Pancreatite aguda

PorMichael Bartel, MD, PhD, Fox Chase Cancer Center, Temple University
Revisado/Corrigido: mar. 2024
Visão Educação para o paciente

Pancreatite aguda é a inflamação aguda do pâncreas (e, algumas vezes, dos tecidos adjacentes). Os fatores desencadeantes mais comuns são cálculos biliares e ingestão de álcool. A classificação do grau da pancreatite aguda é leve, moderada ou grave, de acordo com a existência de complicações locais e a insuficiência transitória ou passageira do órgão. O diagnóstico e feito pela apresentação clínica, dosagem da amilase e lipase séricas e exames de imagem. O tratamento é de suporte, com líquidos IV analgésicos e suporte nutricional. Embora a mortalidade geral da pancreatite aguda seja baixa, a morbidade e mortalidade são significativas nos casos graves.

(Ver também Visão geral da pancreatite.)

A pancreatite aguda é um distúrbio comum e uma preocupação importante nos cuidados da saúde.

Etiologia da pancreatite aguda

A maioria dos casos de pancreatite aguda é decorrente de cálculos biliares (40 a 70%) e consumo de álcool (25 a 35%) (1).

Os demais casos resultam de inúmeras causas (ver tabela Algumas causas de pancreatite aguda).

Tabela
Tabela

Cálculos biliares

Cálculos biliares são a etiologia mais comum da pancreatite aguda.

O mecanismo preciso da pancreatite por cálculos biliares é desconhecido, mas provavelmente envolve aumento da pressão no ducto pancreático causado pela obstrução da ampola secundária a um cálculo ou edema causado pela passagem de um cálculo. A hipertensão ductal resulta na ativação anormal das enzimas digestivas das células acinares. Os efeitos tóxicos do próprio ácido biliar nas células acinares também pode ser um mecanismo.

A pancreatite por cálculos biliares é rara na gravidez e ocorre mais comumente no 3º trimestre.

Álcool

A ingestão de álcool é a segunda etiologia mais comum da pancreatite aguda. O risco de ter pancreatite aumenta com maior consumo de bebidas alcoólicas (≥ 4 a 7 doses por dia para os homens e ≥ 3 doses por dia para as mulheres); já se acreditou que o risco aumentasse proporcionalmente à duração do consumo de bebidas alcoólicas, mas as crises de pancreatite aguda podem ocorrer nos pacientes suscetíveis após curtos períodos de grande consumo de bebidas alcoólicas. O consumo baixo ou moderado de álcool está associado à progressão da pancreatite aguda para crônica. Contudo, < 10% dos pacientes com consumo regular de bebidas alcoólicas desenvolvem pancreatite grave, sugerindo que são necessários gatilhos ou cofatores adicionais para deflagrar a pancreatite.

Células acinares pancreáticas metabolizam o álcool em metabólitos tóxicos através das vias oxidativas e não oxidativas e exibem efeitos que predispõem as células à lesão autodigestiva e predispõem o pâncreas à necrose, inflamação e morte celular. Esses efeitos incluem aumento do conteúdo enzimático, desestabilização dos grânulos lisossomais e do zimogênio, aumento sustentado da sobrecarga de cálcio e ativação das células estreladas pancreáticas. Outra teoria propõe que o álcool aumenta a propensão à formação de plugues proteicos dentro dos ductos pancreáticos, alterando o nível de proteínas litogênicas e aumentando a viscosidade das secreções pancreáticas, causando obstrução e, por fim, atrofia acinar.

Outras causas

Várias mutações genéticas que predispõem a pancreatites têm sido identificadas. Uma mutação autossômica dominante do gene do tripsinogênio catiônico causa pancreatite em 80% dos portadores; um padrão familiar óbvio está presente. Outras mutações têm menor penetrância e não são clinicamente aparentes de imediato, exceto por exames genéticos. O gene que causa fibrose cística aumenta o risco de pancreatite aguda recorrente, bem como de pancreatite crônica.

