Anemia na gestação

PorLara A. Friel, MD, PhD, University of Texas Health Medical School at Houston, McGovern Medical School
Revisado/Corrigido: set. 2023
Visão Educação para o paciente

Normalmente, durante a gestação ocorre hiperplasia eritroide na medula óssea e assim a contagem de eritrócitos aumenta no sangue periférico. Entretanto, aumento desproporcional do volume plasmático resulta em hemodiluição (hidremia da gestação): o hematócrito (Hct) diminui de um valor entre 38 e 45%, em mulheres saudáveis que não são gestantes, para cerca de 34% durante a gestação tardia de feto único, e para cerca de 30% na gestação tardia multifetal. Os seguintes níveis de hemoglobina (Hb) e Hct são classificados como indicativo de anemia:

  • 1º trimestre: Hb < 11 g/dL; Hct < 33%

  • 2º trimestre: Hb < 10,5 g/dL; Hct < 32%

  • 3º trimestre: Hb < 11 g/dL; Hct < 33%

Se a hemoglobina for < 11,5 g/dL no início da gestação, as mulheres podem ser tratadas profilaticamente porque a hemodiluição subsequente geralmente a reduz a Hb para < 10 g/dL. Apesar da hemodiluição, a capacidade de transporte de oxigênio permanece normal por toda a gestação. O Hct normalmente aumenta imediatamente após o parto.

A anemia ocorre em mais de um terço das mulheres durante o terceiro trimestre de gestação. As causas mais comuns são

Obstetras, após prévia consulta com um perinatologista, devem avaliar a anemia em pacientes grávidas que são Testemunha de Jeová (que provavelmente se recusam a receber transfusões de sangue) o mais rápido possível.

Sinais e sintomas da anemia na gestação

Os sintomas iniciais da anemia em geral são inexistentes ou inespecíficos (p. ex., fadiga, fraqueza, atordoamento, dispneia leve ao esforço). Outros sinais e sintomas podem incluir palidez e, caso a anemia seja grave, taquicardia e hipotensão.

A anemia aumenta o risco de

  • Parto prematuro

  • Baixo peso ao nascimento

  • Infecções maternas pós-parto

Diagnóstico da anemia na gestação

  • Hemograma completo (HC), seguido de testes com base no valor corpuscular médio (VCM)

O diagnóstico da anemia começa com a contagem de eritrócitos; em geral, se a paciente apresentar anemia, os testes subsequentes irão basear-se no fato de o VCM estar baixo (< 79 fL) ou alto (> 100 fL):

  • Nas anemias microcíticas: a avaliação da deficiência de ferro (dosagem da ferritina sérica) e das hemoglobinopatias (eletroforese da hemoglobina). Caso os testes não sejam conclusivos e não haja resposta à terapia empírica, a consulta com um hematologista deve ser indicada.

  • Nas anemias macrocíticas: a avaliação é feita pela dosagem do ácido fólico sérico e dos níveis da vitamina B12.

  • Para anemia com causas mistas: é necessária avaliação para ambos os tipos.

Tratamento da anemia na gestação

  • Tratamento para reverter a anemia

  • Transfusão conforme necessário para sintomas graves ou indicações fetais

O tratamento da anemia durante a gestação é direcionado para a inversão da anemia (ver abaixo).

Indica-se transfusão, se houver sintomas constitucionais graves (p. ex., atordoamento, fraqueza, fadiga) ou sinais e sintomas cardiopulmonares (p. ex., dispneia, taquicardia, taquipneia) presentes; a decisão não se baseia apenas no Hct.

Dicas e conselhos

  • As decisões de transfusão não se baseiam no Hct, mas na gravidade dos sintomas.

Pontos-chave

  • A hemodiluição ocorre durante a gestação, mas a capacidade de transporte de oxigênio permanece normal por toda a gestação.

  • As causas mais comuns da anemia durante a gestação são deficiência de ferro e deficiência de ácido fólico.

  • A anemia aumenta o risco de parto prematuro e infecções pós-parto.

  • Se a hemoglobina for < 11,5 g/dL no início da gestação, considerar o tratamento profilático da gestante.

  • Tratar a causa da anemia se possível, mas se as pacientes têm sintomas graves, geralmente indica-se transfusão.

Anemia por deficiência de ferro na gestação

Cerca de 95% das anemias gestacionais decorrem da anemia por deficiência de ferro. A causa geralmente é

  • Ingestão dietética inadequada (especialmente nas adolescentes)

  • Gestação anterior

  • A perda normal recorrente de ferro no sangue menstrual (que se aproxima da quantidade ingerida a cada mês, evitando assim que depósitos de ferro se acumulem)

Diagnóstico da anemia por deficiência de ferro na gestação

  • Quantificação dos níveis séricos de ferro, ferritina e transferrina

Tipicamente, o Hct é 30% e o VCM é < 79 fL. Ferro sérico e ferritina diminuídos e transferrina sérica aumentada confirmam o diagnóstico da anemia por deficiência de ferro.

