Princípios gerais da intoxicação

PorGerald F. O’Malley, DO, Grand Strand Regional Medical Center;
Rika O’Malley, MD, Grand Strand Medical Center
Revisado/Corrigido: jun. 2022
Visão Educação para o paciente

Intoxicação é o contato com uma substância que produz toxicidade. Os sintomas variam, mas certas síndromes comuns podem sugerir tipos particulares de intoxicações. O diagnóstico inicialmente é clínico, mas para algumas intoxicações, exames de urina e sangue podem auxiliar. Na maioria das intoxicações, o tratamento é de suporte; antídotos específicos são necessários para alguns. A prevenção engloba rotular nitidamente os frascos que contêm os fármacos e não deixar os tóxicos ao alcance das crianças.

A maioria das intoxicações é dependente da dose. A dose é determinada pela concentração ao longo do tempo. A toxicidade pode ser o resultado da exposição a excessivas quantidades de substâncias normalmente não tóxicas. Alguns envenenamentos ocorrem por exposição a substâncias que são tóxicas em todas as doses. A intoxicação diferencia-se das reações de hipersensibilidade e idiossincráticas, as quais não são previsíveis e não estão relacionadas com a dose, e da intolerância, que é uma reação tóxica à dose não usual de uma substância.

Intoxicação é comumente decorrente da ingestão, mas pode ser resultante de injeções, inalação ou exposição da superfície corporal (p. ex., pele, olhos, mucosas). Em geral, muitas substâncias que não são alimentos e são comumente ingeridas não são tóxicas (ver a tabela a seguir);entretanto, quase todas as substâncias podem ser tóxicas se ingeridas em quantidades excessivas.

Tabela
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Envenenamento acidental é comum em crianças pequenas que são curiosas e ingerem qualquer coisa indiscriminadamente apesar de gosto e odor ruins; em geral, uma só substância está implicada. Intoxicação também é comum em crianças de mais idade, adolescentes e adultos que tentam o suicídio; várias drogas podem estar envolvidas, tais como álcool, paracetamol e outros fármacos de venda livre. A intoxicação acidental pode ocorrer em idosos por causa de estado de confusão, má visão, deficiência mental ou múltiplas prescrições do mesmo fármaco por diferentes médicos (ver também Problemas relacionados a fármacos em idosos).

Ocasionalmente, o indivíduo é envenenado por alguém que deseja matá-lo ou lesá-lo (p. ex., para roubar ou raptar). Fármacos utilizados para incapacidade (p. ex., escopolamina, benzodiazepinas, gama-hidroxibutirato) tendem a ter propriedades sedativas, amnésicas ou ambas. Raramente, pais que têm certo conhecimento médico envenenam suas crianças devido a razões psiquiátricas não bem esclarecidas ou pelo desejo de causar doença e obter atenção médica (uma doença denominada doença dissimulada imposta sobre outro [anteriormente chamada síndrome por procuração de Münchausen]).

Depois da exposição, ingestão ou absorção maioria dos venenos é metabolizada, atravessa o trato gastrointestinal ou é excretada. Ocasionalmente, comprimidos (p. ex., ácido acetilsalicílico, ferro, fármacos entérico-recobertos) formam grandes concreções no trato gastrointestinal (bezoar), onde tendem a permanecer, continuando a serem absorvidos e causando toxicidade.

Sinais e sintomas da intoxicação

Sinais e sintomas de envenenamento variam de acordo com a substância (ver tabela Sintomas e tratamento de intoxicações específicas). Pacientes envenenados com a mesma substância também podem apresentar diferentes sintomas. Entretanto, 6 grupos de sintomas (síndromes tóxicas ou toxidromes) ocorrem comumente, podendo sugerir classes particulares de substâncias (ver tabela Síndromes tóxicas comuns). Pacientes que ingerem múltiplas substâncias são menos propensos a ter sintomas característicos de uma só substância.

