O termo demência frontotemporal refere-se a doenças hereditárias esporádicas que afetam os lobos frontal e temporal, incluindo a doença de Pick.
(Ver também Visão geral de delirium e demência e Demência.)
Demência é a degeneração crônica, global e geralmente irreversível da cognição. Demência frontotemporal é responsável por até 10% das demências. Em geral, o início se dá em idade mais jovem (55 a 65 anos) que na doença de Alzheimer. A incidência das DFT (demência frontotemporal) é quase a mesma em homens e mulheres.
Doença de Pick é um termo utilizado para descrever alterações patológicas na DFT, incluindo atrofia grave, perda neuronal, gliose e presença de neurônios anormais (células de Pick) contendo inclusões (corpos de Pick).
Cerca de metade das DFT é hereditária; a maioria das mutações genéticas envolve o cromossomo 17q21-22 e resulta em anormalidades da proteína tau associada aos microtúbulos; portanto, as DFT são geralmente consideradas tauopatias. Alguns especialistas classificam a paralisia supranuclear e a degeneração corticobasilar com as DFTs, pois compartilham patologia similar e mutações genéticas que afetam a proteína tau. Os sintomas nem sempre correspondem à mutação genética ou à patologia e vice-versa. Por exemplo, a mesma mutação causa sintomas de demência frontotemporal (DFT) em um membro da família e sintomas da degeneração corticobasilar em outro.
Demência não deve ser confundida com delirium, embora haja comprometimento da cognição em ambos. Os seguintes ajudam a distingui-los:
Demência afeta principalmente a memória, costuma ser causada por alterações anatômicas no encéfalo, tem início mais lento e, geralmente, é irreversível.
O delirium afeta principalmente a atenção, costuma ser causado por enfermidade aguda ou toxicidade por fármacos (às vezes com risco de morte) e, geralmente, é reversível.
Outras características específicas também ajudam a distinguir demência de delirium (ver tabela Diferenças entre delírio e demência).
Sinais e sintomas da demência frontotemporal
Em geral, a demência frontotemporal afeta personalidade, comportamento e, muitas vezes, mais a linguagem (sintaxe e fluência) e menos a memória que a doença de Alzheimer. O raciocínio abstrato e a atenção (seletiva e sustentada) são afetados; as respostas são desordenadas. A orientação é preservada, mas o resgate de informações pode ser afetado. As habilidades motoras geralmente são preservadas. Os pacientes têm dificuldade para sequenciar tarefas, embora as tarefas visuoespaciais e visuoconstrutivas sejam menos afetadas.
Os sinais de liberação frontal (reflexos de preensão, de procura, de sucção, do orbicular da boca e sinal glabelar [reflexos patológicos]) surgem tardiamente na doença, mas também ocorrem em outras demências.
Alguns pacientes desenvolvem doença do neurônio motor com atrofia muscular generalizada, fraqueza, fasciculações, sintomas bulbares (p. ex., disfagia, disfonia, dificuldade de mastigar) e risco maior de pneumonia por aspiração e morte prematura.
Há diferentes tipos de demências frontotemporais, dependendo de qual parte do cérebro é afetada.
Variante comportamental (frontal) da DFT
Há alteração do comportamento social e da personalidade, pois a região orbitofrontal é afetada. Pacientes tornam-se impulsivos e perdem suas inibições sociais (p. ex., podem roubar em lojas); eles negligenciam a higiene pessoal. Podem aparecer impersistência (concentração prejudicada), inércia e rigidez mental. Alguns apresentam síndrome de Klüver-Bucy, que envolve insensibilidade emocional, hiperatividade sexual, hiperoralidade (p. ex., bulimia, sucção e estalo dos lábios) e agnosias visuais.
O comportamento torna-se repetitivo e estereotipado (p. ex., os pacientes podem caminhar até o mesmo local todos os dias). Os pacientes podem pegar e manipular aleatoriamente objetos sem qualquer propósito (o denominado comportamento de utilização).
A expressão verbal é reduzida, ocorrendo ecolalia, repetição excessiva (repetição inconveniente de uma resposta) e, com o tempo, mutismo.
Afasia progressiva primária
A linguagem degenera-se em decorrência da atrofia assimétrica (pior do lado esquerdo) anterolateral do lobo temporal; o hipocampo e a memória são relativamente preservados. A maioria dos pacientes tem dificuldade em encontrar palavras. A atenção (p. ex., amplitude de dígitos) pode ser gravemente afetada. Muitos pacientes têm afasia, com redução da fluência e dificuldade de compreensão da linguagem; também são comuns a hesitação na produção da fala e a disartria. Em alguns pacientes, a afasia é o único sintoma existente em ≥ 10 anos, enquanto em outros desenvolvem-se déficits cognitivos globais em poucos anos.
