Visão geral das infecções por enterovírus

PorBrenda L. Tesini, MD, University of Rochester School of Medicine and Dentistry
Revisado/Corrigido: jun. 2023
Visão Educação para o paciente

Os enterovírus, juntamente com os rinovírus (ver Resfriado comum) e paraechovírus humanos, são um gênero de picornavírus (vírus pico ou pequeno, de RNA). Todos os enterovírus são antigenicamente heterogêneos e têm ampla distribuição geográfica.

Enterovírus incluem

  • Vírus Coxsackie A1 a A21, A24 e B1 a 6

  • Vírus ECHO (vírus órfãos entéricos citopáticos humanos) 1 a 7, 9, 11 a 21, 24 a 27 e 29 a 33

  • Enterovírus 68 a 71, 73 a 91 e 100 a 101

  • Poliovírus tipos 1 a 3

Os enterovírus são disseminados nas secreções orais, fezes e, algumas vezes, estão presentes no sangue e no líquido cefalorraquidiano de pacientes infectados. A infecção geralmente é transmitida por contato direto com secreções orais ou fezes, mas pode ser transmitida por fontes ambientais contaminadas (p. ex., água).

Nos Estados Unidos, doenças/epidemias por enterovírus ocorrem no verão e outono.

A infecção durante a gestação pode resultar em transmissão perinatal e causar infecções neonatais disseminadas, como hepatite ou necrose hepática, meningoencefalite, miocardite ou uma combinação dessas doenças, podendo levar à sepse ou à morte.

Imunidade humoral e função de células B intactas são necessárias para o controle de uma doença enteroviral. Infecções enterovirais graves (muitas vezes manifestadas como meningoencefalite, dermatomiosite e/ou hepatite de progressão lenta) ocorrem nos pacientes com defeitos na função de linfócitos B como agamaglobulinemia ligada ao X, mas geralmente não naqueles com outras deficiências imunitárias.

Parechovirus

Parechovirus humanos tipos 1 e 2 são picornavírus anteriormente denominados ecovírus 22 e 23. No entanto, os parechovirus foram reclassificados como um gênero separado (1). O parechovirus A pode infectar seres humanos e tem pelo menos 19 tipos; a maioria causa doença respiratória e gastrointestinal leve semelhante aos enterovírus, mas alguns tipos, são uma causa comum de sepse viral e/ou meningite em lactentes. Os paraechovírus humanos não são identificados pela maioria dos testes RT-PCR convencionais para enterovírus; é necessário fazer testes específicos RT-PCR para paraechovírus (2).

Doenças causadas por enterovírus

Os enterovírus causam várias síndromes (ver tabela Síndromes causadas por enterovírus).

As causas a seguir são provocadas quase exclusivamente por enterovírus:

Tabela
Tabela

Meningite asséptica

A meningite asséptica é mais comum entre lactentes e crianças. Em lactentes e crianças pequenas, a causa frequentemente é:

  • Vírus cocksackie do grupo A ou B

  • Ecovírus

  • Parechovirus humano

Em crianças mais velhas e nos adultos, outros enterovírus, assim como outros vírus, podem causar a doença.

A evolução costuma ser benigna. Um exantema pode acompanhar meningite asséptica por enterovírus. Raras vezes, encefalite, possivelmente grave, também ocorre.

Mielite flácida aguda (MFA)

O enterovírus D68 (EV-D68) causa doença respiratória, principalmente em crianças; os sintomas geralmente lembram aqueles de resfriado (p. ex., rinorreia, tosse, mal-estar, febre em algumas crianças). Algumas crianças, especialmente aquelas com asma, têm sintomas mais graves que envolvem o trato respiratório inferior (p. ex., sibilos, dificuldade respiratória).

Adultos saudáveis podem ser infectados, mas tendem a ter poucos ou nenhum sintoma. Adultos imunocomprometidos podem ter doença respiratória grave.

