim (mosquitos muito pequenos) presente nas Américas do Sul e Central e no Caribe.
A transmissão do vírus Oropouche ocorre em 2 ciclos:
Selvagem
Urbano-epidêmico
No ciclo selvagem, o reservatório do vírus Oropouche são os animais selvagens (p. ex., primatas, preguiças, certos artrópodes). No ciclo urbano-epidêmico, os humanos são o principal reservatório, e o ciclo de infecção é de humano para humano através do mosquito como vetor.
O vírus Oropouche está se aproximando das principais cidades brasileiras, e algumas autoridades de saúde pública acreditam que o vírus tem grande potencial epidêmico nas regiões onde existe. A OMS recomenda que a febre pelo vírus oropouche seja incluída no diagnóstico diferencial clínico das outras arborviroses febris comuns, (p. ex., doença de chicungunha, dengue, febre amarela, zica) (1).
Nos humanos, a febre pelo vírus oropouche lembra a dengue, causando febre e infecção aguda, podendo levar à meningite e à meningoencefalite.
O tratamento é de suporte.
A prevenção da febre pelo vírus oropouche é evitando as picadas de mosquitos. Não há vacina disponível.
Encefalite transmitida por carrapato
A encefalite transmitida por carrapatos é causada por um flavivírus que tem 3 subtipos: europeu, siberiano e oriental.
A encefalite transmitida por carrapatos é transmitida para os seres humanos em regiões focais que se estendem do leste da França ao norte do Japão, pela picada de carrapatos infectados com carapaça, o Ixodes ricinus na Europa e o Ixodes persulcatus na Sibéria e no Extremo Oriente. Os carrapatos são os vetores e os reservatórios do vírus, e pequenos roedores são o hospedeiro amplificador primário. A encefalite transmitida por carrapatos também pode ser adquirida pela ingestão de derivados lácteos não pasteurizados (como leite e queijo) provenientes de cabras, ovelhas ou vacas infectadas.
Os casos ocorrem do início da primavera ao final do verão, quando os carrapatos são mais ativos. Inicialmente ocorre uma leve síndrome gripal; a doença costuma desaparecer em poucos dias, mas alguns pacientes evoluem com sintomas mais graves (p. ex., meningite ou meningoencefalite). A incidência e a gravidade da doença são mais elevadas nas pessoas ≥ 50 anos. A taxa de letalidade e a frequência das sequelas neurológicas variam de acordo com o subtipo viral (ver Centers for Disease Control and Prevention [CDC]: Tick-borne encephalitis; Clinical Evaluation and Disease ).
A encefalite transmitida por carrapatos não é uma doença de notificação compulsória em todos os territórios norte-americanos; mas os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) informam que 5 casos de encefalite transmitida por carrapatos ocorreram entre norte-americanos que viajaram para a Europa e a China de 2000 a 2011 (2).
Deve-se suspeitar de encefalite transmitida por carrapatos em viajantes que têm ambos estes sintomas:
Doença febril inespecífica que evolui para doença neuroinvasiva 4 semanas após o retorno de uma região endêmica
Risco de exposição ao carrapato
O diagnóstico da encefalite transmitida por carrapatos costuma ser feito pela sorologia por detecção de anticorpos IgM específicos no sangue ou no líquido cefalorraquidiano, que tipicamente só aparecem após o início das manifestações neurológicas. O vírus que causa encefalite transmitida por carrapatos às vezes pode ser detectado no soro por isolamento do vírus ou por transcrição reversa seguida por reação em cadeia da polimerase (RT- PCR) no início da doença, antes que os títulos dos anticorpos tenham subido.
Como ocorre em outras meningoencefalites virais, o tratamento é de suporte.
A prevenção da encefalite transmitida por carrapatos envolve evitar picadas de carrapatos. Uma vacina está disponível em algumas áreas onde a encefalite transmitida por carrapato é endêmica (ver The European Centre for Disease Prevention and Control [ECDC]: Tick-Borne Encephalitis Recommended Vaccinations). Uma vacina está disponível nos Estados Unidos para viajantes norte-americanos que visitam áreas endêmicas que têm risco de exposição ao carrapato (ver CDC: Tick-borne encephalitis vaccine).
