Lesão renal aguda

(Insuficiência renal aguda)

PorAnna Malkina, MD, University of California, San Francisco
Revisado/Corrigido: mar. 2024
Visão Educação para o paciente

Lesão renal aguda (LRA) é a diminuição rápida da função renal ao longo de dias a semanas, causando acúmulo de produtos nitrogenados no sangue (azotemia) com ou sem redução na quantidade de débito urinário. Em geral, resulta de perfusão renal inadequada devido a traumas graves, doenças ou cirurgias, mas em alguns casos é provocada por doença renal intrínseca rapidamente progressiva. Os sintomas podem incluir anorexia, náuseas e vômito. Convulsões e coma podem ocorrer se a doença não for tratada. Distúrbios de líquidos, de eletrólitos e ácido-básicos desenvolvem-se de modo rápido. O diagnóstico baseia-se em exames laboratoriais da função renal, incluindo creatinina sérica. Índices urinários, exame de sedimento urinário e, com frequência, exames de imagem e outros testes (algumas vezes incluindo biópsia renal) são necessários para determinar a causa. O tratamento é direcionado para a causa, mas também é feito pelo restabelecimento do equilíbrio hidroeletrolítico e, algumas vezes, por diálise.

Em todos os casos de lesão renal aguda, ocorre aumento de ureia e de creatinina no sangue ao longo de vários dias e desenvolvimento de distúrbios de líquidos e eletrólitos. Dentre esses distúrbios, os mais graves são hiperpotassemia e sobrecarga de líquidos (possivelmente provocando edema pulmonar). A retenção de fosfato provoca hiperfosfatemia. Acredita-se que a hipocalcemia ocorra porque o rim prejudicado não produz mais calcitriol (reduzindo a absorção de cálcio pelo trato gastrointestinal) e porque a hiperfosfatemia causa precipitação de fosfato de cálcio nos tecidos. O desenvolvimento da acidose decorre da incapacidade de excretar íons hidrogênio. Caso exista uremia significativa, pode haver alteração de coagulação e desenvolvimento de pericardite. O débito urinário varia com o tipo e a causa da lesão renal aguda.

Etiologia da lesão renal aguda

As causas da lesão renal aguda (ver tabela Principais causas da lesão renal aguda) podem ser classificadas como

  • Pré-renal

  • Renal

  • Pós-renal

A lesão renal aguda pré-renal decorre de perfusão renal inadequada. As principais causas são

Doenças pré-renais geralmente não causam lesão renal permanente (e, assim, são potencialmente reversíveis), a menos que a hipoperfusão seja grave e/ou prolongada. Hipoperfusão do rim do contralateral funcional provoca aumento da reabsorção de sódio e água, resultando em oligúria (débito urinário < 500 mL/dia) com alta osmolalidade urinária e baixo sódio urinário.

Causas renais da lesão renal aguda incluem doenças ou lesões renais intrínsecas. As doenças podem envolver vasos sanguíneos, glomérulos, túbulos ou interstício. As causas mais comuns são

Doenças glomerulares reduzem a taxa de filtração glomerular (TFG) e aumentam a permeabilidade capilar glomerular a proteínas e eritrócitos; podem ser inflamatórias (glomerulonefrites) ou resultar de lesão vascular por isquemia ou vasculites.

Os túbulos também são lesionados por isquemia e podem ser obstruídos por debris celulares, proteínas, ou deposição de cristais e edema celular e intersticial.

A inflamação intersticial (nefrite) geralmente envolve um fenômeno alérgico ou imunológico. Esses fatores são complexos e interdependentes, o que faz com que o termo anteriormente popular de necrose tubular aguda seja uma descrição inadequada.

A lesão renal aguda pós-renal (nefropatia obstrutiva) decorre de vários tipos de obstrução nas áreas do sistema urinário relacionadas à micção e às áreas coletoras. Obstrução também pode ocorrer no nível microscópico dentro dos túbulos quando material cristalino ou proteico se precipita.