Todos os anos, infecções respiratórias causadas por EV-D68 são identificadas em algumas crianças e pequenos surtos tende a ocorre em anos alternados. Contudo, surtos maiores com morbidade grave e algumas fatalidades ocorreram. Mas no final do verão e outono de 2014, mais de 1.000 casos foram confirmados em um grande surto por todo os Estados Unidos. Um número significativo de crianças desenvolveu desconforto respiratório grave e algumas crianças que morreram. Ao mesmo tempo, grupos de casos de crianças com fraqueza muscular focal ou paralisia com lesões na medula vertebral (vistas na RM) compatíveis como mielite flácida aguda após doença respiratória também foram reportados; o EV-D68 foi identificado em amostras respiratórias em dois terços dos casos em dois surtos distintos e no sangue de uma criança durante a progressão da paralisia. Os vírus sequenciados eram praticamente idênticos e compartilhavam a homologia com o poliovírus e o enterovírus D70, sabidamente associados à mielite flácida aguda e que apoiam um potencial papel causal do EV-D68 na paralisia da mielite flácida aguda (3). A vigilância contínua pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) detectou 120 casos de mielite flácida aguda no outono de 2014, coincidindo com o surto do EV-D68. Os surtos de MFA ocorreram em 2014, 2016 e 2018 com 120, 153 e 238 casos notificados ao CDC a cada ano, respectivamente, e apenas 22 e 38 casos notificados nos anos seguintes. Esses picos bienais correspondem a períodos de maior atividade do EV-D68 (ver CDC: AFM Cases and Outbreaks).

Em geral, essas associações epidemiológicas, juntamente com dados de modelos animais, sugerem fortemente uma relação causal entre a infecção por EV-D68 e a mielite flácida aguda (4).

Deve-se considerar o EV-D68 uma etiologia para infecção respiratória grave inexplicável, principalmente se associada a um grupo de casos entre o final do verão e o outono (5; ver tapmbém CDC: Clinical Guidance for the Acute Medical Treatment of AFM). Em possíveis surtos, recomenda-se a realização de testes específicos que podem ser organizados por meio de autoridades de saúde pública.

O tratamento da AFM deve envolver neurologia e especialistas em doenças infecciosas. Há alguns tratamentos que são considerados para MFA; contudo, atualmente nenhum tratamento direcionado tem evidências suficientes para endossar ou desencorajar seu uso para o tratamento ou controle da MFA (ver CDC: Clinical Guidance for the Acute Medical Treatment of AFM).

Conjuntivite hemorrágica

Raramente há epidemias de conjuntivite hemorrágica por enterovírus nos Estados Unidos. A importação do vírus da África, da Ásia, do México e do Caribe pode fazer com que as epidemias sejam mais comuns.

As pálpebras edemaciam-se rapidamente. Com frequência, ao contrário das conjuntivites não complicadas, desenvolvem-se hemorragias subconjuntivais ou queratites, que provocam dor, lacrimejamento e fotofobia. Doença sistêmica é incomum. Mas quando a conjuntivite hemorrágica ocorre por causa do enterovírus 70, pode ocorrer radiculomielopatia lombossacral e transitória ou doença semelhante à poliomielite, mas raramente. A recuperação, geralmente, é completa dentro de 1 a 2 semanas do início.

Vírus Coxsackie A24 também provoca conjuntivite hemorrágica, mas a hemorragia subconjuntival é menos frequente e não há descrição de complicações neurológicas. A maioria dos pacientes se recupera em 1 a 2 semanas.

Miopericardite

A infecção cardíaca por enterovírus pode ocorrer em qualquer idade, mas a maioria dos pacientes tem entre 20 e 39 anos. Os pacientes podem apresentar dor torácica, arritmia, insuficiência cardíaca ou morte súbita. A recuperação costuma ser completa, mas alguns pacientes evoluem com cardiomiopatia dilatada. O diagnóstico de miopericardite pode exigir PCR da transcriptase reversa (RT-PCR) de amostra de tecido miocárdico.

A miocardite neonatal (infecção cardíaca no nascimento) é causada pelo vírus Coxsackie do grupo B, alguns echovírus e parechovírus humano. Provoca febre e insuficiência cardíaca e tem taxa alta de mortalidade.

