Visão geral de gastroenterite

PorJonathan Gotfried, MD, Lewis Katz School of Medicine at Temple University
Revisado/Corrigido: jun. 2023
Visão Educação para o paciente

Gastroenterite é a inflamação do revestimento do estômago e dos intestinos grosso e delgado. Muitos casos são infecciosos, embora a gastroenterite possa ser secundária à ingestão de medicamentos, drogas e toxinas químicas (p. ex., metais, substâncias derivadas de plantas). A aquisição pode ser de origem alimentar, transmitida pela água, disseminada de pessoa para pessoa ou, às vezes, por meio de disseminação zoonótica. Nos Estados Unidos, estima-se que 1 em cada 6 pessoas contraia doenças transmitidas por alimentos a cada ano. Os sintomas incluem anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e desconforto abdominal. O diagnóstico é clínico ou por cultura de fezes, embora PCR (polymerase chain reaction) e imunoensaios sejam cada vez mais utilizados. O tratamento é de suporte e direcionado aos sintomas, mas algumas infecções parasitárias e algumas bacterianas requerem terapia anti-infecciosa específica.

A maioria dos episódios de gastroenterite é autolimitada, mas causa sintomas desconfortáveis. A perda de líquidos e eletrólitos costuma ser de pequena monta em adultos saudáveis, mas pode ser grave em pessoas muito jovens (ver Desidratação em crianças), idosas ou imunocomprometidas ou que têm doença grave concomitante.

Nos Estados Unidos, a cada ano cerca de 48 milhões de pessoas contraem uma doença transmitida por alimentos e 3.000 morrem de uma (1).

Em todo o mundo, estima-se que 1,6 milhão de pessoas morrem a cada ano de gastroenterite infecciosa (2); embora alto, esse número representa uma diminuição significativa em relação à taxa de mortalidade anterior. Melhorias no saneamento de água em muitas regiões do mundo e o uso adequado de terapia de reidratação oral para lactentes com diarreia provavelmente são os responsáveis por essa diminuição.

Referências gerais

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention: Foodborne Germs and Illnesses. Acessado em 21 de abril de 2023.

  2. 2. GBD 2016 Diarrhoeal Disease Collaborators: Estimates of the global, regional, and national morbidity, mortality, and aetiologies of diarrhoea in 195 countries: A systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet Infect Dis 18(11):1211–1228, 2018. doi: 10.1016/S1473-3099(18)30362-1

Etiologia da gastroenterite

As gastroenterites infecciosas podem ser causadas por vírus, bactérias ou parasitas. Muitos organismos específicos são discutidos no tópico Doenças Infecciosas.

Gastroenterite viral

Vírus são as causas mais comuns de gastroenterites nos Estados Unidos, e a maior parte da gastroenterite viral é causada por

A maioria das outras gastroenterites virais é causada por astrovírus ou por adenovírus enteral.

O astrovírus pode infectar pessoas de todas as idades, mas geralmenteatinge lactentes e crianças pequenas. Em climas temperados, a infecção é mais comum nos meses de inverno; nas regiões tropicais, a infecção é mais comum nos meses de verão. A transmissão é por via fecal-oral. Sua incubação é de 3 a 4 dias.

Os adenovírus são a 4ª causa mais comum de diarreia viral na infância. As infecções ocorrem durante todo o ano, com discreto aumento no verão. Crianças com < 2 anos de idade são as primeiras a se infectar. A transmissão é por via fecal-oral e também por gotículas respiratórias. Sua incubação é de 3 a 10 dias.

Vírus infectam os enterócitos no epitélio viloso do intestino delgado. O resultado é a transudação de líquidos e eletrólitos no lúmen intestinal; às vezes, carboidratos não absorvidos resultantes de má absorção no intestino afetado subsequentemente pioram os sintomas causando diarreia osmótica. A diarreia é aquosa. A diarreia inflamatória (disenteria), com perda fecal de leucócitos e eritrócitos ou mesmo sangue visível, é incomum.

Em hospedeiros imunodeprimidos, outros vírus (p. ex., citomegalovírus, enterovírus) podem causar gastroenterites.

Gastroenterite bacteriana

As bactérias mais comumente envolvidas são

A gastroenterite bacteriana é menos comum que a viral. As bactérias causam gastroenterite por vários mecanismos.

