Icterícia

PorDanielle Tholey, MD, Sidney Kimmel Medical College at Thomas Jefferson University
Revisado/Corrigido: set. 2023
Visão Educação para o paciente

A icterícia é a coloração amarelada da pele, das escleras e de outros tecidos causado pelo excesso de bilirrubina circulante. Icterícia torna-se visível quando o nível de bilirrubinas se encontra entre 2 e 3 mg/dL (34 a 51 micromol/L).

(Ver também Estrutura e função hepáticas e Avaliação do paciente com doença hepática.)

Fisiopatologia da icterícia

A maior parte da bilirrubina é produzida quando a hemoglobina é quebrada em bilirrubina indireta (e outras substâncias). Esta é ligada à albumina e transportada no plasma para o fígado, onde é captada pelos hepatócitos e conjugada com ácido glicurônico para se tornar hidrossolúvel. Bilirrubina direta é excretada pela bile no duodeno. No intestino, bactérias metabolizam a bilirrubina para formar urobilinogênio. Parte desse urobilinogênio é eliminada nas fezes e parte é reabsorvida, extraída pelos hepatócitos, reprocessada e reexcretada na bile (ciclo entero-hepático — ver Visão geral do metabolismo da bilirrubina).

Mecanismos da hiperbilirrubinemia

Hiperbilirrubinemia pode se desenvolver com predominância de bilirrubina não conjugada ou conjugada.

Hiperbilirrubinemia não conjugada é mais frequentemente causada por 1 dentre os seguintes:

  • Produção aumentada

  • Redução na captação hepática

  • Conjugação diminuída

Hiperbilirrubinemia conjugada é mais frequentemente causada por 1 dentre os seguintes:

  • Disfunção hepatocelular (lesão dos hepatócitos)

  • Lentidão na saída da bile do fígado (colestase intra-hepática)

  • Obstrução do fluxo biliar extra-hepático (colestase extra-hepática)

Consequências

O prognóstico final é ditado primariamente pela causa da icterícia, bem como pela presença ou não e pela gravidade da disfunção hepatocelular. Disfunção hepática pode resultar em coagulopatia, encefalopatia e também em hipertensão portal (que por sua vez pode determinar o aparecimento de sangramento digestório).

Etiologia da icterícia

Ainda que a hiperbilirrubinemia possa ser classificada em não conjugada e conjugada, muitas são as doenças hepatobiliares que cursam com a elevação de ambas.

Muitas condições (ver tabela Mecanismos e algumas causas de icterícia em adultos), como o uso de certos fármacos (ver tabela Alguns fármacos e toxinas que podem causar icterícia), podem causar icterícia, mas as causas mais comuns são

Tabela
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Visão geral da icterícia

História

História da doença atual deve incluir início e duração da icterícia. Hiperbilirrubinemia pode causar escurecimento da urina antes que a icterícia seja visível. Assim, o início da colúria deve indicar de forma mais precisa o início da hiperbilirrubinemia que o aparecimento da icterícia. Sintomas associados devem ser analisados, tais como febre, pródromos geralmente (p. ex., febre, mal-estar geral, mialgia) antes da icterícia, alteração na cor das fezes, prurido, esteatorreia e dor abdominal (incluindo localização, intensidade, duração e irradiação). Sintomas importantes sugerindo gravidade da doença incluem náuseas e vômitos, perda ponderal e também sinais ou sintomas de coagulopatia (p. ex., sangramento gengival ou raios de sangue nas fezes).

A revisão dos sistemas deve procurar sintomas de possíveis causas, incluindo perda ponderal e dor abdominal (câncer); dor articular e edema (hepatite autoimune ou viral, hemocromatose, colangite esclerosante primária, sarcoidose); amenorreia (gestação).

A história clínica deve identificar agentes ou doenças causais conhecidas, tais como as doenças hepatobiliares (p. ex., litíases, hepatites, cirrose); doenças causadoras de hemólise [p. ex., hemoglobinopatias, deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD)]; e alterações relacionadas com doenças hepáticas ou biliares, incluindo doença inflamatória intestinal, doenças infiltrativas (p. ex., amiloidose, linfomas, sarcoidose, tuberculose) e infecção pelo vírus HIV ou aids.

História sobre uso ou não de fármacos deve incluir questões sobre uso ou exposição a toxinas sabidamente hepatotóxicas (ver tabela Alguns fármacos e toxinas que podem causar icterícia) e sobre vacinação contra as hepatites.

História cirúrgica deve incluir questões relativas a possível abordagem do trato biliar (causa potencial de lesões cicatriciais).

A história social deve incluir perguntas sobre os fatores de risco para hepatite (ver tabela Alguns fatores de risco de hepatite), quantidade e duração do uso de álcool, uso de drogas injetáveis e história sexual.

