Tração-contratração costuma ser utilizada para reduzir luxações anteriores do ombro. O método de tração-contratração mais comumente exige um ou mais assistentes, força física e, ocasionalmente, resistência. Sedação e analgesia para procedimentos (SAP) geralmente são necessárias.
A tração-contratração não é mais um método de primeira linha para a redução, mas continua um tanto popular principalmente em razão da sua alta taxa de sucesso, segurança, conforto do operador e, predominantemente, tradição. Permanece uma técnica alternativa confiável.
(Ver também Visão geral das técnicas de redução da luxação do ombro, Visão geral das luxações e Luxações do ombro.)
Indicações para tração-contratração
Luxação anterior do ombro
Deve-se tentar a redução logo após (p. ex., em 30 minutos) o diagnóstico ser feito.
Deve-se tentar a redução imediatamente utilizando uma técnica diferente da técnica de Davos se houver associação de deficit neurovascular ou protuberância na pele (decorrente de fratura óssea deslocada ou, menos comumente, fratura-luxação, com potencial de penetração ou ruptura da pele). Se há a suspeita de deficit neurovascular, um método menos vigoroso é preferível. Se um cirurgião ortopédico não está disponível, pode-se tentar a redução fechada, idealmente utilizando força mínima; se a redução não é bem-sucedida, pode-se realizá-la no centro cirúrgico sob anestesia geral.
Luxações abertas requerem cirurgia, mas deve-se utilizar técnicas de redução fechada e imobilização como tratamento interino se não há cirurgião ortopedista disponível e há deficit neurovascular.
Contraindicações à tração-contratração
Contraindicações à redução fechada simples:
Fratura da tuberosidade maior com deslocamento de > 1 cm
Deformidade de Hill-Sachs significativa (≥ 20% de deformidade na cabeça do úmero decorrente de impactação contra a borda da cavidade glenoidal)
Fratura do colo cirúrgico (abaixo das tuberosidades maior e menor)
Fratura de Bankart (borda anteroinferior da cavidade glenoidal) envolvendo fragmento ósseo de mais de 20% e com instabilidade glenoumeral
Fratura proximal do úmero em 2 ou mais partes
Essas fraturas associadas significativas exigem avaliação e tratamento ortopédicos, devido ao risco do procedimento em si piorar a luxação e a gravidade da lesão.
Outras razões para consultar um cirurgião ortopédico antes da redução são
A articulação está exposta (isto é, luxação aberta)
O paciente é uma criança, na qual muitas vezes há uma fratura da placa de crescimento (fise); entretanto, se há deficit neurovascular e o cirurgião ortopedista não está disponível, deve-se fazer a redução imediatamente.
A luxação ocorreu há mais de 7 a 10 dias, em razão do maior risco de dano à artéria axilar durante a redução, especialmente em pacientes idosos
Complicações da tração-contratração
Aumento do deslocamento das fraturas associadas
Lesão do nervo axilar, não comum, causada pela tração do braço durante a redução
Equipamento para tração-contratração
Anestesia intra-articular (p. ex., 20 mL de lidocaína a 1%, seringa de 20 mL, agulha de calibre 20 de 5 cm), solução antisséptica (p. ex., clorexidina, iodopovidona), compressas de gaze
Materiais e pessoal necessários para sedação e analgesia durante o procedimento
3 lençóis
Imobilizador de ombro ou tipoia e faixa
Um ou dois assistentes são necessários para o procedimento de tração-contratração.
Considerações adicionais para tração-contratração
As tentativas de redução têm maior probabilidade de sucesso se os pacientes estão calmos e conseguirem relaxar os músculos. Analgesia e sedação podem ajudar a aliviar espasmos musculares, e também distrações mentais como conversas agradáveis.
Sedação e analgesia para procedimento costumam ser necessárias se dor substancial, ansiedade e espasmos musculares impedirem o procedimento.
Pode-se utilizar anestesia regional (p. ex., bloqueio do nervo interescalênico guiado por ultrassom), mas ela tem a desvantagem de limitar o exame neurológico pós-redução.
Anatomia relevante para tração-contratração
Na maioria das luxações anteriores, a cabeça do úmero fica aprisionada fora e contra o lábio anterior da cavidade glenoidal. As técnicas de redução devem afastar a cabeça do úmero do lábio glenoidal e então retorná-la à cavidade glenoidal.
Deficits do nervo axilar são os deficits nervosos mais frequentes nas luxações anteriores do ombro. Geralmente se resolve em alguns meses, às vezes logo após a redução do ombro.
A lesão da artéria axilar é rara nas luxações anteriores do ombro e sugere possível lesão concomitante do plexo braquial (porque o plexo braquial circunda a artéria).
Posicionamento para tração-contratração
Colocar o paciente em decúbito dorsal na maca. Elevar a maca até a altura da pelve; travar as rodas da maca.
Permanecer em pé no lado afetado do paciente, na altura do seu abdome.
Pedir que um assistente permaneça em pé no lado oposto, um tanto cefálico ao nível do ombro do paciente.
