Avaliação do paciente renal

PorGeetha Maddukuri, MD, Saint Louis University
Revisado/Corrigido: set. 2022
Visão Educação para o paciente

Em pacientes com doenças renais, os sinais e sintomas podem ser inespecíficos ou ausentes até que a doença torne-se grave, ou ambos. Os resultados podem ser locais (p. ex., refletindo inflamação ou massa renal), resultantes de efeitos sistêmicos da insuficiência renal, ou afetam a micção (p. ex., alterações da própria urina ou da sua produção). (Ver também Avaliação do paciente urológico.)

História no paciente renal

A história desempenha um papel limitado, já que os sintomas são inespecíficos.

Hematúria é relativamente específica ao distúrbio geniturinário, mas os pacientes que relatam urina vermelha podem em vez disso ter um dos seguintes:

  • Mioglobinúria

  • Hemoglobinúria

  • Porfirinúria

  • Porfobilinúria

  • Cor da urina induzida por ingestão de alimentos (como, p. ex., beterraba, ruibarbo e, algumas vezes, corantes alimentares, que podem deixar a urina vermelha)

  • Urina colorida devido ao uso de fármacos (alguns fármacos, mais comumente fenazopiridina, e, algumas vezes, cáscara, difenil-hidantoína, rifampicina, metildopa, fenacetina, fenindiona, fenolftaleína, fenotiazinas e senna podem fazer a urina parecer vermelha escura, laranja ou vermelha)

Altas concentrações de proteínas urinárias causam urina turva ou com sedimentos. Deve-se distinguir frequência urinária (micção mais frequente) de poliúria (micção com volume maior do que o normal) em pacientes que relatam micção excessiva. A noctúria pode ser uma característica de uma ou outra, mas costuma ser resultado de excesso de ingestão de líquidos próximo à hora de deitar, aumento da próstata ou doença renal crônica. A história familiar é útil para identificação de um padrão de herança e risco de doença policística dos rins ou outras nefropatias hereditárias (p. ex., nefrite hereditária, doença da membrana basal fina, síndrome unha-patela, cistinúria, hiperoxalúria). Dor no flanco pode ser secundária à pielonefrite ou obstrução devida a cálculos renais.

Exame físico do paciente renal

Pacientes com insuficiência renal crônica moderada ou grave podem apresentar-se pálidos, desnutridos ou enfermos. Respirações profundas (Kussmaul) sugerem hiperventilação em resposta à acidose metabólica com acidemia. Pacientes com síndrome nefrótica e sobrecarga de líquidos podem apresentar edema periorbital e edema de extremidades.

Exame torácico

Atrito pleural ou pericárdico podem ser sinais de uremia. Os pacientes podem apresentar crepitações pulmonares secundárias ao edema pulmonar decorrente da retenção de líquidos na doença renal aguda ou crônica.

Exame abdominal

Aumento visível do abdome superior é um achado não habitual e inespecífico de doença renal policística. Ele também pode indicar massa renal, abdominal. Ocasionalmente, ausculta-se um atrito leve, lateralizado no epigastro ou flanco na presença de estenose da artéria renal; a presença de um componente diastólico aumenta a probabilidade de hipertensão renovascular.

A dor produzida pela percussão com o punho do dorso ou do ângulo formado pelo 12º arco costal e coluna lombar (sensibilidade costovertebral) pode indicar pielonefrite ou obstrução do trato urinário (p. ex., devido a cálculo). Os rins normais não são palpáveis. Entretanto, em algumas mulheres, o polo inferior do rim direito pode ser ocasionalmente palpado durante a inspiração profunda e, algumas vezes, rins ou massas renais grandes podem ser palpados sem nenhuma manobra especial. Em recém-nascidos, os rins podem ser sentidos com os polegares, ao colocá-los na parede anterior, e com os outros dedos na parede posterior ao ângulo costovertebral.

A transiluminação pode distinguir massas renais sólidas de císticas em algumas crianças < 1 ano, caso a massa ou rim possa ser trazido contra a parede abdominal.