A demência semântica é um tipo de afasia progressiva primária. Quando o lado esquerdo do encéfalo é mais afetado, perde-se progressivamente a capacidade de compreender palavras. A fala é fluente, mas sem significado (p. ex., um termo genérico ou relacionado é utilizado em vez do nome específico de um objeto). Quando o lado direito é mais afetado, os pacientes apresentam anomia progressiva (incapacidade de nomear objetos) e prosopagnosia (incapacidade de reconhecer faces familiares). Não conseguem se lembrar de relações topográficas. Alguns pacientes com demência semântica também apresentam doença de Alzheimer.
Diagnóstico da demência frontotemporal
Geralmente similar ao diagnóstico inicial das outras demências
Avaliação clínica adicional para diferenciar de outras demências
Um diagnóstico geral da demência exige todos os seguintes:
Sintomas cognitivos ou comportamentais (neuropsiquiátricos) interferem na capacidade de funcionar no trabalho ou fazer atividades diárias habituais.
Esses sintomas representam uma queda em relação aos níveis anteriores de funcionamento.
Esses sintomas não são explicados por delirium ou transtorno psiquiátrico.
O diagnóstico da demência frontotemporal é sugerido por resultados clínicos típicos (p. ex., desinibição social ou comprometimento da função da linguagem com preservação relativa da memória).
Da mesma forma que em outras demências, avaliam-se os deficits cognitivos. A avaliação envolve fazer o levantamento da história do paciente e de alguém que conhece o paciente mais exame do estado mental no leito ou, se o teste no leito for inconclusivo, testes neuropsicológicos formais.
CT e a RM são realizadas para determinar a localização e a extensão da atrofia cerebral e para excluir outras causas possíveis (p. ex., tumores cerebrais, abscessos e acidente vascular encefálico). As DFT caracterizam-se por giros extremamente atrofiados e, às vezes, delgados como papel, nos lobos frontal e temporal. Entretanto, a RM e a TC podem não mostrar essas alterações até a fase tardia na DFT. Assim, as DFTs e a doença de Alzheimer podem ser diferenciadas com mais facilidade por meio de critérios clínicos. Por exemplo, a afasia progressiva primária difere da doença de Alzheimer, pois a memória e a função visuoespacial são preservadas e a sintaxe e a fluência são afetadas.
Tomografia por emissão de pósitrons (PET) com deoxiglicose marcada com flúor-18 (18F) (fluorodesoxiglicose, ou FDG) pode ajudar a diferenciar a doença de Alzheimer da DFT, evidenciando diferenças na localização das áreas hipometabólicas. Na doença de Alzheimer, essas áreas estão localizadas na associação córtex temporoparietal posterior e no córtex cingulado posterior; na DFT, elas estão localizados nas regiões anteriores—nos lobos frontais, córtex temporal anterior e córtex cingulado anterior.
Tratamento da demência frontotemporal
Medidas de suporte
Não há tratamento específico para demência frontotemporal. O tratamento quase sempre é de suporte. Por exemplo, o ambiente deve ser iluminado, alegre e familiar, e deve ser projetado para reforçar a orientação (p. ex., colocar grandes relógios e calendários no ambiente). Medidas para garantir a segurança do paciente (p. ex., sistemas de monitoramento de sinal para os pacientes que perambulam) devem ser implementadas.
Os sintomas são tratados conforme necessário.
Prognóstico para demência frontotemporal
Em geral, as demências frontotemporais progridem gradualmente, mas o grau de progressão é variável; se os sintomas se limitarem à fala e à linguagem, a progressão à demência geral poderá ser mais lenta.
Questões sobre o fim de vida
Considerando que ocorre degeneração da percepção e do julgamento em pacientes com demência, pode haver necessidade de designar um familiar, tutor ou advogado para supervisionar as finanças. No início da demência, antes de o paciente ficar incapacitado, seus desejos sobre os cuidados devem ser esclarecidos e realizados planejamentos financeiros e legais (p. ex., procuração para cuidados de saúde). Quando esses documentos são assinados, deve-se avaliar a capacidade do paciente e registrar os resultados da avaliação. O ideal é tomar decisões sobre alimentacão artificial e tratamento de doenças agudas antes que tais medidas sejam necessárias.
Na demência avançada, as medidas paliativas podem ser mais apropriadas que as intervenções altamente agressivas ou internações hospitalares.