Cárie

PorBernard J. Hennessy, DDS, Texas A&M University, College of Dentistry
Revisado/Corrigido: jan. 2023
Visão Educação para o paciente

É a deterioração dos dentes, comumente chamada cavitação dental. Os sintomas — dentes sensíveis, doloridos — aparecem tardiamente. O diagnóstico baseia-se em inspeção, exploração da superfície do esmalte dental com um instrumento metálico fino e radiografias dentais. O tratamento envolve a remoção das estruturas afetadas dos dentes e sua restauração com uma variedade de materiais. Flúor, higiene oral regrada, selantes e dieta adequada podem prevenir quase todas as cáries.

Etiologia da cárie

A cárie é causada por ácidos produzidos pelas bactérias da placa dental. A placa é, inicialmente, um fino e macio filme de bactérias, mucina, tecido epitelial desvitalizado, e restos alimentares, que se desenvolve na superfície dental em cerca de 24 horas após a limpeza dos dentes. Espécie Streptococcus mutans é um grupo de bactérias relacionadas que crescem na placa dental e podem provocar cárie. Algumas cepas são mais cariogênicas que outras. Por fim (quase sempre após 72 horas), a placa macia sofre mineralização, sobretudo com cálcio, fosfato e outros elementos, se tornando um cálculo (placa dura ou tártaro), que não pode ser facilmente removido com a escovação.

Fatores de risco

Há muitos fatores de risco de a cárie:

  • Controle inadequado de placas

  • Malformações dentais

  • Dieta, especialmente consumo dietético de carboidratos e açúcares

  • Ambiente acidófilo e/ou com baixo flúor

  • As características da saliva, incluindo diminuição do fluxo de saliva (p. ex., devido a fármacos, radioterapia, doenças sistêmicas que causam disfunção da glândula salivar) e capacidade de tamponamento e pH

  • Fatores genéticos hereditários

Muitos dentes apresentam cavidades, fissuras e sulcos abertos no esmalte, que podem se estender da superfície à dentina (ver figura Tipos de cáries). Esses defeitos podem ser largos o suficiente para abrigar bactérias, mas muito estreitos para serem limpos efetivamente. Eles predispõem os dentes às cáries.

Exposição dietética frequente a carboidratos e açúcares promove o crescimento de bactérias formadoras de placas. O desenvolvimento de cáries graves cedo na infância nos dentes decíduos sugerem contato prolongado com fórmulas infantis, leite ou suco, tipicamente quando o lactente é colocado para dormir com uma mamadeira (cárie do lactente ou da mamadeira). Sendo assim, as mamadeiras utilizadas ao deitar devem conter apenas água.

A superfície dental é mais suscetível a cáries quando é pobremente calcificada, tem baixa exposição de flúor e/ou se encontra em um ambiente acidófilo. Em geral, a descalcificação começa quando o pH do dente cai abaixo de 5,5 (quando bactérias produtoras de ácido láctico colonizam a área ou quando as pessoas tomam refrigerantes, isotônicos ou energéticos, que costumam ter pH < 5,5).

Os idosos frequentemente fazem uso de fármacos que reduzem o fluxo salivar, predispondo a cáries. Essa população tem também incidência maior de cáries radiculares em razão da retração gengival, expondo as superfícies das raízes dentais, e da diminuição da destreza manual dos idosos (resultando em higiene bucal ineficaz).

Tipos de cavidades

Complicações

Cáries não tratadas provocam destruição dental, infecções e necessidade de extração e adaptação de próteses. A perda prematura de dentes decíduos pode desalinhar os dentes adjacentes, retardando a erupção dos sucessores permanentes.

Referência geral

  1. Wong A, Subar PE, Young DA: Dental caries: An update on dental trends and therapy. Adv Pediatr 64(1):307-330, 2017. doi: 10.1016/j.yapd.2017.03.011

Sinais e sintomas da cárie

A cárie, no início, envolve apenas o esmalte dental, sem causar sintomas. Cáries que invadem a dentina ocasionam dor, primeiro quando bebidas ou alimentos quentes, frios ou doces entram em contato com o dente envolvido, e mais tarde durante a mastigação ou percussão. A dor pode ser intensa e persistente quando a polpa está seriamente envolvida (gengivite).