Descrição passo a passo da tração-contratração
Exame neurovascular
Fazer exame neurovascular pré-procedimento do braço afetado e repeti-lo após cada tentativa de redução. Em geral, testar a função motora é mais confiável do que testar a função sensitiva, em parte porque os territórios supridos pelos nervos cutâneos podem se sobrepor. Avaliar o seguinte:
Pulsos distais, enchimento capilar, extremidade fria (artéria axilar)
Sensibilidade tátil do aspecto lateral do braço (nervo axilar), eminências tenar e hipotenar (nervos mediano e ulnar) e dorso do 1º espaço interdigital (nervo radial)
Abdução do ombro contra resistência, enquanto se palpa a contração do músculo deltoide (nervo axilar): no entanto, se esse teste piorar a dor do paciente, não realizá-lo até que o ombro tenha sido reduzido.
Aposição polegar-indicador (gesto de "OK") e flexão do dedo contra resistência (nervo mediano)
Abdução dos dedos contra resistência (nervo ulnar)
Extensão do punho e dedos contra resistência (nervo radial)
Analgesia
Administrar analgesia. Em geral, a melhor escolha é a injeção intra-articular de anestésico local. Sedação e analgesia para procedimentos (SAP) também são necessárias. Para administrar analgesia intra-articular:
O local de inserção da agulha é aproximadamente 2 cm inferior à borda lateral do acrômio (na depressão criada pela ausência da cabeça do úmero).
Limpar a área com solução antisséptica e deixá-la secar por pelo menos 1 minuto.
Opcional: aplicar o anestésico local (≤ 1 mL), criando uma pápula, no local.
Inserir a agulha intra-articular perpendicular à pele, aplicar contrapressão no êmbolo da seringa e avançar a agulha medial e ligeiramente inferior cerca de 2 cm.
Se for aspirado sangue da articulação, manter o canhão da agulha imóvel, trocar para uma seringa vazia, aspirar todo o sangue e reconectar a seringa com anestésico.
Injetar 10 a 20 mL de solução anestésica (p. ex., lidocaína a 1%).
Esperar a analgesia ocorrer (até 15 a 20 minutos) antes de prosseguir.
Administrar sedação e analgesia.
Reduzir o ombro — tração-contratração
Enrolar um lençol ao redor da parte superior do tronco do paciente, passando o lençol sob a axila do ombro luxado, e amarrar as extremidades do lençol em torno dos quadris (não da cintura, o que forçaria as costas) do assistente que está em pé no lado oposto da maca.
Abduzir o braço afetado em 45° e flexionar o cotovelo em 90°. Colocar uma 2 tira ao redor do antebraço flexionado proximalmente e então ao redor dos quadris.
Com os braços esticados, segurar o antebraço afetado com as duas mãos, mantendo a flexão do antebraço. Então, inclinar-se para trás, o que aplicará tração ao braço do paciente. Simultaneamente, pedir que o assistente incline-se para trás, criando uma força de contratração na axila. Seu peso corporal e do assistente, em vez da força do braço, fornece a força contínua necessária para essa técnica.
Se a tira subir no antebraço do paciente, corrigir a situação aumentando ligeiramente a flexão do antebraço.
O procedimento pode levar muitos minutos para ser bem-sucedido. Utilizar rotação lateral leve e limitada para facilitar a redução se necessário.
Se há espasmo muscular ou o paciente resiste ao procedimento, administrar mais analgésicos e/ou sedativos.
Se a redução não ocorrer, pedir que um segundo assistente enrole um lençol ao redor do úmero afetado próximo à cabeça do úmero e aplique uma força lateral-cefálica suave; essa força alavanca a cabeça do úmero distracionada lateralmente em direção à cavidade glenoidal.
Os sinais de uma redução bem-sucedida podem incluir um alongamento do braço, um “estalido” perceptível e uma breve fasciculação do deltoide.
Cuidados posteriores para tração-contratração
Confirma-se preliminarmente a redução bem-sucedida pela restauração do contorno normal do ombro, diminuição da dor e pela capacidade renovada do paciente de cruzar o braço sobre o tórax e colocar a palma da mão sobre o ombro oposto.
Imobilizar o ombro com tipoia e faixa ou com imobilizador.
Como a articulação pode luxar espontaneamente depois de uma redução bem-sucedida, não adiar a imobilização.
Fazer exame neurovascular pós-procedimento. Deficit neurovascular justifica avaliação ortopédica imediata.
Realizar radiografias pós-procedimento para confirmar a redução adequada e identificar quaisquer fraturas coexistentes.
Organizar o acompanhamento ortopédico.
Alertas e erros comuns para tração-contratração
A luxação aparente do ombro em uma criança costuma ser uma fratura envolvendo a placa de crescimento, que tende a se fraturar antes de a articulação ser danificada.
Permitir tempo suficiente para que o espasmo muscular desapareça antes de prosseguir com o procedimento; a redução apressada é uma causa comum de falha dessa técnica.
Recomendações e sugestões para tração-contratração
Colocar as tiras ao redor dos quadris dos operadores (em vez da cintura) previne a sobrecarga nas costas. Amarrar os lençóis utilizando um nó quadrado adequado diminui a probabilidade de eles se soltarem durante o procedimento.
Sedação adequada e controle da dor são essenciais.
Rotação lateral leve algumas vezes é necessária para alcançar a redução.
Pacientes que retornam com aumento da dor em até 48 horas após a redução, é provável que a causa seja uma hemartrose (a menos que o ombro tenha se luxado novamente). Aspirar o sangue do espaço articular (ver Como fazer artrocentese do ombro).