Os tipos de demência incluem a demência com corpos de Lewy diagnosticada clinicamente e a demência por doença de Parkinson. A demência de corpos de Lewy é uma degeneração cognitiva crônica caracterizada por inclusões celulares denominadas corpos de Lewy, presentes no citoplasma de neurônios corticais. Demência por doença de Parkinson é a degeneração cognitiva caracterizada por corpos de Lewy na massa negra; que se desenvolve tardiamente na doença de Parkinson.
(Ver também Visão geral de delirium e demência e Demência.)
Demência é a degeneração crônica, global e geralmente irreversível da cognição.
A demência de corpos de Lewy é a 3ª demência mais comum. Em geral, a idade de início é > 60 anos.
Corpos de Lewy são inclusões esféricas, eosinofílicas, presentes nos citoplasmas neuronais, compostos por agregados de alfa-sinucleína, uma proteína sináptica. Ocorrem no córtex de pacientes que têm demência com corpos de Lewy. As concentrações de neurotransmissores e vias neuronais entre o estriado e o neocórtex são anormais.
Corpos de Lewy também ocorrem na massa negra de pacientes com doença de Parkinson, e demência (demência por doença de Parkinson) pode se desenvolver mais tarde na doença. Cerca de 40% dos pacientes com doença de Parkinson desenvolvem demência por doença de Parkinson, geralmente após os 70 anos de idade e aproximadamente 10 a 15 anos após a doença de Parkinson ser diagnosticada.
Como corpos de Lewy ocorrem na demência por corpos de Lewy e na demência por doença de Parkinson, algumas especialistas pensam que as 2 doenças podem ser parte de uma sinucleinopatia mais generalizada que afeta os sistemas nervosos central e periférico. Os corpos de Lewy algumas vezes ocorrem em pacientes com doença de Alzheimer e os pacientes com demência de corpos de Lewy têm placas neuríticas e emaranhados neurofibrilares. A demência de corpos de Lewy, doença de Parkinson e doença de Alzheimer se sobrepõem consideravelmente. São necessárias mais pesquisas para esclarecer as relações entre elas.
Tanto a demência por corpos de Lewy como a demência por doença de Parkinson têm um curso progressivo com prognóstico desfavorável.
Demência não deve ser confundida com delirium, embora haja comprometimento da cognição em ambos. O seguinte ajuda a distinguir demência de delirium:
Demência afeta principalmente a memória, costuma ser causada por alterações anatômicas no encéfalo, tem início mais lento e, geralmente, é irreversível.
O delirium afeta principalmente a atenção, costuma ser causado por enfermidade aguda ou toxicidade por fármacos (às vezes com risco de morte) e, geralmente, é reversível.
Outras características específicas também ajudam a distinguir demência de delirium (ver tabela Diferenças entre delírio e demência).
Sinais e sintomas
Demência com corpos de Lewy
A deterioração cognitiva inicial na demência com corpos de Lewy lembra aquela em outras demências. Entretanto, a demência com corpos de Lewy muitas vezes se manifesta com deficits precoces e proeminentes na atenção, função executiva e capacidade visuoperceptual; comprometimento da memória proeminente ou persistente tende a ocorrer à medida que a demência progride.
Sintomas extrapiramidais (tipicamente incluindo rigidez, bradicinesia e instabilidade da marcha) ocorrem. Entretanto, na demência por corpos de Lewy (diferentemente da doença de Parkinson), os sintomas cognitivos e extrapiramidais geralmente iniciam-se com 1 ano de intervalo. Também, os sintomas extrapiramidais diferem daqueles da doença de Parkinson: na fase inicial da demência por corpos de Lewy não ocorre tremor precoce, mas há rigidez axial com instabilidade de marcha e, além disso, os deficits tendem a ser simétricos. Quedas repetidas são comuns.
A flutuação da função cognitiva é uma característica relativamente específica da demência de corpos de Lewy. Os períodos de alerta, coerência e orientação podem se alternar com períodos de confusão e ausência de respostas a perguntas, durando geralmente de dias a semanas, mas, às vezes, ocorrendo apenas durante a consulta.
A memória é afetada, mas a deficiência parece resultar mais de deficits no alerta e na atenção do que na aquisição da memória; portanto, a memória de curto prazo é menos afetada que a memória para amplitude de dígitos (capacidade de repetir 7 dígitos em ordem direta e 5 em ordem inversa).
Os pacientes podem olhar fixamente para o espaço por períodos prolongados. É comum haver sonolência excessiva durante o dia.
As capacidades visuoespacial e visuoconstrutiva (avaliadas pelo teste dos cubos, desenho do relógio ou cópia de figuras) são mais afetadas que outros deficits cognitivos.