Tabela
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Os sintomas tipicamente começam logo após o contato, mas com certos venenos ocorrem tardiamente. O atraso pode ocorrer porque apenas um metabólito é tóxico, em vez da substância-mãe (p. ex., metanol, etilenoglicol, hepatotoxinas). A ingestão de hepatotoxinas (p. ex., paracetamol, ferro e cogumelo Amanita phalloides) pode causar insuficiência hepática aguda que pode acontecer poucos dias após a ingestão. Com metais ou solventes hidrocarbonetos, os sintomas ocorrem tipicamente somente após exposição crônica à toxina.

Em geral, toxinas ingeridas e absorvidas causam sintomas sistêmicos. Substâncias cáusticas e corrosivas prejudicam principalmente as mucosas do trato gastrointestinal, causando estomatite, enterite ou perfuração. Algumas toxinas (p. ex., álcool, hidrocarbonetos) causam odores característicos ao hálito. O contato da pele com toxinas pode causar vários sintomas agudos cutâneos (p. ex., exantema, dor, bolhas); a exposição crônica pode causar dermatites.

Toxinas inaladas produzem sintomas e danos às vias respiratórias superiores se forem solúveis em água (p. ex., cloro, amônia) e sintomas e danos às vias respiratórias inferiores (parênquima pulmonar) e edema pulmonar não cardiogênico se forem menos solúveis em água (p. ex., fosgênio). Inalação de monóxido de carbono, cianeto ou sulfeto de hidrogênio pode causar isquemia dos órgãos ou parada cardíaca ou respiratória. O contato dos olhos com as toxinas (sólidas, líquidas ou vapores) pode danificar córnea, esclera e cristalino, causando dor nos olhos, rubor e perda de visão.

Algumas substâncias (p. ex., cocaína, fenciclidina, anfetamina) podem causar grave agitação, resultando às vezes em hipertermia, acidose e rabdomiólise.

Diagnóstico de intoxicação

  • Consideração de intoxicação em pacientes com consciência alterada ou sintomas inexplicáveis

  • História de todas as fontes disponíveis

  • Teste direto e seletivo

O primeiro passo para o diagnóstico do envenenamento é avaliar a condição geral do paciente. A intoxicação grave pode requerer rápida intervenção para tratar comprometimento das vias respiratórias ou colapso cardiopulmonar.

A intoxicação pode ser reconhecida na primeira apresentação. Ela deve ser suspeitada se os pacientes tiverem sintomas inexplicáveis, especialmente alteração de consciência (que pode variar de agitação, sonolência a coma). Se ocorrer autoenvenenamento proposital em adultos, múltiplas substâncias precisam ser suspeitadas.

A história é a ferramenta mais valiosa. Como muitos pacientes (p. ex., crianças que ainda não falam e adultos psicóticos ou suicidas, pacientes com alteração de consciência) não apresentam uma informação fiel, deve-se solicitar auxílio de amigos, parentes e pessoas do resgate. Mesmo pacientes nos quais se pode confiar, às vezes, relatam incorretamente o tempo de ingestão da substância. Quando possível, a residência do paciente deve ser inspecionada para se obterem indícios (p. ex., caixas de comprimidos parcialmente vazias, uma nota de suicídio, evidência de uso de drogas recreativas). Farmácia e registros médicos podem fornecer indicações úteis. Em locais de trabalho com potencial de envenenamento, outros trabalhadores e supervisores devem ser interrogados. Todos os produtos químicos industriais precisam ter um informativo a respeito dos dados da segurança (IRDS) prontamente disponível no local de trabalho; o IRDS fornece informação detalhada acerca da toxicidade e de qualquer tratamento específico.

Em muitas regiões do mundo, informações a respeito de químicos industriais e domésticos podem ser obtidas em centros de controle de intoxicações. A consulta aos centros é estimulada, pois ingredientes, medidas de primeiros socorros e antídotos impressos nas embalagens dos produtos são às vezes imprecisos ou antiquados. Também, o recipiente pode ter sido substituído ou a embalagem alterada. Os centros de controle de intoxicações devem estar aptos a auxiliar a identificação de comprimidos desconhecidos com base em sua aparência. Eles possuem também acesso rápido a toxicologistas. O número do telefone do centro mais perto é frequentemente relacionado com outros números de emergência na página frontal da lista telefônica local (1-800-222-1222, nos Estados Unidos). Informações adicionais estão disponíveis no American Association of Poison Control Centers web site.

