Visão geral das infecções por enterovírus

PorBrenda L. Tesini, MD, University of Rochester School of Medicine and Dentistry
Revisado/Corrigido: set. 2024
Visão Educação para o paciente

Enterovírus, juntamente com rinovírus (ver Resfriado comum) e parechovírus humanos, são um gênero de picornavírus (pico significa RNA pequeno). Há mais de 100 sorotipos de enterovírus (incluindo poliovírus, vírus de Coxsackie do grupo A, vírus de Coxsackie do grupo B, echovírus e enterovírus numerados) que causam um grande espectro da doença e têm ampla distribuição geográfica (1).

Os enterovírus são eliminados nas fezes, nas secreções respiratórias e nas lesões cutâneas/mucosas e são primariamente transmitidos por via fecal-oral ou respiratória. Menos comumente, os enterovírus são transmitidos por contato direto com lesões de pele/mucosa. Enterovírus podem ser detectados no sangue e no líquido cefalorraquidiano em alguns casos de doença invasiva ou neurológica.

A circulação de enterovírus e epidemias das doenças associadas são mais comuns no verão e outono em climas temperados (2).

A infecção tardia na gestação pode resultar em transmissão perinatal e causar infecção neonatal disseminada grave e sepse com disfunção sistêmica de múltiplos órgãos, como hepatite, meningoencefalite, miocardite e pneumonia, e está associada a uma alta taxa de mortalidade.

A imunidade humoral intacta é importante para o controle das infecções enterovirais. Infecções enterovirais graves e crônicas (incluindo meningoencefalite, dermatomiosite e/ou hepatite) podem ocorrer em pacientes com imunodeficiência humoral, como pacientes com agamaglobulinemia ou hipogamaglobulinemia ou aqueles que tomam medicamentos imunossupressores direcionados à função das células B (p. ex., rituximabe). Pacientes com outras deficiências imunitárias geralmente não desenvolvem infecções enterovirais crônicas (3).

Parechovirus

Parechovírus humanos são picornavírus que foram previamente classificados como enterovírus (p. ex., echovírus 22 e 23), mas foram reclassificados em um gênero separado (4). O parechovírus A pode infectar seres humanos e tem pelo menos 19 tipos; a maioria causa doença respiratória e gastrointestinal leve, mas alguns tipos, particularmente o parechovírus A3, podem causar sepse viral e/ou meningoencefalite em bebês (5). Os parechovírus humanos não são detectados pelos testes padrão de reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR) para enterovírus; é necessário realizar testes específicos de RT-PCR para parechovírus (6, 7).

Doenças causadas por enterovírus

Os enterovírus causam várias síndromes (ver tabela Síndromes causadas por enterovírus).

As causas a seguir são provocadas quase exclusivamente por enterovírus:

Tabela
Tabela

Meningite asséptica

Meningite asséptica é mais comum em lactentes e crianças, mas pode ocorrer em qualquer idade.

O curso é geralmente autolimitado e benigno, mas pode ser bifásico com sintomas recorrentes após a melhora inicial. Um exantema pode acompanhar meningite asséptica por enterovírus. Raras vezes, encefalite, possivelmente grave, também ocorre.

Mielite flácida aguda (MFA)

O enterovírus D68 (EV-D68) causa doença respiratória, principalmente em crianças; os sintomas geralmente lembram aqueles de resfriado (p. ex., rinorreia, tosse, mal-estar, febre em algumas crianças). Algumas crianças, especialmente aquelas com asma, têm sintomas do tipo asmático mais graves que envolvem o trato respiratório inferior (p. ex., sibilos, dificuldade respiratória) (8). Adultos saudáveis podem ser infectados, mas tendem a ter sintomas mais leves. Adultos imunocomprometidos podem ter doença mais grave.

A partir de 2014 nos Estados Unidos, o aumento da circulação do EV-D68 com surtos generalizados de doença respiratória ocorreu em um padrão bienal sazonal (final do verão ao início do outono) (2014, 2016, 2018) (9). Entre agosto e outubro de 2014, durante um surto da doença respiratória EV-D68, também foram notificados casos agrupados de crianças com fraqueza focal dos membros e lesões da coluna vertebral na RM, agora denominada MFA (10). Um papel causal do EV-D68 na paralisia da MFA foi subsequentemente estabelecido por meio de dados epidemiológicos, virológicos, imunológicos e de modelos de animais de laboratório (11).