Exame cutâneo

A doença renal crônica pode causar alguns dos seguintes itens:

  • Xerose devido à atrofia das glândulas sebáceas ou écrinas do suor

  • Palidez devido à anemia

  • Hiperpigmentação devido a depósito de melanina

  • Pele amarelada ou esverdeada devido a depósito de urocromo

  • Petéquias ou equimoses devido à disfunção plaquetária

  • Escoriação devido a prurido causado por hiperfosfatemia ou uremia

A presença de gelo urêmico (uremic frost), ou seja, a deposição de cristais de ureia esbranquiçados na pele após a evaporação do suor é rara.

Exame neurológico

Os pacientes com insuficiência renal aguda podem apresentar tontura, confusão ou falta de atenção; a fala pode estar enrolada. Pode-se detectar asterixe na escrita de mão ou ao se observar as mãos em máxima extensão: após alguns segundos nessa posição, a presença de um tremor da mão em direção flexora corresponde ao asterixe. O asterixe sugere algum dos seguintes:

  • Nefropatia crônica

  • Insuficiência hepática crônica

  • Narcose por dióxido de carbono

  • Encefalopatia tóxica

Exame do paciente renal

Os passos iniciais na avaliação à procura de doenças renais são:

  • Urinálise

  • Nível de creatinina

Outros exames urinários, sanguíneos e de imagem (p. ex., ultrassonografia, TC, ressonância nuclear magnética) são realizados sob circunstâncias específicas. Idealmente, após a limpeza do meato uretral, colhe-se a amostra no jato médio da primeira urina da manhã (amostra limpa); a urina deve ser examinada imediatamente, já que o atraso pode causar alterações dos resultados. Quando não se consegue obter micção espontânea ou quando há contaminação de material vaginal, pode-se utilizar cateterismo da bexiga ou punção suprapúbica para coleta da amostra, mas o trauma aumenta falsamente a contagem de eritrócitos na amostra. O cateterismo é evitado, caso se deseje verificar a presença de hematúria microscópica. A amostra de urina de uma bolsa coletora não é aceitável para análises microscópica e bacteriológica.

Urinálise

A urinálise completa inclui:

  • Inspeção visual quanto à cor, à aparência e ao odor

  • Medição do pH, densidade, teor de proteínas, glicose, hemoglobina (sugerindo eritrócitos), nitritos e esterase de leucócitos por meio de reagentes químicos em tiras

  • Exame microscópico quanto à presença de cilindros, cristais e células (sedimento urinário)

A bilirrubina e o urobilinogênio, apesar de padronizados em muitos testes de tiras reagentes, não têm mais significado na avaliação das doenças renais ou hepáticas.

Cor é o atributo mais óbvio da urina, e a observação da cor é uma parte integrante da urinálise (ver tabela Causas das alterações na cor da urina). A cor da urina pode sugerir causas possíveis e auxiliar a utilização de testes adicionais diretos.

Tabela
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Odor, geralmente notado sem intenção durante a inspeção visual, transmite informações úteis em ocasiões raras de doenças herdadas do metabolismo de aminoácidos quando a urina tem um cheiro distinto [p. ex., de xarope de bordo, na doença da urina de xarope de bordo, pés suados na acidose isovalérica ou urina felina na deficiência múltipla de carboxilase (ver tabela Distúrbios do metabolismo de aminoácidos de cadeia ramificada)].

O pH normal varia de 5,0 a 6,0 (variação de 4,5 a 8,0). Recomenda-se a medida do pH com eletrodos de vidro quando forem necessários valores precisos para tomada de decisões, como quando se diagnostica acidose tubular renal; nesses casos, deve-se acrescentar à amostra de urina uma camada de óleo mineral para prevenir a perda de dióxido de carbono. O retardo no processamento da amostra pode elevar o pH devido à liberação de amônia pela quebra de ureia pelas bactérias. A infecção por germes produtores de urease pode elevar de modo significativo o pH.