A obstrução do ultrafiltrado nos túbulos ou mais distalmente aumenta a pressão no espaço urinário do glomérulo, reduzindo o RFG. A obstrução também afeta o fluxo sanguíneo renal, inicialmente aumentando o fluxo e a pressão nos capilares glomerulares mediante a redução da resistência arteriolar aferente. Ma em 3 a 4 horas, o fluxo sanguíneo renal é reduzido e, em 24 horas, cai para < 50% em relação ao normal por causa do aumento da resistência da vasculatura renal. A resistência renovascular pode levar até uma semana para voltar ao normal após a resolução de uma obstrução de 24 horas.

Para produzir lesão renal aguda significativa, a obstrução no nível do ureter requer o envolvimento de ambos os ureteres, a menos que o paciente tenha apenas um rim funcional.

Obstrução do colo vesical decorrente de aumento da próstata é provavelmente a causa mais comum da interrupção súbita e, geralmente, total do debito urinário em homens.

Tabela
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Sinais e sintomas da lesão renal aguda

Inicialmente, ganho de peso e edema periférico podem ser os únicos resultados. Em geral, os sintomas predominantes são aqueles da doença subjacente ou aqueles causados pela complicação cirúrgica que precipitou a deterioração renal.

Os sintomas de uremia podem se desenvolver mais tarde à medida que os produtos nitrogenados se acumulam. Esses sintomas incluem

  • Anorexia

  • Náuseas

  • Vômitos

  • Fraqueza

  • Movimentos mioclônicos

  • Convulsões

  • Confusão

  • Coma

Asterixe e hiperreflexia podem estar presente no exame. A dor torácica (tipicamente pior com a inspiração ou quando reclinado), o atrito pericárdico e os achados de tamponamento cardíaco podem acontecer se a pericardite urêmica estiver presente. O acúmulo de líquido nos pulmões pode causar dispneia e estertores na ausculta.

Outros achados dependem da causa. A urina pode ter cor de bebida de cola nas glomerulonefrites ou na mioglobinúria. Pode haver bexiga palpável na obstrução do colo vesical. O ângulo costovertebral pode ser sensível se o rim está severamente aumentado.

Alterações no débito urinário

A quantidade de débito urinário durante lesão renal aguda (LRA) não diferencia claramente entre causas pré-renais, renais ou pós-renais.

Na lesão tubular aguda, o débito urinário pode ter 3 fases:

  • Em geral, a fase prodrômica tem débito urinário normal e sua duração varia dependendo dos fatores etiológicos (p. ex., quantidade de toxina ingerida, duração e gravidade da hipotensão).

  • A fase oligúrica tem débito urinário tipicamente entre 50 e 500 mL/dia. A duração da fase oligúrica é imprevisível, dependendo da etiologia dalesão renal aguda e do tempo de tratamento. Entretanto, vários pacientes nunca apresentam oligúria. Pacientes não oligúricos apresentam mortalidade, morbidade e necessidade de diálise menores.

  • Na fase pós-oligúrica, o débito urinário gradualmente retorna ao normal, mas as concentrações séricas de ureia e creatinina podem não se reduzir por vários dias. A disfunção tubular pode persistir por dias ou semanas e se manifesta pela perda de sódio, poliúria (possivelmente maciça) não responsiva à vasopressina, ou acidose metabólica hiperclorêmica.

Diagnóstico da lesão renal aguda

  • Avaliação clínica, incluindo revisão dos medicamentos com e sem prescrição e exposição ao contraste IV iodado

  • Creatinina sérica

  • Sedimento urinário

  • Índices diagnósticos urinários

  • Urinálise e avaliação da proteína na urina

  • Volume vesical residual pós-micção e/ou ultrassonografia renal se houver suspeita de causa pós-renal

Suspeita-se de lesão renal aguda quando o débito urinário cai e a nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina séricas aumentam.