A pancreatite aguda é uma complicação que se desenvolve após colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) em cerca de 5 a 8% dos pacientes e pode chegar a 16,5% com base em um banco de dados de pacientes internados (2). A maioria dos eventos é de gravidade leve a moderada (3, 4).

Referências sobre etiologia

  1. 1. Tenner S, Baillie J, DeWitt J, et al: American College of Gastroenterology guideline: Management of acute pancreatitis. Am J Gastroenterol 108(9):1400-1415; 1416, 2013. doi: 10.1038/ajg.2013.218

  2. 2. Kröner PT, Bilal M, Samuel R, et al: Use of ERCP in the United States over the past decade. Endosc Int Open 8(6):E761-E769, 2020. doi: 10.1055/a-1134-4873

  3. 3. Andriulli A, Loperfido S, Napolitano G, et al: Incidence rates of post-ERCP complications: a systematic survey of prospective studies. Am J Gastroenterol 102(8):1781-1788, 2007. doi: 10.1111/j.1572-0241.2007.01279.x

  4. 4. Kochar B, Akshintala VS, Afghani E, et al: Incidence, severity, and mortality of post-ERCP pancreatitis: a systematic review by using randomized, controlled trials. Gastrointest Endosc 81(1):143-149.e9, 2015. doi: 10.1016/j.gie.2014.06.045

Patogênese da pancreatite aguda

Independentemente da etiologia, um evento precoce na patogênese da pancreatite aguda é a ativação intra-acinar das enzimas pancreáticas (como tripsina, fosfolipase A2 e elastase), levando a glândula a se autodigerir. As enzimas podem danificar tecidos e ativar o sistema complementar e a cascata inflamatória, produzindo citocinas e causando inflamação e edema. Esse processo causa necrose em alguns casos. A pancreatite aguda aumenta o risco de infecção, por comprometer a barreira intestinal, levando à translocação bacteriana do lúmen intestinal até a circulação sanguínea.

As citocinas e enzimas ativadas que entram na cavidade peritoneal causam queimadura química e acúmulo de líquido no terceiro espaço; aquelas que entram na circulação sistêmica causam uma resposta inflamatória sistêmica que pode resultar em síndrome de desconforto respiratório agudo e lesão renal aguda. Os efeitos sistêmicos resultam principalmente de aumentos de permeabilidade capilar e de tônus vascular, que resultam da liberação de citocinas e quimiocinas. A fosfolipase A2 é considerada a principal responsável pela lesão alveolar dos pulmões.

Classificação da pancreatite aguda

A Classificação Revisada de Atlanta de 2012 (1) categoriza a pancreatite aguda por tipo e gravidade.

Tipos de pancreatite

Os tipos de pancreatite aguda são

  • Pancreatite edematosa intersticial

  • Pancreatite necrosante

A pancreatite edematosa intersticial é definida pelo pâncreas aumentado no exame de imagem. O borramento peripancreático pode ser visto e constitui sinal de inflamação. A maioria dos pacientes apresenta esse tipo de pancreatite. A maioria dos casos é autolimitada.

Define-se pancreatite necrosante pela existência de necrose pancreática e/ou peripancreática. É mais bem visualizada nos cortes transversais de exames de imagem seccionais com contraste. A pancreatite necrosante ocorre em cerca de 5 a 10% dos pacientes com pancreatite aguda e está associada a um curso prolongado e mais grave da doença.

Gravidade da pancreatite

Pode-se classificar a gravidade da pancreatite aguda como

  • Leve

  • Moderadamente grave

  • Grave

Na pancreatite aguda leve, a inflamação se limita ao pâncreas e regiões adjacentes. Pacientes não apresentam disfunção orgânica ou complicações sistêmicas ou locais. A mortalidade é rara.

Na pancreatite aguda moderadamente grave, os pacientes apresentam complicações locais ou sistêmicas, mas não apresentam insuficiência do órgão ou apenas insuficiência transitória (resolução em 48 horas).