Vigilância contínua nos Estados Unidos pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) detectou surtos de MFA em 2014, 2016 e 2018 com 120, 153 e 238 casos notificados ao CDC a cada ano, respectivamente, e apenas 22 e 38 casos notificados nos anos intermediários. Esses picos bienais correspondem a períodos de maior atividade do EV-D68 (ver CDC: AFM Cases and Outbreaks). Não houve circulação ou aumento significativo do EV-D68 nos casos de MFA notificados entre 2019 e 2021, presumivelmente devido a intervenções não farmacológicas para a pandemia de covid-19, que também limitou a transmissão de outros vírus respiratórios. Em 2022, um grande surto de doença respiratória EV-D68 ocorreu sem um aumento significativo nos casos de MFA. As razões por trás dessa dissociação da covid-19 permanecem desconhecidas e estão sob investigação.

Deve-se considerar o EV-D68 uma etiologia quando os pacientes têm infecção respiratória grave, inexplicável, parecida com asma, principalmente se associada a um grupo de casos entre o final do verão e o outono (12; ver também CDC: Clinical Guidance for the Acute Medical Treatment of AFM). Recomendam-se testes específicos de RT-PCR para EV-D68 em potenciais surtos de doença respiratória e podem ser providenciados por autoridades de saúde pública.

O diagnóstico da MFA requer achados de fraqueza flácida aguda dos membros no exame físico, que pode ser acompanhada por disfunção do nervo craniano em aproximadamente 30% dos casos (13). Punção lombar deve ser realizada e muitas vezes demonstra pleocitose linfocítica do líquido cefalorraquidiano. A confirmação do diagnóstico é feita por RM da coluna vertebral demonstrando lesão longitudinal na substância cinzenta, que pode ser acompanhada de lesões do tronco cerebral (14). A coleta rápida de amostras biológicas (swabs nasofaríngeos e orofaríngeos, fezes, sangue e líquido cefalorraquidiano) para testes realizados por autoridades de saúde pública é fundamental para a detecção de um patógeno causador e para excluir poliovírus.

O tratamento da MFA deve envolver neurologia e especialistas em doenças infecciosas. O tratamento de suporte continua sendo a base do tratamento. Embora vários tratamentos, como imunoglobulina intravenosa, tenham sido considerados para a MFA, atualmente não há evidências suficientes de estudos com seres humanos para sustentar qualquer terapia específica para o tratamento da MFA (ver CDC: Clinical Guidance for the Acute Medical Treatment of AFM).

Conjuntivite hemorrágica

A conjuntivite hemorrágica por enterovírus ocorre raramente em epidemias nos Estados Unidos, e é mais comum em áreas tropicais.

Com frequência, ao contrário das conjuntivites não complicadas, desenvolvem-se hemorragias subconjuntivais ou ceratites, que provocam dor, lacrimejamento e fotofobia. As pálpebras edemaciam-se rapidamente. A recuperação, geralmente, é completa dentro de 1 a 2 semanas do início. Doença sistêmica é incomum. Entretanto, quando a conjuntivite hemorrágica ocorre por enterovírus D70, a paralisia é semelhante à poliomielite e MFA, pode ocorrer, mas é raro (15).

Vírus de Coxsackie A24 também provoca conjuntivite hemorrágica, mas a hemorragia subconjuntival é menos frequente e não há descrição de complicações neurológicas. A maioria dos pacientes se recupera em 1 a 2 semanas.

Miopericardite

Infecção cardíaca por enterovírus pode ocorrer em qualquer idade. Os pacientes podem apresentar dor torácica, arritmia, insuficiência cardíaca ou morte súbita. A recuperação costuma ser completa, mas alguns pacientes evoluem com cardiomiopatia dilatada. O diagnóstico de uma causa enteroviral de miopericardite pode ser feito pela detecção de enterovírus no sangue ou disseminação em locais não estéreis (fezes, secreções respiratórias), mas pode exigir PCR-TR do tecido miocárdico.

