Febre reumática

PorGeoffrey A. Weinberg, MD, Golisano Children’s Hospital
Revisado/Corrigido: fev. 2024
Visão Educação para o paciente

A febre reumática é uma complicação inflamatória aguda, não supurativa da infecção faríngea por estreptococos do grupo A, causando combinações de artrites, cardites, nódulos subcutâneos, eritema marginado e coreia. O diagnóstico baseia-se na aplicação dos critérios modificados de Jones relacionados com dados de história, exame e testes laboratoriais. O tratamento inclui ácido acetilsalicílico ou outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), corticoides durante cardites graves e antimicrobianos para erradicar infecção estreptocócica residual e prevenir a reinfecção.

Um primeiro episódio da febre reumática aguda (FRA) pode ocorrer em qualquer idade, mas com maior frequência entre os 5 e os 15 anos, que são o pico de idade para faringite estreptocócica. A febre reumática aguda é incomum antes dos 3 anos e depois dos 21 anos de idade. Mas faringite sintomática prévia só é reconhecida em cerca de dois terços dos pacientes com febre reumática aguda.

Em todo o mundo, a incidência varia de 8 a 51/100.000 (1), com taxas menores (< 10/100.000) na América do Norte e no Oeste Europeu, e taxas mais altas (> 10/100.000) na Europa Oriental, Oriente Médio, África, Ásia, Austrália e Nova Zelândia (2, 3, 4, 5). A frequência das crises (porcentagem de pacientes com faringite por estreptococos do grupo A que desenvolvem febre reumática aguda) varia de < 1,0 a 3,0%. Frequências mais elevadas de crises ocorrem com certos tipos sorológicos de proteínas dos estreptococos M e uma intensa resposta imunitária do hospedeiro (provavelmente resultante de tendências genéticas ainda não caracterizadas).

Em pacientes com um episódio prévio de febre reumática aguda, a taxa de recorrência da febre reumática aguda na faringite por estreptococos do grupo A não tratada se aproxima de 50%, ressaltando a importância da profilaxia antiestreptocócica de longo prazo. A incidência diminuiu na maioria dos países ricos em recursos, mas continua sendo alta em regiões pobres em recursos do mundo, especialmente as regiões com populações nativas ou aborígenes como nativos do Alasca, inuítes canadenses, nativos americanos, aborígenes australianos e maoris neozelandeses, onde a incidência é tão alta quanto 50 para 250/100.000. Entretanto, a ocorrência contínua nos Estados Unidos de epidemias locais de febre reumática aguda sugerem que cepas de estreptococos mais virulentas reumatogênicas podem ainda estar presentes nos Estados Unidos.

A prevalência da cardiopatia reumática crônica é incerta porque os critérios não são padronizados e a necropsia não é realizada de rotina, mas estima-se que em todo o mundo haja ≥ 39 milhões de pacientes com doença cardíaca reumática, resultando em cerca de 300.000 mortes anualmente.

Dicas e conselhos

  • A probabilidade de recorrência da febre reumática em pacientes que já tiveram essa doença é cerca de 50% se eles tiverem outro episódio de faringite estreptocócica do grupo A que não foi tratada.

Referências gerais

  1. 1. Tibazarwa KB, Volmink JA, Mayosi BM: Incidence of acute rheumatic fever in the world: a systematic review of population-based studies. Heart 94(12):1534-1540, 2008. doi: 10.1136/hrt.2007.141309

  2. 2. Watkins DA, Johnson CO, Colquhoun SM, et al: Global, regional, and national burden of rheumatic heart disease, 1990–2015. N Engl J Med 377:713–722, 2017. doi: 10.1056/NEJMoa1603693

  3. 3. Carapetis JR, Beaton A, Cunningham MW, et al: Acute rheumatic fever and rheumatic heart disease. Nat Rev Dis Primers 2:15084, 2016. doi: 10.1038/nrdp.2015.84

  4. 4. Sable C: Update on Prevention and Management of Rheumatic Heart Disease. Pediatr Clin North Am 67(5):843-853, 2020. doi: 10.1016/j.pcl.2020.06.003

