Cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito

(Displasia arritmogênica do ventrículo direito)

PorL. Brent Mitchell, MD, Libin Cardiovascular Institute of Alberta, University of Calgary
Revisado/Corrigido: jun. 2024
Visão Educação para o paciente

A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito (CAVD), também chamada displasia arritmogênica do VD, é uma doença cardíaca genética que afeta principalmente o ventrículo direito, causando taquiarritmias ventriculares e risco aumentado de morte súbita. Os sintomas incluem palpitações, síncope e parada cardíaca e, à medida que a doença piora, manifestações de insuficiência ventricular direita. O diagnóstico inclui ECG, exames de imagem cardíacos e critérios de consenso. O tratamento requer limitação de esforços físicos e, geralmente, um betabloqueador e um cardioversor desfibrilador implantável (CDI).

(Ver também Visão geral das cardiomiopatias arritmogênicas e Visão geral das arritmias.)

Algumas mutações genéticas afetam adversamente a estrutura e função do disco intercalado, a estrutura que conecta os miócitos cardíacos. Mais comumente, as mutações afetam o componente do disco conhecido como desmossoma (junção intercelular adesiva que fixa filamentos intermediários nas membranas celulares). Os desmossomas ajudam a conectar células em tecidos que passam por estresse mecânico, como miócitos cardíacos. As proteínas desmossomais que podem ser afetadas incluem a plaquofilina, a desmoplaína e a desmogleína. Quando anormais, essas proteínas são propensas a lesões por estresse mecânico (p. ex., por aumento da carga de trabalho cardíaco ou por esforço prolongado). A cicatrização da lesão leva à substituição dos miócitos por tecido fibroso, predominantemente no triângulo entre a via de saída do ventrículo direito, a via de entrada do ventrículo direito e o ápice do ventrículo direito, mas às vezes também envolvendo o aspecto posterolateral do ventrículo esquerdo, predominante ou exclusivamente. As manifestações da doença são resultantes tanto de alterações estruturais como eletrofisiológicas, inicialmente se manifestando como batimentos ventriculares prematuros e taquiarritmias ventriculares, mas com o tempo causando anormalidades estruturais do ventrículo direito (p. ex., dilatação e afinamento), resultando em cardiomiopatia congestiva do ventrículo direito. Uma cardiomiopatia ventricular esquerda também pode ocorrer com doença biventricular ou de ventricular esquerda.

Mais comumente, as mutações são herdadas, com um padrão autossômico dominante com penetrância variável; entretanto, conhecem-se mutações autossômicas recessivas. A incidência de CAVD tem variação regional de 1 em 2.000 a 1 em 5.000 (1). Considera-se que o esforço contínuo e intenso (p. ex., por atletismo de resistência) acelera o início e a progressão da doença.

Referência geral

  1. 1. Krahn AD, Wilde AAM, Calkins H, et al. Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy. JACC Clin Electrophysiol 2022;8(4):533-553. doi:10.1016/j.jacep.2021.12.002

Sinais e sintomas da CAVD

Os pacientes podem ser assintomáticos, mas, naqueles inicialmente sintomáticos, geralmente se manifesta com taquicardia ventricular (TV), fibrilação ventricular (FV) ou morte súbita. A CAVD é responsável por aproximadamente 10% das mortes súbitas em adultos jovens (1). As taquiarritmias ventriculares tem maior probabilidade de ocorrer especialmente ao estresse emocional ou físico.