Enterotoxinas são produzidas por certas espécies (p. ex., Vibrio cholerae, cepas enterotoxigênicas de E. coli) que aderem à mucosa intestinal sem invadi-la e produzem enterotoxinas. Essas toxinas dificultam a absorção intestinal e provocam secreção de água e eletrólitos pelo estímulo da adenilciclase, resultando em diarreia aquosa. C. difficile produz uma toxina similar.

Exotoxinas que são ingeridas em alimentos contaminados são produzidas por algumas bactérias (p. ex., Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Clostridium perfringens). Essa exotoxina pode causar gastroenterite sem infecção bacteriana. Essas toxinas geralmente causam náuseas, vômitos e diarreias agudos em cerca de 12 horas após a ingestão do alimento contaminado. Os sintomas melhoram em 36 horas.

Invasão da mucosa ocorre com outras bactérias (p. ex., Shigella, Salmonella, Campylobacter, C. difficile, algumas cepas de E. coli) que invadem a mucosa do intestino delgado ou colo e provocam ulcerações, sangramento, exsudação de líquido rico em proteínas e secreção de eletrólitos e água. O processo de invasão e suas consequências podem ocorrer com ou sem a produção de enterotoxinas. A diarreia resultante tem evidências dessa invasão e inflamação com eritrócitos e leucócitos presentes à microscopia e, às vezes, com sangue macroscópico.

Salmonella e Campylobacter são as causas comuns de doença diarreica bacteriana nos Estados Unidos. Ambas são adquiridas com mais frequência por meio de carne de aves malcozida; leite não pasteurizado também é uma possível fonte. Campylobacter é ocasionalmente transmitido por cães ou gatos com diarreia. Salmonella pode ser transmitida consumindo ovos malcozidos e por contato com répteis, pássaros ou anfíbios.

As espécies de Shigella são o agente etiológico mais comum da diarreia bacteriana nos Estados Unidos e costumam ser transmitidas de uma pessoa para outra, embora ocorram epidemias de contágio por alimentos. Shigella dysenteriae tipo 1, que é rara nos Estados Unidos (1) produz a toxina Shiga, que pode causar síndrome hemolítico-urêmica.

Gastroenterite por E. coli pode ser causada por vários subtipos diferentes das bactérias. A epidemiologia e as manifestações clínicas variam muito dependendo do subtipo.

No passado, a infecção por Clostridioides difficile ocorria quase exclusivamente em pacientes hospitalizados que recebiam antibióticos. Com o surgimento da cepa hipervirulenta NAP1 nos Estados Unidos no final dos anos 2000, muitos casos ocorridos na comunidade estão surgindo agora. C. difficile agora é provavelmente o agente etiológico mais comum da diarreia bacteriana nos Estados Unidos (2).

Dicas e conselhos

  • C. difficile agora é provavelmente o agente etiológico mais comum da diarreia bacteriana nos Estados Unidos.

Várias outras bactérias causam gastroenterite, mas muitas são incomuns nos Estados Unidos. A Yersinia enterocolitica pode causar gastroenterite ou uma síndrome que mimetiza apendicite porque os pacientes podem apresentar dor no quadrante inferior direito. Transmite-se por carne de porco mal cozida, leite não pasteurizado ou água contaminada. Várias espécies de Vibrio (p. ex., V. parahaemolyticus) causam diarreia após ingestão de frutos do mar mal cozidos. V. cholerae às vezes causa diarreia desidratante grave em regiões onde as pessoas não têm acesso a água potável limpa e descarte sanitário de dejetos humanos e é uma preocupação particular após desastres naturais ou em campos de refugiados. Listeria raramente pode causar gastroenterite transmitida por alimentos, mas mais frequentemente causa infecção na corrente sanguínea ou meningite em gestantes, recém-nascidos (ver Listeriose neonatal) ou idosos. Aeromonas é adquirida ao nadar ou beber água contaminada. Plesiomonas shigelloides pode causar diarreia em pacientes que tenham comido moluscos frescos ou viajaram para regiões tropicais com poucos recursos.

Referências sobre a gastroenterite bacteriana

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Shigella—Shigellosis: Questions & Answers. Acessado em 12 de maio de 2023.

