A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é a doença priônica humana mais comum. Ocorre em todo o mundo e tem várias formas e subtipos. Os sintomas da DJC são demência, mioclonia e outros deficits do SNC; a morte geralmente ocorre em 4 meses a 2 anos depois da infecção, dependendo da modalidade e do subtipo da DCJ. O tratamento é de suporte.
(Ver também Visão geral das doenças priônicas.)
A doença de Creutzfeldt-Jakob tem 3 formas (1):
Esporádica (DCJe)
Familiar
Adquirida
A DCJe é o tipo mais comum, sendo responsável por cerca de 85% dos casos (2). A DCJe geralmente afeta pessoas com mais de 40 anos de idade (média etária de cerca de 65 anos).
A DJC familiar ocorre em cerca de 5 a 15% dos casos. A herança é quase universalmente autossômica dominante; a idade de início é, em geral, mais precoce do que na DCJe, e a duração dela pode ser, em média, mais longa.
A DJC adquirida é provavelmente responsável por 1% dos casos. Ela ocorreu após a ingestão de carne contaminada por príons (na DJC variante [DCJv]). A doença de Creutzfeldt-Jakob iatrogênica (iDCJ) pode ser adquirida pelo uso de transplante durais ou de córneas de cadáveres, eletrodos estereotáxicos intracerebrais, hormônio do crescimento ou gonadotropinas preparado com hipófise humana (3). Demonstrou-se que a variante DCJ é transmitida iatrogenicamente pela exposição ao sangue, mas nenhum dado epidemiológico sugere que outras formas da DCJ (ou outras doenças priônicas) sejam transmitidas dessa maneira (4). Cerca de metade dos casos de iDCJ envolve alterações semelhantes às da doença de Alzheimer, sugerindo que na iDCJ, um distúrbio que se assemelha à doença de Alzheimer (além da doença de Creutzfeldt-Jakob) pode ser adquirido iatrogenicamente (5).
Doença de Creutzfeldt-Jakob variante (DCJv)
A DCJv é uma forma adquirida rara da DCJ. A maioria dos casos ocorreu no Reino Unido, que teve 178 casos em 7 de maio de 2022 (6), em comparação com 55 casos em todos os outros países europeus e não europeus até maio de 2022. A DCJv ocorre depois da ingestão de carne bovina com encefalopatia espongiforme bovina (EEB), também chamada doença da vaca louca.
Na DCJv, os sintomas se desenvolvem em uma idade mais jovem (< 30 anos) do que na DCJe. Em casos recentes, o período de incubação (tempo entre a ingestão da carne contaminada e o desenvolvimento dos sintomas) foi de 12 a > 20 anos.
No início dos anos de 1980, por causa dos controles flexíveis no processamento de produtos derivados de animais, o tecido de ovelha, provavelmente de ovelha infectada por scrapie ou gado infectado por EBB, foi introduzida a proteína de prion (PrPSc) na alimentação do gado. Centenas de milhares de bovinos desenvolveram EEB. Apesar da exposição generalizada, relativamente poucas pessoas que se alimentaram da carne do gado afetado desenvolveram DCJv.
Como o período de incubação da EEB é longo, no Reino Unido não se reconheceu a conexão entre essa doença e o gado contaminado até esta se tornar epidêmica. A epidemia de EEB foi controlada depois do abate maciço de gado e após alterações nos procedimentos de processamento, que reduziram drasticamente a contaminação da carne pelo tecido do sistema nervoso. No Reino Unido, o número anual de novos casos de DCJv, que atingiu o pico em 2000, caiu constantemente, com apenas 2 casos depois de 2011.
Quatro casos da DCJv foram associados com transfusão de sangue; eles ocorreram em pessoas que receberam transfusões entre 1996 e 1999. No Reino Unido, cerca de 1/2000 pessoas podem ser portadoras da DCJv (com base na análise de um grande número de amostras de tecido do apêndice) (7), mas não têm nenhum sintoma; essas pessoas podem transmitir a doença se doarem sangue ou passarem por um procedimento cirúrgico. Não se sabe ao certo se há um pool latente de indivíduos que receberam transfusões de sangue contaminado e assim estão em risco de desenvolver tardiamente DCJv. Mas recomendações para doadores de sangue relacionadas à DCJv podem reduzir ainda mais o risco de transmissão de DCJv por transfusão de sangue, que já é muito baixo fora da França e do Reino Unido.
Embora nenhum caso de DCJv originário da América do Norte tenha sido relatada, EBB foi identificada em gado na América do Norte (6 em nos Estados Unidos e 20 no Canadá [8]).
