Doenças sistêmicas e a boca

PorRosalyn Sulyanto, DMD, MS, Boston Children's Hospital
Revisado/Corrigido: abr. 2024
Visão Educação para o paciente

Sinais sugestivos de doença sistêmica podem ser encontrados na boca e estruturas adjacentes (ver Introdução ao paciente odontológico e tabela Achados orais nas doenças sistêmicas). O dentista deve consultar um médico quando há suspeita de distúrbio sistêmico, quando o paciente está tomando certos medicamentos (p. ex., varfarina, bisfosfonatos) e quando a capacidade do paciente de suportar anestesia geral ou cirurgia oral extensa deve ser avaliada.

Pacientes com determinadas doenças cardíacas podem exigir profilaxia com antibióticos para ajudar a prevenir a endocardite bacteriana antes de serem submetidos a certos procedimentos dentários (ver tabela Procedimentos que requerem profilaxia antimicrobiana para endocardite em pacientes de alto risco nos Estados Unidos e ver também a tabela Profilaxia recomendada para endocardite durante procedimentos orais-odontológicos ou no trato respiratório).

Tabela
Tabela

Assistência odontológica em pacientes com distúrbios sistêmicos

Algumas condições médicas (e seus tratamentos) predispõem os pacientes a problemas dentais ou afetam sua assistência odontológica.

Doenças hematológicas

Pessoas com distúrbios que interferem na coagulação sanguínea (p. ex., hemofilia, leucemia aguda, trombocitopenia) requerem consulta médica antes de serem submetidos aos procedimentos dentais que podem causar sangramentos (p. ex., extração, bloqueio mandibular, limpeza dentária). Pacientes com hemofilia devem receber fatores de coagulação antes, durante e após uma extração e odontologia restauradora que exige anestesia local (p. ex., obturações). A maioria dos hematologistas prefere que os pacientes com hemofilia, especialmente aqueles que desenvolveram inibidores de fator, recebam anestésicos locais infiltrativos em vez de bloqueios para odontologia restauradora.

A odontologia restauradora pode ser concluída em um consultório odontológico após consulta com um hematologista; mas se o paciente tiver deficiência do fator VIII, a odontologia deve ser feita em um hospital sob anestesia geral. A cirurgia oral deve ser feita em ambiente hospitalar e com um hematologista. Todos os pacientes com distúrbios da coagulação devem manter rotina rigorosa de consultas odontológicas, que devem incluir profilaxia oral, restaurações, aplicação tópica de flúor e selantes preventivos, para evitar a necessidade de extrações.

Doenças cardiovasculares

Após infarto do miocárdio, se possível, deve-se evitar os procedimentos dentais por 6 meses para permitir que o miocárdio comprometido se torne menos lábil eletricamente. Pacientes com doença pulmonar ou cardíaca, que requerem anestesia inalatória para procedimentos dentais, devem ser hospitalizados.

Profilaxia para endocardite é necessária antes de procedimentos dentais apenas em pacientes com

  • Valvas cardíacas protéticas ou material protético utilizados para o reparo da valva cardíaca

  • História prévia de endocardite bacteriana

  • Doença cardíaca cianótica não corrigida, como derivações e condutos paliativos

  • Cardiopatia congênita completamente reparada com material ou dispositivo protético (por 6 meses após o procedimento)

  • Cardiopatia congênita reparada com defeitos residuais no local ou adjacente ao local do reparo ou dispositivo protético

  • Transplante cardíaco, se o receptor tiver valvulopatia

O coração é mais bem protegido contra bacteremias de baixo grau, que ocorrem em distúrbios dentais crônicos, quando o tratamento dental é realizado (com profilaxia), do que quando não é realizado. Pacientes submetidos às cirurgias valvares cardíacas ou correção de cardiopatias congênitas devem ter quaisquer tratamentos dentais completos antes da cirurgia.

Apesar de provavelmente representar um benefício parcial, a profilaxia antibiótica é, às vezes, recomendada para pacientes com fístulas para hemodiálise e pacientes nos primeiros 2 anos de cirurgia para implantação de próteses articulares maiores (quadril, joelho, ombro, cotovelo). Os microrganismos que provocam infecção nesses locais são quase sempre de origem dermatológica, em vez de oral.

Fármacos adrenérgicos como a adrenalina e a levonordefrina são acrescentados aos anestésicos locais para aumentar a duração da anestesia. Em alguns pacientes com distúrbios cardiovasculares, esses fármacos em excesso causam arritmia, isquemia miocárdica ou hipertensão. Anestésicos sem vasoconstritor podem ser utilizados se o procedimento requerer < 45 minutos, mas em procedimentos mais demorados, ou quando há necessidade de hemostasia, até 0,04 mg de adrenalina (2 cartuchos dentais com adrenalina a 1:100.000) é considerado seguro. Em geral, nenhum paciente saudável deve receber mais de > 0,2 mg de adrenalina em um procedimento. As contraindicações absolutas à adrenalina (qualquer dose) são hipertireoidismo descompensado; feocromocitoma; pressão arterial sistólica > 200 mmHg ou diastólica > 115 mmHg; arritmias descompensadas, apesar do tratamento farmacológico; e angina instável, infarto do miocárdio ou acidente vascular encefálico nos últimos 6 meses.