  5. 5. Karthikeyan G, Guilherme L: Acute rheumatic fever. Lancet 392(10142):161-174, 2018. doi: 10.1016/S0140-6736(18)30999-1

Fisiopatologia da febre reumática

A faringite por estreptococos do Grupo A (EGA) é precursora etiológica da febre reumática aguda, embora o hospedeiro e os fatores ambientais sejam importantes. Proteínas M de EGA compartilham epítopos (locais antigênicos determinantes reconhecidos pelos anticorpos) com proteínas localizadas nas sinoviais, na musculatura cardíaca e nas valvas cardíacas, sugerindo que o mimetismo pelo antígenos do GAS das cepas reumatológicas contribui para artrite, cardite e lesão valvar. Os fatores de risco genéticos do hospedeiro incluem o D8/antígeno celular 17 B e certos antígenos de histocompatibilidade classe II. Desnutrição, superpopulação e baixas condições socioeconômicas predispõem a infecção estreptocócica e subsequentes episódios de febre reumática.

Surpreendentemente, embora as infecções por estreptococos do grupo A tanto na faringe como em estruturas da pele e dos tecidos moles, ossos ou articulações, pulmões e corrente sanguínea possam causar glomerulonefrite pós-estreptocócica, infecções por estreptococos do grupo A não faríngeas não levam à febre reumática aguda. A razão dessa diferença distinta nas complicações resultantes de infecção pelo mesmo organismo não é bem compreendida.

As articulações, o coração, a pele e o sistema nervoso central são mais frequentemente afetados. A patologia varia conforme o local.

Articulações

A biopsia de uma amostra da sinovial revela comprometimento articular manifestado por inflamação inespecífica, algumas vezes com pequenos focos semelhantes aos corpos de Aschoff (coleções granulomatosas de leucócitos, miócitos e colágeno intersticial). Ao contrário dos achados cardíacos, porém, as anormalidades das articulações não são crônicas e não deixam cicatrizes ou anomalias residuais ("a febre reumática aguda lambe as articulações, mas morde o coração").

Coração

O comprometimento cardíaco manifesta-se por cardite, afetando o coração tipicamente de dentro para fora, isto é, valvas e endocárdio, depois miocárdio e finalmente pericárdio. É às vezes seguido, anos a décadas mais tarde, de cardiopatia reumática crônica, manifestada inicialmente por estenose valvular, mas também regurgitação, arritmias e disfunção ventricular.

Nafebre reumática aguda, corpos de Aschoff aparecem frequentemente no miocárdio e em outras partes do coração. A pericardite fibrinosa inespecífica, às vezes com derrame, ocorre principalmente em pacientes com inflamação do endocárdio e geralmente diminui sem lesão permanente. Podem ocorrer alterações valvares características e potencialmente danosas. A valvulite intersticial aguda pode provocar edema valvular.

Nacardiopatia reumática crônica, podem ocorrer espessamento valvar, fusão e retração ou outra destruição das cúspides, provocando estenose ou insuficiência. Similarmente, os cordões tendinosos podem sofrer encurtamento, espessamento ou fusão, piorando a regurgitação das valvas lesadas ou levando a regurgitação de valvas não afetadas. A dilatação dos anéis valvares também pode provocar regurgitação.

Doença valvar reumática mais comumente envolve as valvas atrioventriculares direita e esquerda. As valvas mitrais, aórticas, tricúspides e pulmonares, isoladamente, quase nunca são afetadas.

Na febre reumática aguda, as manifestações cardíacas mais comuns são

  • Regurgitação mitral

  • Pericardite

  • Às vezes, regurgitação aórtica

Na cardiopatia reumática crônica, as manifestações cardíacas mais comuns são

  • Estenose mitral

  • Regurgitação aórtica (muitas vezes com algum grau de estenose)

  • Talvez regurgitação atrioventricular direita (muitas vezes junto com estenose atrioventricular esquerda)

Pele

Os nódulos subcutâneos são indistinguíveis dos presentes na artrite idiopática juvenil (AIJ), porém a biópsia mostra aspectos parecidos com os corpos de Aschoff.