De acordo com as diretrizes da prática clínica para lesão renal aguda KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes) (1), define-se a lesão renal aguda como:

  • Aumento do valor da creatinina sérica de 0,3 mg/dL (26,52 micromol/L) em 48 horas

  • Aumento da creatinina sérica de 1,5 vezes em relação à linha de base nos 7 dias anteriores

  • Volume de urina < 0,5 mL/kg/hora por 6 horas

A avaliação deve determinar a presença e o tipo de lesão renal aguda e buscar a causa. Exames de sangue geralmente incluem hemograma completo (HC), ureia, creatinina, eletrólitos (incluindo cálcio e fosfato). Exames de urina incluem concentração de sódio, ureia e creatinina; e análise microscópica do sedimento. Detecção e tratamento precoces aumentam a probabilidade de reversão da lesão renal e, em alguns casos, previnem a necessidade de diálise.

A elevação diária e progressiva da creatinina sérica é diagnóstico de lesão renal aguda. A creatinina sérica pode aumentar até cerca de 2 mg/dL/dia (180 micromole/L/dia), dependendo da quantidade de produção de creatinina (que varia de acordo com a massa corporal magra) e de água corporal total.

A ureia pode aumentar em 10 a 20 mg/dL/dia (3,6 a 7,1 mmol de ureia/L/dia), mas a ureia pode ser enganadora porque com frequência está elevada em resposta ao aumento do catabolismo proteico resultante de cirurgia, trauma, corticoides, queimaduras, reações transfusionais, alimentação parental ou sangramentos gastrointestinaisou outros internos.

Quando a creatinina aumenta, a coleta de urina de 24 horas para determinação da depuração de creatinina e as várias fórmulas utilizadas para cálculo desse depuração a partir da creatinina sérica são imprecisas e não devem ser utilizadas para estimar a taxa de filtração glomerular (TFGe), já que a elevação da concentração de creatinina sérica é uma função atrasada do declínio do TFG.

Outros achados laboratoriais são

Acidose, geralmente, é moderada, com teor plasmático de bicarbonato de 15 a 20 mmol/L; entretanto, a acidose pode ser grave se houver sepse ou isquemia tecidual adjacente.

O aumento do nível sérico de potássio depende do metabolismo geral, ingestão dietética, medicamentos e possível necrose tecidual ou lise celular.

A hiponatremia costuma ser moderada (sódio sérico, 125 a 135 mmol/L) e correlaciona-se ao excesso de ingestão alimentar ou intravenosa de água.

Anemia normocítico-normocrômica com hematócrito de 25 a 30% é comum.

Hiperfosfatemia e hipocalcemia são comuns na lesão renal aguda e podem ser profundas em pacientes com rabdomiólise ou síndrome de lise tumoral. Hipocalcemia profunda na rabdomiólise aparentemente resulta dos efeitos combinados da deposição de cálcio no músculo necrótico, redução da produção de calcitriol e resistência óssea ao hormônio paratireoideo (PTH) e hiperfosfatemia. Durante a fase de recuperação da lesão renal aguda depois de necrose tubular aguda induzida por rabdomiólise, a hipercalcemia pode surgir à medida que a produção de calcitriol aumenta, o osso se torna mais responsivo ao PTH e os depósitos de cálcio são mobilizados pelo tecido lesionado. Hipercalcemia durante a recuperação da lesão renal aguda é ao contrário incomum.

Determinação da causa

Primeiro é necessário excluir causas pré-renais e pós-renais imediatamente reversíveis da lesão renal aguda. Depleção do volume do líquido extracelular e obstrução são consideradas em todos os pacientes. A história de medicamentos deve ser revisada com precisão e todos os agentes potencialmente tóxicos para os rins devem ser interrompidos. Índices diagnósticos urinários (ver tabela Índices diagnósticos urinários na lesão renal aguda pré-renal e lesão tubular aguda) são particularmente úteis para diferenciar entre lesão renal aguda pré-renal e lesão tubular aguda, que são as causas mais comuns da lesão renal aguda em pacientes hospitalizados.