Os pacientes podem ter palpitações ou síncope,

Fibrilação atrial e sinais de insuficiência sistólica ventricular direita e/ou esquerda geralmente são manifestações de doença avançada.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Krahn AD, Wilde AAM, Calkins H, et al. Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy. JACC Clin Electrophysiol 2022;8(4):533-553. doi:10.1016/j.jacep.2021.12.002

Diagnóstico da CAVD

  • ECG

  • Às vezes, ECG com média de sinal

  • Testes de imagem cardíacos (p. ex., ecocardiografia, ressonância magnética do coração, angiografia ventricular direita)

  • Às vezes, biópsia do ventrículo direito

  • Exame genético

  • Triagem dos familiares de primeiro grau

O diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito é difícil na ausência de disfunção sistólica do ventrículo direito avançada, levando a um histórico sub-reconhecimento da doença. Deve-se suspeitar de CAVD em pacientes, particularmente nos jovens, com palpitações, síncope cardíaca, taquiarritmias ventriculares documentadas ou reanimação de parada cardíaca inexplicável na ausência de doença cardíaca estrutural clinicamente evidente.

Em geral, inicialmente suspeita-se do diagnóstico de CAVD ao reconhecer que as arritmias ventriculares do paciente têm origem no ventrículo direito, normalmente indicadas por um complexo QRS em forma de bloqueio de ramo esquerdo com um eixo no plano frontal superior (este último ajuda a diferenciar a CAVD da taquicardia ventricular idiopática do trato de saída do ventrículo direito, que é mais benigna e geralmente tem um eixo QRS no plano frontal inferior).

A avaliação inicial dos pacientes com suspeita de cardiomiopatia arritmogênica inclui história, história familiar, ECG, ecocardiografia bidimensional e RM cardíaca. Se não foi evidenciada qualquer arritmia ventricular espontânea, podem ser necessários testes de esforço, monitoramento ambulatorial por ECG e/ou teste eletrofisiológico. Se o diagnóstico permanece duvidoso, outros testes podem incluir ECG com sinal médio, testes eletrofisiológicos e biópsia do endomiocárdio ventricular direito (1). A angiografia ventricular direita não é feita rotineiramente, mas, se realizada, pode revelar anormalidades estruturais características e também possibilitar uma biópsia do ventrículo direito; entretanto, os achados da biópsia costumam ser inespecíficos e a biópsia é raramente realizada.

Como nenhum teste único é diagnóstico, uma força tarefa internacional propôs critérios diagnósticos maiores e menores (2). Os critérios são

  • Evidências de doença do ventrículo direito em exames de imagem

  • Biópsia do ventrículo direito mostrando substituição dos miócitos por tecido fibroso, tecido adiposo ou ambos

  • Alterações na repolarização do ECG, como inversão da onda T precordial direita

  • Alterações na despolarização do ECG, como ondas épsilon precordiais direitas

  • ECG de sinal médio mostrando potenciais tardios

  • Arritmias ventriculares documentadas que se originam do ventrículo direito

  • História familiar de CAVD ou morte súbita

  • Identificação de uma mutação genética associada à CAVD

As principais entidades a considerar no diagnóstico diferencial são sarcoidose cardíaca, síndrome do coração de atleta, miocardite, e TV de saída de ventrículo direito idiopática.

Testes genéticos costumam ser feitos em pacientes com suspeita de CAVD. O rendimento dos testes é de cerca de 50% quando os critérios da força tarefa são atendidos (3).

Familiares de primeiro grau dos pacientes têm risco significativo de ter a doença. A partir dos 10 a 12 anos de idade e a cada 1 a 3 anos a partir de então, eles devem passar por avaliação clínica (isto é, para detectar sintomas sugestivos de arritmia), ECG, monitoramento ambulatorial por ECG e ecocardiografia. Realizam-se testes genéticos se o caso índice tem uma mutação identificada. Familiares sem a mutação índice são, então, liberados de testes de seguimento.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Towbin JA, McKenna WJ, Abrams DJ, et al: 2019 HRS expert consensus statement on evaluation, risk stratification, and management of arrhythmogenic cardiomyopathy. Heart Rhythm 16(11):e301–e372, 2019. doi:10.1016/j.hrthm.2019.05.007

  2. 2. Corrado D, Anastasakis A, Basso C, et al: Proposed diagnostic criteria for arrhythmogenic cardiomyopathy: European Task Force consensus report. Int J Cardiol 395:131447, 2024. doi:10.1016/j.ijcard.2023.131447

