A síndrome de repolarização precoce é uma doença genética da função do canal iônico do cardiomiócito (canalopatia). Os pacientes têm predisposição à taquicardia ventricular (TV) polimórfica e fibrilação ventricular (FV). O diagnóstico é realizado por ECG. Alguns pacientes exigem cardiodesfibrilador implantável (CDI).
(Ver também Visão geral das arritmias e Visão geral das canalopatias.)
Repolarização precoce refere-se a achados de ECG geralmente incluindo elevação do ponto J ≥ 0,1 mV, frequentemente com um complexo QRS terminal serrilhado ou denteado, seguido de supradesnível do segmento ST em ≥ 2 derivações contíguas, além de V1 a V3. Esse padrão de ECG não é incomum, já que ocorre em cerca de 5% a 10% da população (1, 2, 3), especialmente em homens, pacientes mais jovens e atletas. A maioria das pessoas com esse padrão ECG de repolarização precoce não apresenta arritmias. Entretanto, a repolarização precoce é substancialmente mais comum em sobreviventes de fibrilação ventricular (FV) aparentemente idiopática (1, 2, 3). A síndrome a repolarização precoce refere-se a pessoas com repolarização precoce em derivações inferiores ou laterais (predizendo maior risco de arritmias) no ECG que também tiveram arritmias ventriculares sintomáticas (4).
A síndrome de repolarização precoce parece resultar de mutações que produzem
Ganho da função nos canais de corrente de saída de potássio da célula OU
Perda da função dos canais de entrada de sódio ou cálcio da célula
Essas alterações nos canais iônicos aumentam os gradientes normais de voltagem transmural durante a fase de platô do potencial de ação. Esses gradientes produzem uma elevação da onda J e do ponto J no ECG e predispõem a taquicardias ventriculares polimórficas que podem se degenerar em uma fibrilação ventricular na ausência de outras causas de repolarização precoce (p. ex., hipertermia ou hipotermia, hipocalcemia, hiperpotassemia). As alterações no ECG são semelhantes às da síndrome de Brugada mas aparecem nas derivações inferiores ou laterais na síndrome de repolarização precoce, em vez de nas derivações precordiais direitas da síndrome de Brugada. Essa e outras semelhanças levaram a síndrome de Brugada e a síndrome de repolarização precoce a serem agrupadas como síndromes da onda J (4). Antes da TV/FV, o padrão de repolarização precoce pode se tornar mais exagerado e a TV/FV pode ser precipitada por um episódio de isquemia miocárdica. -
A síndrome de repolarização precoce parece ser hereditária, mas mutações genéticas específicas da doença são raramente identificadas, sugerindo que ela frequentemente é poligênica.
As arritmias ventriculares podem provocar palpitações e/ou parada cardíaca. Pode ocorrer síncope, mas esta é rara, pois a TV que ocorre com a síndrome de repolarização precoce raramente se autoextingue (ao contrário de alguns outras doenças que causam TV nas quais a síncope é mais comum).
Referências gerais
1. Haïssaguerre M, Derval N, Sacher F, et al: Sudden cardiac arrest associated with early repolarization. N Engl J Med 358(19):2016–2023, 2008. doi: 10.1056/NEJMoa071968
2. Rosso R, Kogan E, Belhassen B, et al: J-point elevation in survivors of primary ventricular fibrillation and matched control subjects: incidence and clinical significance. J Am Coll Cardiol 52(15):1231–1238, 2008. doi: 10.1016/j.jacc.2008.07.010
3. Tikkanen JT, Anttonen O, Junttila MJ, et al: Long-term outcome associated with early repolarization on electrocardiography. N Engl J Med 361(26):2529–2537, 2009. doi: 10.1056/NEJMoa0907589
4. Antzelevitch C, Yan GX, Ackerman MJ, et al: J-Wave syndromes expert consensus conference report: Emerging concepts and gaps in knowledge. Heart Rhythm 13(10):e295–324, 2016. doi: 10.1016/j.hrthm.2016.05.024
Diagnóstico da síndrome de repolarização precoce
Manifestações clínicas e eletrocardiográficas características
Triagem clínica dos familiares de primeiro grau
Deve-se considerar o diagnóstico em pacientes com taquicardia ventricular polimórfica, fibrilação ventricular ou parada cardíaca súbita (ou história familiar desses eventos) na ausência de cardiopatia estrutural e que também têm alterações no ECG mostrando um padrão de repolarização precoce inferior e/ou lateral. O achado típico no ECG da repolarização precoce é a elevação do ponto J ≥ 1 mm (≥ 0,1 mV), seguida de supradesnível do segmento ST em ≥ 2 derivações contíguas inferiores e/ou laterais. Foi proposto um sistema probabilístico de pontuação de diagnóstico (o sistema de classificação de síndrome de repolarização precoce de Xangai) para a síndrome de repolarização precoce (1).
Como defeitos genéticos específicos são raramente identificados, geralmente não se recomenda a pacientes ou familiares a realização de testes genéticos. Entretanto, os familiares de primeiro grau devem passar por avaliação clínica e ECG.
Referência sobre diagnóstico
1. Antzelevitch C, Yan GX, Ackerman MJ, et al: J-Wave syndromes expert consensus conference report: Emerging concepts and gaps in knowledge. Heart Rhythm 13(10):e295–324, 2016. doi: 10.1016/j.hrthm.2016.05.024
Tratamento da síndrome de repolarização precoce
Cardioversor desfibrilador implantável (CDI) se sintomático
Para pacientes que estão assintomáticos, mas que têm com padrão ECG de repolarização precoce e sem história familiar de morte súbita, nenhum tratamento é recomendado porque esses pacientes apresentam risco muito baixo.
Pacientes que tiveram parada cardíaca ou que demonstraram FV ou TV polimórfica têm alto risco e têm indicação de classe I para um CDI (1). Pode-se considerar o uso de um CDI em determinados pacientes com padrão ECG de repolarização precoce e outras características específicas de alto risco (2).
Quando for necessário suprimir as descargas frequentes do CDI, a quinidina, que bloqueia a corrente de saída de potássio que pode estar aumentada na síndrome de repolarização precoce, pode ser eficaz. O isoproterenol IV pode ser útil em pacientes com múltiplos episódios de arritmias ventriculares em sucessão rápida (tempestade elétrica).
Referências sobre o tratamento
1. Al-Khatib SM, Stevenson WG, Ackerman MJ, et al: 2017 AHA/ACC/HRS Guideline for Management of Patients With Ventricular Arrhythmias and the Prevention of Sudden Cardiac Death: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation 138(13):e272–e391, 2018. doi: 10.1161/CIR.0000000000000549
2. Priori SG, Wilde AA, Horie M, et al: HRS/EHRA/APHRS expert consensus statement on the diagnosis and management of patients with inherited primary arrhythmia syndromes: document endorsed by HRS, EHRA, and APHRS in May 2013 and by ACCF, AHA, PACES, and AEPC in June 2013. Heart Rhythm 10:1932–1963, 2013. doi: 10.1016/j.hrthm.2013.05.014
Pontos-chave
A síndrome de repolarização precoce é genética e predispõe à taquicardia ventricular (TV) polimórfica, fibrilação ventricular (FV) e morte súbita.
Considerar o diagnóstico em pacientes que tiveram taquicardia ventricular polimórfica inexplicável, fibrilação ventricular ou parada cardíaca súbita e repolarização precoce nas derivações inferiores ou laterais no ECG.
Colocar um CDI em pacientes que tiveram parada cardíaca, fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular polimórfica.