Infecção neonatal

Em geral, vários dias após o nascimento, o recém-nascido desenvolve repentinamente um quadro que se assemelha à sepsia, com instabilidade térmica, letargia, coagulação intravascular disseminada, sangramento e falência de múltiplos órgãos (incluindo cardíaca). Lesões do sistema nervoso central, hepáticas, pancreáticas, do miocárdio, ou suprarrenais podem ocorrer de forma simultânea.

A recuperação pode ocorrer dentro de algumas semanas, mas a morte pode resultar de colapso circulatório ou insuficiência hepática, caso o fígado esteja envolvido.

Exantemas

Certos vírus Coxsackie, certos echovírus e parechovírus humanos podem causar exantema, com frequência durante epidemias. Exantemas normalmente não são pruriginosos, não descamam e ocorrem na face, no pescoço, no tórax e nas extremidades. Algumas vezes, são maculopapulares ou morbiliformes, mas ocasionalmente hemorrágicos, com petéquias ou vesículas. Febre é comum. Meningites assépticas podem se desenvolver simultaneamente.

A evolução costuma ser benigna.

Infecções respiratórias

Infecções respiratórias podem resultar de enterovírus. Os sintomas incluem febre, coriza, faringite e, em alguns lactentes e crianças, vômitos e diarreia. Bronquite e pneumonia intersticial ocorrem ocasionalmente em adultos e crianças.

O curso costuma ser leve, mas pode ser grave como evidenciado pelo surto de enterovírus D68 de 2014.

Referências

  1. 1. Sridhar A, Karelehto E, Brouwer L, et al: Parechovirus A Pathogenesis and the Enigma of Genotype A-3. Viruses 11(11):1062, 2019. Publicado em 14 de novembro de 2019. doi:10.3390/v11111062

  2. 2. de Crom SC, Rossen JW, van Furth AM, et al: Enterovirus and parechovirus infection in children: a brief overview. Eur J Pediatr 175(8):1023-9, 2016. Epub 2016 May 7. PMID: 27156106; PMCID: PMC4930465. doi: 10.1007/s00431-016-2725-7

  3. 3. Greninger AL, Naccache SN, Messacar K, et al: A novel outbreak enterovirus D68 strain associated with acute flaccid myelitis cases in the USA (2012-14): A retrospective cohort study. Lancet Infect Dis 15(6):671–682, 2015. doi: 10.1016/S1473-3099(15)70093-9

  4. 4. Messacar K, Asturias EJ, Hixon AM, et al: Enterovirus D68 and acute flaccid myelitis-evaluating the evidence for causality. Lancet Infect Dis 18(8):e239-e247, 2018. doi: 10.1016/S1473-3099(18)30094-X

  5. 5. Dinov D, Donowitz JR: Acute flaccid myelitis a review of the literature. Front Neurol 13:1034607, 2022. Publicado em 20 de dezembro de 2022. doi:10.3389/fneur.2022.1034607

Diagnóstico das infecções por enterovírus

  • História e exame físico

  • Às vezes, cultura ou reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR)

O diagnóstico das doenças enterovirais geralmente é clínico.

O diagnóstico laboratorial costuma ser desnecessário, mas muitas vezes pode ser feito por

  • Cultura do vírus

  • Detecção de RNA viral utilizando PCR, RT-PCR

  • Menos frequentemente, demonstração de seroconversão

Pode-se detectar o enterovírus por meio de testes de PCR-TR em uma amostra do local envolvido (p. ex., garganta ou nasofaringe, sangue, líquido cefalorraquidiano) ou de fezes, nas quais o organismo está frequentemente presente mesmo quando o local clinicamente envolvido é outro; é importante identificar o organismo etiológico, principalmente nos casos de meningite asséptica. Kits de PCR multiplex disponíveis comercialmente para patógenos respiratórios frequentemente não conseguem diferenciar os rinovírus dos enterovírus e podem não identificar todos os enterovírus. Tipagem adicional por sequenciamento molecular é necessária para discriminar espécies e enterovírus de rinovírus e especificidade de tipo.

Tratamento das infecções por enterovírus

  • Tratamento de suporte

O tratamento da doença por enterovírus é de suporte.

Pacientes com agamaglobulinemia são tratados com imunoglobulinas intravenosas com sucesso variável.

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