Às vezes, o exame físico detecta sinais que sugerem tipos particulares de substâncias (p. ex., toxidromes [ver tabela Síndromes tóxicas comuns]; hálito; presença de drogas tópicas, marcas de agulha, sugerindo uso de drogas injetáveis; estigmas de uso crônico de álcool).

Mesmo se um paciente é reconhecido como intoxicado, a alteração de consciência pode ter outras causas (p. ex., infecção do sistema nervoso central, trauma craniano, hipoglicemia, choque, encefalopatia hepática, encefalopatia de Wernicke), as quais também devem ser levadas em consideração. Tentativa de suicídio precisa sempre ser pensada em crianças maiores, adolescentes e adultos que ingeriram uma droga (ver Comportamento suicida e Fatores de risco de comportamento suicida em crianças e adolescente). Além disso, as crianças frequentemente compartilham comprimidos e substâncias encontradas; deve-se fazer uma investigação rigorosa para identificar outros pacientes potencialmente intoxicados entre companheiros de brincadeiras e irmãos.

Exames

Na maioria dos casos, os exames laboratoriais auxiliam muito pouco. Testes padronizados facilmente disponíveis para identificar drogas ilícitas comuns (denominadas “triagem toxicológica”) são qualitativos, não quantitativos. Esses testes podem fornecer resultados falso-positivos ou falso-negativos, e só analisam um limitado número de substâncias. Além disso, a presença de uso abusivo de fármacos não necessariamente indica que o fármaco causou os sinais e sintomas do paciente (isto é, um paciente que tenha tomado recentemente um opioide pode, na verdade, estar obnubilado em razão de uma encefalite, não por causa do fármaco). Exame de urina é recomendado, mas tem valor limitado e detecta classes de drogas ou metabólitos em vez de drogas específicas. Por exemplo, identificação de opioides na urina por imunoensaio não detecta fentanila ou metadona, mas reage com pequenas quantidades de morfina ou análogos da codeína. O teste utilizado para identificar cocaína detecta um metabólito em vez da própria droga.

Dicas e conselhos

  • Encontrar abuso de fármaco em um teste de triagem não necessariamente indica que o fármaco causou os sinais e sintomas do paciente (isto é, um paciente que tenha tomado recentemente um opioide pode, na verdade, estar obnubilado em razão da encefalite, em vez do fármaco).

Para a maioria das substâncias, os níveis séricos não podem ser determinados facilmente ou não auxiliam no controle do tratamento. Para algumas substâncias (p. ex., paracetamol, ácido acetilsalicílico, monóxido de carbono, digoxina, ferro, lítio, metanol, fenobarbital, fenitoína, teofilina), os níveis séricos podem auxiliar na orientação do tratamento. Muitos especialistas recomendam dosar os níveis de paracetamol em todos pacientes com ingestão misturada de produtos devido ao fato de que o consumo de paracetamol ser comum, frequentemente assintomático durante as fases iniciais, e causar séria toxicidade tardia, a qual pode ser prevenida por antídoto. Para algumas substâncias, outros exames de sangue [p. ex., TP (tempo de protrombina) para overdose por varfarina, níveis de metaemoglobina para certas substâncias] ajudam a orientar o tratamento.

Em pacientes com alteração da consciência ou sinais vitais alterados por ingerirem determinadas substâncias, os exames devem incluir eletrólitos séricos, creatinina, ureia, osmolaridade, glicemia, estudos de coagulação e hemogasometria. Outros exames (p. ex., nível de metemoglobina, nível de monóxido de carbono, TC de crânio) podem ser indicados em caso de suspeita de alguns venenos ou em algumas situações clínicas.

Para algumas intoxicações (p. ex., por ferro, chumbo, arsênico, outros metais, cocaína ou drogas ilícitas transportadas dentro do corpo pelos traficantes chamados de mulas), a radiografia abdominal simples poderá revelar presença e localização das substâncias ingeridas.