Na pancreatite aguda grave, há insuficiência persistente de um ou múltiplos órgãos (> 48 horas).

Referência sobre classificação

  1. 1. Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, et al: Classification of acute pancreatitis 2012: Revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut 62:102–111, 2013. doi: 10.1136/gutjnl-2012-302779

Complicações da pancreatite aguda

As complicações da pancreatite aguda podem ser categorizadas em (1)

  • Locais: acúmulo de líquido pancreático e peripancreático, trombose da veia esplênica, formação de pseudoaneurisma e disfunção do esvaziamento gástrico

  • Sistêmica: choque, insuficiência de órgãos

O acúmulo pancreático e peripancreático do líquido pancreático rico em enzimas pode ocorrer no início do curso da doença. Os acúmulos contêm apenas líquido ou líquido e material necrótico. A maioria dessas coleções se resolve espontaneamente, mas se não resolver depois de cerca de 4 semanas, irão criar uma cápsula fibrosa que pode ser vista nos exames de imagem seccionais. Essas coleções encapsuladas são denominadas pseudocisto pancreático ou necrose isolada dependendo do seu conteúdo; o pseudocisto contém apenas líquido e a necrose isolada contém tanto líquido como material necrótico sólido. Cerca de um terço dos pseudocistos têm resolução espontânea. Em cerca de um terço dos pacientes com necrose pancreática o líquido é infectado pelas bactérias do intestino, o que resulta em índices muito altos de morbidade e mortalidade.

As principais complicações sistêmicas são a insuficiência aguda de um único orgão ou de múltiplos de órgãos (p. ex., insuficiência cardiovascular e/ou insuficiência respiratória, lesão renal aguda) e choque. O risco é maior nos pacientes com doenças concomitante e/ou síndrome de resposta inflamatória sistêmica persistente (SRIS).

Define-se SIRS, no contexto clínico apropriado, como a presença de um ou mais dos seguintes (1):

  • Temperatura > 38,3° C ou < 36,0° C

  • Frequência cardíaca > 90 bpm/minuto

  • Frequência respiratória > 20 incursões por minuto ou PACO2 < 32 mmHg

  • Contagem de leucócitos > 12.000/mcL (12 × 109/L), < 4.000/mcL (4 × 109/L) ou com > 10% de bastões

Define-se a disfunção orgânica pelo sistema de classificação de Marshall modificado (ver tabela Escala de Marshall modificada da disfunção orgânica) (2), o qual se baseia em indicadores laboratoriais e de sinais vitais da insuficiência respiratória, renal e cardiovascular.

Tabela
Tabela

A mortalidade na fase inicial (na 1ª semana) por pancreatite aguda geralmente decorre da falência de múltiplos órgãos, enquanto a mortalidade na fase tardia (> 1 semana) costuma resultar de uma combinação de fatores, como falência de múltiplos órgãos, infecção da necrose pancreática e complicações das intervenções cirúrgicas e endoscópicas.

Referências sobre complicações

  1. 1. Bone RC, Balk RA, Cerra FB, et al: Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. The ACCP/SCCM Consensus Conference Committee. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine. Chest 101(6):1644-1655, 1992. doi: 10.1378/chest.101.6.1644

  2. 2. Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, et al: Classification of acute pancreatitis 2012: Revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut 62:102–111, 2013. doi: 10.1136/gutjnl-2012-302779

Sinais e sintomas da pancreatite aguda

A pancreatite aguda causa uma clássica dor persistente de cólica no andar superior do abdome, suficientemente forte para que precise de analgesia com opioides por via parenteral. A dor se irradia pelas costas em cerca de 50% dos pacientes. A dor geralmente se desenvolve subitamente na pancreatite por cálculo biliar; na pancreatite alcoólica, a dor se desenvolve ao longo de alguns dias. Em geral, a dor permanece por vários dias. A dor pode ser reduzida em posição sentada ou de prece maometana, mas tosse, movimentos súbitos e respiração profunda podem acentuá-la. Náuseas e vômitos são comuns.