Diagnóstico das cáries

  • Inspeção direta

  • Eventualmente, uso de radiografias ou instrumentos especiais de exame

A avaliação clínica de rotina frequente (a cada 3 a 12 meses dependendo do risco de cáries do paciente segundo o dentista) identifica cáries iniciais em um momento em que uma intervenção mínima evita sua progressão. Utiliza-se sonda fina, algumas vezes corantes especiais e a transiluminação por fibra óptica, embora em casos raros estes sejam suplementados por aparelhos modernos que detectam cáries por alterações na condutividade elétrica, refletividade do laser ou transiluminação (incluindo o uso de aparelhos de fototerapia com infravermelho próximo). Entretanto, as radiografias ainda são importantes para detecção das cáries, a determinação da profundidade do comprometimento do dente e a identificação das cáries subjacentes às restaurações existentes.

Tratamento das cáries

  • Terapia restauradora

  • Às vezes, tratamento de canal e instalação de coroa

Remineralização dos dentes

Em geral, tenta-se a remineralização dos dentes com cáries incipientes (restritas ao esmalte) por meio de melhores cuidados pessoais (escovação e uso de fio dental), limpezas, prescrição de pastas de dentes com alto teor de flúor e múltiplas aplicações de flúor em consultório odontológico. Outros produtos tópicos utilizados para a remineralização contêm cálcio e fosfatos, mas são menos eficazes na remineralização de cáries do que o flúor. O diammino fluoreto de prata (SDF), comercialmente disponível nos Estados Unidos desde 2015, pode interromper e remineralizar lesões de cáries. Entretanto, como o SDF mancha permanentemente a cárie, é aplicado principalmente em dentes decíduos.

Restauração dos dentes

O tratamento primário das cáries que envolveram a dentina é a sua remoção por meio de broqueamento, seguido de preenchimento do defeito resultante.

As restaurações das superfícies oclusais de dentes posteriores, que lidam com o peso da mastigação, devem ser compostas de materiais fortes, incluindo

  • Amálgama de prata

  • Resinas compostas

O amálgama de prata combina prata, mercúrio, cobre, estanho e, ocasionalmente, zinco, paládio ou índio. O amálgama não é caro e dura, em média, 14 anos. Entretanto, se a higiene oral é boa e se o amálgama foi aplicado utilizando isolamento de borracha contra a saliva, muitas restaurações de amálgama duram > 40 anos. Amálgama é um material altamente durável com índices anuais de insucesso inferiores aos das resinas compostas; portanto, restaurações de amálgama duram mais tempo e são mais resistentes a cáries secundárias do que as restaurações com resinas compostas (1).

O uso de amálgama está diminuindo por duas razões principais:

  • Os resultados não são tão esteticamente agradáveis quanto aqueles alcançados com compósitos ou ionômeros de vidro.

  • Existem preocupações ambientais quanto à remoção e descarte do material de mercúrio do amálgama.

Apesar de certa preocupação ter sido aventada sobre intoxicação por mercúrio, o número de restaurações de amálgama que a pessoa possui não tem nenhuma relação com seus níveis séricos de mercúrio. Não se recomenda a substituição do amálgama por ser cara, danificar a estrutura do dente e, na verdade, aumentar a exposição do paciente ao mercúrio, exigindo o uso de separadores de amálgama para evitar o descarte desse metal pesado no meio-ambiente. Por causa das preocupações ambientais recentes acerca do descarte do material de mercúrio das restaurações tradicionais, há uma tendência para o uso de materiais dentários que não a amálgama.

Resinas compostas, que têm aparência mais aceitável, são utilizadas há muito tempo em dentes anteriores, nos quais a estética é primordial, e a incidência de forças de mastigação é mínima. Muitos pacientes também as solicitam nos dentes posteriores, onde atualmente costumam ser utilizadas. As resinas compostas de primeira geração submetidas a estresse oclusal elevado, geralmente duram menos da metade do que o amálgama, e tendem a apresentar cáries recorrentes, pois encolhem ao endurecer, e sofrem expansão e contração ao calor e ao frio, mais que os dentes ou outros materiais de obturação. A geração atual dos compostos simula mais de perto a dureza do esmalte, não parece ter a mesma incidência de recidiva de cáries dos materiais mais antigos e também tendem a durar mais. O uso de restaurações com resina composta colada permite maior conservação da estrutura dentária em comparação ao amálgama.