As causas pré-renais geralmente são aparentes clinicamente. Se for o caso, a correção da anormalidade hemodinâmica subjacente deve ser tentada. Por exemplo, na hipovolemia, pode-se tentar infusão de volume; na insuficiência cardíaca, pode-se experimentar diuréticos e medicamentos que reduzem a pós-carga. Redução da lesão renal aguda confirma a causa pré-renal.

Tabela
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As causas pós-renais devem ser pesquisadas na maioria dos casos de lesão renal aguda. Imediatamente após o paciente urinar, ultrassonografia da bexiga à beira do leito é feita (ou, alternativamente, um catéter urinário é inserido) para determinar o volume residual da bexiga. O volume urinário residual > 200 mL sugere obstrução do colo vesical, apesar de fraqueza do músculo detrusor e bexiga neurogênica também serem causas. O catéter, se inserido, pode ser mantido para monitorar o débito urinário de maneira precisa em resposta a terapias, mas remove-se o catéter em pacientes anúricos (se não houver obstrução do colo vesical) para reduzir o risco de infecção.

Faz-se então uma ultrassonografia renal para diagnóstico de obstrução mais proximal. Contudo, às vezes, a ultrassonografia pode não ter uma patologia obstrutiva porque o sistema coletor nem sempre está dilatado, especialmente quando a condição é aguda, o ureter está encerrado (p. ex., em fibrose retroperitoneal ou neoplasia) ou o paciente tem hipovolemia concomitante. Se houver forte suspeita de obstrução, TC sem contraste pode estabelecer o local da obstrução e orientar a terapia.

O sedimento urinário pode fornecer pistas etiológicas. Sedimento urinário normal ocorre na lesão renal aguda pré-renal e algumas vezes na uropatia obstrutiva. Na lesão tubular renal, o sedimento urinário caracteristicamente contém células tubulares, cilindros celulares tubulares e muitos cilindros granulares (frequentemente com pigmento marrom). Eosinófilos urinários podem indicar nefrite tubulointersticial alérgica, mas a precisão do diagnóstico desse resultado é limitada. Cilindros hemáticos e eritrócitos dismórficos indicam glomerulonefrite ou vasculite, mas raramente podem ocorrer na necrose tubular aguda.

Causas renais às vezes são sugeridas pelos achados clínicos. Pacientes com glomerulonefrite geralmente apresentam edema, proteinúria significativa (síndrome nefrótica), ou sinais de arterite na pele e na retina, geralmente sem história de doença renal intrínseca. Hemoptise pode resultar de granulomatose com poliangiite ou de doença anti-MBG (síndrome de Goodpasture). Certos exantemas (p. ex., eritema nodoso, vasculite cutânea, lúpus discoide) podem indicar crioglobulinemia, lúpus eritematoso sistêmico (LES) ou vasculite associada à imunoglobulina A. Nefrite tubulointersticial, alergia a fármacos e possivelmente poliangiite microscópica são sugeridas por história de ingestão de fármacos e exantema maculopapular ou purpúrico.

Para diferenciação adicional das causas renais, obtêm-se títulos de antiestreptolisina-O e complemento, anticorpos antinucleares e anticorpos citoplasmáticos antineutrofilicos.

Pode-se realizar biópsia renal se o diagnóstico permanecer elusivo (ver tabela Causas da lesão renal aguda com base em achados laboratoriais).

Tabela
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Exames de imagem

Além da ultrassonografia renal, outros exames de imagem ocasionalmente são utilizados. Para avaliação de obstrução ureteral, uma TC sem contraste é preferível à urografia anterógrada e retrógrada. Além de sua capacidade de delinear estruturas dos tecidos moles e cálculos contendo cálcio, a TC pode detectar cálculos não radiopacos.

