- Visão geral da vasculite
- Doença de Behçet
- Vasculite cutânea
- Granulomatose eosinofílica com poliangiite (GEPA)
- Arterite de células gigantes
- Granulomatose com poliangiite (GPA)
- Vasculite associada à imunoglobulina A (IgAV)
- Poliangiite microscópica (PAM)
- Poliarterite Nodosa (PAN)
- Polimialgia reumática
- Arterite de Takayasu
(Ver também Visão geral da vasculite.)
A doença de Behçet é uma doença inflamatória que pode apresentar vasculite de pequenas e grandes artérias e/ou veias. Também pode ocorrer trombose arterial e venosa.
A doença ocorre praticamente na mesma proporção entre homens e mulheres, mas tende a ser mais grave em homens, tipicamente começando por volta dos 20 anos de idade. Ocasionalmente, a doença se desenvolve em crianças. A incidência varia de acordo com o local. A doença de Behçet é mais comum na rota da seda, do Mediterrâneo até a China, e é incomum nos Estados Unidos (1).
A causa da doença de Behçet é desconhecida. Fatores imunológicos (inclusive autoimunes) e bacterianos ou virais são sugestivos e HLA-B51 é um fator de risco importante. A prevalência de alelo HLA-B51 é > 15% entre pessoas provenientes da Europa, do Oriente Médio e do Extremo Oriente, mas é baixa ou ausente entre as pessoas com origem na África, na Oceania e na América do Sul.
A infiltração de neutrófilos é detectada na amostra de biópsia das ulcerações aftosas orais e eritema nodoso e lesões resultantes do teste de patergia, mas nenhuma mudança histológica é patognomônica.
Referência geral
1. Akkoç N. Update on the epidemiology, risk factors and disease outcomes of Behçet's disease. Best Pract Res Clin Rheumatol 2018;32(2):261-270. doi:10.1016/j.berh.2018.08.010
Sinais e sintomas da doença de Behçet
Mucocutâneos
Quase todos os pacientes têm úlceras orais dolorosas e recidivantes, semelhantes àquelas da estomatite aftosa; na maioria dos pacientes, tais úlceras são as primeiras manifestações. As úlceras são redondas ou ovais, com 2 a 10 mm de diâmetro e são superficiais ou profundas com um centro necrótico amarelado; elas podem ocorrer em qualquer lugar da cavidade oral, frequentemente em agrupamentos. As úlceras duram entre 1 e 2 semanas. Úlceras similares ocorrem em pênis e escroto; na vulva, onde são muito dolorosas; ou na vagina, onde causam pouca ou nenhuma dor.
Essa imagem mostra lesões aftoides no lábio inferior interno resultante da doença de Behçet.
© Springer Science+Business Media
Essa imagem mostra úlceras aftosas na língua (à esquerda) e no pênis (à direita) resultante da doença de Behçet.
© Springer Science+Business Media
Essa imagem mostra uma úlcera grave no escroto resultante da doença de Behçet.
Imagem cedida por cortesia de Karen McKoy, MD.
Lesões cutâneas são comuns e podem incluir lesões acneiformes, nódulos, eritema nodoso, tromboflebite superficial, lesões do tipo pioderma gangrenoso e púrpura palpável.
A patergia (uma resposta eritematosa pustulosa ou papular ao local da lesão na pele) é definida como uma pápula > 2 mm que aparece de 24 a 48 horas após a inserção oblíqua de uma agulha de calibre 20-25 na pele.
Ocular
Os olhos são afetados em 25 a 75% dos pacientes, o que varia de acordo com a população em estudo (1). As manifestações oculares podem estar associadas a manifestações neurológicas. Os seguintes sintomas podem ocorrer:
Uveíte recidivante ou iridociclite (mais comum) frequentemente apresentam dor, fotofobia e olhos vermelhos.
Hipópio (uma camada de pus visível na câmara anterior).
A uveíte é tipicamente bilateral e episódica, frequentemente envolve todo o trato uveal (panuveíte) e pode não ser curada completamente entre os episódios.
Coroidite, vasculite retiniana, oclusão vascular e neurite óptica podem diminuir a acuidade visual e até causar cegueira.
SUE FORD/SCIENCE PHOTO LIBRARY
© Springer Science+Business Media
Musculoesquelético
As artralgias relativamente leves, autolimitantes e não destrutivas ou as artrites neutrófilo mediadas, especialmente com envolvimento de joelhos e outras grandes articulações, ocorrem em 50% dos pacientes (2). A inflamação na articulação sacro-ilíaca pode ocorrer.