  2. 2. Johnson S, Lavergne V, Skinner AM, et al: Clinical practice guideline by the Infectious Diseases Society of America (IDSA) and Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA): 2021 focused update guidelines on management of Clostridioides difficile infection in adults. Clin Infect Dis ciab549, 2021. doi: 10.1093/cid/ciab549

Gastroenterite parasitária

Os parasitas mais comumente envolvidos em países abastados são

Certos parasitas intestinais, mais notadamente a Giardia intestinalis (G. lamblia), aderem-se a mucosa intestinal, causando náuseas, vômitos, diarreia e mal estar geral. A giardíase ocorre em todas as regiões dos Estados Unidos e por todo o mundo. A infestação pode se tornar crônica e causar síndrome de má absorção. É geralmente adquirida por transmissão de pessoa para pessoa (muitas vezes em creches) ou pela ingestão de cistos na água ou em alimentos contaminados.

Cryptosporidium parvum causa diarreia aquosa e, às vezes, pode ser acompanhada por cólicas abdominais, náuseas e vômitos. Em indivíduos saudáveis, a doença é autolimitada, durando cerca de 2 semanas. Nos pacientes imunodeprimidos, a doença pode ser grave e prolongada, causando perda substancial de líquidos e eletrólitos. Cryptosporidium é geralmenteadquirido por meio de água contaminada. Ele não é facilmente morto por cloro e é a causa mais comum de doença adquirida por recreação em água contaminada nos Estados Unidos, responsável por cerca de três quartos dos surtos.

Outros parasitas que provocam sintomas similares aos da criptosporidiose são Cyclospora cayetanensis e, em pacientes imunodeprimidos, Cystoisospora (Isospora) belli, e uma série de microrganismos chamados microsporídios (p. ex., Enterocytozoon bieneusi, Encephalitozoon intestinalis). Entamoeba histolytica (ver Amebíase) é uma causa comum de diarreia sanguinolenta subaguda em regiões com poucos recursos e condições sanitárias precárias, mas é rara nos Estados Unidos. A amebíase pode mimetizar colite ulcerativa, a qual deve ser excluída quando esse diagnóstico for considerado.

Sinais e sintomas de gastroenterite

O caráter e a gravidade dos sintomas da gastroenterite variam.

Em geral, o início é súbito, com anorexia, náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarreia (com ou sem sangue e muco). Mal-estar e mialgias podem ocorrer. O abdome pode estar distendido e levemente sensível; em casos graves, pode haver reação de defesa muscular. Alças intestinais distendidas por gás podem ser palpáveis. Sons intestinais hiperativos estão presentes na ausculta mesmo quando não há diarreia (uma característica diferencial muito importante do íleo paralítico, em que os sons intestinais estão ausentes ou diminuídos). Vômitos persistentes e diarreia podem causar depleção de líquidos com hipotensão e taquicardia. Nos casos graves, pode ocorrer choque hipovolêmico com colapso vascular e insuficiência renal oligúrica.

Quando os vômitos forem a principal causa de perda de líquidos, pode aparecer alcalose metabólica com hipocloremia. Se a diarreia for mais proeminente, a acidose metabólica é mais frequente. Tanto os vômitos quanto a diarreia podem provocar hipopotassemia. A hiponatremia pode se desenvolver, em particular se líquidos hipotônicos forem utilizados como tratamento de reposição.

Gastroenterite viral

Nas infecções virais, diarreia aquosa é o sintoma mais comum; fezes raramente contêm muco ou sangue. Para manifestações específicas ao norovírus e rotavírus, ver Gastroenterite por norovírus e Gastroenterite por rotavírus.

O ponto marcante das gastroenterites por adenovírus é diarreia com duração de 1 a 2 semanas. Os lactentes e as crianças afetados podem ter vômitos leves, que classicamente começam 1 a 2 dias após o início da diarreia. Febre baixa aparece em cerca de 50% dos pacientes. Sintomas respiratórios podem estar presentes. Os sintomas geralmente são leves, mas podem durar mais do que em outras causas virais da gastroenterite.

O astrovírus causa síndrome similar a uma infecção branda por rotavírus.

O citomegalovírus pode causar diarreia sanguinolenta em pacientes com imunocomprometimento.

