Deficiência de argininavasopressina (diabetes insípido central)

PorJohn D. Carmichael, MD, Keck School of Medicine of the University of Southern California
Revisado/Corrigido: abr. 2023
Visão Educação para o paciente

A deficiência de arginina vasopressina (diabetes insípido central) resulta de uma deficiência de vasopressina (hormônio antidiurético, ADH) decorrente de um transtorno hipotalâmico-hipofisário. Desenvolvem-se poliúria e polidipsia. O diagnóstico é feito pelo teste de privação de água, que mostra falha na concentração máxima da urina; os níveis de vasopressina e a resposta à vasopressina exógena ajudam a distinguir a deficiência de argininavasopressina da resistência à argininavasopressina (diabetes insípido nefrogênico). O tratamento é feito com desmopressina. O tratamento não hormonal é feito com diuréticos (principalmente tiazídicos) e medicamentos que liberam vasopressina, como a clorpropamida.

(Ver também Síndrome da secreção inapropriada de ADH e Diabetes insípido nefrogênico [Resistência a argininavasopressina].)

Fisiopatologia da deficiência de argininavasopressina

A vasopressina age primariamente para promover a conservação de água pelos rins aumentando a permeabilidade do epitélio tubular distal à água. Em altas concentrações, a vasopressina causa vasoconstrição. Assim como a aldosterona, a vasopressina desempenha um papel importante na manutenção da homeostase líquida e da hidratação vascular e celular. Os principais estímulos à liberação de vasopressina são

  • Aumento da pressão osmótica da água no corpo (detectada por osmorreceptores no hipotálamo)

  • Depleção de volume (detectada por barorreceptores vasculares)

O lobo posterior da hipófise é o principal local de armazenamento e liberação de vasopressina, mas a vasopressina é sintetizada no hipotálamo. O hormônio recém-sintetizado ainda pode ser liberado na circulação contanto que os núcleos hipotalâmicos e parte do trato neuro-hipofisário estejam intactos. Apenas cerca de 10% dos neurônios neurossecretores devem permanecer intactos para evitar deficiência de argininavasopressina. A fisiopatologia da deficiência de argininavasopressina portanto, sempre compromete os núcleos supraóptico e paraventricular do hipotálamo ou uma grande porção do infundíbulo.

A deficiência de arginina vasopressina pode ser

  • Total (ausência de vasopressina)

  • Parcial (quantidades insuficientes de vasopressina)

A deficiência de argininavasopressina também pode ser

  • Primário, no qual há diminuição significativa dos núcleos hipotalâmicos do sistema neuroipofisário

  • Secundário (adquirido)

Deficiência de argininavasopressina

Deficiência primária de argininavasopressina

Anormalidades genéticas do gene da vasopressina no cromossomo 20 são responsáveis pelas formas autossômicas dominantes da deficiência de argininavasopressina, mas muitos casos são idiopáticos.

Deficiência secundária de argininavasopressina

A deficiência de argininavasopressina também pode ser secundário (adquirido), causado por várias lesões, como hipofisectomia, lesões cranianas (particularmente as fraturas da base do crânio), tumores supra e intrasselares (primários ou metastáticos), histiocitose de células de Langerhans, hipofisite linfocítica, granulomas (sarcoidose ou tuberculose), lesões vasculares (aneurisma ou trombose) e infecções (encefalite ou meningite).

Sinais e sintomas de deficiência de argininavasopressina

Início de deficiência de argininavasopressina pode ser insidiosa ou abrupta, ocorrendo em qualquer idade.

Os únicos sintomas na deficiência primária de argininavasopressina são polidipsia e poliúria. Na deficiência secundária de argininavasopressina, sinais e sintomas das lesões associadas também estão presentes.

Grandes quantidades de líquidos podem ser ingeridas e grandes volumes (3 a 30 L/dia) de urina muito diluída (gravidade específica, normalmente < 1,005 e osmolalidade < 200 mOsm/kg [200 mmol/kg]) são excretados. Noctúria quase sempre ocorre. Desidratação e hipovolemia podem se desenvolver rapidamente se as perdas urinárias não forem continuamente repostas.