Ionômero de vidro, uma obturação dentária colorida, libera o flúor quando está no lugar, um benefício para pacientes especialmente propensos a cáries dentárias. Ele também é utilizado para restaurar áreas danificadas pela escovação excessivamente zelosa. O Ionômero de vidro não é tão estético quanto um composto e não deve ser utilizado nas superfícies de mastigação porque ele tem alta taxa de desgaste. Materiais de ionômero de vidro modificado por resina também estão disponíveis sento esteticamente melhores que os ionômeros de vidro convencionais.

Se a cavitação deixa muito pouca dentina para suportar uma restauração completa ou parcial, o odontólogo substitui a dentina ausente por cemento, amálgama, compósito ou outros materiais. Às vezes, um pivô deve ser inserido em uma ou mais raízes para suportar um núcleo de ouro, prata ou compósito, substituindo a dentina coronal. Esse procedimento exige restauração do canal radicular, em que uma abertura é feita no dente e a polpa é removida. O sistema de canais radiculares é minuciosamente desbridado, modelado e, então, preenchido com guta-percha. As superfícies externas do dente (o que seria o esmalte) são reduzidas, de forma que a coroa artificial, quase sempre feita de ouro, porcelana, ou ambos, possa ser colocada. As coroas para os dentes anteriores são feitas (ou recobertas) de porcelana ou cerâmica.

Referência sobre tratamento

  1. 1. Moraschini V, Fai CK, Alto RM, et al: Amalgam and resin composite longevity of posterior restorations: A systematic review and meta-analysis. J Dent 43(9):1043-1050, 2015. doi: 10.1016/j.jdent.2015.06.005

Prevenção de cáries

  • Escovação e uso regular de fio dental

  • Fluoração de água, pasta de dentes, ou ambas

  • Profilaxia dental regular

  • Eventualmente, enxaguatórios de clorexidina e aplicações tópicas de flúor

Para a maioria das pessoas, a cárie é evitável. As cavitações se formam primeiramente nos dentes permanentes de adolescentes jovens até o fim da terceira década de vida. Pessoas suscetíveis às cáries caracteristicamente têm pouca exposição ao flúor e flora oral relativamente cariogênica, adquirida de suas mães e pelo contato social.

Manter uma boa higiene bucal é especialmente importante, assim como os fatores alimentares, sobretudo minimizando a ingestão de açúcar e bebidas ácidas e ingerindo uma dieta rica em fontes de cálcio.

A remoção da placa, no mínimo a cada 24 horas, geralmente por meio da escovação e do uso do fio dental, ajuda a prevenir as cáries dentais. O terço gengival do dente é a área mais importante a ser limpa, porém é a área negligenciada com mais frequência. O uso de uma escova de dente elétrica por 2 minutos é excelente, mas o uso de um escova de dente manual macia por 3 a 4 minutos é suficiente. Uso de pasta de dente em excesso, em particular do tipo abrasiva, pode erodir os dentes. O fio dental é posicionado em cada espaço interdental, curvado contra a superfície de cada dente e movido para cima e para baixo 3 vezes, alcançando logo abaixo da margem gengival. Os fios muito finos ou cobertos com cera ou politetraetileno podem ser utilizados para contatos interdentais muito estritos ou margens ásperas de restaurações.

Dentes com flúor incorporado aos seus esmaltes são mais resistentes à descalcificação ácida e recalcificam com mais rapidez quando aumenta o pH. Se a água de consumo não tiver fluoração adequada, a recomendação é fazer suplemento oral de flúor para crianças dos 6 meses até os 16 anos de idade. Não foi demonstrado que os suplementos de flúor para gestantes previnem cáries na prole e, portanto, não são mais recomendados (1).