A densidade fornece uma medida aproximada da concentração urinária (osmolalidade). Os valores normais situam-se entre 1,001 e 1,035; os valores podem ser mais baixos em pessoas mais velhas ou em pacientes com insuficiência renal, que são menos capazes de concentrar a urina. Mede-se por hidrômetro ou refratômetro ou estima-se por meio de reagente em tira. A precisão da tira reagente é controversa, mas o resultado pode ser suficiente para pacientes com cálculos e que são aconselhados a autocontrolar a concentração urinária para manter a urina diluída. A densidade medida pela tira reagente pode estar falsamente elevada quando o pH da urina for < 6 ou baixa quando o pH for > 7. As dosagens por hidrômetro ou refratômetro podem estar elevadas em razão de níveis altos de moléculas grandes presentes na urina (p. ex., radiocontrastes, albumina, glicose, carbenicilina).

Proteína, detectada por reagentes em tiras reflete principalmente a concentração de albumina urinária, classificada como negativa (< 10 mg/dL), traços (15 a 30 mg/dL), ou 1+ (30 a 100 mg/dL) até 4+ (> 500 mg/dL). Albuminúria moderadamente elevada (antigamente conhecida como microalbuminúria), um importante marcador de complicações renais em pacientes com diabetes, não é detectada pelo exame com tiras padrão, mas tiras específicas para microalbuminúria estão disponíveis. Proteínas de cadeia leve (p. ex., devido a micloma múltiplo) também não são detectadas. O significado da proteinúria depende da excreção total de proteínas, em vez da concentração de proteínas estimada pelas tiras reagentes; deste modo, ao detectar proteinúria nas tiras reagentes, deve-se realizar medidas quantitativas de proteínas urinárias. Urina diluída pode causar resultados falso-negativos. Resultados falso-positivos podem surgir devido a qualquer um dos seguintes itens:

  • pH alto (> 9)

  • Presença de células

  • Meios de contraste radiopacos

  • Urina concentrada

A glicose geralmente surge na urina quando os níveis séricos de glicose aumentam > 180 mg/dL (> 10,0 mmol/L) e a função renal é normal. O limite de detecção das tiras reagentes é de 50 mg/dL (2,8 mmol/L). Qualquer quantidade é anormal. Resultados falsamente baixos ou negativos podem surgir em qualquer um dos seguintes casos:

  • Ácido ascórbico

  • Cetonas

  • Ácido acetilsalicílico

  • Levodopa

  • Tetraciclina

  • pH urinário muito alto

  • Urina diluída

Na síndrome de Fanconi (defeito do túbulo proximal) e no caso do uso de inibidor do cotransportador de sódio-glicose 2 (SGLT2), glicosúria renal, pode aparecer glicose na urina apesar dos níveis normais de glicemia.

Detecta-se hematúria quando há lise de eritrócitos na tira reagente, liberando hemoglobina (Hb) e causando alteração de cor. A variação vai desde negativa (0) até 4+. Traços de sangue (3 a 5 eritrócitos/campo de grande aumento) são normais sob algumas circunstâncias (p. ex., exercícios) em algumas pessoas. Como a tira reagente reage com Hb, a hemoglobina livre (p. ex., em razão da hemólise intravascular) ou a mioglobina (p. ex., em razão da rabdomiólise), causam resultado positivo. Pode-se distinguir hemoglobinúria e mioglobinúria da hematúria pela ausência de eritrócitos no exame microscópico e pelo padrão de alteração da cor na tira reagente. Os eritrócitos criam um padrão pontilhado ou espiculado; a hemoglobina livre e a mioglobina criam uma alteração uniforme da cor. O iodo povidona causa resultados falso-positivos; o ácido ascórbico causa resultados falso-negativos.

Os nitritos são produzidos quando as bactérias reduzem os nitratos urinários derivados do metabolismo de aminoácidos. Normalmente, não se observam nitritos e, quando presentes, denotam bacteriúria. O teste é positivo ou negativo. Podem ocorrer resultados falso-negativos em qualquer uma das seguintes condições:

  • Infecção por certos patógenos que não conseguem converter nitrato em nitrito (p. ex., Enterococcus faecalis, Neisseria gonorrhoeae, Mycobacterium tuberculosis)

  • Quando a urina não permaneceu tempo suficiente (< 4 horas) na bexiga

  • Baixa excreção urinária de nitratos

  • Enzimas (de certas bactérias) que reduzem nitratos a nitrogênio

  • Nível alto de urobilinogênio urinário

  • Presença de ácido ascórbico

  • pH urinário < 6,0

Os nitritos são utilizados principalmente nos testes de esterases leucocitárias, para controlar pacientes com infecções urinárias recidivantes, particularmente crianças com refluxo vesicoureteral e, algumas vezes, para confirmar o diagnóstico de infecção do trato urinário (ITU), não complicada em mulheres em idade gestacional.

