A esteatose hepática é devida o acúmulo excessivo de lipídios nos hepatócitos. A doença hepática esteatótica associada a disfunção metabólica (DHEADM) é infiltração gordurosa simples (uma doença benigna chamada esteatose hepática), enquanto a esteato-hepatite associada a disfunção metabólica (EHADM) é definida pela presença de gordura que leva à lipotoxicidade e lesão inflamatória nos hepatócitos. Histologicamente, é difícil distinguir EHADM da hepatite alcoólica. Assim, para o diagnóstico da EHADM, deve-se descartar o consumo de álcool subjacente. A diferenciação entre esteatose simples e EHADM pode ser difícil sem uma biopsia hepática, e enzimas hepáticas elevadas não são um preditor sensível para identificar EHADM. A presença da síndrome metabólica (obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial e intolerância à glicose) aumenta a probabilidade de um paciente ter EHADM em vez de esteatose simples. A patogênese da esteatose hepática não alcoólica não é completamente entendida, mas provavelmente tem relação com resistência insulínica (p. ex., como na obesidade e na síndrome metabólica). A maioria dos pacientes é assintomática. Embora os exames diagnósticos não invasivos geralmente sejam suficientes, biópsia hepática continua sendo o padrão-ouro. O tratamento consiste na eliminação das causas e dos fatores de risco; estão surgindo rapidamente novas terapias, mas que ainda estão na fase de teste clínico.
(Ver também the American Association for the Study of Liver Diseases [AASLD] 2018 practice guidance on the diagnosis and management of MASLD.)
A DHEADM inclui a infiltração gordurosa (uma doença benigna conhecida como esteatose hepática) e a esteato-hepatite associada a disfunção metabólica (EHADM), uma variante menos comum, porém, mais importante. A EHADM (frequentemente chamada de estatonecrose) é diagnosticada, na maioria das vezes, em pacientes entre 40 e 60 anos de idade, mas pode ocorrer em qualquer faixa etária. Muitos pacientes afetados têm obesidade, diabetes mellitus tipo 2 (ou intolerância à glicose), dislipidemia e/ou síndrome metabólica.
Fisiopatologia da DHEADM
A esteatose hepática pode decorrer de diversos fatores, envolve diferentes mecanismos bioquímicos e causa diferentes tipos de danos ao fígado. A fisiopatologia está relacionada com acúmulo de gordura (esteatose), inflamação e fibrose em grau variado. A esteatose é resultado do acúmulo de triglicerídios no fígado. Possíveis mecanismos causadores da esteatose incluem redução da síntese de lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL, very low density lipoprotein) e aumento na síntese hepática de triglicerídios (possivelmente resultado de redução na oxidação de ácidos graxos ou aumento da deposição hepática de ácidos graxos livres). A inflamação pode resultar de lesão peroxidativa lipídica às membranas celulares. Essas alterações podem estimular as células estreladas hepáticas, levando à fibrose. Quando em estágios avançados, a EHADM pode provocar cirrose e hipertensão portal.
Sinais e sintomas da DHEADM
A maioria dos pacientes é assintomática. Entretanto, alguns se apresentam com fadiga, mal-estar, ou desconforto no hipocôndrio direito. Hepatomegalia pode estar presente em até 75% dos casos. Esplenomegalia pode ocorrer em casos em que há fibrose hepática avançada e geralmente é o primeiro sinal de que a hipertensão portal está estabelecida. Pacientes com cirrose por EHADM são, na maioria das vezes, assintomáticos e podem não apresentar os sinais mais comuns de doença hepática crônica.
Diagnóstico da DHEADM
História (presença de fatores de risco, ausência de consumo excessivo de álcool)
Testes sorológicos que descartam hepatites B e C
Evidências ultrassônicas de esteatose ou elastografia por RM com fração de gordura
Deve-se suspeitar do diagnóstico de EHADM em pacientes com síndrome metabólica (geralmente obesidade, diabetes mellitus tipo 2 ou alto nível de glicemia de jejum, hipertensão arterial e dislipidemia) e em pacientes com anormalidades laboratoriais inexplicáveis que sugerem doença hepática. Diferenciar esteatose simples de EHADM pode ser difícil e enzimas hepáticas elevadas não são um preditor sensível para identificar EHADM. A presença de síndrome metabólica, bem como elevação da ferritina, aumenta a probabilidade de um paciente ter EHADM em vez de esteatose simples. Além disso, sistemas de classificação clínica, como o escore FIB4, a calculadora FibroSure® para classificação laboratorial de fibrose por DHADM, podem identificar pacientes com risco de fibrose e, portanto, aqueles com maior probabilidade de apresentar EHADM e ter risco de progressão para cirrose. Quando as enzimas hepáticas estão elevadas, as anormalidades laboratoriais mais comuns são elevações nos níveis de aminotransferase. Ao contrário da doença hepática relacionada a álcool, a razão aspartato aminotransferase (AST)/alanina aminotransferase (ALT) na EHADM costuma ser < 1. A fosfatase alcalina e a gama-glutamiltransferase (GGT) ocasionalmente estão elevadas. Hiperbilirrubinemia, prolongamento do tempo de protrombina (TP) e hipoalbuminemia são incomuns.
Para o diagnóstico, evidências fortes (como história corroborada por amigos e parentes) de que o consumo de álcool não é excessivo (p. ex., é < 20 g/dia) são necessárias, e testes sorológicos devem mostrar a ausência de hepatite B e C (isto é, o antigênio de superfície da hepatite B e anticorpos do vírus da hepatite C devem ser negativos). Biópsia hepática revela dano semelhante ao observado na hepatite alcoólica, geralmente incluindo grandes gotas de gordura (infiltração gordurosa macrovesicular), bem como fibrose pericelular ou em "tela de galinheiro". Indicações para realização de biópsia hepática incluem sinais de hipertensão portal sem explicação etiológica evidente (p. ex., esplenomegalia, citopenia) e elevações sem causa evidente de aminotransferases por > 6 meses em pacientes com diabetes, obesidade ou hiperlipidemia.