Referências
1. Gambetti P, Kong Q, Zou W, et al: Sporadic and familial CJD: Classification and characterisation. Br Med Bull 66(1):213-239, 2003. doi: https://doi.org/10.1093/bmb/66.1.213
2. Ladogana A, Puopolo M, Croes EA, et al: Mortality from Creutzfeldt-Jakob disease and related disorders in Europe, Australia, and Canada. Neurology64(9):1586-1591, 2005. doi: 10.1212/01.WNL.0000160117.56690.B2
3. Ritchie DL, Barria MA, Peden, AH, et al: UK Iatrogenic Creutzfeldt-Jakob disease: Investigating human prion transmission across genotypic barriers using human tissue-based and molecular approaches. Acta Neuropathol 133(4):579-595, 2017. doi: 10.1007/s00401-016-1638-x
4. Crowder LA, Dodd RY, Schonberger LB: Absence of evidence of transfusion transmission risk of Creutzfeldt-Jakob disease in the United States: Results from a 28-year lookback study. Transfusion 64(6):980-985, 2024. doi: 10.1111/trf.17837
5. Cali I, Cohen ML, Haik S, et al: Iatrogenic Creutzfeldt-Jakob disease with amyloid-β pathology: An international study. Acta Neuropathol Commun 6(1):5, 2018. doi: 10.1186/s40478-017-0503-z
6. Variant CJD cases worldwide: National CJD Research & Surveillance Unit. Dados corretos em 7 de maio de 2022. Acessado em 18 de outubro de 2022.
7. Gill ON, Spencer Y, Richard-Loendt A, et al: Prevalence in Britain of abnormal prion protein in human appendices before and after exposure to the cattle BSE epizootic. Acta Neuropathol 139(6):965-976, 2020. doi: 10.1007/s00401-020-02153-7
8. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Bovine Spongiform Encephalopathy (BSE). Em 10 de maio de 2024. Acessado em 24 de junho de 2024.
Sinais e sintomas da doença de Creutzfeldt-Jakob
A maioria dos pacientes com a doença de Creutzfeldt-Jakob apresenta perda de memória e confusão, que com o tempo se desenvolve em todos os pacientes (1); cerca de um quarto dos pacientes apresenta falta de coordenação e ataxia, que frequentemente surgem no início da doença. A mioclonia provocada por ruído ou outros estímulos sensoriais (fenômeno do susto exagerado) geralmente desenvolve-se nos estágios médio e tardio da doença. Pessoas com DCJv apresentam sintomas psiquiátricos (p. ex., ansiedade, depressão), em vez de perda de memória. Sintomas tardios são semelhantes em ambas as formas.
Embora demência, ataxia e mioclonia sejam mais características, podem ocorrer outras alterações neurológicas (p. ex., alucinações, crises epilépticas, neuropatia, diversos distúrbios de movimento).
Distúrbios oculares (p. ex., defeitos de campo visual, diplopia, obscurecimento ou embaçamento da visão, agnosia visual) são comuns na DCJe.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Appleby BS, Appleby KK, Crain BJ, et al: Characteristics of established and proposed sporadic Creutzfeldt-Jakob disease variants. Arch Neurol 66(2):208-215, 2009. doi: 10.1001/archneurol.2008.533
Diagnóstico da doença de Creutzfeldt-Jakob
RM ponderada em difusão
Marcadores no liquor (LCR)
Complexos periódicos de ondas agudas (CPOA) no eletroencefalograma (EEG)
Exclusão de outras doenças
A doença de Creutzfeldt-Jakob deve ser considerada em pacientes idosos com demência progressiva rápida, em especial quando acompanhada por mioclonia ou ataxia. Entretanto, outras doenças podem imitar a DCJ devem ser consideradas; essas doenças incluem
Vasculite do sistema nervoso central (SNC)
Doença de Alzheimer rapidamente progressiva
Encefalopatia de Hashimoto (uma encefalopatia autoimune caracterizada por níveis elevados de anticorpos da tireoide e que responde a corticoides)
Linfoma intravascular (um linfoma raro)
Encefalite que a afeta o sistema límbico, tronco cerebral e cerebelo
Intoxicação por lítio ou bismuto.
Suspeita-se de doença de Creutzfeldt-Jakob em pacientes jovens sintomáticos quando foram expostos a carne contaminada por príon no Reino Unido ou em outros países em situação de risco ou que têm história familiar de doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ familiar). Raramente, a DCJe se desenvolve em pacientes jovens, mas nesses pacientes, outras doenças devem ser excluídas.
O diagnóstico da DCJ pode ser difícil.
O melhor teste diagnóstico não invasivo para DCJ é
RM ponderada em difusão
Pode detectar áreas em evolução da hiperintensidade (áreas brilhantes) na faixa cortical e/ou nos gânglios da base, o que sugere fortemente DCJ. Ressonância magnética por difusão (diffusion-weighted imaging, DWI) é a sequência de ressonância magnética mais sensível para identificar esses achados (1).