Infecções respiratórias

Infecções respiratórias podem resultar de enterovírus. Os sintomas incluem febre, coriza, faringite e, em alguns lactentes e crianças, sintomas mais graves de sibilos semelhantes à asma e aumento do esforço respiratório. Bronquite e pneumonia intersticial ocorrem ocasionalmente em adultos e crianças.

O curso costuma ser leve, mas pode ser grave como evidenciado pelo surto de enterovírus D68 de 2014.

Exantema

Certos vírus de Coxsackie, certos echovírus e parechovírus humanos podem causar exantema, com frequência durante epidemias. Exantemas normalmente não são pruriginosos, não descamam e ocorrem na face, no pescoço, no tórax e nas extremidades. Algumas vezes, são maculopapulares ou morbiliformes, mas ocasionalmente hemorrágicos, com petéquias ou vesículas. Febre é comum. Meningites assépticas podem se desenvolver simultaneamente.

A evolução costuma ser benigna.

Infecção neonatal

Em lactentes de mães infectadas por enterovírus no final da gestação ou em lactentes infectados por enterovírus nos primeiros dias após o nascimento, o lactente pode desenvolver uma síndrome semelhante à sepse com instabilidade térmica, letargia, coagulação intravascular disseminada, sangramento e insuficiência de múltiplos órgãos (incluindo coração). Envolvimento do sistema nervoso central e envolvimento hepático, miocárdico, pulmonar, pancreático ou suprarrenal podem ocorrer simultaneamente.

A recuperação pode ocorrer dentro de algumas semanas, mas a morte pode resultar de colapso circulatório ou insuficiência hepática, caso o fígado esteja envolvido.

A miocardite neonatal (infecção cardíaca perinatal) é principalmente causada pelo vírus Coxsackie do grupo B, alguns echovírus e parechovírus humanos (16). Provoca febre e insuficiência cardíaca e tem taxa alta de mortalidade.

Referências

  1. 1. Simmonds P, Gorbalenya AE, Harvala H, et al: Recommendations for the nomenclature of enteroviruses and rhinoviruses [published correction appears in Arch Virol. 2020 Jun;165(6):1515. doi: 10.1007/s00705-020-04558-x]. Arch Virol. 2020;165(3):793-797. doi:10.1007/s00705-019-04520-6

  2. 2. Pons-Salort M, Oberste MS, Pallansch MA, et al: The seasonality of nonpolio enteroviruses in the United States: Patterns and drivers. Proc Natl Acad Sci U S A. 2018;115(12):3078-3083. doi:10.1073/pnas.1721159115

  3. 3. McKinney RE Jr, Katz SL, Wilfert CM: Chronic enteroviral meningoencephalitis in agammaglobulinemic patients. Rev Infect Dis. 1987;9(2):334-356. doi:10.1093/clinids/9.2.334

  4. 4. Sridhar A, Karelehto E, Brouwer L, et al: Parechovirus A Pathogenesis and the Enigma of Genotype A-3. Viruses 11(11):1062, 2019. Publicado em 14 de novembro de 2019. doi:10.3390/v11111062

  5. 5. Harvala H, Wolthers KC, Simmonds P: Parechoviruses in children: understanding a new infection. Curr Opin Infect Dis. 2010;23(3):224-230. doi:10.1097/qco.0b013e32833890ca

  6. 6. de Crom SC, Rossen JW, van Furth AM, et al: Enterovirus and parechovirus infection in children: a brief overview. Eur J Pediatr 175(8):1023-9, 2016. Epub 2016 May 7. PMID: 27156106; PMCID: PMC4930465. doi: 10.1007/s00431-016-2725-7

  7. 7. Nix WA, Maher K, Johansson ES, et al: Detection of all known parechoviruses by real-time PCR. J Clin Microbiol. 2008;46(8):2519-2524. doi:10.1128/JCM.00277-08

  8. 8. Rao S, Messacar K, Torok MR, et al: Enterovirus D68 in Critically Ill Children: A Comparison With Pandemic H1N1 Influenza. Pediatr Crit Care Med. 2016;17(11):1023-1031. doi:10.1097/PCC.0000000000000922