A esterase de leucócitos é liberada pelos neutrófilos que sofreram lise. Sua presença na urina reflete inflamação aguda, mais comumente em decorrência de infecção bacteriana, mas, algumas vezes, devido à nefrite intersticial, nefrolitíase ou tuberculose renal. O limiar de detecção é de aproximadamente 5 leucócitos/campo de grande aumento, e os resultados do teste variam de negativo a 4+. O teste não é muito sensível para detecção de infecção. A contaminação da amostra de urina pela flora vaginal é a causa mais comum de resultado falso-positivo. Resultados falso-negativos podem advir de:

  • Urina muito diluída

  • Glicosúria

  • Urobilinogênio

  • Uso de fenazopiridina, nitrofurantoína, rifampicina ou grandes quantidades de vitamina C

A esterase de leucócitos é utilizada principalmente com o teste de nitrito para acompanhar pacientes com infecções urinárias recidivantes e, algumas vezes, para diagnosticar uma infecção do trato urinário não complicada em mulheres em idade gestacional. Se ambos os testes forem negativos, a chance de cultura positiva é pequena.

Análise microscópica da urina

A detecção de elementos sólidos (células, cilindros, cristais) necessita de análise microscópica, idealmente observada imediatamente após a micção e o teste de tira reagente. A amostra (10 a 15 mL de urina) é centrifugada a 1.500 a 2.500rpm durante 5 minutos. O sobrenadante é totalmente decantado; uma pequena quantidade de urina permanece com o resíduo no fundo do tubo da centrífuga. O resíduo é novamente misturado por agitação delicada do tubo, batendo-se em seu fundo. Uma única gota é pipetada em uma lâmina e coberta com lamínula. Para a análise microscópica de rotina, a coloração é opcional. A amostra é examinada sob luz reduzida com objetiva de baixa potência e sob luz intensa com objetiva de alta potência; a última é tipicamente utilizada para estimativas semiquantitativas [p. ex., 10 a 15 leucócitos/campo de alta ampliação (hpf)]. A luz polarizada é utilizada para identificar alguns cristais e lipídios na urina. O microscópio de contraste de fase facilita a identificação de células e cilindros.

Células epiteliais (renais tubulares, transicionais, escamosas) surgem com frequência na urina; em sua maioria, são células descamativas da porção terminal da uretra e contaminantes da vagina. Somente a presença de células tubulares renais tem importância diagnóstica; entretanto, exceto quando encontradas em cilindros, são difíceis de serem distinguidas de células transicionais. Alguns cilindros de células tubulares renais surgem na urina normal, mas um grande número sugere lesão tubular (p. ex., necrose tubular aguda, nefrite tubulointersticial, nefrotoxinas, síndrome nefrótica).

Eritrócitos< 3 por campo podem ser normais (< 5 pr campo de grande aumento algumas vezes é normal, p. ex., após exercício) e qualquer hematúria isolada deve ser interpretada no contexto clínico. Na análise microscópica, eritrócitos glomerulares são menores e dismórficos, com espículas, bolhas e dobraduras; eritrócitos não glomerulares mantêm sua forma e tamanho normais.

Leucócitos< 5/HPF podem ser normais; coloração especial pode distinguir eosinófilos de neutrófilos (ver Outros exames de urina). Define-se piúria como a presença de > 5 leucócitos/campo de grande aumento no sedimento centrifugado.

Lipidúria é mais característica na síndrome nefrótica; as células tubulares renais absorvem lipídios filtrados, que se parecem microscopicamente com corpúsculos ovais de gordura, e colesterol, que produz um padrão de cruz de Malta sob luz polarizada. Os lipídios e o colesterol também podem estar boiando livremente ou estar incorporados em cilindros.