As causas comuns de poliuria incluem

Diagnóstico da deficiência de argininavasopressina

  • Teste de privação de água

  • Às vezes, níveis de vasopressina ou copeptina

A deficiência de argininavasopressina deve ser diferenciada de outras causas de poliúria, particularmente polidipsia primária (ver tabela Causas comuns da poliúria) e resistência a argininavasopressina. Todos os testes para deficiência de argininavasopressina (e para resistência a argininavasopressina) baseiam-se no princípio de que o aumento da osmolalidade plasmática em pessoas normais levará à diminuição da excreção urinária com aumento da osmolalidade urinária.

Tabela

O teste de privação de água é o método mais simples e confiável para o diagnóstico da deficiência de argininavasopressina mas só deve ser realizado quando o paciente estiver sob supervisão constante. Pode causar desidratação grave. Além disso, se houver suspeita de polidipsia primária, o paciente deve ser observado para evitar a ingestão escondida.

O teste é indicado pela manhã, pesando-se o paciente, coletando-se sangue venoso para determinar as concentrações de eletrólitos e a osmolalidade e medindo-se a osmolalidade urinária. A urina eliminada é coletada de hora em hora e a gravidade específica ou, preferencialmente, osmolalidade, é medida. A desidratação continua até ocorrer hipotensão ortostática e taquicardia postural; perda 5% do peso corporal inicial; ou a concentração urinária não aumentar > 0,001 de gravidade específica ou > 30 mOsm/L em amostras eliminadas em sequência. Os eletrólitos séricos e a osmolalidade são determinados novamente. Vasopressina exógena é então dada (5 unidades de vasopressina aquosa por via subcutânea, 10 mcg de desmopressina [DDAVP] intranasal, ou 4 mcg IM ou IV). A gravidade específica e a osmolalidade da urina são coletadas após 60 minutos da injeção e encerra-se o teste.

Uma resposta normal produz osmolalidade urinária máxima após a desidratação (em geral > 1,020 de gravidade específica ou > 700 mOsm/kg [700 mmol/kg]), excedendo a osmolalidade plasmática; a osmolalidade não se eleva mais que 5% adicionais após a injeção de vasopressina. Pacientes com deficiência de arginina, vasopressina em geral não conseguem concentrar a urina mais do que a osmolalidade plasmática, mas são capazes de aumentar a osmolalidade do volume urinário em > 50 a > 100% após a administração de vasopressina exógena. Os pacientes com deficiência parcial de argininavasopressina geralmente conseguem concentrar a urina acima da osmolalidade do plasma, porém mostram aumento da osmolalidade urinária de mais de 15 a 50% após a administração de vasopressina. Pacientes com resistência a argininavasopressina são incapazes de concentrar a urina além da osmolalidade plasmática e não mostram resposta adicional à administração de vasopressina (ver tabela Resultados do teste de privação de água).

A medida da circulação da vasopressina ou da copeptina, a extremidade do peptídeo C-terminal da vasopressina, é o método mais direto de diagnosticar deficiência de argininavasopressina; níveis de vasopressina e copeptina no final do teste de privação de água (antes de injeções de vasopressina) são baixos na deficiência de argininavasopressina e adequadamente elevados na resistência à argininavasopressina. Entretanto, as concentrações de vasopressina e copeptina são difíceis de medir e o teste não está rotineiramente disponível. Além disso, a resposta fisiológica à privação de água é tão precisa que a medida direta de vasopressina ou copeptina é desnecessária. As concentrações plasmáticas de vasopressina são diagnósticas após desidratação ou infusão de soro fisiológico hipertônico.

Dicas e conselhos

  • Fazer o teste de privação de água quando o paciente estiver sob supervisão constante porque pode ocorrer desidratação grave.

Tabela

Polidipsia primária

A polidipsia primária (às vezes referida como polidipsia psicogênica) pode apresentar um problema difícil no diagnóstico diferencial. Os pacientes podem ingerir e excretar até 6 L de líquidos/dia e podem ter um distúrbio de saúde mental. Ao contrário dos pacientes com deficiência de argininavasopressina e resistência a argininavasopressina, os pacientes com polidipsia primária geralmente não têm noctúria, nem a sede os acorda à noite. A ingestão contínua de grandes volumes de água nessa situação pode levar à hiponatremia fatal.