Suplementos orais para crianças estão disponíveis em cremes dentais, líquidos (para uso em um conta-gotas para lactentes), géis e comprimidos. Os comprimidos devem ser agitados na boca para aumentar a absorção tópica de flúor antes de engolir. Escolher a dose de acordo com a quantidade de flúor presente na água potável e na alimentação, a idade da criança e se a pasta de dente contém flúor e/ou se flúor é aplicado durante o tratamento odontológico. A exposição excessiva ao flúor pode causar fluorose dentária, causando pigmentação leve a grave dos dentes. Pastas de dentes fluoradas também devem ser utilizadas por pessoas de todas as idades. Como crianças jovens podem engolir o creme dental durante a escovação, o que pode levar a fluorose, elas devem utilizar cremes dentais infantis, que contêm quantidades mais baixas de flúor.

A fluoração oferece menos proteção contra cáries em pontos e fissuras que em superfícies lisas. As concavidades e fissuras estreitas e profundas exigem o uso de selantes (materiais de resina que aderem fortemente à superfície do esmalte) para prevenir que os nutrientes entrem em contado com bactérias, reduzindo seu crescimento e a produção de ácido.

Se essas medidas não diminuírem a formação de cárie, terapia mais intensiva é programada para a mudança da flora. Após o tratamento as cáries, cavidades e fissuras, que podem hospedar S. mutans, são fechadas. Esse tratamento é seguido por enxágues bucais com clorexidina a 0,12%, por 60 segundos duas vezes ao dia, durante 2 semanas, o que pode reduzir a quantidade de bactérias cariogênicas na placa e permitir a repopulação com cepas menos cariogênicas do S. mutans. Para encorajar essa população, o xilitol, na forma de doces ou gomas de mascar, é utilizado por 5 minutos, 3 vezes ao dia. Além disso, pode-se prescrever um esquema contendo pasta de dente com alto teor de flúor a 5.000 ppm, ou flúor tópico pode ser aplicado pelo dentista ou utilizado à noite em um molde personalizado. Contudo, os dados relacionados com o uso de clorexidina com o único propósito de prevenir cáries em adultos são inconsistentes.

Para gestantes com história de grandes cáries, a recomendação é de medidas preventivas com foco na melhora da saúde bucal (limitação de alimentos e bebidas açucaradas, escovação duas vezes ao dia com creme dental com flúor, uso diário de fio dental e, ocasionalmente, enxágue bucal sem álcool contendo clorexidina). Se isso não for possível, a mãe pode utilizar xilitol, como já descrito, desde o nascimento da criança até a idade em que a mãe não mais é a fornecedora da alimentação da criança (o modo hipotético de contaminação). As intervenções pré-natais podem reduzir a transferência das bactérias cariogênicas da mãe para o lactente e postergar a formação de cáries na criança.

Para a prevenção de cáries em dentes decíduos (uma vez irrompidos) em crianças, as mamadeiras levadas à cama devem conter apenas água.

Referência sobre prevenção

  1. 1. Richards D: No evidence that fluoride supplements taken during pregnancy prevent caries. Evid Based Dent 19(3):73, 2018. doi: 10.1038/sj.ebd.6401320

Pontos-chave

  • A cárie é causada por ácidos produzidos pelas bactérias da placa dental.

  • Os fatores de risco incluem defeitos dentários pré-existentes, baixo fluxo de saliva, ambiente bucal ácido, exposição frequente a carboidratos e açúcares na dieta e exposição inadequada ao flúor.

  • Pode-se tentar tratar as cáries incipientes restritas ao esmalte com remineralização por meio de melhores cuidados pessoais (escovação e uso de fio dental), limpezas, prescrição de pastas de dentes com alto teor de flúor e múltiplas aplicações de flúor em consultório odontológico.

  • O tratamento das cáries que penetraram na dentina envolvem a perfuração da área cariada e a restauração do defeito com amálgama, resina composta ou ionômero de vidro.

  • A prevenção é feita pela escovação meticulosa regular, uso de fio dental e limpeza profissional; deve haver uma quantidade adequada de flúor na pasta de dente e, a água potável não flor fluorada, como suplemento oral para as crianças.

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