Para intoxicações com drogas que têm efeito cardiovascular ou com substância desconhecida, indica-se eletrocardiograma (ECG) e monitoramento cardíaco.

Se após a melhora inicial os níveis séricos de uma substância ou os sintomas de intoxicação aumentarem e persistirem inusitadamente por longo período, deve-se suspeitar de bezoar, isto é, preparação de liberação continuada, ou reexposição (repetidas exposições às escondidas de uma droga de uso recreativo).

Tratamento da intoxicação

  • Cuidados de suporte

  • Carvão ativado para intoxicações orais sérias

  • Uso ocasional de antídotos específicos ou diálise

  • Raramente, esvaziamento gástrico

Pacientes gravemente intoxicados podem necessitar de ventilação ou tratamento para colapso cardiovascular. Pacientes com a consciência comprometida podem necessitar de monitoramento ou internação. A discussão do tratamento de intoxicações específicas, abaixo e nas tabelas Antídotos específicos comuns, Diretrizes para terapia de quelação e Sintomas e tratamento de intoxicações específicas, é geral e não inclui complexidades e detalhes específicos. Recomenda-se consulta a centro de controle de intoxicações para qualquer caso, exceto aqueles de caráter leve e mais rotineiro.

Estabilização inicial

  • Manter vias respiratórias, respiração, circulação

  • Naloxona IV

  • Dextrose e tiamina IV

  • Líquidos IV algumas vezes vasopressores

Deve-se manter as vias respiratórias, respiração e circulação em pacientes com suspeita de intoxicação sistêmica. Os pacientes sem pulso ou sem pressão arterial precisam de reanimação cardiopulmonar de emergência.

Se o paciente tiver apneia ou comprometimento das vias respiratórias (p. ex., corpo estranho na orofaringe, diminuição do reflexo de engasgar), deve-se entubar endotraquealmente (ver Entubação traqueal). Se os pacientes têm depressão respiratória ou hipóxia, administra-se suplementação de oxigênio ou ventilação mecânica conforme necessário.

Deve-se tentar naloxona IV (2 mg em adultos; 0,1 mg/kg em crianças; em alguns casos, doses de até 10 mg podem ser necessárias) em pacientes com apneia ou depressão respiratória grave e manter o suporte para as vias respiratórias. Em viciados em ópio, naloxona pode precipitar a suspensão, a qual é preferível à depressão respiratória. Se a depressão respiratória continuar apesar do uso de naloxona, deve-se proceder a entubação endotraqueal com ventilação mecânica contínua. Se a naloxona atenuar a depressão respiratória, os pacientes devem ser monitorados; havendo recorrência, deve-se tratá-los com outra quantidade de naloxona IV ou entubação traqueal e ventilação mecânica. O uso contínuo de baixa dose de naloxona em infusão para manter a respiração sem precipitar a suspensão foi sugerido, mas na verdade é difícil de executar.

Glicose IV (50 mL de solução a 50% para adultos, 2 a 4 mL/kg de uma solução a 25% para crianças) deve ser administrada para os pacientes com alteração da consciência ou depressão do sistema nervoso central, a menos que a hipoglicemia tenha sido descartada por dosagem imediata da glicemia à beira do leito.

Tiamina (100 mg IV) é addministrada com ou antes de glicose para os adultos com suspeita de deficiência de tiamina (p. ex., alcoólicos, pacientes desnutridos).

Hidratação venosa na hipotensão. Se não forem eficazes, monitoramento invasivo hemodinâmico é necessário para conduzir a terapia com líquidos e vasopressores. O vasopressor de primeira escolha na maioria dos casos de hipotensão induzida por intoxicação é a infusão de noradrenalina, 0,5 a 1 mg/min IV mas o tratamento precisa ser imediato se outro vasopressor estiver imediatamente disponível.

Descontaminação tópica

Qualquer região do corpo (incluindo olhos) exposta à toxina deve ser lavada com grandes quantidades de soro fisiológico ou água. É preciso remover roupas contaminadas, incluindo meias, sapatos e adereços. Os adesivos tópicos e os sistemas de administração transdérmica são removidos.