  3. 3. Ackerman MJ, Priori SG, Willems S, et al: HRS/EHRA expert consensus statement on the state of genetic testing for the channelopathies and cardiomyopathies this document was developed as a partnership between the Heart Rhythm Society (HRS) and the European Heart Rhythm Association (EHRA). Heart Rhythm 8(8):1308–1339, 2011. doi:10.1016/j.hrthm.2011.05.020

Tratamento da CAVD

  • Moderação da atividade física

  • Muitas vezes, cardioversor desfibrilador implantável (CDI)

  • Geralmente um betabloqueador

  • Às vezes, antiarrítmicos (particularmente sotalol ou amiodarona)

  • Tratamento para a insuficiência cardíaca (incluindo transplante) conforme necessário

O tratamento da CAVD é voltado à prevenção da morte súbita e de taquiarritmias ventriculares sintomáticas.

Os pacientes devem evitar o atletismo de resistência porque essas atividades promovem a progressão da doença e a ocorrência de arritmias potencialmente fatais. Esses riscos são maiores em homens e em pacientes com doença mais avançada (como evidenciado por critérios adicionais da força tarefa) (1).

O risco em 5 anos de um primeiro episódio de arritmia com risco de vida varia de aproximadamente 2% a 50%, conforme idade, sexo, síncope cardíaca ocorrida dentro de 1 ano após o diagnóstico, a TV não sustentada, frequência de batimentos ventriculares prematuros, extensão da inversão da onda T e fração de ejeção do ventrículo direito. Uma calculadora de risco on-line para pacientes que ainda não tiveram arritmia com risco de vida está disponível (https://www.ARVCrisk.com).

A prevenção da morte súbita é feita com um CDI (ver também tabela Indicações para um CDI). Um CDI é recomendado para pacientes com CAVD e os seguintes (1):

  • Parada cardíaca reanimada

  • TV prévia sustentada com instabilidade hemodinâmica

  • Disfunção sistólica grave do ventrículo direito (ou esquerdo)

  • Possivelmente TV prévia sustentada sem instabilidade hemodinâmica (indicação de classe IIa)

  • Possivelmente, suspeita de síncope devida à arritmia ventricular (indicação de classe IIa)

  • Possivelmente várias combinações de fatores de risco maiores e menores para arritmia ventricular (indicações de classe IIa e classe IIb)

Disfunção ventricular direita ou esquerda significativa exigirá tratamento médico. A maioria dos pacientes deve utilizar um betabloqueador.

Terapia antiarrítmica com flecainida ou com medicamento classe III, particularmente sotalol ou amiodarona, pode reduzir taquiarritmias ventriculares sintomáticas, mas não é um substituto para um CDI. Entretanto, esses medicamentos podem beneficiar pacientes que precisam de descargas frequentes e apropriadas do CDI, apesar de tratamento adequado com betabloqueadores. A ablação transcateter do substrato arritmogênico também pode ser útil nesses pacientes (1).

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Towbin, JA, McKenna WJ, Abrams DJ, et al: 2019 HRS expert consensus statement on evaluation, risk stratification, and management of arrhythmogenic cardiomyopathy. Heart Rhythm 16:e301–e372, 2019. doi: 10.1016/j.hrthm.2019.05.007

Pontos-chave

  • A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito é uma doença genética em que os miócitos são substituídos por tecido fibroso, levando a arritmias e, mais tarde, insuficiência ventricular direita.

  • A doença progride mais rápido em pacientes que se envolvem em exercícios de resistência.

  • O diagnóstico baseia-se em critérios de consenso que incluem fatores clínicos e eletrocardiográficos, exames de imagem cardíacos e testes genéticos.

  • Familiares de primeiro grau têm risco significativo da doença e exigem triagem inicial e testes regulares.

  • O tratamento requer moderação de atividades físicas, bloqueio beta e, muitas vezes, um CDI.

quizzes_lightbulb_red
Test your KnowledgeTake a Quiz!
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS