Bases moleculares e celulares do tumor

PorRobert Peter Gale, MD, PhD, DSC(hc), Imperial College London
Revisado/Corrigido: set. 2022
Visão Educação para o paciente

Muitos fatores estão envolvidos na causa e na permissão da proliferação desregulada das células que ocorre no câncer.

(Ver também Visão geral sobre câncer.)

Cinética celular

O tempo de geração é o tempo necessário para a célula quiescente completar um ciclo de divisão celular (ver figura Ciclo celular) e originar 2 células-filhas. As células cancerosas, particularmente aquelas que surgem da médulo óssea ou sistema linfático, podem ter um tempo de geração mais curto, e normalmente há uma porcentagem menor de células em G0 (fase estacionária). O crescimento tumoral inicial exponencial é seguido por uma fase platô em que a morte celular equivale à taxa de formação das células-filhas. A diminuição da taxa de proliferação pode estar relacionada à exaustão do fornecimento de nutrientes e oxigênio para a rápida expansão do tumor. Quando comparados a tumores maiores, os tumores menores têm maior porcentagem de células ativas.

Uma subpopulação de células de um câncer tem propriedades de células-tronco. Assim, essas células podem passar para o estado proliferativo. Elas são também menos sensíveis a lesões por fármacos ou irradiação. Acredita-se que repovoem os cânceres após quimioterapia e/ou radioterapia.

A cinética celular de cânceres específicos é uma consideração importante ao planejar o regime de tratamento com fármacos antineoplásicos e pode influenciar nos cronogramas de dosagem e no momento de administração do tratamento. Muitos fármacos antineoplásicos, como os antimetabólitos, são mais eficazes quando as células estão se dividindo ativamente. Alguns fármacos só funcionam durante uma fase específica do ciclo e requerem administração prolongada para atingir as células que estão se dividindo durante a fase de maior sensibilidade.

Ciclo celular

G0 = fase de repouso (células não proliferativas); G1 = fase sintética pré-DNA variável (12 h a poucos dias); G2 = síntese pós-DNA (2 a 4 h) — quantidade tetraploide de DNA é encontrada nas células; M1= mitose (1 a 2 h); S = síntese de DNA (em geral, 2 a 4 h).

Crescimento tumoral e metástase

À medida que o câncer cresce, os nutrientes são fornecidos por difusão direta da circulação. O crescimento local é facilitado pelas enzimas (p. ex., proteases) que destroem os tecidos adjacentes. À medida que o volume do tumor aumenta, este pode liberar fatores angiogênicos, como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), que promovem a formação de novos vasos sanguíneos necessários para crescimento adicional.

Um câncer pode liberar células na circulação em um estágio muito precoce do desenvolvimento. Partindo de modelos animais, estima-se que um tumor de 1 cm libere > 1 milhão de células em 24 horas na circulação venosa. As células cancerosas circulantes estão presentes em muitos pacientes com câncer avançado e mesmo em alguns com doença localizada. Embora a maioria das células cancerosas circulantes morra, uma célula ocasional pode penetrar nos tecidos, produzindo metástases em locais distantes. Metástases crescem quase da mesma maneira que os cânceres primários e podem, subsequentemente, dar origem a outras metástases. A maioria dos pacientes com câncer morre em decorrência das metástases, não do câncer primário.

Experimentos sugerem que a capacidade de invadir, migrar e implantar e estimular com sucesso o crescimento de novos vasos sanguíneos são propriedades importantes das células que causam metástases, que provavelmente são uma subpopulação do câncer primário.

O sistema imunitário e o câncer

As células cancerosas frequentemente apresentam neoantígenos na superfície celular que podem ser detectados como "não próprios" pelo sistema imunitário, resultando em um ataque pelo sistema imunitário. Quando e se esse ataque imunitário é eficaz, um câncer pode nunca se desenvolver. A destruição das células cancerosas pode ser completa, caso em que o câncer nunca aparece. Entretanto, algumas células cancerígenas têm ou adquirem a capacidade de evitar a detecção e/ou destruição pelo sistema imunitário, possibilitando a sua proliferação.

Não está claro por que as pessoas com deficiência imune congênita ou adquirida apresentam maior risco de ter apenas determinados cânceres raros, como o melanoma, o carcinoma de células renais e linfomas, e não outros cânceres comuns, como de pulmão, mama, próstata e colo intestinal. A maioria dos cânceres em que o sistema imunitário é ineficaz é causada por vírus.