Carvão ativado

Em geral, o carvão ativado é recomendado quando há ingestão de múltiplas substâncias ou substâncias desconhecidas. Este uso é de baixo risco, exceto em pacientes com propensão a vômitos e à aspiração, porém não reduz substancialmente o índice geral quanto à morbidade e mortalidade. Quando utilizado, deve ser o empregado o quanto antes. O carvão ativado absorve a maioria das toxinas devido à sua configuração molecular e grande área de superfície. Múltiplas doses de carvão ativado podem ser eficazes para substâncias que são submetidas à recirculação enteropática (p. ex., fenobarbital, teofilina) e para preparações de liberação prolongada. Administra-se a intervalos de 4 a 6 horas em intoxicações graves, exceto quando o intestino parece hipoativo. O carvão ativado é ineficaz para cáusticos, alcoóis e íons simples (p. ex., ferro, cianeto, lítio e outros metais).

A dose recomendada é 5 a 10 vezes àquela da toxina suspeita de ter sido ingerida. Entretanto, como a quantidade de toxina ingerida geralmente não é conhecida, a dose usual é de 1 a 2 g/kg, cerca de 10 a 25 g para crianças < 5 anos; e 50 a 100 g, para crianças maiores e adultos. O carvão é administrado em mistura semilíquida em água ou bebidas não alcoólicas. Por não ser de bom sabor, causa vômitos em cerca de 30% dos pacientes. A administração por sonda gástrica deve ser considerada, mas deve-se ter cautela para prevenir trauma causado pela inserção do tubo ou aspiração de carvão; os potenciais benefícios devem superar os riscos. O carvão ativado é utilizado sem sorbitol ou outros catárticos, os quais não têm nítido benefício e podem causar desidratação e alterações dos eletrólitos.

Esvaziamento gástrico

O esvaziamento gástrico, cujo uso deve ser bem aceito e parece intuitivamente benéfico, não é realizado rotineiramente. Não reduz de maneira clara e global morbidade ou mortalidade e tem riscos. O esvaziamento gástrico é indicado se puder ser realizado em 1 horas após a ingestão de substância com risco à vida. Contudo, muitas intoxicações se manifestam muito tardiamente e, se tiverem risco à vida, não são sempre evidenciadas. Portanto, o esvaziamento gástrico é raramente indicado e contraindicado se uma substância cáustica foi ingerida (ver Ingestão de cáusticos).

Se o esvaziamento gástrico é utilizado, lavagem gástrica é o método preferido. A lavagem gástrica pode causar complicações como epistaxe, aspiração ou, raramente, lesão orofaríngea ou esofágica. O xarope de ipecacuanha tem efeitos imprevisíveis, frequentemente causa vômitos prolongados e, às vezes, não remove quantidades substanciais de tóxicos do estômago. Esse xarope pode ser garantido se o agente ingerido for altamente tóxico e o tempo de transporte até o departamento de emergência for excepcionalmente longo, mas isso não é comum nos Estados Unidos.

Para lavagem gástrica, água comum é instilada e retirada do estômago por meio de um tubo. O maior tubo possível é utilizado (em geral, > 36 Fr para adultos ou 24 Fr para crianças), de modo que fragmentos dos comprimidos possam ser retirados. Se o paciente têm consciência alterada ou reflexo faríngeo fraco, deve-se fazer a entubação traqueal antes da lavagem para prevenir aspiração. Os pacientes devem ser deitados lateralmente em decúbito esquerdo e o tubo inserido por via oral. Como a lavagem às vezes força substâncias ainda mais no trato gastrointestinal, o conteúdo estomacal deve aspirado e uma dose de 25 g de carvão ativado deve ser instilada imediatamente depois da inserção. Depois, alíquotas (cerca de 3 mL/kg) de água comum são instiladas e o conteúdo gástrico é retirado por gravidade ou com uma seringa. A lavagem prossegue até que os líquidos retirados não demonstrem ter mais a substância causal; em geral, 500 a 3.000 mL de líquido devem ser instilados. Após a lavagem, uma 2ª dose de 25 g de carvão ativado é instilada.