História familiar deve incluir icterícia recorrente na família e/ou o diagnóstico de doenças congênitas. A história de consumo de álcool ou droga recreacional deve, se possível, ser confirmada por um familiar ou amigo.

Tabela
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Exame físico

Sinais vitais são checados à procura de febre e sinais de toxemia (p. ex., hipotensão, taquicardia).

A aparência geral é notada particularmente quanto a caquexia e letargia.

O exame de cabeça e pescoço engloba a inspeção da esclera e da língua para identificação de icterícia e dos olhos para pesquisa de anéis de Kayser-Fleischer (mais bem visualizados pela lâmpada de fenda). Icterícia discreta é vista mais claramente na esclera e à luz natural; é geralmentedetectável quando a bilirrubina ultrapassa 2 ou 2,5 mg/dL (34 a 43 micromol/L). O hálito deve ser observado (p. ex., hálito hepático, característico na encefalopatia).

O abdome é inspecionado em relação a circulação colateral, ascite e cicatrizes cirúrgicas. O fígado é palpado visando identificar hepatomegalia, massas, nódulos e endurecimento. O baço é palpado em busca de esplenomegalia. O abdome é examinado com vistas a hérnia umbilical, aumento do volume, presença de líquido ascítico, massas, ou dor, bem como sinais de irritação peritoneal. O reto é examinado à procura de sangue.

Homens são examinados em busca de atrofia testicular e ginecomastia.

Membros superiores são examinados à procura de contraturas de Dupuytren.

O exame neurológico inclui a avaliação do status mental e avaliação à procura de asterixe (“flapping”, tremor adejante das mãos característico).

Examina-se na pele icterícia, eritema palmar, orifícios de perfurações por agulhas, aranhas vasculares, escoriações, xantomas (compatíveis com colangite biliar primária), escassez de pelos axilares e pubianos, hiperpigmentação, equimoses, petéquias e púrpura.

Sinais de alerta

Os achados a seguir são particularmente preocupantes:

  • Dor abdominal intensa e abdome tenso

  • Estado mental alterado

  • Sangramento digestório (grosseiro ou discreto)

  • Equimoses, petéquias ou púrpura

Interpretação dos achados

A gravidade da doença é indicada basicamente pelo grau (se houver) de disfunção hepática. Colangite ascendente é preocupante, pois demanda tratamento emergencial.

Disfunção hepática grave é indicada pela presença de encefalopatia (p. ex., estado mental, flapping) ou coagulopatia (p. ex., sangramento fácil, púrpura, fezes escurecidas ou sanguinolentas), particularmente em pacientes com sinais de hipertensão portal (p. ex., abdome com circulação colateral, ascite, esplenomegalia). Sangramento maciço do trato digestório superior sugere sangramento varicoso decorrente de hipertensão portal (e possivelmente coagulopatia).

Colangite ascendente é sugerida pela presença de febre e dor importante e persistente em hipocôndrio direito; pancreatite aguda com obstrução biliar (p. ex., pela presença de cálculo em ducto hepático comum ou pseudocisto) pode se manifestar de forma semelhante.

Causa da icterícia pode ser sugerida pelos seguintes dados:

  • Icterícia aguda em jovens saudáveis sugere hepatite viral aguda, particularmente se houver história de um quadro prodrômico, fatores de risco, ou ambos; entretanto, superdose de paracetamol também é uma possível causa.

  • É provável que icterícia aguda após exposição a toxinas hepatotóxicas em indivíduos previamente saudáveis ocorra por causa dessa substância.

  • História longa de abuso de álcool sugere doença hepática alcoólica, mormente na presença de estigmas de hepatopatia ao exame físico.

  • História pessoal ou familiar de icterícia recorrente sem outros achados sugere doença hereditária, possivelmente síndrome de Gilbert.

  • Icterícia de instalação gradual, acompanhada de prurido, perda ponderal e acolia fecal sugere colestase intra ou extra-hepática.

  • Icterícia sem dor em idosos, acompanhada de perda ponderal e massa palpável, mas mínimo prurido sugere obstrução biliar por câncer.

Outros achados podem ser igualmente úteis (ver tabela Achados sugestivos da causa de icterícia).