Cristais na urina são comuns e, geralmente, não são clinicamente significativos (ver tabela Tipos comuns de cristais urinários). A formação de cristais depende dos seguintes itens:

  • Concentração urinária dos constituintes do cristal

  • pH

  • Ausência de inibidores de cristalização

Fármacos são uma causa sub-reconhecida dos cristais (ver tabela Fármacos que causam formação de cristais).

Tabela
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Os cristais são feitos de glicoproteína de função desconhecida (Tamm-Horsfall), secretada pela porção ascendente espessa da alça de Henle. São cilíndricas e possuem margens regulares. Sua presença indica origem renal, que pode ser útil no diagnóstico. Os tipos de cilindros diferem quanto aos constituintes e à aparência (ver tabela Cilindros urinários).

Tabela
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Outros exames de urina

Outros exames são úteis em circunstâncias especiais.

A excreção de proteínas totais pode ser medida na urina de 24 horas ou pode ser estimada pela relação proteína/creatinina, a qual, em uma amostra aleatória de urina, correlaciona-se bem com os valores em g/1,73 m2 área de superfície corporal de uma amostra de urina de 24 horas (p. ex., 400 mg/dL proteínas e 100 mg/dL de creatinina em uma amostra aleatória equivalem a 4 g/1,73 m2 em uma amostra de 24 horas). A relação proteína/creatinina é menos precisa quando a excreção de creatinina está significativamente aumentada (p. ex., em atletas musculares) ou diminuída (p. ex., na caquexia).

A albuminúria moderadamente aumentada (antigamente conhecida como microalbuminúria) representa a excreção persistente de albumina entre 30 e 300 mg/dia (20 a 200 mcg/min); valores menores são considerados dentro do intervalo do normal, e valores > 300 mg/dia (> 200 mcg/min) são considerados proteinúria evidente (albuminúria gravemente aumentada). O uso da relação albumina urinária/creatinina urinária é confiável e um método de triagem mais conveniente, pois evita a coleta de amostras de urina seriadas e correlaciona-se bem aos valores de urina de 24 horas. Um valor > 30 mg/g (> 0,03 mg/mg) sugere albuminúria moderadamente aumentada. A confiabilidade do teste é melhor quando se utiliza uma amostra coletada pela manhã (porque exercícios vigorosos podem resultar em tira reagente positiva para proteína), e não ocorre produção incomum de creatinina (em pacientes caquéticos ou muito musculosos). A albuminúria moderadamente aumentada pode ocorrer nos seguintes casos:

Albuminúria moderadamente aumentada é um estágio precoce da doença renal diabética, tanto no diabetes tipo 1 como 2; a progressão da doença renal é mais previsível na doença tipo 1 do que tipo 2. Albuminúria moderadamente aumentada é um fator de risco para doenças cardiovasculares e mortalidade cardiovascular precoce, independentemente da existência de diabetes ou hipertensão.

Tiras reagentes para ácido sulfossalicílico (SSA, sulfosalicylic acid) podem ser utilizadas para detectar proteínas outras que não a albumina (p. ex., imunoglobulinas em mieloma múltiplo) quando os testes de tira reagentes são negativos; o sobrenadante de urina misturado com SSA fica turvo na presença de proteínas. O teste é semiquantitativo em uma escala de 0 (sem turbidez) até 4+ (precipitados floculados). As leituras estão falsamente elevadas na presença de meios de contraste radiopacos.

Cetonas são excretadas na urina em decorrência da cetonemia, mas o uso de tiras reagentes para dosagem de cetonas urinárias não é mais tão recomendado, porque medem apenas o ácido acetoacético e a acetona, não dosando o ácido beta-hidroxibutírico. Assim, é possível um resultado falso-negativo mesmo na ausência de uma causa exógena (p. ex., vitamina C, fenazopiridina, N-acetilcisteína); a dosagem direta de cetonas séricas é mais precisa. A cetonúria é causada por alterações endócrinas e metabólicas e não reflete a disfunção renal.