Se possível, deve-se evitar agentes de contraste iodados. Entretanto, às vezes pode-se indicar arteriografia ou venografia renais se clinicamente forem sugeridas causas macrovasculares. Angiografia por ressonância magnética tem sido cada vez mais utilizada para o diagnóstico de estenose da artéria renal, bem como trombose tanto de artérias como de veias porque a RM utilizava gadolínio, que acreditava-se ter menor risco de lesão renal aguda do que os agentes de contraste iodados utilizados na angiografia e TC com contraste. Entretanto, evidências recentes sugerem que o gadolínio pode estar envolvido na patogênese da fibrose sistêmica nefrogênica, uma complicação séria que ocorre em pacientes com lesão renal aguda e também doença renal crônica. Portanto, se possível deve-se evitar o gadolínio em pacientes com função renal abaixo da estimativa da taxa de filtração glomerular (TFGe) de 30 mL/minuto/1,73m2. Se clinicamente indicado, deve-se utilizar preferencialmente os agentes de gadolínio do grupo II em razão do menor risco de fibrose sistêmica nefrogênica (2).

O tamanho do rim, determinado por exames de imagem, é útil porque rins normais ou aumentados favorecem a reversibilidade, ao passo que um rim pequeno sugere insuficiência renal crônica. Entretanto, algumas doenças renais crônicas tendem a cursar com aumento do rim, como:

Estadiamento da lesão renal aguda

Depois que o estado volumétrico do paciente está otimizado e a obstrução geniturinária é excluída, a lesão renal aguda pode ser classificada em 3 estágios com base no nível de creatinina sérica ou na quantidade de débito urinário (ver tabela Critérios de estadiamento para lesão renal aguda [KDIGO 2012]).

Tabela
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Referências sobre diagnóstico

  1. 1. KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes) Acute Kidney Injury Work Group: KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Inter Suppl. 2:1-138, 2012.

  2. 2. ACR Manual on Contrast Media: Version 10.3. American College of Radiology Committee on Drugs and Contrast Media. 2021.

Tratamento da lesão renal aguda

  • Tratamento imediato do edema pulmonar e da hiperpotassemia

  • Diálise, conforme necessária, para controlar a hiperpotassemia, o edema pulmonar, a acidose metabólica e os sintomas urêmicos

  • Ajuste da administração de medicamentos ao grau da disfunção renal

  • Em geral, restrição da ingestão de água, sódio, fostato e potássio, mas provisão adequada de proteínas

  • Possivelmente, ligantes de fosfato (na hiperfosfatemia) e ligantes de potássio intestinal (na hiperpotassemia)

Tratamento de emergência

As complicações com risco à vida são abordadas de preferência em uma unidade de tratamento intensivo. O edema pulmonar é tratado com oxigênio, vasodilatadores IV (p. ex., nitroglicerina) e diuréticos (em geral, ineficazes na lesão renal aguda) ou diálise.

A hiperpotassemia é tratada com infusão intravenosa de 10 mL a 10% de gliconato de cálcio; 50 g de dextrose; e 5 a 10 unidades de insulina. Esses medicamentos não reduzem o potássio corporal total e, portanto, tratamento adicional (mas de ação mais lenta) é necessário (p. ex., sulfonato de poliestireno de sódio, diuréticos, diálise).

Embora a correção da acidose metabólica por anion gap com bicarbonato de sódio seja controversa, a correção da acidose metabólica grave não anion gap (pH < 7,20) é frequentemente recomendada e pode ser tratada com bicarbonato de sódio IV na forma de infusão lenta ( 150 mEq [ou mmol] de bicarbonato de sódio em 1 L de glicose 5% em uma taxa de 50 a 100 mL/hora). Por cauda da dificuldade de se preverem variações nos sistemas-tampão do corpo e na taxa de produção de ácido, não costuma ser recomendado o cálculo da quantidade de bicarbonato necessária para alcançar a correção total. Em vez disso, administra-se bicarbonato via infusão contínua e o ânion gap é monitorado periodicamente.