Vascular
Inflamação perivascular e intravascular podem se desenvolver nas artérias e veias. Pode ocorrer trombose, aneurisma, pseudoaneurisma, hemorragia e estenose nas artérias. O comprometimento arterial dos grandes vasos é reconhecido durante a vida em 3 a 5% dos pacientes; entretanto, em um terço dos pacientes com evidências de comprometimento de grande vasos que foi assintomático durante suas vidas (3). Os aneurismas da aorta e da artéria pulmonar podem se romper. Trombose in situ pode causar oclusão da artéria pulmonar. Hemoptise pode ocorrer se fístulas se desenvolverem entre a artéria pulmonar e brônquios.
O envolvimento venoso pode causar trombose venosa superficial e profunda. Mais de uma veia pode ser afetada, como a veia cava inferior e a superior, as veias hepáticas (que causam a síndrome de Budd-Chiari) e os seios venosos durais.
As tromboses arteriais ou venosas in situ, os aneurismas e os pseudoaneurismas são mais comuns do que as estenoses e oclusões.
Neurológicos e psiquiátricos
O envolvimento do sistema nervoso central é menos comum, mas é grave. O início pode ser repentino ou gradual. As primeiras manifestações podem ser envolvimento parenquimatoso com sinais piramidais, doença dos pequenos vasos com padrão semelhante ao da esclerose múltipla, envolvimento não parenquimatoso com meningite asséptica ou meningoencefalite, ou trombose do seio dural. A meningite asséptica, nos quadros clínicos característicos, pode sugerir o diagnóstico.
Os distúrbios psiquiátricos, incluindo mudanças na personalidade e demência, podem se desenvolver anos mais tarde. A neuropatia periférica, comum em outros distúrbios vasculíticos, é incomum na doença de Behçet.
Gastrointestinal (GI)
Pode ocorrer desconforto abdominal, dor abdominal e diarreia com úlceras intestinais primeiro no íleo e colo, semelhantes à doença de Crohn.
Constitucional
Febre e mal-estar podem ocorrer.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Turk MA, Hayworth JL, Nevskaya T, Pope JE. Ocular manifestations of Behçet's disease in children and adults: a systematic review and meta-analysis. Clin Exp Rheumatol 2021;39 Suppl 132(5):94-101. doi:10.55563/clinexprheumatol/pt60bc
2. Yilmaz S, Karadag O, Yazisiz V, et al. Systemic involvements and preferred treatments in a large cohort of Behçet's disease. Rheumatol Int 2013;33(12):3025-3030. doi:10.1007/s00296-013-2830-0
3. Sarica-Kucukoglu R, Akdag-Kose A, KayabalI M, et al. Vascular involvement in Behçet's disease: a retrospective analysis of 2319 cases. Int J Dermatol. 2006;45(8):919-921. doi:10.1111/j.1365-4632.2006.02832.x
Diagnóstico da doença de Behçet
Critérios clínicos
Deve-se suspeitar de doença de Behçet em adultos jovens com úlceras orais aftosas recidivantes, achados oculares inexplicáveis ou úlceras genitais. O diagnóstico da doença de Behçet é clínico e costuma ser tardio porque muitas das manifestações são inespecíficas e podem ser insidiosas.
Os critérios internacionais para o diagnóstico incluem úlceras orais recidivantes (3 vezes em 1 ano) e 2 dos seguintes sinais:
Úlceras genitais recidivantes
Lesões oculares (particularmente uveíte ou vasculite retiniana)
Lesões cutâneas
Teste de patergia positivo na ausência de qualquer outra explicação clínica
Um teste de patergia positivo consiste no aparecimento de uma enduração eritematosa com uma pústula estéril na pele 24 a 48 horas após a inserção de uma agulha estéril na pele do antebraço.
Testes de laboratório (p. ex., hemograma, velocidade de hemossedimentação e/ou proteína C reativa, soro albumínico e níveis totais de proteína) são feitos. Os resultados são inespecíficos, porém característicos de doença inflamatória (velocidade de hemossedimentação elevada, dos níveis de proteína C reativa, alfa2-globulinas e gama-globulinas e discreta leucocitose).