Irrigação de todo o intestino

Este procedimento passa um fluxo de água pelo trato gastrointestinal e teoricamente diminui o tempo de trânsito de comprimidos e drágeas. A irrigação não provou reduzir a morbidade e mortalidade. A irrigação é indicada para qualquer um dos seguintes:

  • Algumas intoxicações graves causadas por preparações de liberação lenta ou que não são absorvidas pelo carvão (p. ex., metais pesados)

  • Drogas compactadas (p. ex., drogas compactadas revestidas por látex de heroína ou cocaína ingerida por transportadores de drogas)

  • Suspeita de bezoar

Uma solução comercialmente preparada de polietilenoglicol (que não é absorvível) e eletrólitos, às vezes utilizada para limpar o intestino para colonoscopia; é administrada a uma taxa de 1 a 2 L por hora para adultos ou de 25 a 40 mL/kg/hora para crianças até que o efluente retal esteja claro; este processo pode exigir muitas horas ou mesmo dias. A solução é, geralmente, administrada por tubo gástrico, apesar de alguns pacientes motivados conseguirem beber grandes volumes.

Diurese alcalina

A diurese alcalina acelera a eliminação de ácidos fracos (p. ex., salicilatos, fenobarbital). Uma solução combinando 1 L soro glicosado a 5% com três ampolas de 50-mEq (50-mmol/L) de bicarbonato de sódio e 20 a 40 mEq (20 a 40 mmol/L) de potássio pode ser dado à taxa de 250 mL/h em adultos and 2 to 3 mL/kg/h em crianças. O pH urinário é mantido em > 8 e potássio deve estar repleto. Pode ocorrer hipernatremia, alcalemia e excesso de fluídos, mas não é nada grave. Contudo, a diurese alcalina é contraindicada em pacientes com insuficiência renal.

Diálise

Toxinas comuns que podem requerer diálise ou hemoperfusão compreendem

  • Etilenoglicol

  • Lítio

  • Metanol

  • Salicilatos

  • Teofilina

Tais procedimentos são menos úteis se o tóxico for uma grande molécula ou for uma molécula carregada (polar), tiver grande volume de distribuição (isto é, se for depositada no tecido gorduroso) ou for extensivamente unida a proteínas teciduais (como com digoxina, fenciclidina, fenotiazinas ou antidepressivos tricíclicos). A necessidade de diálise é, geralmente, determinada por valores laboratoriais e estado clínico. Os métodos de diálise são hemodiálise, diálises peritoneal e lipídica (que remove substâncias lipossolúveis do sangue), bem como hemoperfusão (mais rápida e eficiente eliminando tóxicos específico, ver Tratamento de substituição renal).

Antídotos específicos

Para os antídotos utilizados mais comuns, ver tabela Antídotos comuns específicos. Fármacos quelantes são utilizadas em intoxicações com metais pesados e ocasionalmente com outros fármacos (ver tabela Roteiro para terapia por quelação). Emulsões lipídicas IV em concentrações de 10 a 20% e terapia com alta dose de insulina foram utilizadas para tratar com sucesso várias toxinas cardíacas diferentes (p. ex., bupivacaina, verapamil).

Tabela
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Medidas contínuas de suporte

A maioria dos sintomas (p. ex., agitação, sedação, coma, edema cerebral, hipertensão, arritmias, insuficiência renal, hipoglicemia) é tratada com medidas de suporte usuais (ver em outras partes deste Manual).

Hipotensão e arritmias induzidas por fármacos podem não responder aos tratamentos usuais. Na hipotensão refratária, deve-se pensar em utilizar dopamina, adrenalina, outros vasoconstritores, balão intra-aórtico com bomba ou mesmo circulação extracorporal.

Nas arritmias refratárias, o marca-passo cardíaco poderá ser necessário. Frequentemente, torsade de pointes devem ser tratadas com sulfato de magnésio, 2 a 4 g IV sobre-estimulação (overdrive pacing) ou infusão de isoproterenol titulada.