O paciente parece agudamente enfermo e sudorético. A frequência cardíaca costuma estar elevada (p. ex., 100 a 140 bpm). A respiração é rápida e curta. A pressão arterial pode alternar entre alta e baixa, com hipotensão postural significativa. A temperatura pode ser normal ou mesmo subnormal no início, mas pode aumentar para até 37,7 a 38,3° C em poucas horas. O sensório pode diminuir até um nível de obnubilação. Icterícia vista nas escleras às vezes é por causa da obstrução do ducto biliar por um cálculo biliar ou inflamação e edema da cabeça do pâncreas. Os pulmões podem apresentar movimentos diafragmáticos reduzidos e evidência de atelectasias.

Os pacientes podem ter íleo paralítico, resultando em diminuição dos sons intestinais e distensão abdominal. Sensibilidade abdominal difusa está presente, com mais frequência na porção superior do abdome. É raro que irritação peritoneal significativa provoque abdome em tábua. A ruptura do ducto pancreático causa ascite (ascite pancreática). O sinal de Grey Turner (equimose nos flancos) e o sinal de Cullen (equimose na região do umbigo) indicam extravasamento de exsudato hemorrágico, ocorrem em < 1% dos casos e anunciam um prognóstico desfavorável.

Deve-se suspeitar de infecção no pâncreas ou de coleção adjacente no paciente com estado geral tóxico, febre e contagem de leucócitos elevada ou se houver agravamento após um período inicial estável. Os pacientes com doença grave podem evoluir com falência de múltiplos órgãos (cardiovascular, renal e respiratória).

Diagnóstico da pancreatite aguda

  • Marcadores sorológicos (amilase ou lipase)

  • Exames de imagem

Deve-se suspeitar da pancreatite quando há dor abdominal intensa inexplicável, especialmente em indivíduos com história de uso abusivo de álcool ou presença de cálculos biliares.

O diagnóstico da pancreatite aguda é estabelecido pela presença de pelo menos 2 dos seguintes:

  • Dor abdominal compatível com a doença

  • A dosagem sérica da amilase e/ou da lipase > 3 vezes o limite superior do normal (o intervalo normal dos níveis de amilase e lipase pode diferir dependendo do teste utilizado)

  • Achados característicos em exames de imagem seccionais com contraste

O diagnóstico diferencial dos sintomas da pancreatite aguda inclui

Para excluir outras causas da dor abdominal e para diagnosticar complicações metabólicas da pancreatite aguda, uma ampla gama de testes geralmente é feita na avaliação inicial. Como testes laboratoriais e de imagem.

Exames laboratoriais

A amilase e a lipase séricas aumentam no primeiro dia do quadro de pancreatite aguda e geralmente voltam ao normal em 3 a 7 dias. A lipase é mais específica para pancreatite, mas ambas as enzimas podem estar elevadas na insuficiência renal e em várias outras afecções abdominais (p. ex., úlcera perfurada, oclusão vascular mesentérica, obstrução intestinal). Outras causas de aumento da amilase sérica incluem disfunções das glândulas salivares, macroamilasemia e tumores secretores de amilase. O fracionamento da amilase sérica total em isoamilase tipo pancreática (tipo p) e isoamilase tipo salivar (tipo s) aumenta a precisão da amilase sérica.

Tanto os níveis de lipase quanto os de amilase podem permanecer normais se a destruição do tecido acinar em episódios anteriores dificultar a liberação de quantidades suficientes das enzimas. O intervalo normal dos níveis de amilase e lipase pode diferir dependendo do teste utilizado. O soro dos pacientes com hipertrigliceridemia pode conter um inibidor circulante que deve ser diluído antes que a elevação da amilase seja detectada.

Os níveis séricos de amilase podem estar cronicamente elevados na macroamilase, onde a amilase é ligada a uma imunoglobulina sérica para formar um complexo que é filtrado lentamente a partir do sangue pelos rins. Amilase: a taxa de depuração de creatinina não tem sensibilidade ou especificidade para diagnosticar pancreatite. Em geral, é utilizada para diagnóstico de macroamilasemia quando não há pancreatite.