Pacientes com ingestão excessiva aguda de água são capazes de concentrar a urina durante o teste de privação de água. Entretanto, como a ingestão crônica de água diminui a tonicidade medular nos rins, pacientes com polidipsia de longa duração não conseguem concentrar a urina em níveis máximos na privação de água, uma resposta semelhante à de pacientes com deficiência de argininavasopressina. Entretanto, ao contrário da deficiência de argininavasopressina, os pacientes com polidipsia primária não mostram resposta a doenças exógenas vasopressina após privação de água. Essa resposta lembra a de resistência a argininavasopressina, exceto que esses níveis basais de vasopressina são baixos em comparação com os níveis elevados presentes em resistência a argininavasopressina. Após restrição prolongada de ingestão de líquidos para 2 L/dia, a capacidade de concentração normal é recuperada em algumas semanas.

Tratamento da deficiência de argininevasopressina

  • Medicamentos hormonais, p. ex., desmopressina

  • Medicamentos não hormonais, p. ex., diuréticos

A deficiência de argininavasopressina pode ser tratada com reposição hormonal e tratamento das causas corrigíveis. A ausência de tratamento apropriado pode causar lesão renal permanente.

A restrição da ingestão de sal também pode ajudar, pois diminui o débito urinário por redução da carga de solutos.

Medicações hormonais

A desmopressina, um análogo sintético da vasopressina com propriedades vasoconstritoras mínimas, apresenta atividade antidiurética prolongada durante 12 a 24 horas na maioria dos pacientes e pode ser administrada, por via oral, subcutânea ou intravenosa. Desmopressina é a preparação aquosa de escolha para adultos e crianças. A administração intranasal é mais comum com um frasco de spray que entrega 10 mcg de desmopressina em 0,1 mL de líquido. Essa preparação fornece uma quantidade fixa e pode ser administrada várias vezes ao dia.

Deve-se estabelecer, para cada paciente, a duração da ação de determinada dose, pois a variação entre os indivíduos é grande. A duração da ação pode ser determinada seguindo-se os volumes urinários e a osmolalidade urinária. A dose noturna é a menor dose necessária para evitar a noctúria. As doses matinal e vespertina devem ser ajustadas separadamente. A dosagem habitual varia em indivíduos > 12 anos é de 10 a 40 mcg, com a maioria exigindo 10 mcg, a cada 12 horas. Para crianças de 3 meses a 12 anos, a dose habitual varia de 2,5 a 10 mcg, a cada 12 horas.

Superdosagem pode causar retenção de líquidos e diminuição da osmolalidade plasmática, possivelmente resultando em convulsões em crianças pequenas. Nessas circunstâncias, pode-se administrar furosemida para induzir a diurese. A cefaleia pode ser um efeito colateral problemático, mas geralmente desaparece com a redução da dose. Não é comum a desmopressina causar discreta elevação da pressão arterial. A absorção da mucosa nasal pode ser errática, especialmente quando ocorrem sintomas de infecções das vias respiratórias superiores e rinite alérgica.

Comprimidos também estão disponíveis para pacientes ambulatoriais. A escolha das formulações em spray ou comprimido depende da preferência do paciente e de outras circunstâncias médicas. Tipicamente, preparações intranasais não são utilizadas imediatamente após cirurgias intranasais, mas podem ser escolhidas se os comprimidos não controlarem os sintomas adequadamente. Com desmopressina por via oral não é possível estabelecer a equivalência de dose com a preparação intranasal, assim é necessária a titulação de dose. A dose inicial é de 0,1 mg por via oral 3 vezes por dia, e a dose de manutenção é habitualmente 0,1 a 0,2 mg, 3 vezes por dia.

