Encefalite

PorJohn E. Greenlee, MD, University of Utah Health
Revisado/Corrigido: jul. 2024
Visão Educação para o paciente

Encefalite é a inflamação do parênquima do cérebro, resultante de invasão viral direta ou ocorrendo como complicação imunológica pós-infecciosa causada por reação de hipersensibilidade a um vírus ou outra proteína estranha. Os sintomas são febre, cefaleia e estado mental alterado, muitas vezes acompanhado por crises epilépticas ou deficits neurológicos focais. O diagnóstico requer análise do líquido cefalorraquidiano e exames de imagem neurológica. O tratamento envolve medicamentos antivirais quando indicado (p. ex., na encefalite por herpesvirus) e, do contrário, é de suporte.

(Ver também Introdução a infecções encefálicas.)

Etiologia da encefalite

Infecção viral primária

Os vírus que causam encefalite primária invadem diretamente o encéfalo. Estas infecções podem ser

As encefalites por arbovírus transmitidas por mosquitos infectam as pessoas durante a primavera, verão e início do outono, quando o clima é quente (ver tabela Algumas encefalites por arbovírus). Nos Estados Unidos, a incidência varia de 150 a > 4.000 casos por ano, principalmente em crianças. A maioria dos casos ocorre durante epidemias.

Tabela
Tabela

Nos Estados Unidos, a encefalite esporádica mais comum é causada pelo HSV; centenas a vários milhares de casos ocorrem por ano. A maior parte decorre de infecção por HSV-1, mas o HSV-2 pode ser mais comum em pacientes imunocomprometidos. Encefalite herpética ocorre em qualquer época do ano e tende a afetar pacientes com < 20 ou > 40 anos de idade e muitas vezes é fatal, se não for tratada.

Raiva continua a ser uma causa significativa de encefalite nos países em desenvolvimento e ainda provoca alguns casos de encefalite nos Estados Unidos.

A encefalite também pode ocorrer como reativação tardia de uma infecção viral latente ou subclínica. Os tipos mais conhecidos são

Reação imunológica

Pode ocorrer encefalite como complicação imunológica secundária de certas infecções virais ou vacinas. A desmielinização inflamatória do encéfalo e da medula espinal pode ocorrer 1 a 3 semanas depois (como encefalomielite disseminada aguda); o sistema imunitário ataca um ou mais antígenos do sistema nervoso central, os quais se assemelham a proteínas do agente infeccioso. As causas mais comuns dessa complicação costumavam ser sarampo, rubeola, varicela, catapora e caxumba (todas atualmente raras graças à vacinação disseminada de crianças); vacina contra varíola e as vacinas com vírus vivos (p. ex., as antigas vacinas antirrábicas preparadas a partir de cérebro de ovelha ou cabra). Nos Estados Unidos, a maioria dos casos atuais resulta dos vírus influenza A ou B, enterovírus, vírus Epstein-Barr (1), herpes virus (2), vírus das hepatites A ou hepatites B ou de HIV. A encefalite autoimune também ocorre em pacientes com câncer e outros transtornos autoimunes.

Raramente se desenvolve encefalite aparente em pacientes com covid-19, causada pelo novo coronavírus pandêmico responsável pela síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV2); o mecanismo não está claro, mas é possível que haja uma contribuição imunológica para o mecanismo da encefalite aparente (2).

Encefalopatias causadas por autoanticorpos contra proteínas da membrana neuronal (p. ex., receptores de aspartato N-metil-d [NMDAR]) podem mimetizar encefalite viral. Estudos indicam que a encefalite anti-NMDAR é mais comum do que as encefalites virais. A encefalite anti-NMDAR foi descrita pela primeira vez em mulheres jovens com teratomas ovarianos, mas pode ocorrer em ambos os sexos e em qualquer idade. A encefalite anti-NMDAR também ocorre como uma complicação pós-infecciosa da encefalite por HSV, resultando em declínio clínico semanas após a infecção por HSV.

Referências sobre etiologia

  1. 1. Schwenkenbecher P, Skripuletz T, Lange P, et al; German Network for Research on Autoimmune Encephalitis: Intrathecal antibody production against Epstein-Barr, herpes simplex, and other neurotropic viruses in autoimmune encephalitis. Neurol Neuroimmunol Neuroinflamm 8(6):e1062, 2021. doi: 10.1212/NXI.0000000000001062

  2. 2. Meinhardt J, Streit S, Dittmayer C, et al: The neurobiology of SARS-CoV-2 infection. Nat Rev Neurosci 25(1):30-42, 2024. doi: 10.1038/s41583-023-00769-8

Fisiopatologia da encefalite

Na encefalite aguda, inflamação e edema ocorrem nas áreas infectadas ao longo de todos os hemisférios cerebrais, tronco encefálico, cerebelo e, ocasionalmente, medula. Hemorragias petequiais podem estar presentes em infecções graves. A invasão viral direta do cérebro geralmente danifica os neurônios, às vezes produzindo corpos de inclusão microscopicamente visíveis, e desencadeia inflamação que pode persistir depois da eliminação do vírus (1). Infecção grave, particularmente encefalite por vírus herpes simples (HSV) não tratada, pode causar necrose hemorrágica cerebral.