Um teste com tira reagente de urina para tripsinogênio-2 tem sensibilidade e especificidade de > 90% para pancreatite aguda.

A contagem de leucócitos geralmente aumenta até 12.000 a 20.000/mcL (12 a 20 × 109/L). A perda de líquido para o terceiro espaço pode aumentar o hematócrito até 50 a 55% e elevar o nitrogênio da ureia sanguínea, indicando inflamação grave. Aumento persistente do nitrogênio ureico sérico, apesar da reanimação, é um indicador de maior morbidade e mortalidade.

Podem ocorrer hiperglicemia e hipocalcemia. Os pacientes podem ter resultados anormais no teste da função hepática, incluindo hiperbilirrubinemia, devido à retenção de cálculos no ducto biliar ou à compressão do ducto biliar pelo edema pancreático. Pacientes com choque podem ter acidose metabólica com hiato aniônico elevado ou outras anormalidades eletrolíticas. Deve-se excluir hipomagnesemia em pacientes com hipocalcemia.

Exames de imagem

TC com contraste IV é o exame de imagem de escolha para fazer o diagnóstico da pancreatite aguda e avaliar as complicações locais. O exame é feito no início da doença se houver dúvidas sobre o diagnóstico de pancreatite aguda ou para excluir outras causas para os sintomas do paciente. Além disso, depois de firmado o diagnóstico de pancreatite, a TC é feita em uma fase mais tardia da doença para identificar as complicações da pancreatite aguda, como necrose, coleção líquida ou pseudocisto, especialmente se ainda houver sintomas abdominais. O tecido pancreático necrosado não aumenta após o contraste IV ser administrado. Em geral, RM é melhor que TC para detectar coledocolitíase e necrose pancreática, e deve ser feita para os pacientes cujos exames de avaliação da coledocolitíase foram indeterminados e os pacientes nos quais é provável a realização de procedimento de drenagem pancreática.

Coleção necrosante aguda
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Essa TC com contraste IV e oral mostra grande coleção necrosante aguda (setas) substituindo a maior parte do tecido pancreático &lt; 4 semanas desde a apresentação inicial de pancreatite necrosante.
Image courtesy of Sonam Rosberger, MD.

Deve-se realizar ultrassonografia abdominal se houver suspeita de pancreatite por cálculo biliar (e outra causa não for evidente) para detectar cálculos biliares ou dilatação do ducto biliar comum, que indica obstrução do trato biliar. Edema pancreático pode estar visível, mas sobreposição gasosa nessa região frequentemente obscurece o pâncreas.

Se feitas, radiografias simples do abdome podem revelar calcificações dentro dos dutos pancreáticos (evidência de inflamação anterior e consequentemente pancreatite crônica), cálculos biliares calcificados, íleo localizado no hipocôndrio esquerdo ou na região central do abdome (uma “alça sentinela”), ou o sinal de interrupção do colo (ausência de ar na flexura colônica esquerda ou colo descendente) na doença mais grave. Mas a importância da radiografia abdominal de rotina é controversa.

Deve-se fazer radiografias do tórax, que podem revelar atelectasia ou derrame pleural (normalmente no lado esquerdo ou bilateral, mas raramente confinado ao espaço pleural direito), que são sinais de doença grave.

O papel da ultrassonografia endoscópica é limitado na pancreatite aguda. A ultrassonografia endoscópica tem sensibilidade comparável à da colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) na detecção de cálculos no ducto biliar comum, mas a CPRM tem a vantagem de não ser invasiva. Realiza-se CPRM se os testes hepáticos, particularmente os níveis de bilirrubina direta e alanina aminotransferase (ALT), estiverem elevados inicialmente e a ultrassonografia abdominal não excluir cálculos biliares no ducto biliar comum como a etiologia da pancreatite aguda por cálculos biliares.