As vias de administração parenteral são geralmente reservadas para uso hospitalar. Quando o fornecimento intranasal de desmopressina for inadequado, pode-se administrá-la por via subcutânea utilizando-se um décimo da dose intranasal. Vasopressina aquosa de 1 a 2 mcg por via subcutânea ou IM pode ser administrada para fornecer uma resposta antidiurética que geralmente dura até 12 horas, com efeito ocasional mais longo. Não é facilmente obtido em farmácias ambulatoriais, assim, esse medicamento tem pouco uso no tratamento de longo prazo, mas pode ser utilizado na terapia inicial de pacientes inconscientes e em pacientes com deficiência de argininavasopressina que estão sendo submetidos à cirurgia. A desmopressina pode ser administrada IV se houver necessidade de um efeito rápido (p. ex., hipovolemia).

Dicas e conselhos

  • A duração da ação de uma dada dose de desmopressina varia significativamente entre os indivíduos e deve ser estabelecida para cada paciente.

Medicamentos não hormonais

Pelo menos 3 grupos de medicamentos não hormonais são úteis na redução da poliúria:

  • Diuréticos, principalmente tiazidas

  • Medicamentos liberadores de vasopressina (p. ex., clorpropamida, carbamazepina, clofibrato)

  • Inibidores da prostaglandina

Esses medicamentos têm sido particularmente úteis em casos de deficiência parciais de vasopressinaarginina e não causam os efeitos adversos de vasopressina exógena.

Os diuréticos tiazídicos reduzem paradoxalmente o volume urinário parcial na deficiência total de argininavasopressina (e resistência a argininavasopressina), principalmente como consequência da redução do volume de líquido extracelular (LEC) e do aumento da reabsorção tubular proximal. Os volumes urinários podem reduzir de 25 a 50% com 15 a 25 mg/kg de clorotiazida.

Medicamentos liberadores de vasopressina podem reduzir ou eliminar a necessidade de vasopressina em alguns pacientes com deficiência central parcial de argininavasopressina. Nenhuma é eficaz em caso de resistência à argininavasopressina. Clorpropamida, 3 a 5 mg/kg por via oral 1 ou a cada 12 horas, causa alguma liberação da vasopressina e também potencializa a ação da vasopressina nos rins. Clofibrato, 500 a 1.000 mg por via oral a cada 12 horas, ou carbamazepina, 100 a 400 mg por via oral a cada 12 horas, são recomendados apenas para adultos. Esses medicamentos podem ser utilizados sinergicamente com um diurético. Entretanto, pode ocorrer hipoglicemia significativa com o uso de clorpropamida.

Inibidores de prostaglandinas [como indometacina, 0,5 a 1,0 mg/kg, por via oral 3 vezes ao dia, embora a maioria dos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) seja eficaz] são modestamente eficazes. Eles podem reduzir o volume urinário, mas geralmente por não mais que 10 a 25%, talvez reduzindo o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular (TFG). Juntamente com a indometacina, a restrição da ingestão de sódio e um diurético tiazídico ajudam a reduzir ainda mais o volume urinário na resistência à argininavasopressina.

Pontos-chave

  • A deficiência de argininavasopressina é causado por uma deficiência de vasopressina, o que diminui a capacidade dos rins de reabsorver água, resultando em poliúria maciça (3 a 30 L/dia).

  • A causa pode ser uma doença genética primária ou vários tumores, lesões infiltrativas, lesões ou infecções que afetam o sistema hipotalâmico-hipofisário.

  • Diagnosticar utilizando um teste de privação de água; os pacientes não podem concentrar urina de maneira máxima após a desidratação, mas podem concentrar urina depois de receber vasopressina exógena.

  • Níveis baixos de vasopressina ou copeptina são diagnósticos, mas os níveis de vasopressina e copeptina são difíceis de medir e o teste não está rotineiramente disponível.

  • Abordar quaisquer causas tratáveis e dar desmopressina, um análogo sintético da vasopressina.

Informações adicionais

  1. Working Group for Renaming Diabetes Insipidus, Arima H, Cheetham T, et al. Changing the name of diabetes insipidus: a position statement of The Working Group for Renaming Diabetes Insipidus. Endocr J 69(11):1281-1284, 2022. doi:10.1507/endocrj.EJ20220831

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