A encefalomielite disseminada aguda caracteriza-se por áreas multifocais de desmielinização perivenosa e ausência do vírus no encéfalo.

Referência sobre fisiopatologia

  1. 1. Godinho-Silva C, Cardoso F, Veiga-Fernandes H: Neuro-immune cell units: A new paradigm in physiology. Annu Rev Immunol 237:19-46, 2019. doi: 10.1146/annurev-immunol-042718-041812

Sinais e sintomas da encefalite

Os sintomas da encefalite incluem febre, cefaleia e estado mental alterado, frequentemente acompanhados por crises epilépticas e deficits neurológicos focais. Um pródromo gastrointestinal (GI) ou respiratório pode preceder esses sintomas. Os sinais meníngeos são geralmente brandos e menos evidentes que outras manifestações.

O estado epiléptico, em particular o convulsivo, ou coma, sugerem inflamação cerebral grave e prognóstico desfavorável.

As crises olfatórias, manifestadas com uma aura de mau cheiro (ovos podres, carne queimada), indicam envolvimento do lobo temporal e sugerem encefalite por HSV.

Diagnóstico da encefalite

  • RM

  • Análise do líquido cefalorraquidiano (LCR)

Há suspeita de encefalite em pacientes com alterações inexplicáveis do estado mental. A apresentação clínica e o diagnóstico diferencial podem sugerir certos testes diagnósticos, mas geralmente realizam-se RM e análise do líquido cefalorraquidiano (incluindo PCR [polymerase chainreaction] para HSV e outros vírus), tipicamente com outros testes (p. ex., testes sorológicos) para identificar o agente viral. Apesar de testes extensivos, a causa de muitos casos das encefalites permanece desconhecida.

Deve-se considerar a encefalite por citomegalovírus em pacientes com HIV/aids ou outras doenças imunossupressoras, podendo ser diagnosticada por PCR.

RM

A RM com contraste é sensível para detecção precoce de encefalite por HSV, mostrando edema nas áreas orbitofrontal e temporal, habitualmente infectadas por esse vírus. A RM mostra desmielinização em leucoencefalopatia progressiva, podendo mostrar também anormalidades talâmicas e de gânglios da base na encefalite pelo vírus do Nilo ocidental e encefalite equina oriental. A RM também pode excluir lesões que simulam encefalite viral (p. ex., abscesso cerebral, trombose do seio sagital).

A TC é muito menos sensível que a RM para o HSV, mas pode ser útil, pois tem imediata disponibilidade e pode excluir distúrbios que tornam perigosa a punção lombar (p. ex., lesões expansivas, hidrocefalia, edema cerebral).

Exame de líquido cefalorraquidiano

Realiza-se punção lombar (punção espinhal) (1, 2). Quando há encefalite, o líquido cefalorraquidiano caracteriza-se por pleocitose linfocítica, taxa normal de glicose e elevação discreta da taxa de proteína, bem como ausência de patógenos após a coloração de Gram e cultura (similar ao líquido cefalorraquidiano na meningite asséptica). Pleocitose pode ser polimorfonuclear em infecções graves. As alterações liquóricas podem não ocorrer até 8 a 24 horas após o início dos sintomas. A necrose hemorrágica pode promover a introdução de muitos eritrócitos no líquido cefalorraquidiano e elevar o nível de proteínas. Os níveis de glicose no líquido cefalorraquidiano podem ser baixos quando a causa é o vírus varicela-zóster, caxumba ou vírus da coriomeningite linfocítica.

Deve-se enviar as amostras de LCR para identificação viral utilizando PCR ou, em casos suspeitos de infecção por arbovírus, detecção de anticorpos antivirais no LCR. PCR do LCR é o teste diagnóstico de escolha para HSV-1, HSV-2, vírus da varicela-zóster, citomegalovírus, enterovírus e vírus JC. PCR para HSV no líquido cefalorraquidiano é especialmente sensível e específica. Mas os resultados podem não estar disponíveis rapidamente e, apesar dos avanços tecnológicos, podem ainda ocorrer resultados falso-positivos e falso-negativos por causa de várias condições; nem todas são falhas técnicas (p. ex., punção traumática do líquido cefalorraquidiano com presença de sangue pode inibir a etapa de amplificação da PCR). Resultados falso-negativos podem ocorrer precocemente na encefalite por HSV-1; se houver suspeita de um resultado falso-negativo com base nos achados clínicos, deve-se repetir os testes em 48 a 72 horas. Um processo de PCR multiplex recém-desenvolvido, que pode detectar múltiplos agentes virais e outros agentes infecciosos simultaneamente, fornece informações diagnósticas em poucas horas. Os resultados da PCR multiplex talvez precisem ser confirmados pela PCR convencional.