O eritema marginado difere histologicamente de outras lesões cutâneas com aspecto macroscópico semelhante, p. ex., exantema da artrite idiopática juvenil sistêmica, vasculite associada à imunoglobulina A (antigamente chamada de púrpura de Henoch-Schönlein), eritema crônico migratório e eritema multiforme.

Na região da derme, ocorrem infiltrados perivasculares de neutrófilos e mononucleares.

SNC

A coreia de Sydenham, a forma de coreia que ocorre com a febre reumática aguda, manifesta-se no sistema nervoso central com hiperperfusão e aumento do metabolismo dos gânglios da base.

Demonstraram-se níveis elevados de anticorpos antineuronais.

Sinais e sintomas da febre reumática

Os sintomas iniciais da febre reumática ocorrem tipicamente cerca de 2 a 3 semanas após a infecção estreptocócica. As manifestações envolvem tipicamente algumas combinações das articulações, do coração, da pele e do sistema nervoso central (1).

Articulações

Poliartrite migratória, é a manifestação mais comum da febre reumática aguda, é a manifestação mais comum, ocorrendo em cerca de 35 a 66% das crianças; frequentemente acompanhada de febre. Migratória significa que a artrite aparece em uma ou algumas articulações, desaparece, mas então aparece em outras, aparentado assim passar de uma articulação para outra. Ocasionalmente, a monoartrite ocorre em populações indígenas de alto risco (p. ex., na Austrália, na Índia e em Fiji), mas é muito rara nos Estados Unidos. As articulações tornam-se extremamente dolorosas e sensíveis; esses sintomas costumam ser desproporcionais ao discreto calor e edema presentes ao exame (isso se contrapõe à artrite da doença de Lyme, na qual os achados ao exame tendem a ser mais graves do que os sintomas).

Tornozelos, joelhos, cotovelos e punhos geralmente estão envolvidos. Pode haver comprometimento dos ombros, dos quadris e de pequenas articulações dos pés e das mãos, geralmente não isolado. Se ocorrer comprometimento das articulações vertebrais, deve-se suspeitar de outras doenças.

Sintomas semelhantes à artralgia podem decorrer de mialgia inespecífica ou tenodinia da zona periarticular; a tenossinovite pode aparecer no local da inserção muscular. A dor articular e a febre desaparecem em 2 semanas e raramente têm duração > 1 mês.

Coração

A cardite pode ocorrer isoladamente ou em combinação com atrito pericárdico, sopros, cardiomegalia ou insuficiência cardíaca. No primeiro episódio da febre reumática aguda, a cardite ocorre em cerca de 50 a 70%. Os pacientes podem ter febre alta, dor no peito ou ambos; taquicardia é comum, especialmente durante o sono. As lesões cardíacas (isto é, disfunções valvares persistentes) ocorrem muito mais tarde, em cerca de 50% dos casos.

Embora a cardite da febre reumática aguda seja considerada pancardite (envolvendo o endocárdio, miocárdio e pericárdio), valvite é a característica mais consistente da febre reumática aguda e, se não estiver presente, o diagnóstico deve ser reconsiderado. Classicamente, o diagnóstico da valvite é feito pela ausculta de sopros, mas casos subclínicos (isto é, disfunção valvar não manifestada por sopros, mas reconhecida em exames de ecocardiografia e Doppler) podem ocorrer em até 18% dos casos de febre reumática aguda.

Sopros cardíacos são comuns e, embora geralmente apareçam cedo, podem não ser audíveis no exame inicial; nesses casos, recomendam-se exames clínicos repetidos e também ecocardiografia para determinar a presença de cardite. A regurgitação mitral é caracterizada por sopro pansistólico apical que se irradia para a axila. O sopro diastólico suave na borda do esterno esquerdo da regurgitação aórtica e o murmúrio pré-sistólico da estenose mitral podem ser difíceis de detectar. Os sopros costumam persistir indefinidamente. Se nenhuma piora ocorrer nas próximas 2 a 3 semanas, raramente surgirão novas manifestações de cardite. A febre reumática aguda típica não leva a cardite crônica latente. A lesão valvular aguda deixa cicatrizes que levam a contração e alteração, propiciando dificuldades hemodinâmicas secundárias no miocárdio, sem inflamação aguda persistente.