Alucinações visuais são comuns e geralmente ameaçadoras, ao contrário das alucinações benignas da doença de Parkinson. Alucinações auditivas, olfatórias e táteis são menos comuns. Ocorrem ilusões em 50 a 65% dos pacientes e, muitas vezes, são complexas e bizarras, comparadas à imaginação persecutória simples na doença de Alzheimer.
A disfunção autonômica é comum, podendo resultar em síncope inexplicável. A disfunção autonômica pode ocorrer simultaneamente ao início dos deficits cognitivos ou depois destes. A sensibilidade extrema a antipsicóticos é característica.
Problemas do sono são comuns. Vários pacientes apresentam distúrbio de comportamento do sono da fase REM, parassonia caracterizada por sonhos vívidos sem a paralisia fisiológica usual dos músculos esqueléticos durante o sono REM. Como resultado, pode ocorrer ação nos sonhos, algumas vezes causando lesão ao companheiro de cama.
Demência por doença de Parkinson
Na demência por doença de Parkinson (ao contrário da demência por corpos de Lewy), o comprometimento cognitivo que leva à demência começa tipicamente 10 a 15 anos após os sintomas motores aparecerem.
Demência por doença de Parkinson pode afetar vários domínios cognitivos, incluindo atenção, memória e funções visuoespaciais, construtivas e executivas. A disfunção executiva normalmente ocorre mais cedo e é mais comum na demência por doença de Parkinson do que na doença de Alzheimer.
Os sintomas psiquiátricos (p. ex., alucinações, delírios) parecem ser menos frequentes e/ou menos graves do que na demência por corpos de Lewy.
Na demência por doença de Parkinson, anormalidades posturais e instabilidade da marcha são mais comuns, o declínio motor é mais rápido e as quedas são mais frequentes do que na doença de Parkinson sem demência.
Diagnóstico
Critérios clínicos
Exames de imagem neurológica para excluir outras doenças
O diagnóstico é clínico, mas geralmente a sensibilidade e a especificidade são insatisfatórias.
Um diagnóstico geral da demência exige todos os seguintes:
Sintomas cognitivos ou comportamentais (neuropsiquiátricos) interferem na capacidade de funcionar no trabalho ou fazer atividades diárias habituais.
Esses sintomas representam uma queda em relação aos níveis anteriores de funcionamento.
Esses sintomas não são explicados por delirium ou transtorno psiquiátrico.
A avaliação da função cognitiva envolve fazer a anamnese do paciente e com alguém que conhece o paciente, além do exame do estado mental ao leito ou, se o teste ao leito for inconclusivo, testes neuropsicológicos formais.
Considera-se provável o diagnóstico da demência por corpos de Lewy se 2 das 4 características essenciais a seguir estão presentes e considera-se possível se uma única está presente:
Oscilações na cognição
Alucinações visuais
Transtorno comportamental do sono REM
Parkinsonismo
As evidências de suporte são quedas repetidas, síncope, disfunção autonômica, sonolência diurna excessiva e sensibilidade a antipsicóticos.
A sobreposição dos sintomas da demência por corpos de Lewy e demência por doença de Parkinson pode complicar o diagnóstico:
Quando deficits motores (p. ex., tremor, bradicinesia, rigidez) precedem e são mais graves do que o comprometimento cognitivo, a demência da doença de Parkinson geralmente é diagnosticada.
Quando predominam a deficiência cognitiva precoce (principalmente disfunção executiva) e os distúrbios comportamentais, geralmente diagnostica-se a demência de corpos de Lewy.
Os pacientes com demência com corpos de Lewy frequentemente têm estado de alerta prejudicado, que é mais característico do delirium do que da demência; assim, deve-se fazer uma avaliação à procura de delirium, em particular buscando por causas comuns como
Drogas e medicamentos, particularmente anticolinérgicos, medicamentos psicoativos e opioides
Desidratação
Infecção
Deve-se também descartar outras causas de demência.
As características parkinsonianas na demência com corpos de Lewy (p. ex., rigidez axial, quedas) podem ocorrer nos estágios iniciais de outras doenças neurodegenerativas [p. ex., paralisia supranuclear progressiva (PSP)]. Pessoas com paralisia supranuclear progressiva também podem desenvolver demência subcortical. A identificação de outras características da paralisia supranuclear progressiva, como comprometimento dos movimentos verticais dos olhos e a atrofia do mesencéfalo na RM de corte sagital médio (sinal de beija-flor ou pinguim rei), pode ajudar a diferenciar a paralisia supranuclear progressiva da demência com corpos de Lewy.