Os níveis de proteínas 14-3-3, enolase específica do cérebro, e tau são comumente mais altos no líquido cefalorraquidiano, mas não são específicos para a DCJ. Um exame do líquido cefalorraquidiano, chamado conversão em tempo real induzida por tremor (RT-QuIC), amplifica e detecta quantidades mínimas da atividade priônica no LCR; esse exame parece ser mais preciso do que os exames anteriores do LCR, com sensibilidade de cerca de 90% e especificidade de cerca de 99% (2). Um teste semelhante pode detectar de forma confiável evidências da DCJv identificando príons na urina.
EEG, às vezes, pode ser útil no diagnóstico. Os resultados são positivos em cerca de 65% dos pacientes com DCJ (3); EEG mostra ondas nítidas periódicas e características, mas esse padrão costuma ocorrer mais tarde na doença, pode ser transitório e não ocorre em todos os casos da DCJ.
Biópsia cerebral geralmente não é necessária e só é recomendada se outras condições além das doenças priônicas estiverem sendo consideradas.
Referências sobre diagnóstico
1. Bizzi A, Pascuzzo R, Blevins J, et al: Evaluation of a new criterion for detecting prion disease with diffusion magnetic resonance imaging. JAMA Neurol 77(9):1141-1149, 2020. doi: 10.1001/jamaneurol.2020.1319
2. Foutz A, Appleby BS, Hamlin C, et al: Diagnostic and prognostic value of human prion detection in cerebrospinal fluid. Ann Neurol 81(1):79-92, 2017. doi: 10.1002/ana.24833
3. Figgie MP Jr, Appleby BS: Clinical use of improved diagnostic testing for detection of prion disease. Viruses 13(5):789, 2021. doi: 10.3390/v13050789
Tratamento da doença de Creutzfeldt-Jakob
Cuidados de suporte
Existe apenas tratamento de suporte para os sintomas associados à DCJ.
Prognóstico para doença de Creutzfeldt-Jakob
Em geral, morte ocorre entre 6 e 12 meses, muitas vezes decorrente de pneumonia. A DCJv se desenvolve em pessoas com faixa etária mais baixa na doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica e a expectativa de vida é maior (em média de 1,5 ano).
Prevenção da doença de Creutzfeldt-Jakob
Como não há tratamento eficaz, é essencial a prevenção da DCJ transmissível.
Profissionais que manipulam líquidos e tecidos de pacientes com suspeita de DCJ devem utilizar luvas e evitar exposição da mucosa. Pode-se realizar a antissepsia da pele contaminada aplicando hidróxido de sódio a 4% por 5 a 10 minutos, seguida por enxágue abundante com água.
Recomenda-se autoclavagem a vapor a 132° C durante 1 hora ou imersão em hidróxido de sódio 1 N (normal) ou solução de hipoclorito de sódio a 10% por 1 hora para materiais que entram em contato com tecidos de pacientes com suspeita ou confirmação de DCJ. Os métodos-padrão de esterilização (p. ex., exposição à formalina) são ineficazes.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) atualmente faz a vigilância de casos de EEB.
Pontos-chave
Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é a doença priônica humana mais comum; a forma esporádica representa cerca de 85% dos casos.
A doença de Creutzfeldt-Jakob adquirida, que provavelmente é responsável por < 1% dos casos de DCJ, pode resultar da ingestão de carne bovina contaminada por príons (na doença de Creutzfeldt-Jakob variante [DCJv]) ou pode ser adquirida iatrogenicamente (na DCJ iatrogênica [DCJi]).
A maioria dos casos de DCJv ocorreu no Reino Unido (178 casos até em maio de 2022, com apenas 2 desde 2011); 55 casos ocorreram em todos os outros países europeus e não europeus até em maio de 2022.
A maioria dos pacientes com DCJ apresenta perda de memória e confusão, que com o tempo se desenvolve em todos os pacientes; cerca de 25% apresentam falta de coordenação e ataxia.
Considerar a DCJ em pacientes idosos com demência rapidamente progressiva, especialmente se também tiverem mioclonia ou ataxia, e suspeitá-la em pacientes mais jovens e sintomáticos que tenham sido expostos a carne bovina contaminada por príons ou que tenham história familiar de DCJ.
Fazer RM ponderada por difusão para verificar áreas de hiperintensidade na faixa cortical e/ou gânglios da base, que sugerem fortemente DCJ; também considerar realizar exame RT-QuIC no LCR.
Em geral, ocorre morte após 6 a 12 meses, mas a expectativa de vida na variante da DCJv é mais longa, em média 1,5 ano.
Recomenda-se autoclavagem a vapor ou imersão dos materiais contaminados em hidróxido de sódio ou hipoclorito de sódio para evitar a disseminação.