As culturas virais possibilitam a replicação de enterovírus, mas não da maioria dos outros vírus. Por essa razão, culturas virais do líquido cefalorraquidiano foram substituídas por PCR e raramente são utilizadas no diagnóstico.

Os títulos de IgM geralmente são úteis para diagnosticar infecção aguda, principalmente na encefalite do Nilo ocidental, para a qual são mais confiáveis do que a PCR. Os títulos de IgG e IgM no LCR podem ser mais sensíveis do que PCR para encefalite devido à infecção pelo vírus varicela-zoster reativado. Testes sorológicos pareados de líquido cefalorraquidiano e sangue na fase aguda e de convalescença devem ser realizados após algumas semanas; estes podem detectar aumento nos títulos de vírus específicos para determinadas infecções virais.

Biópsia encefálica

Pode-se indicar biópsia do cérebro para alguns pacientes que

  • Estão piorando

  • Estão respondendo mal ao tratamento com aciclovir ou outro antimicrobiano

  • Têm lesão que ainda não foi diagnosticada

Mas o resultado da biópsia cerebral não é adequado, a menos que seja direcionada para uma anormalidade vista na RM ou TC.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Venkatesan AR, Tunkel KC, Bloch AS, et al: Case definitions, diagnostic algorithms, and priorities in encephalitis: Consensus statement of the International Encephalitis Consortium. Clin Infect Dis 57(8):1114–1128, 2013. doi.org/10.1093/cid/cit458

  2. 2. Funk S, Knapp JK, Lebo E, et al: Combining serological and contact data to derive target immunity levels for achieving and maintaining measles elimination. BMC Med 17(1):180, 2109. doi: 10.1186/s12916-019-1413-7

Tratamento da encefalite

  • Cuidados de suporte

  • Aciclovir para encefalite por HSV ou varicela por vírus-zóster

O tratamento de suporte da encefalite é feito pelo tratamento da febre, desidratação, distúrbios eletrolíticos e convulsões. Deve ser mantida a euvolemia.

Como a identificação rápida do vírus do HSV ou varicela-zóster por PCR é difícil, o tratamento não deve ser postergado aguardando confirmação dos testes. Até que encefalite por HSV e a encefalite pelo vírus da varicela sejam excluídas, deve-se administrar prontamente aciclovir intravenoso e mantê-lo por 14 dias ou até a infecção por esses vírus ser excluída. O aciclovir é relativamente atóxico, mas pode causar disfunções hepáticas, supressão da medula óssea e insuficiência renal transitória. A administração IV lenta de aciclovir por 1 hora com hidratação adequada ajuda a prevenir a nefrotoxicidade. Se há suspeita de citomegalovírus (p. ex., em pacientes imunocomprometidos), geralmente realiza-se um exame de PCR antes do início do tratamento. Pode-se tratar a encefalite por citomegalovírus com ganciclovir e/ou outros antivirais.

Como uma infecção bacteriana do sistema nervoso central é muitas vezes difícil de excluir quando os pacientes que parecem gravemente enfermos se apresentam, antibióticos empíricos são frequentemente administrados até a meningite bacteriana ser excluída.

Se os médicos suspeitarem que a encefalite é causada por uma reação imunológica [p. ex., encefalomielite disseminada aguda (encefalomielite pós-infecção)], deve-se iniciar o tratamento imediatamente; este pode incluir corticoides (prednisona ou metilprednisolona) e troca plasmática ou imunoglobulina IV.

Prognóstico da encefalite

A recuperação da encefalite viral pode demorar muito tempo. A taxa de mortalidade varia com a causa, mas a gravidade da epidemia decorrente do mesmo vírus varia ao longo dos anos. Há maior probabilidade de ocorrer deficits neurológicos permanentes em pacientes que sobrevivem à infecção grave. Os pacientes também podem desenvolver comprometimento da memória pós-viral (1).

Referência sobre prognóstico

  1. 1. Kvam KA, Stahl JP, Chow FC, et al: Outcome and sequelae of infectious encephalitis. J Clin Neurol 20(1):23-36, 2024. doi: 10.3988/jcn.2023.0240

Pontos-chave

  • Os vírus que causam infecções epidêmicas ou esporádicas podem invadir e infectar o parênquima cerebral (causando encefalite) e/ou desencadear desmielinização inflamatória pós-infecciosa (encefalomielite disseminada aguda).

  • A encefalite causa febre, cefaleia e estado mental alterado, com frequência acompanhado por crises epilépticas e deficits neurológicos focais.

  • Fazer RM com contraste e exame do líquido cefalorraquidiano.

  • Até que encefalite por HSV e varicela por vírus-zóster sejam excluídas, tratar prontamente com aciclovir e normalmente continuar por 14 dias ou até a infecção por esses vírus ser excluída.

  • Tratar a encefalite por causa de reação imunológica com corticoides e troca plasmática ou imunoglobulina IV.

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