Ascite

PorDanielle Tholey, MD, Sidney Kimmel Medical College at Thomas Jefferson University
Revisado/Corrigido: set. 2023
Visão Educação para o paciente

É a condição em que há líquido livre na cavidade peritoneal. Sua causa mais comum é a hipertensão portal. Os sintomas geralmente decorrem da distensão abdominal. O diagnóstico é alcançado com base em exame físico, ultrassonografia, ou tomografia computadorizada (TC). O tratamento é feito com restrição alimentar de sódio, diuréticos e paracentese terapêutica. O líquido ascítico pode se infectar (peritonite bacteriana espontânea), quadro frequentemente acompanhado de dor e febre. O diagnóstico da infecção do líquido ascítico é dado por meio de análises laboratoriais e cultura do líquido. A infecção é tratada com antibióticos apropriados.

Etiologia da ascite

Ascite pode resultar de distúrbios hepáticos, geralmente crônicos, mas às vezes agudos; condições não relacionadas ao fígado também podem causar ascite.

Causas hepáticas incluem:

A trombose de veia porta geralmente não causa ascite, a não ser que haja dano hepatocelular concomitante.

Causas não hepáticas incluem as seguintes:

Fisiopatologia da ascite

Os mecanismos são complexos e não completamente compreendidos. Os fatores são a vasodilatação esplâncnica induzida pelo óxido nítrico, as alterações das forças de Starling nos vasos do sistema porta (baixa pressão oncótica em razão da hipoalbuminemia, além do aumento da pressão na veia porta), avidez renal pela retenção de sódio (a concentração urinária de sódio é tipicamente < 5 mEq/L [5 mmol/L]), e possivelmente aumento da formação de linfa hepática.

Mecanismos que aparentemente contribuem para a retenção renal de sódio incluem ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumento do tônus simpático, derivação sanguínea intrarrenal que provoca desvio do fluxo do córtex renal, aumento da formação de óxido nítrico e formação ou metabolismo anormais do hormônio antidiurético, cininas, prostaglandinas e fator natriurético atrial. A vasodilatação do sistema arterial esplâncnico pode ser o fator desencadeador, mas o papel específico e a inter-relação desses fatores ainda permanecem desconhecidos.

Sinais e sintomas da ascite

Pequenas quantidades de líquido ascítico geralmente não causam sintomas. Quantidades moderadas provocam aumento da circunferência abdominal e ganho ponderal. Grandes quantidades de ascite levam à sensação de pressão intra-abdominal, mas a dor real é incomum e sugere outra causa de dor abdominal aguda. Se a ascite cursar com elevação do diafragma, pode haver dispneia. Sintomas sugestivos de peritonite bacteriana espontânea (PBE) podem ser desconforto abdominal recente e febre.

Sinais incluem macicez móvel (detectada por percussão abdominal) e manobra do piparote positiva. Volumes < 1.500 mL podem não ser detectados pelo exame físico. Ascites volumosas podem causar tensão da parede abdominal e planificação da cicatriz umbilical. Na ascite causada por hepatopatias ou por processos peritoneais, ocorre aumento isolado do volume abdominal, ao passo que em processos sistêmicos (p. ex., insuficiência cardíaca) a ascite aparece associada ao edema periférico.

Diagnóstico da ascite

  • Ultrassonografia ou TC, a não ser que os achados de exame físico sejam óbvios

  • Frequentemente, exames do líquido ascítico

Pode ser realizado pelo exame físico em casos em que há grande quantidade de ascite, mas os exames de imagem são mais sensíveis. A ultrassonografia e a TC podem mostrar quantidades bem menores de líquido (100 a 200 mL) do que o exame físico. A suspeita de peritonite bacteriana espontânea ocorre quando o paciente com ascite apresenta febre, dor abdominal e piora clínica geral. Mas a peritonite bacteriana espontânea também pode ser assintomática com os únicos sinais de piora da função sintética hepática ou lesão renal aguda. E como os atrasos no tratamento levam a uma alta mortalidade, o limiar para tratamento deve ser baixo.

O diagnóstico de paracentese abdominal deve ser realizado toda vez que um dos fatores a seguir ocorrer:

  • É feito diagnóstico pela primeira vez de ascite.

  • Sua causa é desconhecida.

  • Há suspeita de peritonite bacteriana espontânea.

Cerca de 50 a 100 mL de líquido são removidos e analisados quanto à aparência macroscópica, teor proteico, contagem celular e diferencial, cultura e, de acordo com a indicação clínica, citologia, coloração ácido-álcool resistente e/ou amilase. Ao contrário da ascite decorrente de inflamação ou infecção, a ascite decorrente da hipertensão porta produz um líquido claro e com cor de palha, tem baixa concentração de proteínas, baixa contagem de polimorfonucleares (< 250 células/mcL) e alto gradiente entre a concentração de albumina sérica e ascítica (SAAG, do inglês serum-to-ascites albumin concentration gradient), representada pela concentração sérica de albumina menos a concentração de albumina do líquido ascítico. SAAG 1,1 g/dL (11 g/L) é relativamente específico para ascite por hipertensão porta. No líquido ascítico, uma contagem de polimorfonucleares > 250 células/mcL indica peritonite bacteriana espontânea, enquanto a ascite hemorrágica sugere tumor ou tuberculose. A ocorrência de ascite quilosa rara (aspecto leitoso) é mais comum com linfoma ou oclusão do duto linfático.