Vírus Powassan
Nos Estados Unidos, a encefalite transmitida por carrapatos é causada principalmente pelo vírus Powassan, um flavivírus antigenicamente relacionado com os vírus do Nilo Ocidental, o vírus da encefalite de St. Louis e o vírus da encefalite transmitida por carrapatos. As infecções pelo vírus Powassan foram notificadas principalmente nos estados do nordeste dos Estados Unidos e na região dos Grandes Lagos. A infecção pelo vírus Powassan em humanos também foi descrita no sudeste do Canadá e na Rússia (região sudeste da Sibéria, nordeste de Vladivostok).
Nos Estados Unidos, existem 2 tipos de vírus Powassan, ambos vinculados a doenças humanas:
Linhagem 1 do vírus Powassan: associada aos carrapatos Ixodes cookei ou Ixodes marxi
Linhagem 2 do vírus Powassan (às vezes chamada vírus do carrapato do alce): associada ao carrapato Ixodes scapularis, o mesmo carrapato que propaga a doença de Lyme, a anaplasmose e a babesiose
A infecção pela linhagem 2 do vírus Powassan é mais provável do que a infecção pela linhagem 1, porque os carrapatos I. cookei raramente picam as pessoas.
O tempo que um carrapato infectado deve estar preso à pessoa para poder transmitir o vírus Powassan é provavelmente muito mais curto (15 minutos) do que o tempo necessário para a transmissão da doença de Lyme [24 a 48 horas (3)].
Embora rara, a encefalite por vírus Powassan parece estar aumentando desde 2009. Um total de 202 casos de infecção por doença do vírus Powassan foram notificados nos Estados Unidos de 2012 a 2021, variando de 7 a 43 casos por ano; a maioria (189) era doença neurológica, resultando em 24 mortes. Os casos ocorrem do final da primavera até meados do outono, quando os carrapatos estão mais ativos (4).
Nos casos notificados de infecção pelo vírus Powassan, as sequelas neurológicas foram comuns e a letalidade foi alta (até 10% a 15%). Essa alta morbidade e mortalidade podem resultar de vieses de notificação, porque a soropositividade nas regiões endêmicas é conhecida por ser muito mais comum do que os casos notificados, sugerindo a existência de maior número de casos de infecção assintomática.
Deve-se considerar a infecção pelo vírus Powassan em pacientes com encefalite, especialmente quando o paciente tem história de picadas de carrapatos ou passa muito tempo ao ar livre e mora ou viajou recentemente para uma área endêmica. O diagnóstico é semelhante ao da encefalite transmitida por carrapatos, com sorologia para detectar os anticorpos IgM específicos contra o vírus Powassan no sangue ou no líquido cefalorraquidiano e confirmados por testes para anticorpos neutralizantes de amostras séricas de fase aguda e da convalescença em um laboratório de saúde pública estadual ou nos CDCs nos Estados Unidos.
Não há vacina para infecção por vírus Powassan; a vacina para encefalite transmitida por carrapatos é direcionada contra flavivírus diferentes e, quando uma dessas vacinas para encefalite transmitida por carrapatos foi testada em camundongos, não demonstrou ser protetora contra o vírus Powassan.
As pessoas em risco devem utilizar medidas de proteção pessoal para evitar picadas de carrapatos.
Outros vírus transmitidos por carrapatos
Outros vírus transmitidos por carrapatos nos Estados Unidos são
Vírus Bourbon: esse vírus foi isolado de um único paciente que morreu com falência múltipla de órgãos no condado de Bourbon, no Kansas. Um número limitado de casos foi relatado no sul e centro-oeste dos Estados Unidos.
Vírus Heartland: em 2022, houve relato de mais de 60 casos de doença pelo vírus Heartland em estados do meio-oeste, do nordeste e sul dos Estados Unidos (5). A infecção por esse vírus geralmente causa uma doença febril autolimitada e inespecífica, que pode ser acompanhada por leucopenia. Pode haver trombocitopenia e as aminotransferases hepáticas podem estar altas. Um paciente morreu. O CDC encontrou sinais de que o vírus Heartland circula em cervos, guaxinins, coiotes e alces em 13 estados, do Texas à Carolina do Norte e da Flórida ao Maine.