Deve-se fazer rapidamente coloangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) para aliviar a obstrução do ducto biliar em pacientes com pancreatite biliar que apresentam aumento da bilirrubina sérica e sinais de colangite.

Tratamento da pancreatite aguda

  • Medidas de suporte

  • Para pancreatite aguda grave e complicações, antibióticos e intervenções terapêuticas conforme necessário

O tratamento da pancreatite aguda costuma ser de suporte. Pacientes que desenvolvem complicações podem exigir tratamento adicional específico. (Ver também as diretrizes de 2013 para o controle da pancreatite aguda do American College of Gastroenterology [ACG].)

O tratamento básico da pancreatite aguda é feito por

  • Reanimação volêmica precoce com meta de volume

  • Analgesia

  • Suporte nutricional

As diretrizes de 2013 do American College of Gastroenterology (ACG) recomendam que a reanimação volêmica agressiva precoce com volume, definida como 250 a 500 mL/hora de cristaloide isotônico (idealmente Ringer lactato), seja feita para todos os pacientes nas primeiras 12 a 24 horas, a menos se houver contraindicação por fatores renais ou cardiovasculares, ou outras comorbidades. Pode-se avaliar a adequação da reposição hídrica pela redução dos níveis de hematócrito e nitrogênio da ureia sanguínea nas primeiras 24 horas, particularmente se estavam altos previamente. Outros parâmetros incluem melhora nos sinais vitais e manutenção de débito urinário adequado. As diretrizes do ACG também recomendam que as necessidades de líquidos sejam reavaliadas em intervalos frequentes nas primeiras 6 horas da internação e nas próximas 24 a 48 horas. Monitorar a oximetria de pulso continuamente nos pacientes sob reanimação volêmica, fazer complemento de oxigênio se houver indicação e monitorar rigorosamente o balanço hídrico. Contudo, é provável que essas recomendações mudem porque a reanimação volêmica agressiva mostrou aumentar os resultados adversos. Um estudo sugere reanimação volêmica moderada como o protocolo de reanimação preferido (1,5 mL/kg/hora de solução de Ringer com lactato e, para pacientes com hipovolemia, bolus de 10 mL/kg) (1).

O alívio da dor exige o uso de opioides parenterais como hidromorfona ou fentanil, que devem ser administrados em doses adequadas. Como a morfina pode, teoricamente, aumentar a pressão no esfíncter da ampola hepatopancreática, geralmente prefere-se a hidromorfona à morfina. Fármacos antieméticos devem ser administrados para aliviar náuseas e vômitos.

A nutrição enteral precoce é recomendada por estar associada a menor morbidade em comparação à nutrição tardia ou ao jejum. Os pacientes com pancreatite leve podem iniciar uma dieta oral branda com pouco resíduo e baixo teor de gordura assim que puderem tolerar. Se não for possível começar a nutrição oral na fase inicial da doença, a alimentação enteral é preferível à nutrição parenteral total, porque a nutrição parenteral está associada a maior risco de complicações infecciosas e disfunção orgânica.

Pancreatite aguda grave e complicações

O tratamento da pancreatite aguda grave e complicações é por meio de

  • Cuidados na unidade de terapia intensiva (UTI)

  • A nutrição enteral é preferível à nutrição parenteral

  • Antibióticos para infecções extrapancreáticas e necrose infectada

  • Necrosectomia (remoção de tecido necrótico) para necrose infectada

  • Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica para pancreatite aguda e colangite aguda concomitante

  • Drenagem dos pseudocistos

Deve-se individualizar o tratamento dos pacientes com pancreatite aguda grave e suas complicações utilizando uma abordagem multidisciplinar que inclua endoscopistas terapêuticos, radiologistas intervencionistas e um cirurgião. Deve-se monitorar atentamente pacientes com pancreatite aguda grave nas primeiras 24 a 48 horas em uma unidade de terapia intensiva. Deve-se transferir os pacientes que estão piorando ou com complicações locais generalizadas que requerem intervenção para centros de excelência com foco na doença pancreática (se disponível).