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial contempla
A doença de Behçet não tem um único achado patognomônico, mas pode ser distinguida por suas combinação de sintomas recorrentes com remissões espontâneas e envolvimento de múltiplos órgãos, particularmente em pacientes com úlceras orais profundas e recidivantes.
Tratamento da doença de Behçet
Colchicina, apremilaste, corticoides, dapsona, azatioprina, inibidores do fator de necrose tumoral (TNF), interferon alfa ou talidomida para doença da mucosa
Azatioprina, metotrexato, ciclosporina ou inibidores de TNF para doença oftálmica
Inibidores de TNF e ciclofosfamida para doença refratária grave do sistema nervoso central ou doença potencialmente fatal
O tratamento da doença de Behçet depende das manifestações clínicas. As recomendações terapêuticas são limitadas por dados incompletos de ensaios clínicos (p. ex., estudos transversais, geralmente não prospectivos, com poder estatístico limitado).
Corticoides tópicos podem aliviar temporariamente as manifestações oculares e a maioria da lesões orais. Contudo, corticoides tópicos ou sistêmicos não alteram a frequência dos relapsos. Alguns pacientes com uveíte grave ou manifestações do sistema nervoso central respondem a alta dose de corticoides sistêmicos (p. ex., prednisona, 60 a 80 mg por via oral uma vez ao dia).
Os inibidores do TNF parecem ser eficazes para uma ampla variedade de manifestações, incluindo manifestações gastrointestinais e doença ocular (p. ex., uveíte refratária grave), e diminuem o número de crises (1). Nos casos graves de crises gastrointestinais e oculares, um inibidor de TNF pode ser utilizado em combinação com outro medicamento, como a azatioprina. O infliximabe, em particular, tem a vantagem de um início rápido da ação.
Os imunossupressores, incluindo os inibidores de TNF, melhoram o prognóstico dos pacientes com comprometimento vascular (2). Os imunossupressores ajudam a prevenir a recorrência da trombose venosa, mas não está claro se a anticoagulação ajuda. A anticoagulação é contraindicada nos pacientes com aneurismas na artéria pulmonar.
Doença da mucosa
A doença oral pode ser tratada sintomaticamente. Corticoides tópicos, anestésicos locais e sucralfato são úteis.
Colchicina, 0,6 mg por via oral duas vezes ao dia, pode diminuir a frequência e gravidade das úlceras orais e genitais e pode ser eficaz no caso de eritema nodoso e artralgias (3).
Demonstrou-se que o apremilaste, um inibidor oral da fosfodiesterase tipo 4, diminui o número e a dor das úlceras orais (4).
Dapsona 50 a 100 mg por via oral uma vez ao dia, pode diminuir o número, a duração e a frequência das lesões orais e genitais (5). Testar inicialmente deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD).
Azatioprina 2,5 mg/kg por via oral uma vez ao dia, mostrou melhorar úlceras orais e genitais (6).
Inibidores do FNT (p. ex., etanercepte, adalimumabe, infliximabe) podem suprimir lesões mucocutâneas (7, 8). Inibidores do TNF podem ser administrados se a colchicina for ineficaz.
A talidomida raramente é utilizada para tratar lesões orais, genitais e cutâneas refratárias, mas as lesões podem recorrer quando o tratamento é interrompido.
Interferon alfa-2a também pode ser administrado se outros medicamentos forem ineficazes.
Doença oftalmológica
O tratamento da doença ocular deve envolver estreita colaboração com um oftalmologista (9). Pacientes com uveíte posterior com risco à visão podem precisar de altas doses de corticoides, além de um agente imunossupressor. Medicamentos que podem ser utilizados isoladamente ou em combinação com corticoides incluem:
Azatioprina, 2,5 mg/kg por via oral uma vez ao dia, ajuda a preservar a acuidade visual e prevenir novas lesões oculares. Azatioprina também é eficaz para lesões mucocutâneas e artralgia.
Metotrexato 15 a 25 mg por via oral 1 vez/semana, ajuda na redução da inflamação ocular.
Ciclosporina, 5 a 10 mg/kg por via oral uma vez ao dia, pode ser utilizado em pacientes com manifestações oculares graves e pode ser utilizado com azatioprina para tratar uveíte refratária.
Inibidores de TNF, principalmente infliximabe e adalimumabe, são frequentemente utilizados em uveíte, inclusive em casos graves ou refratários. O interferon alfa-2a também é uma opção para pacientes com uveíte refratária.