Vírus da febre do carrapato do Colorado: um coltivírus causa a febre do carrapato do Colorado. A febre do carrapato do Colorado foi diagnosticada em regiões do oeste dos Estados Unidos e do Canadá que estão entre 1.200 e 3.000 metros acima do nível do mar onde o carrapato vetor Dermacentor andersoni está localizado. Nos Estados Unidos, um total de 59 casos foi notificado ao CDC de 2010 a 2019 (6). A doença causa uma febre inespecífica que raramente é complicada por meningite ou encefalite. Raramente é transmitido por transfusão de sangue.
Vírus do sorogrupo da encefalite da Califórnia
Os vírus do sorogrupo da encefalite da Califórnia, como o vírus da encefalite da Califórnia, o vírus La Crosse e o vírus Jamestown Canyon, pertencem à família Bunyaviridae. Esses vírus são transmitidos e mantidos por mosquitos Aedes e ocorrem nas Montanhas Rochosas, leste dos Estados Unidos, sudeste do Canadá e oeste da Europa.
Os vírus do sorogrupo da encefalite da Califórnia causam sintomas (p. ex., febre, sonolência, embotamento, sinais neurológicos focais, convulsões) principalmente em crianças, exceto para o vírus Jamestown Canyon, que também pode acometer adultos. Envolvimento do lobo temporal pode imitar encefalite por herpes; 20% dos pacientes desenvolvem problemas comportamentais ou crises recorrentes.
Não há tratamento disponível.
Febre hemorrágica de Omsk e doença da floresta de Kyasanur
Febre hemorrágica de Omsk e doença da floresta de Kyasanur são transmitidas por carrapatos ou por contato direto com um animal infectado (p. ex., roedor, macaco). A febre hemorrágica de Omsk é causada por um flavivírus; ela ocorre na Rússia, incluindo Sibéria. Doença da floresta de Kyasanur, também causada por um flavivírus, ocorre na Índia.
Febre hemorrágica de Omsk e doença da floresta de Kyasanur são enfermidades febris agudas acompanhadas por diátese hemorrágica, pressão arterial baixa, leucopenia e trombocitopenia; alguns pacientes desenvolvem encefalite na 3ª semana. A letalidade é < 3% dos casos para a febre hemorrágica de Omsk e de 3 a 5% para a doença da floresta de Kyasanur (7, 8).
A prevenção consiste em evitar picadas de mosquitos e animais infectados. Uma vacina para o vírus da febre de Kyasanur é produzida na Índia.
Febre do Vale Rift
A febre do Vale Rift, causada por um flebovírus, é disseminada por mosquitos e pode ser transmitida por
Contato direto ou indireto com sangue ou órgãos de animais infectados (p. ex., durante o abate ou procedimentos veterinários)
Inalação de aerossóis infectados
Ingestão de leite cru de animais infectados
Ovos de mosquitos Aedes infectados por vírus podem conter o vírus. Esses ovos infectados podem persistir por meses a anos e, quando cobertos por água, podem eclodir e produzir mosquitos fêmeas infectadas capazes de transmissão.
A febre do Vale Rift ocorre na África do Sul, na África Oriental e Ocidental e Egito (9).
A febre do Vale Rift raramente evolui para distúrbios oculares, meningoencefalite, ou uma forma hemorrágica (letalidade de 50% dos casos). Pode haver múltiplos casos de aborto na população bovina antes que apareçam casos humanos.
Existe vacina para o gado e a vacina para seres humanos está sendo pesquisada.
Referências sobre arbovírus
1. World Health Organization: Oropouche virus disease - Peru
2. CDC: Yellow Book: Infectious Diseases Related to Travel: Tickborne Encephalitis
3. Doughty CR, Yawetz S, Lyons J: Emerging causes of arbovirus encephalitis in N America: Powassan, Chikungunya and Zika Viruses. Curr Neurol Neurosci Rep 17:12, 2017. doi 10.1007/s119190-017-724-2
4. CDC: Powassan Virus Statistics and Maps
5. CDC: Heartland virus disease (Heartland) Statistics & Maps
6. CDC: Colorado tick fever (CTF) Statistics & Maps
7. CDC: Omsk Hemorrhagic Fever Signs and Symptoms
8. CDC: Kyasanur Forest Disease Signs and Symptoms
9. CDC: Rift Valley fever Distribution Map