Pacientes com pancreatite aguda grave podem exigir suporte nutricional artificial, embora o tempo ideal de início e a duração do suporte nutricional ainda não estejam claros. As diretrizes de 2013 do ACG recomendam o uso de nutrição enteral e só administrar nutrição parenteral se a via enteral não estiver disponível, não for tolerada ou não atender às necessidades calóricas. A via enteral é preferida porque

  • Ajuda a manter a barreira da mucosa intestinal

  • Previne a atrofia intestinal que pode ocorrer com repouso intestinal prolongado (e ajuda a prevenir a translocação das bactérias que podem semear a necrose pancreática)

  • Evita o risco de infecção de um catéter central IV

  • É menos dispendiosa

Uma sonda de alimentação nasojejunal inserida após o ligamento de Treitz pode ajudar a evitar a estimulação da fase gástrica da digestão; a inserção requer orientação radiológica ou endoscópica. Se uma sonda de alimentação nasojejunal não puder ser inserida, deve-se iniciar a alimentação nasogástrica. Nos dois casos, os pacientes devem permanecer em decúbito dorsal para diminuir o risco de aspiração. As diretrizes do ACG observam que a alimentação nasogástrica e nasojejunal parece comparável em termos de sua eficácia e segurança.

De acordo com as orientação de 2013 do ACG e as diretrizes de 2018 para o tratamento inicial da pancreatite aguda da American Gastroenterological Association, antibióticos profiláticos não são recomendados em pacientes com pancreatite aguda, independentemente do tipo ou da gravidade da doença. Mas deve-se iniciar os antibióticos se os pacientes desenvolverem uma infecção extrapancreática (p. ex., colangite, pneumonia, infecção da corrente sanguínea, infecções do trato urinário) ou necrose pancreática infectada.

Deve-se suspeitar de infecção (pancreática ou extrapancreática) em pacientes que apresentam sinais de piora (p. ex., febre, hipotensão, taquicardia, estado mental alterado, aumento da contagem de leucócitos) ou que não melhoram após 7 a 10 dias da internação. A maioria das infecções na necrose pancreática é causada por uma única espécie bacteriana do intestino. Os organismos mais comuns são bactérias gram-negativas; bactérias gram-positivas e fungos são raros. Em pacientes com necrose infectada, recomendam-se antibióticos conhecidos por penetrar na necrose pancreática, como carbapenéns, fluoroquinolonas e metronidazol.

Para necrosectomia (remoção do tecido infectado), uma abordagem minimamente invasiva é preferível a uma abordagem cirúrgica aberta e deve ser inicialmente tentada. As diretrizes de 2013 do American College of Gastroenterology recomendam que a drenagem da necrose infectada (procedimento radiológico, endoscópico ou cirúrgico) seja postergada, de preferência por > 4 semanas nos pacientes estáveis, para permitir a liquefação do conteúdo e o desenvolvimento da cápsula fibrosa em torno da necrose (necrose murada).

Em mais de 80% dos pacientes com pancreatite por litíase biliar, os cálculos são eliminados espontaneamente e não exigem colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). Pacientes com pancreatite aguda e colangite aguda concomitante devem ser submetidos à colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) precoce. Pacientes com pancreatite leve por cálculos biliares que melhoram espontaneamente devem ser submetidos à colecistectomia antes da alta para prevenir ataques recorrentes.

Um pseudocisto, que aumenta rapidamente, infecta, sangra ou se rompe necessita de drenagem. Se a drenagem será percutânea, cirúrgica ou cistogastrotomia endoscópica guiada por ultrassom dependerá da localização do pseudocisto e da experiência institucional.