Alguns equipamentos dentais elétricos, como eletrocautério cirúrgico, vitalômetro ou cureta ultrassônica, podem interferir em marca-passos mais antigos.

Câncer

A extração de um dente adjacente a um carcinoma de gengiva, palato ou seio maxilar facilita a invasão do alvéolo dentário pelo tumor. Assim, o dente deve ser extraído apenas durante o curso do tratamento definitivo do tumor. Em pacientes com leucemia ou agranulocitose, infecção pode suceder extração, apesar do uso de antibióticos.

Imunossupressão

Pessoas com distúrbios de imunidade são propensas às infecções mucosas ou periodontais graves, por fungos, herpes e outros vírus, e, menos comumente, bactérias. As infecções podem provocar hemorragia, cicatrização deficiente ou sepse. Lesões orais displásicas ou neoplásicas podem se desenvolver após alguns anos de imunossupressão. Pacientes com aids podem desenvolver sarcoma de Kaposi, linfoma não Hodgkin, leucoplaquia oral pilosa, candidíase, úlceras aftosas ou forma rapidamente progressiva de doença periodontal, periodontite associada a HIV.

Distúrbios endócrinos

O tratamento dental pode ser complicado em algumas doenças endocrinológicas. Por exemplo, pessoas com hipertireoidismo podem desenvolver taquicardia e ansiedade excessiva, e até tireotoxicose se receberem adrenalina. A necessidade de insulina pode estar diminuída durante o tratamento de infecção oral em diabéticos; a dose de insulina pode requerer redução se há limitação do aporta calórico em decorrência de dor pós-cirurgia oral. Em diabéticos, a hiperglicemia, com consequente poliúria pode ocasionar desidratação, resultando em diminuição do fluxo salivar (xerostomia), a qual, juntamente com elevação do açúcar da saliva, contribui para a formação de cárie.

Pacientes fazendo uso de corticoides e aqueles com insuficiência adrenocortical podem necessitar de corticoterapia suplementar durante procedimentos odontológicos maiores. Pacientes com síndrome de Cushing ou que tomam corticoides podem apresentar perda de osso alveolar, atraso na cicatrização de feridas e aumento da fragilidade capilar.

Distúrbios neurológicos

Pacientes com convulsão que requerem aparelhos ou próteses dentais devem fazer uso de aparatos não removíveis, para que não sejam engolidos ou aspirados. Pacientes incapazes de escovar os dentes ou utilizar eficazmente fio dental podem utilizar enxagues de clorexidina a 0,12% pela manhã e à noite. Em muitos países além dos Estados Unidos, a clorexidina está disponível em 0,2%. Mas essa maior potência não demonstrou ser mais eficaz para a saúde da gengiva e pode provocar aumento de manchas nos dentes.

Apneia obstrutiva do sono

Pacientes com apneia obstrutiva do sono incapazes de tolerar o tratamento com aparelho de pressão aérea positiva (CPAP) contínua ou de dois níveis (BiPAP) são eventualmente tratados com aparelhos intraorais que expandem a orofaringe. Esse tratamento não é tão efetivo quanto o pressão positiva contínua das vias respiratórias, porém mais pacientes o toleram.

Medicamentos

Alguns medicamentos, como corticoides, imunossupressores e antineoplásicos comprometem a cicatrização e a defesa do paciente. Quando possível, procedimentos dentais devem ser evitados durante o uso desses medicamentos.

Muitos medicamentos causam boca seca (xerostomia), que é um problema significativo de saúde, especialmente em pacientes geriátricos. Fármacos causadores muitas vezes têm efeitos anticolinérgicos e incluem certos antidepressivos, antipsicóticos, diuréticos, anti-hipertensivos, ansiolíticos e sedativos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), anti-histamínicos e analgésicos opioides.

Alguns antineoplásicos (p. ex., doxorrubicina, 5-fluoruracila, bleomicina, dactinomicina, citosina, arabinosídeo, metotrexato) causam estomatite, que é pior em pacientes com doença periodontal preexistente. Antes da prescrição de tais fármacos, a profilaxia oral deve ser feita e os pacientes orientados quanto à correta escovação dos dentes e uso do fio dental.