Tratamento da anemia por deficiência de ferro na gestação

  • Em geral, sulfato ferroso 325 mg, por via oral, uma vez ao dia

Um comprimido de 325 mg de sulfato ferroso ingerido no meio da manhã costuma ser eficaz. Doses maiores ou frequentes podem aumentar os efeitos adversos gastrointestinais, em especial a obstipação; uma dose bloqueia a reabsorção da próxima dose, diminuindo assim a porcentagem de entrada.

Cerca de 20% das gestantes não ingerem suplemento de ferro oral suficiente; algumas necessitam de terapia parenteral. Pode-se calcular o déficit de ferro, que frequentemente pode ser reposto em uma ou duas infusões. Hb ou Hct são mensurados semanalmente para determinar a resposta à terapia. Caso a suplementação de ferro seja ineficaz, deve-se investigar a deficiência de folatos.

Os neonatos de mães com deficiência de ferro geralmente apresentam Hct normal, mas a reserva total de ferro estará diminuída, sendo necessária, portanto, a reposição precoce de ferro.

Prevenção da anemia por deficiência de ferro na gestação

Embora a prática seja controversa, a suplementação de ferro (em geral, 325 mg por via oral, uma vez ao dia, de sulfato ferroso) é rotineiramente administrada às gestantes, com o intuito de prevenir a depleção dos reservatórios corporais e a anemia que pode resultar de sangramento anormal ou gestação subsequente.

Anemia por deficiência de folato na gestação

A deficiência de folatos aumenta o risco de defeitos do tubo neural e a possibilidade de síndrome alcoólica fetal. A deficiência ocorre em 0,5 a 1,5% das gestantes; anemia macrocítica megaloblástica podem ocorrer se a deficiência for moderada ou grave.

Raramente ocorre anemia grave e glossite.

Diagnóstico da anemia por deficiência de folato na gestação

  • Medição do folato sérico

Suspeita-se da deficiência de folatos se o HC mostrar índices macrocíticos ou anemia com grande amplitude de distribuição de eritrócitos. Os níveis baixos de folatos séricos confirmam o diagnóstico.

Tratamento da anemia por deficiência de folato na gestação

  • Ácido fólico, 1 mg, por via oral, de 12/12h

O tratamento é ácido fólico 1 mg, por via oral, 12/12h.

A anemia megaloblástica pode justificar a avaliação da medula óssea e terapia em ambiente hospitalar.

Prevenção da anemia por deficiência de folato na gestação

Para prevenção, todas as gestantes e mulheres que estão tentando engravidar devem receber ácido fólico 0,4 mg a 0,8, por via oral, uma vez ao dia. Mulheres com antecedentes de feto com espinha bífida devem receber uma dose de 4 mg por via oral, uma vez ao dia, iniciando antes da concepção.

Hemoglobinopatias na gestação

Durante a gestação, as hemoglobinopatias, em particular anemia falciforme, doença de Hb S-C e talassemia alfa e beta podem piorar o prognóstico materno e resultados perinatais. Rastreamento genético à procura de algumas dessas doenças está disponível.

Anemia falciforme preexistente, especialmente se grave, aumenta o risco dos seguintes:

A anemia quase sempre piora com a progressão da gestação. A anemia falciforme aumenta o risco de infecções do trato urinário, mas não está associada a graves complicações relacionadas à gestação.

O tratamento da anemia falciforme na gestação é complexo. As crises álgicas devem ser tratadas de modo agressivo. A terapêutica transfusional profilática, com o intuito de manter a Hb A a 60%, reduz o risco de crises de hemólise e complicações pulmonares, mas não é recomendada rotineiramente, pois aumenta o risco de reações transfusionais, hepatite, transmissão do HIV e isoimunização dos grupos sanguíneos. A transfusão profilática parece não diminuir o risco perinatal. A transfusão terapêutica está indicada em casos de:

  • Anemia sintomática

  • Insuficiência cardíaca

  • Infecção bacteriana grave

  • Complicações graves do trabalho de parto e do parto (p. ex., sangramento, sepse)

A doença da Hb S-C pode provocar os primeiros sintomas durante a gestação. A doença pode aumentar o risco de infartos pulmonares por embolizações de espículas ósseas ocasionais. Os efeitos sobre o feto são incomuns, mas, caso ocorram, geralmente incluem restrição no crescimento fetal.

A talassemia-beta-falciforme é similar à doença da Hb S-C, mas é menos comum e mais benigna.

A alfatalassemia não causa morbidade materna, mas, se o feto é homozigoto, podem ocorrer hidropisia e morte fetal durante o 2º trimestre ou início do 3º.

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