A osmolalidade, o número total de partículas de soluto por unidade de volume [mOsm/kg (mmol/kg)], pode ser diretamente medida por um osmômetro. Normalmente, a osmolalidade é de 50 a 1.200 mOsm/kg (ou 50 a 1200 mmol/kg). Sua dosagem é mais útil para avaliar hipernatremia, hiponatremia, síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIAHD, syndrome of inappropriate antidiuretic hormone secretion) e diabetes insípido.

As dosagens de eletrólitos auxiliam o diagnóstico de doenças específicas. O nível de sódio pode ajudar a diferenciar se a depleção de volume [Na urinário < 10 mEq/L (10 mmol/L)] ou a necrose tubular aguda [Na urinário > 40 mEq/L (40 mmol/L)] é a causa da insuficiência renal aguda. A fração de excreção de Na (FENa) é a porcentagem de Na filtrado que é excretada. Ela é calculada como a relação de Na filtrado e excretado e definida como:

equation

onde UNa representa o sódio na urina; PNa, o sódio plasmático; PCr, a creatinina plasmática; e UCr, a creatinina urinária.

Esta relação é mais confiável do que a medida de UNa isolada, pois os níveis de UNa entre 10 e 40 mEq/L (ou 10 e 40 mmol/L) são inespecíficos. FENa< 1% sugere causas pré-renais, como depleção de volume; entretanto, a glomerulonefrite aguda ou certos tipos de necrose tubular aguda (p. ex., rabdomiólise, insuficiência renal induzida por radiocontraste) e obstrução parcial grave podem resultar em FENa< 1%. Um valor > 2% sugere causas intrarrenais como necrose tubular aguda ou nefrite intersticial aguda. Valores entre 1 e 2 são indeterminados e podem resultar, por exemplo, de necrose tubular aguda precoce ou de causas pré-renais em pacientes que tomam diuréticos ou que têm doença renal crônica.

Outras medidas úteis incluem as seguintes:

Eosinófilos, células que se coram de vermelho brilhante ou branco-róseo com as colorações de Wright ou Hansel, mais comumente indicam um dos seguintes:

A citologia é útil nos seguintes casos:

  • Para a rastreamento de câncer em populações de alto risco (p. ex., trabalhadores da indústria petroquímica)

  • Para avaliar a hematúria indolor persistente de etiologia incerta após cistoscopia na ausência de doença glomerular (sugerida pela ausência de eritrócitos dismórficos, proteinúria e insuficiência renal) em pacientes com sintomas vesicais irritativos

A sensibilidade é de cerca de 90% para carcinoma in situ; entretanto, a sensibilidade é consideravelmente inferior para carcinomas de células transicionais de baixo grau. Lesões inflamatórias ou hiperplásicas reativas ou fármacos citotóxicos para carcinoma podem produzir resultados falso-positivos. A eficácia para detecção de tumores vesicais pode ser aumentada pela lavagem vigorosa da bexiga com pequeno volume de soro fisiológico a 0,9% (50 mL injetados e a seguir aspirados por seringa e sonda). As células colhidas no soro fisiológico são concentradas e examinadas.

Indicam-se culturas e coloração de Gram com testes de sensibilidade se há suspeita de infecções do trato geniturinário; deve-se interpretar um teste positivo no contexto clínico [ver Introdução a infecções do trato urinário].

Aminoácidos são normalmente filtrados e reabsorvidos nos túbulos proximais. Podem surgir na urina quando há um defeito de transporte tubular hereditário ou adquirido (p. ex., síndrome de Fanconi, cistinúria). A dosagem do tipo e da quantidade de aminoácidos pode auxiliar o diagnóstico de certos tipos de cálculos, acidose tubular renal e doenças hereditárias do metabolismo.

Exames de sangue

Os exames de sangue são úteis para avaliação das doenças renais.

Os valores de creatinina sérica> 1,3 mg/dL (> 114 micromol/L) em homens e > 1 mg/dL (> 88,4 micromol/L) em mulheres geralmente são normais. A creatinina sérica depende da geração de creatinina, assim como da excreção renal de creatinina. Como o turnover de creatinina aumenta na presença de grandes massas musculares, as pessoas musculosas apresentam níveis mais elevados de creatinina sérica e os idosos e desnutridos apresentam níveis inferiores.