Tabela
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Exames

São realizados os seguintes:

  • Exames de sangue (enzimas hepáticas e bilirrubinas)

  • Em geral, um exame de imagem

  • Algumas vezes biópsia (abordagens percutâneas ou transjugulares)

Exames de sangue incluem medida das bilirrubinas direta e indireta bem como enzimas hepatocelulares (aminotransferases) e canaliculares (fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase) em todos os pacientes. Os resultados auxiliam a diferenciação entre colestase e disfunção hepatocelular (importante, pois geralmente portadores de colestase requerem exame de imagem):

  • Disfunção hepatocelular: grande elevação das aminotransferases (> 500 U/L [8,35 microkat/L]) e elevação moderada de fosfatase alcalina (< 3 vezes o normal)

  • Colestase: elevação moderada das aminotransferases (< 200 U/L [3,34 microkat/L]) e importante elevação da fosfatase alcalina (> 3 vezes o normal)

Além disso, pacientes com disfunção hepatocelular ou colestase apresentam urina escura decorrente de bilirrubinuria porque a bilirrubina conjugada é excretada pela urina; a bilirrubina não conjugada não é. O fracionamento das bilirrubinas também permite diferenciar as formas de conjugada e não conjugada. Se os níveis das enzimas aminotransferase e fosfatase alcalina são normais, a fração de bilirrubina pode ajudar a sugerir causas, como a síndrome de Gilbert ou hemólise (não conjugada) versus síndrome de Dubin-Johnson ou síndrome de Rotor (conjugada).

Outros exames são indicados com base na suspeita clínica e nos resultados dos exames iniciais, tais como:

  • Sinais de insuficiência hepática (p. ex., encefalopatia, ascite, equimoses) ou sangramento gastrointestinal (GI): testes de coagulação [tempo de protrombina (TP)/tempo de tromboplastina parcial (TTP)]

  • Fatores de risco de hepatite (ver tabela Alguns fatores de risco de hepatite), ou um mecanismo hepatocelular sugerido pelos resultados do exame de sangue: hepatite viral e exames sorológicos autoimunes

  • Febre, dor abdominal e sensibilidade: hemograma completo e, se o paciente parecer enfermo, hemoculturas

Suspeita de hemólise pode ser confirmado por esfregaço de sangue periférico.

Ultrassonografia abdominal é o primeiro exame de imagem a ser realizado.

Ultrassonografia abdominal normalmente é feita primeiro; tipicamente, ela é bastante precisa para detectar obstrução extra-hepática. TC e RM são alternativas. Ultrassonografia geralmente é melhor para cálculos biliares; e TC, para lesões pancreáticas. Todos esses exames podem detectar anormalidades nas vias biliares ou lesões hepáticas focais, mas têm baixa acurácia para detecção de lesões difusas, tais como as hepatites e a cirrose.

Se a ultrassonografia detectar colestase extra-hepática, pode ser necessária a realização de exames adicionais para determinar a causa; em geral, colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM), ultrassonografia endoscópica (USE) ou por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPER) são utilizadas. A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é mais invasiva, mas permite o tratamento de algumas lesões obstrutivas (p. ex., remoção de cálculos, implante de stents em estreitamentos).

Biópsia hepática não é frequentemente indicada, mas pode auxiliar no diagnóstico de certas doenças (p. ex., doenças causadoras de colestase intra-hepática, em alguns tipos de hepatite e também algumas doenças infiltrativas, síndrome de Dubin-Johnson, hemocromatose e doença de Wilson). Biópsia pode também ser de algum auxílio quando o aumento de enzimas permanecer inexplicado pelos demais testes.

A laparoscopia (peritonioscopia) permite avaliação direta do fígado e da vesícula biliar sem o trauma da cirurgia aberta (laparotomia). Assim, ocasionalmente, utiliza-se laparoscopia para diagnosticar icterícia colestática não explicada e, bem mais raramente, a laparotomia exploradora diagnóstica.

Tratamento da icterícia

  • Tratamento das deficiências nutricionais e outras complicações

A causa e quaisques complicações são tratadas. A icterícia propriamente dita não requer tratamento em adultos (diferentemente em neonatos —ver Hiperbilirrubinemia neonatal). O prurido, se incomodar, melhora com a administração de colestiramina, via oral, 2 a 8 g duas vezes ao dia. Entretanto, a colestiramina é ineficaz em casos de obstrução total dos canais biliares.

Fundamentos de geriatria: icterícia

Os sintomas podem ser leves ou mesmo não percebidos em idosos; p. ex., a dor pode ser leve ou ausente na hepatite viral aguda. Perturbações do ciclo do sono ou confusão mental leve resultantes de encefalopatia portossistêmica podem erroneamente ser interpretadas como demência.

Pontos-chave

  • Hepatite viral aguda suspeita em pacientes, especialmente pacientes jovens e saudáveis, que têm icterícia aguda, particularmente com um pródromo viral.

  • Obstrução biliar suspeita devido a câncer em pacientes idosos com icterícia indolor, perda ponderal, massa abdominal e prurido mínimo.

  • Disfunção hepatocelular suspeita se os níveis de aminotransferase são > 500 U/L e a elevação de fosfatase alcalina é < 3 vezes o normal.

  • Suspeitar de colestase se os níveis de aminotransferase são < 200 U/L e a elevação de fosfatase alcalina é > 3 vezes o normal.

  • A disfunção hepática é significativa se o estado mental está alterado e coagulopatia está presente.

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