Gastroenterite bacteriana

Bactérias que causam doença invasiva (p. ex., Shigella, Salmonella) têm maior probabilidade de causar febre, prostração e diarreia com sangue.

A infecção por E. coli O157:H7 geralmente começa com cólicas abdominais graves e diarreia aquosa por 1 a 2 dias, seguidas de diarreia com sangue. A febre é ausente ou baixa.

O espectro da doença com infecção por C. difficile varia de cólicas abdominais leves e diarreia cheia de muco à colite hemorrágica grave e choque.

Bactérias que produzem uma enterotoxina (p. ex., S. aureus, B. cereus, C. perfringens) geralmente causam diarreia aquosa. S. aureus e algumas cepas de B. cereus causam predominantemente vômitos.

Gastroenterite parasitária

As infestações parasitárias tipicamente provocam diarreia subaguda ou crônica. A maioria causa diarreia sem sangue; uma exceção é E. histolytica, que causa disenteria amébica (ver Amebíase). Fadiga e perda ponderal são comuns nos casos de diarreia persistente.

Diagnóstico da gastroenterite

  • Avaliação clínica

  • Exame de fezes em casos específicos

Outras doenças gastrointestinais que causam sintomas semelhantes (p. ex., apendicite, colecistite, colite ulcerativa) devem ser excluídas (ver também avaliação da diarreia).

Achados sugestivos de gastroenterite incluem:

  • Diarreia aquosa abundante

  • Ingestão de alimentos potencialmente contaminados (sobretudo durante um surto conhecido), água de superfície não tratada ou um irritante gastrointestinal conhecido

  • Viagens recentes

  • Contato com pessoas infectadas ou certos animais

E. coli O157:H7 induzida por diarreia é conhecido por ser um processo hemorrágico em vez de infeccioso, manifestando-se como sangramento gastrointestinal com poucas ou nenhuma fezes. A síndrome hemolítico-urêmica pode surgir na sequência e é caracterizada por falência renal e anemia hemolítica.

O uso recente de antibióticos orais (em um período de 3 meses) deve levantar suspeita de infecção por C. difficile. Contudo, cerca de um quarto dos pacientes com infecção por C. difficile adquirida na comunidade não tem uma história de uso recente de antibióticos.

Exame de fezes

O exame de fezes é orientado por achados clínicos e organismos suspeitos com base na história do paciente e em fatores epidemiológicos (p. ex., imunossupressão, exposição a um surto conhecido, viagens recentes, uso recente de antibióticos). (Ver também the American College of Gastroenterology's 2016 clinical guideline for the diagnosis, treatment, and prevention of acute diarrheal infections in adults.) Os casos são tipicamente estratificados em

  • Diarreia aquosa aguda

  • Diarreia aquosa subaguda ou crônica

  • Diarreia inflamatória aguda

Plataformas de PCR (polymerase chain reaction) multiplex que podem identificar organismos causadores em cada uma dessas categorias estão sendo utilizadas com mais frequência (1). Entretanto, esse exame é caro; como as categorias costumam ser clinicamente indiferenciáveis ou os cursos da doença são autolimitados, geralmente é mais eficaz em termos de custos testar à procura de micro-organismos específicos dependendo do tipo e da duração da diarreia. Além disso, o teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) não permite o teste de sensibilidade aos antimicrobianos.

Diarreia aquosa aguda é provavelmente viral e testes não são indicados a menos que a diarreia persista. Embora infecções por rotavírus e adenovírus entéricos possam ser diagnosticadas utilizando testes rápidos comercialmente disponíveis que detectam o antígeno viral nas fezes, esses ensaios raramente são indicados.

Diarreia aquosa subaguda e crônica exige testes para causas parasitárias, tipicamente com exame microscópico de fezes para ovos e parasitas. Há testes de antígeno fecal disponíveis para Giardia, Cryptosporidia e Entamoeba histolytica sendo mais sensíveis do que o exame microscópico de fezes.

Pode-se reconhecerdiarreia inflamatória aguda sem sangue visível pela presença de leucócitos no exame de fezes. Pacientes devem ter material submetido à cultura fecal para patógenos entéricos típicos (p. ex., Salmonella, Shigella, Campylobacter, E. coli).