A creatinina sérica também pode estar aumentada nas seguintes condições:

Os inibidores da ECA e BRAs diminuem reversivelmente a taxa de filtração glomerular (TFG) e aumentam os níveis séricos de creatinina porque causam mais vasodilatação nas arteríolas glomerulares eferentes do que nas aferentes, principalmente em pessoas desidratadas ou em uso de diuréticos. Em geral, a creatinina sérica isolada não é um bom indicador de função renal. A fórmula de Cockcroft e Gault e a fórmula de Modificação da Dieta na Doença Renal estimam o RFG de acordo com a creatinina sérica e outros parâmetros e avaliam com maior confiabilidade a função renal.

A relação ureia/creatinina é utilizada para distinguir a uremia pré-renal da pós-renal (obstrutiva); um valor > 15 é considerado anormal e pode ocorrer em uremia pré-renal e pós-renal. Entretanto, o nível de ureia é afetado pela ingestão de proteínas e por diversos processos não renais (p. ex., trauma, infecção, sangramento gastrointestinal], uso de corticoides) e, apesar de sugestivo, geralmente não é conclusivo como evidência de disfunção renal.

Cistatina C, um inibidor da serina proteinase que é produzida por todas as células nucleadas e filtrada pelos rins, também pode ser utilizada para avaliar a função renal. Suas concentrações plasmáticas independem de sexo, idade e peso corpóreo. Nem sempre se dispõe do teste, e os valores não estão padronizados entre os diferentes laboratórios. Utiliza-se medição da cistatina C para confirmar a doença renal crônica em circunstâncias específicas quando os cálculos de TFGe com base na creatinina sérica são menos precisos e/ou quando a TFGe é de 45 a 59 mL/min sem a presença de marcadores de lesão renal.

Eletrólitos séricos (p. ex., sódio [Na], potássio [K], bicarbonato [HCO3]) podem estar alterados e o hiato aniônico (Na – [Cl + HCO3]) pode aumentar na lesão renal aguda e na doença renal crônica. Deve-se monitorar os eletrólitos séricos periodicamente em pacientes com doenças renais.

O contagem de eritrócitos pode detectar anemia na insuficiência renal crônica ou, raramente, policitemia no carcinoma de células renais ou doença policística dos rins. A anemia geralmente é multifatorial (principalmente devido à deficiência de eritropoetina e, algumas vezes, agravada ou causada pela perda de sangue nos circuitos de diálise ou no trato gastrointestinal); ela pode ser microcítica ou normocítica.

A renina, uma enzima proteolítica, fica armazenada nas células justaglomerulares dos rins. A secreção de renina é estimulada pela redução do volume sanguíneo e pela redução do fluxo renal, sendo inibida pela retenção de sódio e água. A renina plasmática é dosada através da medida da atividade de renina como a quantidade de angiotensina I gerada por hora. As amostras devem ser coletadas de pacientes bem hidratados, com repleção de sódio e potássio. Renina plasmática, aldosterona, cortisol e hormônio adrenocorticotrófico (ACTH, adrenocorticotropic hormone) devem ser dosados na avaliação de todas as seguintes condições:

A razão entre a aldosterona e a renina plasmática calculada a partir das dosagens obtidas com o paciente na posição ortostática é o melhor teste de rastreamento do hiperaldosteronismo, desde que a atividade plasmática de renina seja < 0,5 ng/mL/h (< 0,5 mcg/L/h) e aldosterona > 12 a 15 ng/dL (333 a 416 pmol/L).

Avaliação da função renal

A função renal é avaliada utilizando valor calculado a partir de fórmulas baseadas em exames sanguíneos e urinários.

FGR

O ritmo de filtração glomerular, o volume de sangue filtrado através do rim por minuto, é a melhor medida da função renal; ele é expresso em mL/minuto. Como a TFG normal aumenta com o tamanho corporal, geralmente utiliza-se um fator de correção para a área de superfície corporal (ASC). Esta correção é necessária para comparar o RFG de um paciente com o normal e para definir diferentes estágios de doença renal crônica. Sendo a superfície corpórea normal de 1,73 m2, o fator de correção é 1,73/superfície corpórea do paciente; os resultados ajustados do RFG são, então, expressos em mL/min/1,73 m2.

