Cistinuria é um defeito hereditário dos túbulos renais em que a reabsorção de cistina (o homodímero do aminoácido cisteína) está prejudicada, a excreção urinária está aumentada e cálculos de cisteína se formam no trato urinário. Os sintomas são cólicas causadas por cálculos e, talvez, infecção urinária ou sequelas da doença renal crônica. O diagnóstico é pela avaliação da excreção urinária de cistina. O tratamento é com o aumento da ingestão líquida e alcalinização da urina.
Cistinúria era originalmente classificada de acordo com a excreção urinária de cistina e aminoácidos dibásicos em portadores obrigatórios. Nessa classificação, os pais das crianças afetadas eram avaliados como tendo aumentos normais (tipo I), moderados (tipo III) ou significativos (tipo II) na excreção de cistina.
Uma classificação mais recente se baseia no genótipo: pacientes com tipo A apresentam mutações homozigóticas no gene SLC3A1 e pacientes com tipo B apresentam mutações homozigóticas no gene SLC7A9. Esses genes codificam proteínas que juntas formam o heterodímero responsável pelo transporte de cistina e aminoácidos dibásicos no túbulo proximal.
Cistinúria não deve ser confundida com cistinose (ver Síndrome de Fanconi).
Fisiopatologia da cistinúria
O defeito primário resulta em menor reabsorção no túbulo renal proximal de cistina e maior concentração de cistina na urina. A cistina é pouco solúvel na urina ácida, de modo que, quando sua concentração urinária excede sua solubilidade, os cristais precipitam cistina, o que forma cálculos renais. Os homens geralmente são mais afetados do que as mulheres.
A reabsorção de outros aminoácidos dibásicos (lisina, ornitina, arginina) está também diminuída, mas não acarreta problemas, pois estes aminoácidos têm um sistema de transporte alternativo separado daquele da cistina. Além disso, na urina eles são mais solúveis do que a cistina e o aumento de sua excreção não forma cristais ou cálculos. A absorção desses aminoácidos (e cistina), no intestino delgado, também está diminuída.
Sinais e sintomas da cistinúria
Os sintomas da cistinúria, mais comumente cólica renal, podem aparecer em crianças, mas geralmente surgem entre 10 e 30 anos de idade.
Infecções do trato urinário e doença renal crônica podem se desenvolver em decorrência da obstrução do trato urinário.
Diagnóstico da cistinúria
Análise dos cálculos renais coletados
Exame microscópico do sedimento urinário
Medida da excreção urinária da cistina
Os cálculos radiopacos de cistina se formam na pelve renal ou na bexiga. Cálculos coraliformes são comuns.
Na urina, a cistina pode aparecer sob a forma de cristais hexagonais marrom-amarelados, que são diagnósticos.
O teste com cianeto-nitroprussiato pode revelar cistina na urina. A excreção quantitativa de cistina é tipicamente > 400 mg/dia na cistinúria (o nível normal é < 30 mg/dia).
Tratamento da cistinúria
Grande ingestão de líquidos
Alcalinização da urina
Restrição dietética de sódio, proteína animal e metionina (quando possível)
Às vezes, medicações ligantes da cistina
Doença renal em estágio terminal pode se desenvolver. A diminuição da concentração urinária de cistina abaixo de aproximadamente 250 a 300 mg/L (1 a 1,25 mmol/L) diminui a toxicidade renal e pode possibilitar a remoção da cistina em solução. Alcança-se essa diminuição aumentado o volume de urina com ingestão de líquidos suficiente para fornecer uma taxa de fluxo urinário de 1,5 a 2 L/m2/dia, o que pode exigir a ingestão de até 2 a 4 L/dia de líquidos (1). A hidratação é particularmente importante à noite quando o volume urinário e o pH caem.
A alcalinização da urina para pH > 7,0 com citrato de potássio ou bicarbonato de potássio aumenta significativamente a solubilidade da cistina.
Restrições leves de sódio na dieta (100 mEq/dia), proteína animal (0,8 a 1,0 g/kg/dia) e metionina na dieta podem ajudar a reduzir a excreção de cistina. Como a proteína é essencial para o crescimento adequado, a ingestão de proteínas não deve ser excessivamente restrita em crianças.
Quando a alta ingestão de líquidos e a alcalinização não reduzem a formação de cálculos, medicamentos ligantes da cistina podem ser empregados porque o complexo cistina-fármaco pode aumentar a solubilidade em até 50 vezes. Penicilamina e tiopronina são os medicamentos de ligação à cistina atuais. Suplementos de piridoxina devem ser administrados com a penicilamina. Cerca de metade de todos os pacientes desenvolve alguma manifestação tóxica, como febre, exantema, artralgias ou, mais raramente, síndrome nefrótica, pancitopenia ou reação lúpus-símile. Embora um menor risco de toxicidade tenha sido sugerido com o uso de tiopronina, isso não foi confirmado (2). É muito importante monitoramento cuidadoso da resposta terapêutica.
Embora os medicamentos possam reduzir a carga de cálculos, há alto risco de recorrência dos cálculos.
Modelos animais têm sido úteis no desenvolvimento de novas terapias para a cistinúria (3). Ensaios clínicos para analisar a eficácia de diversas intervenções, incluindo a bucilamina, o tolvaptano e o ácido alfa-lipoico, estão em andamento. Um estudo recente sugeriu eficácia e segurança a curto prazo com terapia dilucional utilizando tolvaptano em pacientes jovens com cistinúria (4).
(Ver também multi-society 2021 clinical practice recommendation for cystinuria management.)
Referências sobre o tratamento
1. Claes DJ, Jackson E. Cystinuria: Mechanisms and management. Pediatr Nephrol. 2012;27(11):2031–2038. doi:10.1007/s00467-011-2092-6
2. Prot-Bertoye C, Lebbah S, Daudon M, et al. Adverse events associated with currently used medical treatments for cystinuria and treatment goals: results from a series of 442 patients in France. BJU Int. 2019;124(5):849-861. doi:10.1111/bju.14721
3. Sahota A, Tischfield JA, Goldfarb DS, et al. Cystinuria: Genetic aspects, mouse models, and a new approach to therapy. Urolithiasis. 2019;47(1):57–66. doi:10.1007/s00240-018-1101-7
4. Nelson CP, Kurtz MP, Venna A, Cilento BG Jr, Baum MA. Pharmacological Dilutional Therapy Using the Vasopressin Antagonist Tolvaptan for Young Patients With Cystinuria: A Pilot Investigation. Urology. 2020;144:65-70. doi:10.1016/j.urology.2020.07.002
Pontos-chave
A reabsorção urinária defeituosa de cistina aumenta seus níveis na urina, levando a cálculos renais por cistina e, algumas vezes, doença renal crônica.
Cristais hexagonais amarelo-marrons na urina são patognomônicos; a excreção quantitativa de cistina é tipicamente > 400 mg/dia.
Tratar com maior ingestão de líquidos para que haja excreção urinária de 1,5 a 2 L/m2/dia, e alcalinizar a urina com citrato de potássio ou bicarbonato de potássio.
Restringir a dieta com sódio, proteínas animais e metionina.
Um medicamento ligador de cistina como penicilamina ou tiopronina pode ser necessário, mas os efeitos adversos são uma preocupação.
Informações adicionais
O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.
Multiple societies: Clinical practice recommendation for cystinuria management (2021)