Referência sobre tratamento

  1. 1. de-Madaria E, Buxbaum JL, Maisonneuve P, et al: Aggressive or Moderate Fluid Resuscitation in Acute Pancreatitis. N Engl J Med 387(11):989-1000, 2022. doi: 10.1056/NEJMoa2202884

Prognóstico para pancreatite aguda

A gravidade da pancreatite aguda é determinada pela presença de disfunção orgânica, complicações locais e sistêmicas, ou uma combinação. A utilização de fatores de risco relacionados ao paciente para avaliar a gravidade no início do curso da doença pode ajudar a identificar pacientes com maior risco de desenvolver disfunção orgânica e outras complicações. Esses pacientes podem então receber terapia de suporte máxima na apresentação para melhorar o resultado e diminuir as taxas de morbidade e a mortalidade.

Para a avaliação inicial dos riscos, os fatores de risco relacionados ao paciente que predizem um curso grave são:

  • Idade ≥ 60 anos

  • Comorbidades

  • Obesidade com índice de massa corporal > 30

  • Consumo abusivo de álcool de longo prazo

  • Presença da síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SRIS)

  • Marcadores laboratoriais de hipovolemia (p. ex., níveis elevados de ureia, hematócrito elevado)

  • Presença de derrames pleurais e/ou infiltrados na radiografia torácica inicial

  • Estado mental alterado

Os sistemas de classificação de severidade exigem várias dosagens e podem atrasar o tratamento apropriado. Alguns desses podem ser feitos na admissão para auxiliar na triagem dos pacientes, enquanto outros só são precisos 48 a 72 horas após a apresentação.

  • Critérios de Ranson (1): esse sistema de classificação é complicado e precisa de dados coletados em um período de 48 horas para ser calculado, mas tem bom valor preditivo negativo.

  • O classificação APACHE II: o uso desse sistema é complexo e trabalhoso, mas tem bom valor preditivo negativo.

  • Classificação da síndrome da resposta inflamatória sistêmica: esse sistema é barato, prontamente disponível e pode ser aplicado à beira do leito.

  • Índice de gravidade à beira do leito na classificação de pancreatite aguda (BISAP): essa classificação é simples e calculada durante as primeiras 24 horas.

  • Classificação de pancreatite aguda inócua (HAPS): esse classificação simples é calculado depois de 30 minutos da internação.

  • Classificações baseados em falência de órgão: esses classificações não medem diretamente a gravidade da pancreatite aguda.

  • Índice de gravidade de TC (classificação de Balthazar): esse classificação baseia-se no grau de necrose, inflamação e presença de acúmulos de líquidos na TC.

Os riscos a longo prazo após pancreatite aguda incluem os riscos de ataques recorrentes e desenvolvimento de pancreatite crônica. Fatores de risco incluem a gravidade e a quantidade de necrose pancreática no episódio inicial da pancreatite aguda, bem como a etiologia. A longo prazo, uso pesado de álcool e tabagismo aumentam o risco de desenvolver pancreatite crônica.

Referência sobre prognóstico

  1. 1. Ranson JH, Rifkind KM, Roses DF, et al: Prognostic signs and the role of operative management in acute pancreatitis. Surg Gynecol Obstet 139(1):69-81, 1974. PMID: 4834279

Pontos-chave

  • Há muitas causas da pancreatite grave, mas as mais comuns são cálculos biliares e consumo de álcool.

  • A inflamação limita-se ao pâncreas nos casos leves, mas, à medida que a gravidade aumenta, pode ocorrer uma resposta inflamatória sistêmica grave, resultando em choque e/ou disfunção orgânica.

  • Depois de a pancreatite ser diagnosticada, avalie os riscos utilizando critérios clínicos e sistemas de classificação para fazer uma triagem dos pacientes apropriada para um tratamento mais intensivo e agressivo e para ajudar a estimar o prognóstico.

  • O tratamento é feito com reanimação volêmica venosa, controle da dor e suporte nutricional.

  • Complicações, como pseudocisto e necrose pancreática infectada, precisam ser identificadas e tratadas adequadamente (p. ex., drenagem de pseudocistos, necrosectomia).

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. American College of Gastroenterology: Guidelines for the management of acute pancreatitis (2013)

  2. American Gastroenterological Association: Guidelines on the initial management of acute pancreatitis (2018)

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