O RFG normal de adultos jovens e sadios é de cerca de 120 a 130 mL/min/1,73 m2 e diminui com a idade para cerca de 75 mL/min/1,73 m2 aos 70 anos de idade. Define-se doença renal crônica quando o RFG < 60 mL/min/1,73 m2 por > 3 meses. O padrão para a medição da RFG é a depuração de inulina. A inulina não é absorvida nem secretada pelos túbulos renais e, portanto, é o marcador ideal para a avaliação da função renal. Entretanto, sua dosagem é incômoda e, portanto, é principalmente utilizada em contextos de pesquisa. Estima-se a TFG com mais precisão pela combinação de equações CKD-EPI com base na creatinina e cistatina C do que por equações que utilizam apenas a creatinina ou a cistatina C (1).

Depuração de creatinina

A creatinina é produzida em uma taxa constante pelo metabolismo tubular e é filtrada livremente pelos glomérulos e também é secretada pelos túbulos renais. Como a creatinina é secretada, a depuração de creatinina (CrCl) superestima a taxa de filtração glomerular (RFG) em cerca de 10 a 20% em pessoas com função renal normal e em até 50% em pacientes com insuficiência renal avançada; assim, o uso de CrCl para estimar RFG em insuficiência renal crônica não é encorajado.

Utilizando uma amostra de urina colhida durante certo tempo (geralmente 24 horas), o CrCl pode ser calculado como

equation

onde UCr é creatinina na urina em mg/mL, UVol é o volume de urina em mL/min de coleta (1440 minutos para uma coleta completa de 24 horas) e PCr é creatinina plasmática em mg/mL.

Estimativa da depuração de creatinina

Como a própria creatinina sérica é inadequada para a avaliação da função renal, diversas fórmulas foram propostas para estimar o CrCl utilizando a creatinina sérica e outros fatores.

A fórmula de Cockcroft-Gault pode ser utilizada para estimar o CrCl. Ela utiliza a idade, peso corpóreo magro e o nível sérico de creatinina. Baseia-se na premissa de que a produção diária de creatinina é de 28 mg/kg/dia com uma diminuição de 0,2 mg/ano de idade.

equation

A fórmula de estudo modificação da dieta em doença renal (MDRD) (atualmente, fórmula de 4 fatores) também pode ser utilizada, embora exija uma calculadora ou computador:

equation

A formula Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) fornece uma sensibilidade mais baixa, mas maior especificidade para detectar uma taxa de filtração glomerular inferior a 60 mL/min por 1,73 m2, e pode ser mais útil para avaliar pacientes com função renal normal ou quase normal. Como ocorre com as equações de Cockcroft-Gault e MDRD, ela também se baseia no nível de creatinina sérica. Atualmente recomenda-se a estimativa da TFG utilizando a equação da creatinina CKD-EPI de 2021, que não considera a etnia (2, 3).

equation

em que SCr é a creatinina sérica em mg/dL, kapa (κ) é 0,7 para homens e 0,9 para homens, α é -0,241 para mulheres e -0,302 para homens, mín indica o mínimo de SCr/κ ou 1, e máx indica o máximo de SCr/k ou 1.

Uma calculadora é fornecida pela National Kidney Foundation.

Referências sobre avaliação

  1. 1. Inker LA, Schmid CH, Tighiouart H, et al: Estimating glomerular filtration rate from serum creatinine and cystatin C. N Engl J Med 5;367(1):20-29, 2012. doi:10.1056/NEJMoa1114248

  2. 2. Delgado C, Bawega M, Burrows NR, et al: Reassessing the inclusion of race in diagnosing kidney diseases: An interim report from the NKF-ASN task force. Am J Kidney Dis 78(1):103-115, 2021. doi: 10.1053/j.ajkd.2021.03.008

  3. 3. Delgado C, Bawega M, Crews DC, et al: A unifying approach for CFR estimation: Recommendations of the NKF-ASN Task Force on reassessing the inclusion of race in diagnosis kidney disease. Am J Kidney Dis 79(2):268-288.e1, 2022. doi: 10.1053/j.ajkd.2021.08.003

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