Sob pressão seletiva (p. ex., evolutiva), as células cancerosas podem expressar proteínas de checkpoint imune. As proteínas inibidores do checkpoint imunológico são moléculas da superfície celular que sinalizam para as células T circulantes que a célula que as contêm é normal e não deve ser atacada. Um exemplo é a proteína ligante de morte celular programada 1 (PD-L1), que é reconhecida pela molécula PD-1 nas células T; quando a PD-L1 se liga à PD-1 em uma célula T, um ataque imunológico é evitado. O tratamento contra o câncer utilizando anticorpos monoclonais denominados inibidores de checkpoint imune, que bloqueiam PD-L1 ou PD-1, possibilitam que o sistema imunitário ataque as células cancerosas protegidas. A proteína 4 associada ao linfócito T citotóxico (CTLA-4) é outra proteína de checkpoint imunológico que impede o ataque do sistema imunitário e que também pode ser bloqueada de modo semelhante por um anticorpo específico. Como as proteínas de checkpoint imunológico podem estar presentes em células normais, a terapia com o inibidor das proteínas de checkpoint também pode induzir a uma resposta autoimune.

Células T geneticamente modificadas [denominada terapia do receptor de antígeno quimérico de células T (CAR-T)] também podem ser utilizadas na terapia imune. Nesse processo, as células T são removidas de um paciente e modificadas geneticamente para expressar receptores que contêm um domínio de reconhecimento de um antígeno específico acoplado a domínios de sinalização intracelular que ativam a célula T. Quando infundidas, células T modificadas podem atacar as células que contêm esse antígeno alvo. Em geral, o antígeno alvo é específico à linhagem, não específico ao câncer. A terapia com células CAR-T é mais eficaz contra cânceres de linfócitos B, como a leucemia linfoblástica aguda de linfócitos B, linfomas de linfócitos B e mieloma plasmocitário (mieloma múltiplo). A eficácia da terapia com células CAR-T contra cânceres sólidos comuns ainda não foi estabelecida.

Anormalidades moleculares

As mutações genéticas são responsáveis pela geração de células cancerosas e, portanto, estão presentes em todos os cânceres. Essas mutações alteram a quantidade ou a função dos produtos proteicos que regulam o crescimento e a divisão celulares e o reparo de DNA. As duas principais categorias de genes mutados são

  • Oncogenes

  • Genes supressores de tumor

Oncogenes

Oncogenes são formas anômalas de genes normais (proto-oncogenes) que regulam os vários aspectos do crescimento e da diferenciação celulares. A mutação desses genes pode resultar no estímulo contínuo e direto das vias biológicas moleculares (p. ex., receptores do fator de crescimento da superfície celular, vias de transdução do sinal intracelular, fatores de transcrição, fatores de crescimento secretados) que controlam o crescimento e a divisão celulares, metabolismo celular, reparo de DNA, angiogênese e outros processos fisiológicos.

> 100 oncogenes conhecidos que podem contribuir para a transformação neoplásica humana. Por exemplo, o gene RAS codifica a proteína ras, que transporta os sinais dos receptores ligados à membrana até a via RAS-MAPKinase ao núcleo da célula, e assim regula a divisão celular. As mutações podem resultar na ativação inapropriada da proteína ras, causando crescimento celular descontrolado. A proteína ras é anormal em cerca de 25% dos cânceres humanos.

Outros oncogenes têm sido implicados em tipos específicos de câncer. Esses incluem

  • HER2 (amplificado no câncer de mama e gástrico e menos comumente no câncer de pulmão)

  • BCR::ABL1 (um gene quimérico presente na leucemia mieloide crônica e em algumas leucemias linfocíticas agudas de células B)

  • CMYC (linfoma de Burkitt)

  • NMYC (câncer de pulmão de células pequenas, neuroblastoma)

  • EGFR (adenocarcinoma do pulmão)

  • EML4ALK (um gene quimérico presente no adenocarcinoma do pulmão)

  • KRAS (câncer pancreático, câncer de pulmão)

Oncogenes específicos podem ter implicações importantes para diagnóstico, terapia e prognóstico (ver discussões individualizadas de cada tipo específico de câncer).

Oncogenes normalmente resultam de

  • Mutações pontuais de células somáticas adquiridas (p. ex., decorrente de carcinogênicos químicos)

  • Amplificação gênica (p. ex., aumento no número de cópias de um gene normal)

  • Translocações (nas quais partes de diferentes genes se fundem formando uma sequência única)

Essas alterações podem aumentar a atividade do produto gênico (proteína) ou alterar sua função. Ocasionalmente, a mutação nos genes das células germinativas resulta em herança da predisposição ao câncer.

Genes supressores de tumor

Os genes como TP53, BRCA1 e BRCA2 desempenham um papel na divisão celular normal e no reparo do DNA e são cruciais na detecção de sinais de crescimento inapropriado ou dano ao DNA nas células. Se esses genes, como resultado de mutações adquiridas ou herdadas, são incapazes de funcionar, o sistema para monitorar a integração do DNA é ineficiente, células com as mutações genéticas espontâneas persistem ou proliferam, o resultado é o aparecimento de tumores.