Exames de imagem hepáticos, como ultrassonografia, TC e, principalmente, RM, podem identificar a esteatose hepática. Medidas não invasivas da fibrose, como elastografia transitória (um teste que utiliza tanto ultrassom como ondas elásticas de baixa frequência), elastografia por ultrassom, ou elastografia por RM podem avaliar a gravidade da esteatose, bem como estimar a fibrose, evitando assim a necessidade de biópsia hepática em muitos casos (1, 2). Elastografia transitória e elastografia por ultrassom podem ser limitadas pela estrutura corporal (muito grande/muita gordura para que as ondas de ultrassom possam penetrar adequadamente), o que não ocorre na elastografia por RM. Entretanto, esses exames de imagem não podem identificar a inflamação típica da EHADM e não podem diferenciar a EHADM de outras causas de esteatose hepática.
Referências sobre diagnóstico
1. Cassinotto C, Boursier J, de Ledinghen V, et al: Liver stiffness in nonalcoholic fatty liver disease: A comparison of supersonic shear imaging, FibroScan, and ARFI with liver biopsy. Hepatology 63(6):1817-1827, 2016. doi: 10.1002/hep.28394
2. Lee MS, Bae JM, Joo SK, et al: Prospective comparison among transient elastography, supersonic shear imaging and ARFI for predicting fibrosis in nonalcoholic fatty liver disease. PLoS One 12(11)e:0188321, 2017. doi: 10.1371/journal.pone.0188321. eCollection 2017. Erratum in: PLoS One 3(6):e0200055, 2018. doi: 10.1371/journal.pone.0200055. eCollection 2018.
Tratamento da DHADM
Eliminação das causas e controle dos fatores de risco
A única intervenção terapêutica universalmente aceita é eliminar causas em potencial e fatores de risco. Para tanto, deve-se interromper o uso de fármacos ou toxinas, encorajar a perda ponderal e tratar a hiperglicemia ou tratar hiperlipidemia. Evidências preliminares sugerem que tiazolidinedionas e vitamina E podem ajudar a corrigir anormalidades bioquímicas e histológicas da EHADM, mas não melhoram a fibrose. Além disso, a vitamina E é contraindicada em diabéticos, limitando sua utilidade. Muitos outros tratamentos (p. ex., ácido ursodesoxicólico, metronidazol, metformina, betaína, glucagon, infusão de glutamina) não tiveram sua eficácia definitivamente comprovada.
Atualmente, existem muitas terapias emergentes para EHADM direcionadas a várias vias moleculares diferentes, incluindo PPAR-alfa ativado pelo proliferador de peroxissomos, moduladores do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1) e ligantes do receptor farnesoide X (FXR). Essas novas terapias mostram-se promissoras em relação à resolução da EHADM e também à reversão da fibrose preexistente. Estudos adicionais, incluindo vários ensaios clínicos de fase 3, estão em andamento.
Prognóstico da DHADM
Determina-se o prognóstico pelo grau de fibrose, que é a única medida que se correlaciona com a mortalidade hepática e com necessidade de transplante de fígado (1). O prognóstico é difícil de prever, embora pacientes com DHADM que têm EHADM na histologia e evidências de fibrose tenham maior probabilidade de desenvolver cirrose (2). Estima-se que 10% dos pacientes com DHADM progridem para cirrose ao longo de um período de 20 anos (3). Entretanto, alguns fármacos (p. ex., fármacos citotóxicos) e distúrbios metabólicos estão associados à aceleração da esteato-hepatite associada a disfunção metabólica (EHADM). Como resultado, deve-se evitar mesmo o consumo moderado de álcool dado o risco de progressão acelerada para fibrose. O prognóstico é geralmente bom, a não ser que complicações (p. ex., varizes hemorrágicas) ocorram.
Referências sobre prognóstico
1. Angulo P, Kleiner DE, Dam-Larsen S, et al: Liver fibrosis, but no other histologic features, is associated with long-term outcomes of patients with nonalcoholic fatty liver disease. Gastroenterology 149(2):389-398, 2015. e10. doi: 10.1053/j.gastro.2015.04.043
2. American Association for the Study of Liver Diseases: 2018 Practice Guidelines.
3. Nasr P, Ignatova S, Kechagias E, et al: Natural history of nonalcoholic fatty liver disease: A prospective follow-up study with serial biopsies. Hepatol Commun 2(2);199-210, 2017. doi: 10.1002/hep4.1134. eCollection 2018 Feb.
Pontos-chave
A DHADM inclui tanto a condição benigna popularmente chamada de fígado gorduroso, como a doença do fígado gorduroso não alcoólica, ou esteato-hepatite associada a disfunção metabólica (EHADM).
A EHADM causa danos hepáticos histológicos semelhantes àqueles da hepatite alcoólica, mas ocorre em pacientes que não são alcoólicos e que muitas vezes são obesos ou têm diabetes mellitus tipo 2 ou dislipidemia.
Os sintomas geralmente estão ausentes, mas alguns pacientes têm desconforto no quadrante direito superior, fadiga e/ou mal-estar.
Sinais de hipertensão portal e cirrose podem essencialmente ocorrer e podem ser as primeiras manifestações.
Excluir alcoolismo (com base na história corroborada) e hepatite B e C (com testes sorológicos) e fazer exames de imagem não invasivos para avaliar infiltração gordurosa e grau da fibrose.
Eliminar as causas e controlar os fatores de risco quando possível.