Diarreia inflamatória aguda com sangue visível deve ser prontamente testada para infecção por E. coli O157:H7, assim como a diarreia sem sangue durante um surto conhecido. Culturas específicas devem ser solicitadas, já que esse microrganismo não é detectado pelos meios de cultura tradicionais. Alternativamente, pode-se fazer um ensaio rápido enzimático para detectar toxina Shiga nas fezes; um teste positivo indica infecção por E. coli O157:H7 ou um dos outros sorotipos de E. coli entero-hemorrágica. (NOTA: espécies Shigella nos Estados Unidos não produzem toxina Shiga.) No entanto, um ensaio imunoenzimático rápido não é tão sensível quanto uma cultura. O PCR (polymerase chain reaction) é utilizado para detectar a toxina Shiga em alguns centros.

Adultos com diarreia francamente sanguinolenta podem exigir exame endoscópico (sigmoidoscopia ou colonoscopia) para avaliação mais profunda. Candidatos à endoscopia incluem pacientes de risco, como aqueles com história de doença inflamatória intestinal ou imunocomprometimento (no caso de suspeita de colite por citomegalovírus). A aparência da mucosa do colo pode ajudar no diagnóstico de disenteria amebiana, shigelose e E. coli O157:H7, embora a colite ulcerativa possa causar lesões similares. Biópsia e cultura são úteis para fazer o diagnóstico.

Pacientes com história de uso recente de antibióticos ou outros fatores de risco de infecção por C. difficile (p. ex., doença inflamatória intestinal, uso de inibidores da bomba de prótons) devem fazer um exame de fezes à procura da toxina do C. difficile. Contudo, os exames também devem ser feitos em pacientes com doença grave, mesmo quando esses fatores de risco não estão presentes, porque cerca de 25% dos casos de infecção por C. difficile atualmente ocorrem em pessoas sem fatores de risco identificados. Historicamente, imunoensaios enzimáticos para toxinas A e B têm sido utilizados para diagnosticar a infecção por C. difficile. Contudo, demonstrou-se que os testes de amplificação de ácidos nucleicos que têm por alvo um dos genes da toxina C. difficile ou seus reguladores têm sensibilidade mais alta e agora são os testes diagnósticos de escolha na maioria dos casos.

Exames gerais

Eletrólitos no soro, nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina devem ser obtidos para avaliar grau de desidratação e condição ácido-base em pacientes que aparentam estar seriamente enfermos.

O hemograma completo (HC) é inespecífico, embora eosinofilia possa indicar infestação parasitária.

Testes de função renal e hemogramas devem ser realizados cerca de 1 semana após o início dos sintomas em pacientes com E. coli O157:H7 para detectar a síndrome hemolítico-urêmica de início precoce.

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Torres-Miranda D, Akselrod H, Karsner R, et al: Use of BioFire FilmArray gastrointestinal PCR panel associated with reductions in antibiotic use, time to optimal antibiotics, and length of stay. BMC Gastroenterol 20(1):246, 2020. doi: 10.1186/s12876-020-01394-w

Tratamento da gastroenterite

  • Reidratação oral ou IV

  • Considerar o uso de agentes antidiarreicos se não houver suspeita de infecção por C. difficile ou E. coli O157:H7

  • Antibióticos somente em casos específicos

Basta o tratamento de suporte para a maioria dos pacientes. O repouso no leito com acesso a um banheiro ou comadre é desejável.

Soluções orais com glicose e eletrólitos, caldo ou canja podem ajudar a prevenir ou mesmo tratar casos de desidratação leve. Mesmo que esteja vomitando, o paciente deve tomar pequenas doses desses líquidos; os vômitos diminuirão com a reposição de líquidos. Para pacientes com infecção por E. coli O157:H7, a reidratação com líquidos IV isotônicos pode atenuar a gravidade de qualquer lesão renal em caso de se desenvolver síndrome hemolítico-urêmica. As crianças podem desidratar-se mais rapidamente e devem receber solução de reidratação oral apropriada (várias estão disponíveis comercialmente, ver Terapia de reidratação oral). Bebidas gasosas e soluções para hidratação de esportistas não apresentam frações adequadas de sódio e glicose e, portanto, não são adequados; especialmente para crianças com < 5 anos. Se a criança for tratada ainda em fase de aleitamento materno, a amamentação deve continuar. Nos casos de vômitos incoercíveis e desidratação acentuada, a reposição volêmica intravenosa com líquidos e eletrólitos pode ser realizada, quando necessário (ver Reanimação volêmica intravenosa).