Doença refratária ou letal
Ciclofosfamida e inibidores de TNF são utilizados em pacientes com doença refratária, condições potencialmente fatais (p. ex., aneurismas pulmonares) ou manifestações do sistema nervoso central. Uma tendência para uma maior sobrevida livre de eventos foi observada em pacientes com manifestações neurológicas graves após o tratamento com ciclofosfamida IV em comparação com azatioprina.
Referências sobre tratamento
1. Desbois AC, Vallet H, Domont F, Comarmond C, Cacoub P, Saadoun D. Management of severe complications in Behçet's disease with TNF inhibitors. Expert Opin Biol Ther 2017;17(7):853-859. doi:10.1080/14712598.2017.1328496
2. Bettiol A, Alibaz-Oner F, Direskeneli H, et al. Vascular Behçet syndrome: from pathogenesis to treatment. Nat Rev Rheumatol 2023;19(2):111-126. doi:10.1038/s41584-022-00880-7
3. Yurdakul S, Mat C, Tüzün Y, et al. A double-blind trial of colchicine in Behçet's syndrome. Arthritis Rheum 2001;44(11):2686-2692. doi:10.1002/1529-0131(200111)44:11<2686::aid-art448>3.0.co;2-h
4. Hatemi G, Mahr A, Ishigatsubo Y, et al. Trial of Apremilast for Oral Ulcers in Behçet's Syndrome. N Engl J Med 2019;381(20):1918-1928. doi:10.1056/NEJMoa1816594
5. Sharquie KE, Najim RA, Abu-Raghif AR. Dapsone in Behçet's disease: a double-blind, placebo-controlled, cross-over study. J Dermatol 2002;29(5):267-279. doi:10.1111/j.1346-8138.2002.tb00263.x
6. Yazici H, Pazarli H, Barnes CG, et al. A controlled trial of azathioprine in Behçet's syndrome. N Engl J Med 1990;322(5):281-285. doi:10.1056/NEJM199002013220501
7. Melikoglu M, Fresko I, Mat C, et al. Short-term trial of etanercept in Behçet's disease: a double blind, placebo controlled study. J Rheumatol 2005;32(1):98-105.
8. Vallet H, Riviere S, Sanna A, et al. Efficacy of anti-TNF alpha in severe and/or refractory Behçet's disease: Multicenter study of 124 patients. J Autoimmun 2015;62:67-74. doi:10.1016/j.jaut.2015.06.005
9. Hatemi G, Christensen R, Bang D, et al. 2018 update of the EULAR recommendations for the management of Behçet's syndrome. Ann Rheum Dis. 2018;77(6):808-818. doi:10.1136/annrheumdis-2018-213225
Prognóstico da doença de Behçet
A doença de Behçet tem um curso crescente e decrescente caracterizado por exacerbação e remissão. O prognóstico tende a ser pior em homens jovens. O risco também parece ser maior se os pacientes tiverem alelo HLA-B51. As lesões mucocutâneas e oculares e artralgias frequentemente são piores no início da doença. Manifestações do sistema nervoso central e grandes vasos, se elas se desenvolverem, tipicamente ocorrerem mais tarde. Ocasionalmente, a doença resulta em morte, geralmente em virtude de manifestações neurológicas, vasculares (p. ex., aneurisma) ou gastrointestinal. O risco de óbito é maior para os homens jovens e os pacientes com doença arterial ou um número elevado de crises. Muitos pacientes acabam entrando em remissão.
Pontos-chave
A doença de Behçet é uma doença inflamatória recidivante caracterizada por importante inflamação mucosa, geralmente com vasculite de grandes e pequenos vasos.
Entre os muitos sistemas orgânicos envolvidos, as úlceras orais e genitais, as lesões de pele, a meningite asséptica e os achados oculares, particularmente em combinação, são muito característicos.
O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos específicos.
Os fatores de risco de óbito precoce são: sexo masculino, crises frequentes da doença e complicações arteriais (p. ex., trombose, aneurismas, pseudoaneurismas).
Tratar com ciclofosfamida ou inibidores de TNF (para doença potencialmente fatal), azatioprina, metotrexato, ciclosporina ou inibidores de TNF (para doença ocular) e colchicina, apremilaste, corticoides, dapsona, azatioprina, inibidores de TNF, interferon ou talidomida (para doença da mucosa).