Como na maioria dos genes, 2 alelos estão presentes para codificar cada gene supressor de tumor. Uma cópia defeituosa de um gene pode ser herdada, deixando a pessoa com somente um alelo funcional para o gene supressor de tumor individual. Se uma mutação é adquirida no alelo funcional, é perdido o mecanismo protetor normal do 2º gene supressor de tumor.

A proteína reguladora importante, a p53, impede a replicação do DNA lesado em células normais e promove a morte celular (apoptose) em células com DNA anormal. Uma p53 inativa ou alterada permite que células com DNA anormal sobrevivam e se dividam. As mutações TP53 são passadas para as células-filhas, conferindo alta probabilidade de replicação de DNA suscetível a erros, e o resultado é transformação neoplásica. TP53 é defeituoso em vários tipos de câncer humano.

Mutações no BRCA1 e BRCA2 que diminuem a função aumentam o risco de câncer de mama e de ovário.

Outro exemplo, o gene para retinoblastoma (RB) codifica a proteína Rb, que regula o ciclo celular, interrompendo a replicação do DNA. As mutações do gene RB ocorrem em muitos tipos de câncer humano, permitindo que as células afetadas dividam-se continuamente.

Da mesma forma que com os oncogenes, a mutação dos genes supressores do tumor como TP53 ou RB de células germinativas pode resultar em transmissão vertical e em maior incidência de câncer nos descendentes.

Anormalidades cromossômicas

Anormalidades cromossômicas podem ocorrer por deleção, translocação, duplicação ou outros mecanismos. Se essas alterações ativarem ou inativarem genes que resultam em vantagem proliferativa sobre as células normais, então pode haver desenvolvimento de um câncer. Anormalidades cromossômicas ocorrem em qualquer câncer humano. Em algumas doenças congênitas (síndrome de Bloom, anemia de Fanconi, síndrome de Down), os processos de reparo do DNA estão defeituosos e os cromossomos se rompem com frequência, colocando as crianças em grande risco de leucemia aguda e linfomas.

Outras influências

A maioria dos cânceres epiteliais provavelmente resulta das mutações que levam à conversão neoplásica. Por exemplo, o câncer de colo na polipose familiar ocorre por meio de uma sequência de eventos genéticos: hiperproliferação epitelial (perda de um gene supressor no cromossomo 5), adenoma precoce (alteração na metilação do DNA), adenoma intermediário (excesso de atividade do oncogene RAS), adenoma tardio (perda de um gene supressor no cromossomo 18) e, por fim, câncer (perda de um gene no cromossomo 17). Alterações genéticas posteriores podem ser necessárias para as metástases.

Telômeros: são complexos nucleoproteicos que cobrem as terminações dos cromossomos e mantêm sua integridade. No tecido normal, o encurtamento do telômero (que ocorre com a idade) resulta em divisão celular sem limites. A enzima telomerase, se ativada em células cancerosas, possibilita nova síntese dos telômeros e permite a proliferação tumoral contínua. Anormalidades hereditárias nos genes responsáveis pela regeneração dos telômeros resultam em telômeros encurtados e maior risco de câncer de pele, gastrointestinal e de medula óssea.

Fatores ambientais

Infecções

Os vírus contribuem para a patogenia dos tumores humanos (ver tabela Vírus associados ao câncer). A patogênese pode ocorrer por meio da integração de elementos genéticos virais no DNA hospedeiro. Esses novos genes são expressos pelo hospedeiro; podem afetar o crescimento ou a divisão celular, ou romper os genes hospedeiros normais necessários para o controle do crescimento e da divisão celular. Por outro lado, a infecção viral pode resultar em disfunção imunitária, causando diminuição da vigilância imunitária para tumores iniciais. A infecção pelo HIV aumenta o risco de alguns tipos de câncer (ver Tipos de câncer comuns nos pacientes infectados pelo HIV).

Tabela
Tabela

Bactérias também podem ocasionar câncer. Infecção por Helicobacter pylori eleva o risco de vários tipos de câncer (adenocarcinoma gástrico, linfoma gástrico, MALT).

Alguns tipos de parasitas podem provocar câncer. Schistosoma haematobium causa inflamação e fibrose crônicas da bexiga, o que pode acarretar câncer. Opisthorchis sinensis tem sido ligado ao carcinoma de pâncreas e ductos biliares.