Quando o paciente tolera bem os líquidos, não está vomitando e o apetite já começa a retornar, a alimentação deve ser gradualmente recomeçada. Embora comumente recomendado, não há nenhum benefício demonstrado em restringir a dieta a alimentos leves (p. ex., cereais, gelatina, banana, torradas). Alguns pacientes podem desenvolver intolerância temporária à lactose.

Agentes antidiarreicos (antimotilidade) não são recomendados em casos pediátricos e, portanto, devem ser evitados em crianças < 18 anos com diarreia aguda (ver também as diretrizes da prática clínica de 2017 para o diagnóstico e tratamento da diarreia infecciosa da Infectious Diseases Society of America). O uso de agentes antidiarreicos é contraindicado para crianças < 2 anos. Esses agentes são geralmente seguros para pacientes adultos com diarreia aquosa (como mostrado por teste de sangue oculto nas fezes negativo). Entretanto, antidiarreicos podem causar a deterioração de pacientes com infecção por E. coli C. difficile ou E. coli O157:H7 e, portanto, não devem ser administrados a nenhum paciente com história de uso recente de antibióticos, fezes com sangue ou sangue oculto ou diarreia com febre à espera de diagnóstico definitivo.

Antidiarreicos eficazes incluem loperamida ou difenoxilato/atropina.

Nos casos de vômitos intensos e ausência de uma condição cirúrgica (p. ex., obstrução do intestino delgado), um antiemético pode ser benéfico. Medicamentos úteis em adultos incluem ondansetrona, proclorperazina e prometazina.

Dicas e conselhos

  • Não utilizar agentes antidiarreicos em adultos com suspeita de infecção por C. difficile ou E. coli O157:H7 (p. ex., uso recente de antibióticos, diarreia sanguinolenta, fezes heme-positivas ou diarreia com febre) ou em crianças.

Crianças que continuam vomitando após 24 horas exigem reavaliação.

Embora os probióticos pareçam encurtar brevemente a duração da diarreia, não há evidências suficientes de que eles afetem os principais desfechos clínicos (p. ex., diminuir a necessidade de hidratação IV e/ou internação) de modo a apoiar o seu uso rotineiro no tratamento ou na prevenção da diarreia infecciosa (1).

Referência sobre probióticos

  1. 1. Preidis GA, Weizman AV, Kashyap PC, Morgan RL: AGA technical review on the role of probiotics in the management of gastrointestinal disorders. Gastroenterology 159(2):708–738.e4, 2020. doi: 10.1053/j.gastro.2020.05.060

Antimicrobianos

Em geral, não se recomendam antibióticos empíricos, com exceção de alguns casos de diarreia do viajante ou quando houver suspeita de infecção por Shigella ou Campylobacter (p. ex., contato com caso conhecido). (Ver também this expert panel's 2017 guidelines for the prevention and treatment of travelers' diarrhea.) Por outro lado, os antibióticos para serem administrados necessitam do resultado da coprocultura, em particular em crianças, que têm alto índice de infecção por E. coli O157:H7 (os antibióticos aumentam o risco de síndrome hemolítico-urêmica em pacientes infectados por E. coli O157:H7).

Nas gastroenterites sabidamente bacterianas, os antibióticos nem sempre são necessários. Não ajudam nos casos de Salmonella e podem prolongar a duração da eliminação nas fezes. Exceções são feitas aos pacientes imunodeprimidos, neonatos e com bacteremia por Salmonella. Antibióticos também são ineficazes contra gastroenterites tóxicas (p. ex., S. aureus, B. cereus, C. perfringens). O uso indiscriminado de antibióticos intensifica o surgimento de organismos resistentes a fármacos, aumenta o risco de efeitos adversos e aumenta o potencial de infecção por C. difficile. Mas certas infecções requerem antibióticos (ver tabela Antibióticos orais indicados para gastroenterites infecciosasa).