Medicamentos que interferem na coagulação podem precisar ser reduzidas ou suspensas antes de cirurgias orais. Pacientes que estão tomando AAS, AINEs ou clopidogrel devem suspender seu uso 4 dias antes de serem submetidos à cirurgia oral e retomá-los depois que cessarem os sangramentos. A maioria dos pacientes que tomam anticoagulantes orais com RNI (razão normalizada internacional) estável < 4 não precisa interromper o medicamento antes da cirurgia dental ambulatorial (incluindo extração) porque o risco de sangramento significativo é muito pequeno e o risco de trombose pode aumentar quando anticoagulantes orais são interrompidos temporariamente. Para pacientes em curso de hemodiálise, o procedimento deve ser realizado no dia seguinte à diálise, quando a heparinização houver cessado.

Fenitoína, ciclosporina e bloqueadores de canal de cálcio, particularmente nifedipina, contribuem para a hiperplasia gengival. Hiperplasia gengival se desenvolve em cerca de 50% dos pacientes que tomam fenitoína e em 25% dos pacientes que tomam ciclosporina ou um bloqueador dos canais de cálcio. Mas a hiperplasia é minimizada com higiene bucal excelente e limpezas frequentes por um dentista.

Os bifosfonatos podem resultar em osteonecrose da mandíbula relacionada a medicamentos (ONM) após extração. A osteonecrose da mandíbula ocorre principalmente quando bisfosfonatos são administrados por via parenteral para tratar câncer ósseo e, em um grau muito menor, quando são tomados por via oral para prevenir osteoporose (risco de osteonecrose da mandíbula cerca de 0,1%). Práticas rigorosas de higiene bucal e cuidados dentários regulares podem ajudar a reduzir o risco de ONM, mas não existem técnicas validadas para determinar quem está em risco de desenvolver ONM relacionada a medicamentos. Interromper a terapia com bisfosfonatos pode não reduzir o risco e pode aumentar a taxa de perda óssea em pessoas submetidas a tratamento contra osteoporose.

Radioterapia

Extração dos dentes de tecidos irradiados (sobretudo se a dose total foi > 65 Gy, especialmente na mandíbula) pode ser seguida de osteorradionecrose da mandíbula; portanto, deve ser evitada. Isso é uma complicação catastrófica em que os locais de extração se rompem, frequentemente danificando ossos e tecidos moles. Para ajudar a evitar essa potencial complicação, os pacientes devem realizar qualquer tratamento dentário necessário antes de serem submetidos à radioterapia da região de cabeça e pescoço, alocando tempo para cicatrização. Os dentes que podem não suportar a radiação devem ser removidos. Deve-se aplicar selantes e flúor quando necessário. Após a radioterapia, se possível, deve-se evitar a extração dentária, fazendo uso de restaurações dentais. Às vezes, realiza-se o tratamento endodôntico e o dente é reduzido à linha gengival para prevenir a atrofia óssea. Se a extração se faz necessária após a irradiação, 10 a 20 sessões em câmara hiperbárica de oxigênio podem postergar ou até prevenir a osteorradionecrose.

Dicas e conselhos

  • Às vezes, ocorre osteorradionecrose da mandíbula após extração de dentes dos tecidos irradiados (sobretudo se a dose total foi > 65 Gy, especialmente na mandíbula). Nessa complicação catastrófica, os locais de extração dentária se rompem, frequentemente danificando ossos e tecidos moles. Para evitar essa complicação devastadora, realizar qualquer procedimento odontológico necessário antes de o paciente ser submetido à radioterapia.

A irradiação da região de cabeça e pescoço muitas vezes prejudica as glândulas salivares, causando xerostomia permanente, o que estimula a formação de cáries. Os pacientes devem, portanto, proceder higiene oral rigorosa, a vida toda. O flúor em gel e como enxaguatório deve ser utilizado diariamente. Bochechos com clorexidina a 0,12% por 30 a 60 segundos podem ser realizados pela manhã e à noite, se tolerados. Lidocaína em gel pode permitir que os pacientes com sensibilidade da mucosa oral escovem os dentes, usem o fio dental e até mesmo alimentem-se.

Uma visita ao dentista deve acontecer a cada 3, 4 ou 6 meses, a depender dos achados da última consulta. O tecido irradiado subjacente às próteses está passível de lesão, assim, as próteses devem ser avaliadas e ajustadas sempre que houver desconforto do paciente. Cáries em estágio precoce também podem ser revertidas com uso de fosfopeptídeos de cálcio e fosfato de cálcio amorfo, que podem ser aplicados por um dentista ou prescritos ao paciente para uso domiciliar.

Os pacientes submetidos à radioterapia podem desenvolver inflamação da mucosa oral e diminuição do paladar, bem como trismo decorrente da fibrose dos músculos mastigatórios. O trismo pode ser minimizado por exercícios como abertura ampla e fechamento da boca com 20 repetições, 3 a 4 vezes/dia.

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