TC e a RM não mostram nenhuma alteração característica na demência com corpos de Lewy, mas são úteis inicialmente para descartar outras causas da demência. TC com emissão de fóton único (SPECT) do encéfalo com 123I-FP-CIT [N-3-fluoropropil-2-beta-carbometoxi-3beta-[4-iodofenil]-tropano], um marcador radioativo do transportador de dopamina, pode ajudar a detectar uma disfunção neuronal dopaminérgica dos gânglios da base e atuar como um biomarcador para o diagnóstico da demência com corpos de Lewy.
Outros exames de imagem que podem ajudar a identificar a demência com corpos de Lewy incluem
Tomografia por emissão de prótons (PET) do cérebro com deoxiglicose marcada com flúor-18 (18F) (fluorodeoxiglicose, ou FDG)
Cintilografia miocárdica com 123-meta-iodobenzilguanidina (MIBG; na demência com corpos de Lewy, a absorção cardíaca da MIBG é reduzida porque o sistema simpático cardíaco pós-ganglionar é denervado)
Entretanto, esses exames não são rotineiramente utilizados na prática clínica.
A confirmação do transtorno comportamental do sono REM utilizando polissonografia pode ajudar a estabelecer o diagnóstico da demência com corpos de Lewy.
O diagnóstico definitivo requer amostras de tecido encefálico retiradas em necropsia.
Tratamento
Cuidados de suporte
O tratamento da demência com corpos de Lewy e demência por doença de Parkinson geralmente é de suporte. Por exemplo, o ambiente e deve ser iluminado, alegre e familiar, e ele deve ser projetado para reforçar a orientação (p. ex., colocar grandes relógios e calendários no ambiente). Medidas para garantir a segurança do paciente (p. ex., sistemas de monitoramento de sinal para os pacientes que perambulam) devem ser implementadas.
Tratam-se com medicamentos os sintomas cognitivos e comportamentais problemáticos — como alucinações, pensamentos paranoides, irritabilidade e agressividade — somente quando outras medidas são ineficazes.
Medicamentos
Inibidores da colinesterase podem melhorar a função cognitiva e podem ser úteis nos pacientes com demência com corpos de Lewy ou demência por doença de Parkinson.
Rivastigmina, um inibidor de colinesterase, pode ser utilizada para tratar a demência por corpos de Lewy e demência por doença de Parkinson. Uma dose inicial de 1,5 mg por via oral duas vezes ao dia pode ser ajustada para cima conforme necessário para 6 mg duas vezes ao dia para tentar melhorar a cognição. Outros inibidores da colinesterase também podem ser utilizados.
Em cerca de metade dos pacientes, os sintomas extrapiramidais respondem aos medicamentos antiparkinsonianos, mas os sintomas psiquiátricos podem piorar. Se esses medicamentos forem necessárias, o medicamento de escolha é a levodopa.
Na demência por corpos de Lewy, antipsicóticos tradicionais, mesmo em doses muito baixas, tendem a agudizar os sintomas extrapiramidais e devem ser evitados.
Pode-se utilizar pimavanserina, um agonista inverso seletivo não dopaminérgico do receptor de serotonina 5-HT2A, para tratar psicose (alucinações, delírios) em pacientes com demência por doença de Parkinson.
Questões sobre o fim de vida
Considerando que ocorre degeneração da percepção e do julgamento em pacientes com demência, pode haver necessidade de designar um familiar, tutor ou advogado para supervisionar as finanças. No início da demência, antes de o paciente ficar incapacitado, seus desejos sobre os cuidados devem ser esclarecidos e realizados planejamentos financeiros e legais (p. ex., procuração para cuidados de saúde). Quando esses documentos são assinados, deve-se avaliar a capacidade do paciente e registrar os resultados da avaliação. O ideal é tomar decisões sobre alimentacão artificial e tratamento de doenças agudas antes que tais medidas sejam necessárias.
Na demência avançada, as medidas paliativas podem ser mais apropriadas que as intervenções altamente agressivas ou internações hospitalares.
Pontos-chave
Como os corpos de Lewy ocorrem na demência por corpos de Lewy e na doença de Parkinson, alguns especialistas levantam a hipótese de que as 2 doenças são parte da mesma sinucleinopatia que afeta os sistemas nervosos central e periférico.
Suspeitar de demência com corpos de Lewy se ela se desenvolver quase simultaneamente com características parkinsonianas e quando a demência é acompanhada por oscilações na cognição, perda de atenção, sonhos vívidos, sintomas psiquiátricos (p. ex., alucinações visuais; delírios complexos e bizarros) e disfunção autonômica.
Suspeitar de demência por doença de Parkinson se a demência começa anos após as características parkinsonianas, particularmente se a disfunção executiva ocorre precocemente.
Considerar o uso de rivastigmina e, às vezes, outros inibidores da colinesterase para tentar melhorar a cognição nos pacientes com demência com corpos de Lewy ou demência por doença de Parkinson.