O tratamento inicial da colite por C. difficile envolve, se possível, a interrupção do antibiótico causador. O medicamento de escolha para tratar a colite por C. difficile é a vancomicina oral, que é melhor que o metronidazol. Infelizmente, há recidiva em cerca de 20% dos pacientes que recebem vancomicina. A fidaxomicina pode ter uma taxa de recidiva ligeiramente mais baixa do que a vancomicina ou o metronidazol. As diretrizes da Infectious Diseases Society of America (IDSA) e da Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA) 2021 recomendam fidaxomicina como terapia de primeira linha preferida tanto para novos casos como para casos recorrentes de C. difficile infecção (1).

Muitos centros utilizam o transplante microbiano fecal para pacientes com múltiplas recorrências de colite por C. difficile. Esse tratamento se mostrou de maneira geral seguro e eficaz, mas ainda há problemas com o controle de qualidade, sobretudo em relação à transmissão da infecção (ver tratamento das recorrências de diarreia induzida por C. difficile) (2). A mais recente terapia de microbiota fecal pode ser administrada a pacientes com recorrência C. difficile infecção (3).

Para criptosporidiose, um curso de nitazoxanida pode ser útil em pacientes imunocomprometidos. Giardíase é tratada com metronidazol ou nitazoxanida.

Tabela
Tabela

Referências sobre antimicrobianos

  1. 1. Johnson S, Lavergne V, Skinner AM, et al: Clinical Practice Guideline by the Infectious Diseases Society of America (IDSA) and Society for Healthcare Epidemiology of America (SHEA): 2021 Focused update guidelines on management of Clostridioides difficile infection in adults. Clin Infect Dis 73(5):e1029–e1044, 2021. doi: 10.1093/cid/ciab549

  2. 2. Perler BK, Chen B, Phelps E, et al: Long-term efficacy and safety of fecal microbiota transplantation for treatment of recurrent Clostridioides difficile infection. J Clin Gastroenterol 54(8):701–706, 2020. doi: 10.1097/MCG.0000000000001281

  3. 3. Feuerstadt P, Allegretti JR, Khanna S: Practical use of RBX2660 for the prevention of recurrent Clostridioides difficile infection. Am J Gastroenterol 2023. doi: 10.14309/ajg.0000000000002195

Prevenção de gastroenterites

Estão disponíveis duas vacinas vivas atenuadas contra rotavírus que são seguras e eficazes contra a maioria das cepas responsáveis pela doença. A imunização contra rotavírus é parte do programa de vacinação infantil recomendado.

A prevenção da infecção é complicada pela frequência de casos assintomáticos e pela facilidade como alguns agentes, em particular vírus, são transmitidos de uma pessoa a outra. Em geral, procedimentos adequados no preparo e manuseio de alimentos devem ser seguidos. Viajantes devem evitar alimentos e bebidas potencialmente contaminados.

Para evitar infecções transmitidas por águas recreativas, as pessoas não devem nadar se tiverem diarreia. Deve-se frequentemente verificar as fraldas de lactentes e crianças pequenas e devem ser trocadas em um banheiro e não perto da água. Os nadadores devem evitar engolir água ao nadar.

Lactentes e outras pessoas imunodeprimidas são particularmente predispostas a desenvolver casos graves de salmonelose e não devem ser expostos a répteis, aves e anfíbios, que normalmente carregam Salmonella.

A amamentação natural dá alguma proteção para recém-nascidos e crianças.

Os cuidadores devem lavar as mãos completamente com sabão e água após cada troca de fraldas e as áreas onde as fraldas são trocadas devem ser desinfetadas com solução de água sanitária 1:64 recentemente preparada (aproximadamente 1 colher de sopa diluída em 1 litro de água). Crianças com diarreia devem ser isoladas de ambientes frequentados por outras crianças saudáveis enquanto perdurarem os sintomas. Crianças infectadas por E. coli êntero-hemorrágica ou Shigella devem apresentar dois testes fecais negativos antes do retorno a ambientes com outras crianças.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. American College of Gastroenterology: Clinical guideline for the diagnosis, treatment, and prevention of acute diarrheal infections in adults (2016)

  2. Infectious Diseases Society of America: Clinical practice guidelines for the diagnosis and management of infectious diarrhea (2017)

  3. Expert panel: Guidelines for the prevention and treatment of travelers' diarrhea (2017)

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