Hemodiálise ou hemofiltração é iniciada quando

  • Não se conseguir controlar anormalidades graves de eletrólitos por outras medidas (p. ex., potássio > 6 mmol/L)

  • Edema pulmonar persiste apesar do tratamento medicamentoso

  • Acidose metabólica não é responsiva ao tratamento

  • Sintomas urêmicos ocorrem (p. ex., vômitos atribuídos a uremia, asterixe, encefalopatia, pericardite, ou convulsões)

Os níveis de nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina provavelmente não são os melhores indicadores para o uso de diálise na lesão renal aguda (LRA). Em pacientes assintomáticos que não estão gravemente enfermos, em particular aqueles em que a volta da função renal é considerada provável, a diálise pode ser adiada até o surgimento de sintomas, evitando assim a necessidade de um acesso venoso central e suas complicações associadas.

Medidas gerais

Devem ser suspensos os medicamentos nefrotóxicos e são ajustadas todos os medicamentos excretados pelos rins (p. ex., digoxina, alguns antibióticos); as concentrações séricas são úteis.

A ingestão diária de água é restrita a um volume igual ao débito urinário do dia anterior somado a perdas extrarrenais (p. ex., vômitos) mais 500 a 1.000 mL/dia de perdas insensíveis. A ingestão de água pode ser ainda mais restrita em razão da hiponatremia, ou aumentada em decorrência da hipernatremia. Embora o ganho de peso indique excesso de líquidos, a ingestão de água não é diminuída se o sódio sérico permanecer normal; ao contrário, restringe-se o sódio alimentar.

A ingestão de sódio e potássio é minimizada, exceto em pacientes com deficiências anteriores ou perdas gastrointestinais. Deve-se fornecer uma dieta adequada, incluindo ingestão diária de proteínas de cerca de 0,8 g/kg. Se a ingestão oral não for possível, utiliza-se nutrição parenteral; mas na lesão renal aguda os riscos de sobrecarga hídrica, hiperosmolalidade e infecção são aumentados pela nutrição intravenosa. Sais de cálcio (carbonato de cálcio, acetato de cálcio) ou ligantes de fosfato sintético ou à base de ferro antes das refeições ajudam a manter o fosfato sérico em < 5,5 mg/dL (< 1,8 mmol/L).

Se necessário para ajudar a manter os níveis séricos de potássio < 6 mmol/L na ausência de diálise (p. ex., se outras terapias, como diuréticos, não conseguem reduzir o potássio), prescreve-se uma resina de troca catiônica quando um início de ação tardio em algumas horas é aceitável. Sulfonato de poliestireno de sódio está disponível na formulação oral ou retal; patirômero e ciclossilicato de zircônio sódico estão disponíveis apenas por via oral.

Um catéter vesical de demora raramente é necessário e deve ser utilizado apenas quando for necessária em razão do aumento de risco de infecção do trato urinário e urossepse.

Em vários pacientes, a observação de diurese abrupta ou mesmo significativa após resolução da obstrução é uma resposta fisiológica à expansão do líquido extracelular durante a obstrução e não compromete o estado volumétrico. Entretanto, a poliúria acompanhada de excreção de grandes quantidades de sódio, potássio, magnésio e outros solutos pode causar hipopotassemia, hiponatremia e hipernatremia (se água livre não é fornecida), ou contração significativa do volume do líquido extracelular com colapso vascular periférico. Nessa fase poliúrica, é obrigatória a atenção rigorosa ao equilíbrio de líquidos e eletrólitos. A administração em excesso de água e sais após o alívio da obstrução pode prolongar a diurese. Quando se observar diurese pós-oligúria, a reposição do débito urinário com salina a 0,45% de cerca de 75% do débito urinário evita a depleção de volume e a tendência à perda excessiva de água livre, permitindo ao corpo eliminar o volume excessivo se essa for a causa da poliúria.