Radiação

A radiação ultravioleta pode induzir câncer de pele (p. ex., carcinoma de células escamosas e basocelular, melanoma), lesando o DNA. Esse dano no DNA consiste na formação de dímeros de timidina, que podem escapar à excisão e provocar nova síntese da fita de DNA. Pacientes com defeitos inerentes no reparo do DNA (p. ex., xeroderma pigmentoso) ou supressão imune por fármacos ou doença subjacente são particularmente propensos a cânceres de pele decorrentes da exposição a raios ultravioleta.

A radiação ionizante é carcinogênica. Por exemplo, os sobreviventes das explosões das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki têm incidência maior do que a esperada de leucemia e cânceres sólidos. Do mesmo modo, a exposição à radioterapia pode causar leucemia, câncer de mama, sarcoma e outros tipos de câncer sólidos anos após a exposição. Considera-se que a exposição aos raios X para exames de imagem diagnósticos pode aumentar o risco de câncer (ver Riscos da irradiação médica). A exposição ocupacional (p. ex., ao urânio por mineiros) está vinculada ao câncer de pulmão, especialmente em tabagistas. A exposição a longo prazo à irradiação ocupacional ou a depósito interno de dióxido de tório predispõe as pessoas a angiossarcomas e à leucemia mieloide aguda.

O radônio, gás radioativo liberado do solo, aumenta o risco de câncer de pulmão, especialmente entre os fumantes. Normalmente, o radônio se dispersa rápido na atmosfera e não causa danos. Entretanto, quando uma construção é feita em solo com alto conteúdo de radônio, este pode se acumular, produzindo, às vezes, altos níveis no ar, suficientes para provocar problemas.

Fármacos e substâncias químicas

Contraceptivos orais que combinam estrogênio e progestina podem elevar levemente o risco de câncer de mama, mas esse risco diminui ao longo do tempo. A terapia só com estrogênio, sem progesterona, aumenta o risco de câncer uterino. Esses riscos aumentados são modestos.

O dietilestilbestrol (DES) aumenta o risco de câncer de mama nas mulheres que tomam este fármaco e eleva o risco de câncer vaginal nas filhas dessas mulheres expostas antes do nascimento.

O uso a longo prazo de esteroides anabolizantes pode aumentar o risco de câncer de fígado e acelerar o câncer de próstata.

O tratamento do câncer somente com quimioterápicos ou radioterapia aumenta o risco do desenvolvimento de um segundo câncer, bem como os imunossupressores administrados para transplante de órgãos. Os cânceres que mais comumente aumentam devido a fármacos imunossupressores são cânceres de pele (como melanoma), câncer renal e neuroblastoma. A hidroxiureia aumenta o risco de câncer de pele decorrente da exposição ao sol, além de aumentar o risco de leucemia aguda em pacientes com doenças mieloproliferativas (p. ex., policitemia vera, trombocitemia) tratados a longo prazo com hidroxiureia. A hidroxiureia não apenas causa a deleção 17p, resultando na perda de um alelo TP53, mas também prejudica a ativação do TP53 em pacientes com doenças mieloproliferativas.

Os carcinogênicos químicos podem induzir mutações genéticas e resultar em crescimento descontrolado e formação tumoral (ver tabela Carcinógenos químicos comuns). Outras substâncias, chamadas cocarcinogênicas, possuem pouco ou nenhum potencial carcinogênico inerente, mas estimulam o efeito carcinogênico de outro agente quando expostos simultaneamente.

Tabela
Tabela

Substâncias alimentares

Certas substâncias consumidas na dieta podem elevar o risco de câncer. Por exemplo, uma dieta rica em gordura tem sido associada a maior risco de câncer de colo, mama e, possivelmente, próstata. Pessoas que ingerem grande quantidade de álcool têm maior risco de ter câncer, como câncer de cabeça, de fígado e pescoço e câncer de esôfago. Dieta rica em alimentos defumados e em conserva ou carnes cozidas em temperatura alta aumenta o risco de câncer de estômago. Pessoas com excesso de peso ou obesas têm maior risco de muitos tipos de câncer, particularmente cânceres de mama, endométrio, colo, rim e esôfago.

Fatores físicos

Inflamação crônica de pele, pulmão, trato gastrointestinal ou tireoide podem predispor ao aparecimento de um câncer. Por exemplo, pacientes com doença inflamatória intestinal de longa duração (colite ulcerativa) têm maior risco de carcinoma colorretal. Exposição à luz solar e à luz de bronzeamento aumenta o risco de câncer de pele e melanoma.

Doença imunitárias

A disfunção do sistema imunitário como resultado de mutação genética herdada, doenças adquiridas, envelhecimento ou fármacos imunossupressores interfere na vigilância imunológica normal dos tumores precoces e resulta maior incidência de câncer. Os distúrbios imunitários conhecidos associados ao câncer incluem

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