Convulsões são inicialmente tratadas com benzodiazepinas. Utilizam-se fenobarbital e propofol quando as benzodiazepinas são ineficazes. É necessário controlar a forte agitação com benzodiazepinas em altas doses, muitas vezes outros sedativos potentes (p. ex., propofol) ou, em casos extremos, indução de paralisia e ventilação mecânica.

A hipertermia é tratada com medidas físicas de resfriamento, em vez de antipiréticos. Disfunção orgânica pode com o tempo exigir transplante de rim ou transplante de fígado.

Internação hospitalar

As indicações para internação hospitalar compreendem alteração da consciência, persistência de anormalidade dos sinais vitais e previsão de toxicidade prolongada. Por exemplo, a internação é considerada se os pacientes ingeriram preparações de liberação contínua, particularmente fármacos com potencial de causar sérios efeitos, tais como fármacos cardiovosculares. Se não houver outras razões para a internação, se os resultados dos exames laboratoriais forem normais e se os sintomas desaparecerem após a observação dos pacientes durante 4 a 6 horas, a maioria dos pacientes pode receber alta. No entanto, se a ingestão tiver sido intencional, os pacientes precisam de avaliação psiquiátrica.

Prevenção de intoxicações

Nos Estados Unidos, o amplo uso de embalagens resistentes às crianças, com revestimentos de segurança, reduziu enormemente os casos de óbitos por intoxicação em crianças com < 5 anos. Limitar a quantidade de analgésicos de venda livre em um simples frasco e eliminar formulações confusas e redundantes reduzem a gravidade das intoxicações, em particular com paracetamol, ácido acetilsalicílico e ibuprofeno.

Outras medidas preventivas incluem

  • Rotulagem clara nos produtos de uso doméstico e nos fármacos prescritos

  • Armazenagem de fármacos e substâncias tóxicas em armários fechados e inacessíveis às crianças

  • Descarte imediato de fármacos vencidos misturando-as na caixa de areia de gato ou em outra substância não tentadora e colocando-as em um recipiente de lixo que é inacessível a crianças

  • Uso de detectores de monóxido de carbono

  • Não prescrever opioides e utilizar tratamentos não opioides sempre que possível

É importante divulgar medidas de educação pública para incentivar o armazenamento de substâncias em seus frascos originais (p. ex., não colocar inseticidas em frascos de bebidas). O uso de identificação impressa em fármacos sólidos auxilia a prevenir erros e confusões por pacientes, farmacêuticos e profissionais da saúde.

Pontos-chave

  • A intoxicação diferencia-se das reações de hipersensibilidade e idiossincráticas, as quais não são previsíveis e não estão relacionadas com a dose, e da intolerância, que é uma reação tóxica à dose não usual de uma substância.

  • O reconhecimento da toxídrome (p. ex., anticolinérgicos, colinérgicos muscarínicos, colinérgicos nicotínicos, opioides, simpatomiméticos, síndrome de abstinência) pode ajudar a estreitar o diagnóstico diferencial.

  • A toxicidade pode ser imediata, tardia (p. ex., paracetamol, ferro e o cogumelo amanita phalloides que causam hepatotoxicidade tardia) ou ocorrer somente depois de exposições repetidas.

  • Maximizar o reconhecimento da intoxicação e a identificação do veneno específico considerando a possibilidade de intoxicação para todos os pacientes com alterações inexplicáveis da consciência e pesquisando exaustivamente os indícios na anamnese.

  • Considerar outras causas (p. ex., infecção do sistema nervoso central, traumatismo craniano, hipoglicemia, acidente vascular encefálico, encefalopatia hepática, encefalopatia de Wernicke) se o estado de consciência estiver alterado, mesmo se houver suspeita de intoxicação.

  • Utilizar exames toxicológicos (p. ex., imunoensaios para identificação de drogas) seletivamente porque podem fornecer informações incompletas ou incorretas.

  • A conduta em todos os tipos de intoxicação é o tratamento de suporte, carvão ativado para intoxicação oral grave e outros métodos seletivamente.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. Hazardous Materials Tools: um banco de dados pesquisável de substâncias tóxicas conhecidas disponibilizado pela U.S. Library of Medicine's Wireless Information System for Emergency Responders (WISER)

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