Tratamento da ascite

  • Restrição de sódio alimentar

  • Às vezes, espironolactona, possivelmente associada a furosemida

  • Às vezes, paracentese terapêutica

(Ver também the American Association for the Study of Liver Diseases [AASLD] practice guideline AASLD 2021 Guideline on diagnosis, evaluation and management of ascites, spontaneous bacterial peritonitis [SBP], and hepatorenal syndrome.)

A restrição do sódio alimentar (até 2000 mg/dia) é o primeiro e menos arriscado tratamento para a ascite decorrente de hipertensão portal. Os diuréticos devem ser utilizados se a rígida restrição de sódio não promover diurese em poucos dias. Espironolactona geralmente é eficaz (em doses orais variando de 50 mg uma vez ao dia a 200 mg duas vezes ao dia). Um diurético de alça (p. ex., 20 a 160 mg de furosemida por via oral geralmente uma vez ao dia ou 20 a 80 mg por via oral duas vezes ao dia) deve ser acrescentado se a espironolactona é insuficiente. Como a espironolactona pode causar retenção de potássio e a furosemida pode causar depleção de potássio, a combinação desses fármacos muitas vezes fornece diurese ótima com um risco mais baixo de anormalidades de potássio. Restrição de líquidos só é indicada para o tratamento da hiponatremia (sódio sérico < 125 mEq/L [125 mmol/L]).

Alterações no peso corporal e determinações de sódio na urina refletem a resposta ao tratamento. Uma perda ponderal de cerca de 0,5 kg/dia é ideal porque o compartimento ascítico não pode ser mobilizado muito mais rapidamente. Diurese mais agressiva depleta o líquido do compartimento intravascular, especialmente quando edema periférico está ausente; essa depletação pode causar insuficiência renal ou desequilíbrio eletrolítico (p. ex., hipopotassemia) que podem precipitar encefalopatia portossistêmica. Se edema periférico está presente, diurese mais agressiva de até 1 kg/dia geralmente é bem tolerada (1). Restrição dietética inadequada de sódio é a causa comum de ascite persistente.

A paracentese terapêutica pode ser combinada com diuréticos. Se são removidos mais de 5 litros de ascite, deve-se administrar 6 a 8 g de albumina a 25% para cada litro removido. A albumina ajuda a reduzir o risco de hipotensão pós-paracentese (disfunção circulatória pós-paracentese), que pode precipitar síndrome hepatorrenal. A paracentese terapêutica pode reduzir a ascite mais rapidamente do que os diuréticos; entretanto, os pacientes exigem diuréticos contínuos para evitar que a ascite se acumule novamente.

Técnicas para a infusão autóloga de líquido ascítico (p. ex., derivação peritoneovenosa de LeVeen) muitas vezes causam complicações e não costumam ser utilizadas. A derivação portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS, na sigla em inglês) pode reduzir a pressão portal e tratar com sucesso ascites resistentes a outros tratamentos, mas TIPS é invasivo e pode causar complicações, incluindo encefalopatia portossistêmica e piora da função hepatocelular.

Define-se ascite refratária como ascite que persiste e requer paracentese apesar do uso da dose máxima de diuréticos (furosemida 160 mg e espironolactona 400 mg por dia) ou incapacidade de tolerar diuréticos decorrente de lesão renal aguda ou hipotensão. Ascite refratária é uma indicação para encaminhamento para transplante de fígado.

(Ver também the AASLD practice guideline AASLD 2021 Guideline on diagnosis, evaluation and management of ascites, SBP, and hepatorenal syndrome.

Referência sobre tratamento

  1. 1. European Association for the Study of the Liver: EASL clinical practice guidelines for the management of patients with decompensated cirrhosis. J Hepatol 69:406-460, 2018. doi.org/10.1016/j.jhep.2018.03.024

Pontos-chave

  • Ascite é líquido livre na cavidade abdominal, geralmente causada por hipertensão portal e às vezes por outras condições hepáticas ou não hepáticas.

  • Quantidades moderadas de líquido podem aumentar a circunferência abdominal e causar ganho de peso, e quantidades maciças podem causar distensão abdominal, pressão e dispneia; os sinais podem estar ausentes se o acúmulo de líquido é < 1.500 mL.

  • A menos que o diagnóstico seja óbvio, confirmar a presença de ascite utilizando ultrassonografia ou TC.

  • Se a ascite é recém-diagnosticada, sua causa é desconhecida ou há suspeita de peritonite bacteriana espontânea, fazer paracentese e testar o líquido ascítico.

  • Recomendar restrição do sódio alimentar; se não for suficientemente eficaz, considerar o uso de diuréticos e da paracentese terapêutica.

  • Encaminhar prontamente os pacientes com ascite refratária para transplante de fígado.

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