  9. 9. Park SW, Pons-Salort M, Messacar K, et al: Epidemiological dynamics of enterovirus D68 in the United States and implications for acute flaccid myelitis. Sci Transl Med. 2021;13(584):eabd2400. doi:10.1126/scitranslmed.abd2400

  10. 10. Messacar K, Schreiner TL, Maloney JA, et al: A cluster of acute flaccid paralysis and cranial nerve dysfunction temporally associated with an outbreak of enterovirus D68 in children in Colorado, USA. Lancet. 2015;385(9978):1662-1671. doi:10.1016/S0140-6736(14)62457-0

  11. 11. Greninger AL, Naccache SN, Messacar K, et al: A novel outbreak enterovirus D68 strain associated with acute flaccid myelitis cases in the USA (2012-14): A retrospective cohort study. Lancet Infect Dis 15(6):671–682, 2015. doi: 10.1016/S1473-3099(15)70093-9

  12. 12. Dinov D, Donowitz JR: Acute flaccid myelitis a review of the literature. Front Neurol 13:1034607, 2022. Publicado em 20 de dezembro de 2022. doi:10.3389/fneur.2022.1034607

  13. 13. Murphy OC, Messacar K, Benson L, et al: Acute flaccid myelitis: cause, diagnosis, and management. Lancet. 2021;397(10271):334-346. doi:10.1016/S0140-6736(20)32723-9

  14. 14. Maloney JA, Mirsky DM, Messacar K, Dominguez SR, Schreiner T, Stence NV: MRI findings in children with acute flaccid paralysis and cranial nerve dysfunction occurring during the 2014 enterovirus D68 outbreak. AJNR Am J Neuroradiol. 2015;36(2):245-250. doi:10.3174/ajnr.A4188

  15. 15. Neurovirulence of enterovirus 70: Lancet. 1982;1(8268):373-374.

  16. 16. Ng KF, Gibb J, Struik S, et al: Remember the heart: neonatal myocarditis. Arch Dis Child. 2023;108(5):417-419. doi:10.1136/archdischild-2023-325316

Diagnóstico das infecções por enterovírus

  • História e exame físico

  • Reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (PCR-TR)

O diagnóstico das síndromes decorrentes de enterovírus geralmente é clínico.

O diagnóstico laboratorial dos enterovírus como a causa da doença pode ser feito por

  • Detecção de RNA viral utilizando PCR, RT-PCR

  • Menos comumente, cultura do vírus ou demonstração de soroconversão

Os enterovírus podem ser detectados por meio de testes de PCR-TR em uma amostra de locais estéreis (sangue, líquido cefalorraquidiano) ou disseminação de locais não estéreis (fezes, lesões secreções respiratórias, lesões cutâneas/mucosas). A identificação do organismo causador é importante principalmente nos casos de doença neurológica (meningite asséptica, MFA, poliomielite) ou doença grave (sepse neonatal, infecção crônica na imunodeficiência humoral).

Kits de PCR multiplex disponíveis comercialmente para patógenos respiratórios frequentemente não conseguem diferenciar os rinovírus dos enterovírus e podem não identificar todos os enterovírus. Tipagem adicional por sequenciamento molecular ou RT-PCT específico para enterovírus é necessária para discriminar espécies de enterovírus e rinovírus e a especificidade do tipo.

Tratamento das infecções por enterovírus

  • Cuidados de suporte

O tratamento da doença por enterovírus é de suporte.

Pacientes com imunodeficiências humorais, como agamaglobulinemia, podem receber imunoglobulina intravenosa (IGIV), que diminui o risco de infecção crônica por enterovírus e pode ser utilizada como tratamento na doença recém-diagnosticada (1, 2).

Referências sobre tratamento

  1. 1. Stiehm ER, Orange JS, Ballow M, Lehman H: Therapeutic use of immunoglobulins. Adv Pediatr. 2010;57(1):185-218. doi:10.1016/j.yapd.2010.08.005

  2. 2. Planitzer CB, Farcet MR, Schiff RI, Ochs HD, Kreil TR: Neutralization of different echovirus serotypes by individual lots of intravenous immunoglobulin. J Med Virol. 2011;83(2):305-310. doi:10.1002/jmv.21980

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