Prognóstico de lesão renal aguda (LRA)

O prognóstico para recuperação da função renal após a lesão renal aguda correlaciona-se com a função renal pré-mórbida. Pacientes com doença renal crônica (DRC) subjacente têm maior risco de desenvolver lesão renal aguda, exigindo diálise para o tratamento da lesão renal aguda, e progredindo para doença renal em estágio terminal (DRET).

O prognóstico da lesão renal aguda não oligúrica (débito urinário > 500 mL/dia) é melhor do que para lesão renal aguda oligúrica ou anúrica. O aumento do débito urinário com ou sem o auxílio de um diurético sugere recuperação da função renal ou lesão renal aguda menos grave. A recuperação da lesão renal aguda, porém, é um fator de risco para DRC e DRET futuras. A mortalidade intra-hospitalar geral entre os beneficiários do Medicare que foram hospitalizados nos Estados Unidos em 2021 sem lesão renal aguda (LRA) foi de 2,8% em comparação com 9,7% de pacientes hospitalizados com LRA sem necessidade de diálise e 33,2% naqueles com LRA que exigia diálise. Em geral, entre os pacientes hospitalizados com LRA, menos de um terço recebam alta para casa (1).

Referência sobre prognóstico

Prevenção da lesão renal aguda

Em geral, pode-se prevenir lesão renal aguda mantendo o equilíbrio hídrico, a volemia e a pressão arterial normais nos pacientes com traumas, queimaduras, ou hemorragias graves e naqueles submetidos a grandes cirurgias. A infusão de salina isotônica e de sangue pode ser útil.

O uso de meios de contraste iodados deve ser minimizado, particularmente em grupos de risco (p. ex., pacientes idosos e aqueles com insuficiência renal preexistente, depleção de volume, diabetes ou insuficiência cardíaca) para nefropatia por contraste. Se forem necessários meios de contraste, o risco pode ser reduzido com diminuição do volume do contraste intravenoso, uso de meios de contraste não iônicos e com baixa osmolalidade ou isosmolares, evitar anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e administração anterior de salina normal 1 mL/kg/hora, intravenosa, por 12 horas antes do teste. A infusão de bicarbonato de sódio isotônico antes e após a administração de contraste também foi utilizada com sucesso em vez de soro fisiológico normal, especialmente em pacientes com acidose metabólica concomitante.

Antes de se iniciar o tratamento citolítico em pacientes com certas doenças neoplásicas (p. ex., linfomas e leucemias), o tratamento com rasburicase ou alopurinol deve ser considerado juntamente com o aumento do fluxo urinário com aumento de líquidos orais e intravenosos para reduzir a cristalúria por uratos. Tornar a urina mais alcalina (com o fornecimento de bicarbonato de sódio oral ou IV ou acetazolamida) tem sido recomendado por alguns, mas é controverso porque pode também induzir precipitação de fosfato de cálcio urinário e cristalúria, que podem agravar a lesão renal aguda.

Pontos-chave

  • As causas da lesão renal aguda podem ser pré-renais (p. ex., hipoperfusão renal), renais (p. ex., efeitos diretos sobre os rins) ou pós-renais (p. ex., obstrução do trato urinário distal em relação aos rins).

  • Na lesão renal aguda, considerar a depleção do volume do líquido extracelular e nefrotoxinas, obter índices diagnósticos urinários e medir o volume residual da bexiga para identificar obstrução.

  • Evitar ou minimizar o uso de contraste IV iodado em exames de imagem.

  • Iniciar a hemodiálise ou hemofiltração conforme necessário para edema pulmonar, hiperpotassemia, acidose metabólica ou sintomas urêmicos não responsivos a outros tratamentos.

  • Minimizar o risco de lesão renal aguda em pacientes em risco mantendo o equilíbrio normal de líquidos, evitando nefrotoxinas (incluindo agentes de contraste iodinados intravenosos), quando possível, e tomando precauções como administração de líquidos ou medicamentos quando contraste ou terapia citolítica é necessário.

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