Pericardite pode se manifestar como dor torácica e atrito pericárdico.

Insuficiência cardíaca causada pela combinação de cardite e disfunção valvular pode causar dispneia sem ruídos adventícios, náuseas e vômitos, dor no hipocôndrio direito ou dor epigástrica e tosse seca persistente. Letargia acentuada e fadiga podem ser manifestações precoces da insuficiência cardíaca.

Pele

Aspectos cutâneos e subcutâneos são raros e quase nunca ocorrem sozinhos, aparecendo geralmente em pacientes que já apresentam cardite, artrite ou coreia.

Nódulos subcutâneos ocorrem com maior frequência nas superfícies de extensão das grandes articulações (p. ex., joelhos, cotovelos e punhos) e geralmente coexistem com artrite e cardite. Um pouco mais de 10% das crianças com febre reumática aguda apresentam nódulos. De modo geral, os nódulos são indolores, transitórios e respondem ao tratamento da inflamação articular ou cardíaca.

Eritema marginado é serpiginoso, plano e às vezes discretamente elevado, sem cicatrizes e exantema indolor. Um pouco mais de 6% das crianças apresentam esse exantema. O exantema geralmente aparece no tronco e extremidades proximais, mas não na face. Ela às vezes dura < 1 dia. Seu aparecimento é estimulado pela infecção estreptocócica e pode aparecer com as manifestações da inflamação reumática ou depois delas.

Eritema marginado na febre reumática
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Eritema marginado é um exantema serpiginoso encontrado em pacientes com febre reumática.
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SNC

A coreia de Sydenham ocorre em cerca de 10 a 30% das crianças. Pode surgir com outras manifestações, porém com maior frequência surge após abrandamento das outras manifestações (em geral, meses após a infecção estreptocócica aguda) e, portanto, pode ser negligenciada como um indicador de febre reumática aguda. A coreia tem início tipicamente insidioso e pode ser precedida de riso ou choro. Coreia consiste em movimentos rápidos, irregulares e abruptos que podem iniciar nas mãos, mas, com frequência, tornam-se generalizados, envolvendo pés e face.

Aspectos característicos incluem força de apreensão oscilante (apreensão da ordenhadora de leite), fasciculações na língua, movimentos incoordenados da língua, caretas e fala gutural explosiva. Os sintomas motores associados incluem perda do controle motor fino, fraqueza e hipotonia (que pode ser grave o suficiente para ser confundida com paralisia).

Comportamento obsessivo-compulsivo previamente não diagnosticado pode não ser percebido em muitos pacientes.

Outros

Febre (≥ 38,5° C) e outras manifestações sistêmicas, como anorexia e mal-estar, podem ser pronunciadas, mas não são específicas. A FRA pode se manifestar ocasionalmente como febre de origem indeterminada até que se desenvolva um sinal mais identificável.

Dor abdominal e anorexia podem ocorrer devido ao envolvimento hepático na insuficiência cardíaca ou de adenite mesentérica concomitante, e raramente a situação pode ser semelhante à apendicite grave.

Recorrência

Episódios recorrentes de febre reumática aguda muitas vezes imitam o episódio inicial; cardite tende a recorrer em pacientes que já tiveram cardite moderada a grave, e coreia sem cardite reaparece em pacientes que tiveram coreia sem cardite inicialmente.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Gewitz MH, Baltimore RS, Tani LY, et al: Revision of Jones criteria for the diagnosis of acute rheumatic fever in the era of Doppler echocardiography: A scientific statement from the American Heart Association. Circulation 131:1806–1818, 2015. doi: 10.1161/CIR.0000000000000205

Diagnóstico da febre reumática

  • Critérios modificados de Jones (para diagnóstico inicial)

  • Teste para infecção por estreptococo do Grupo A (SGA) (cultura, teste rápido de estreptococos, ou títulos de antiestreptolisina O e anti-DNase B)

  • ECG

  • Ecocardiografia com Doppler

  • Níveis de velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação) e proteína C-reativa (CRP)

O diagnóstico de um primeiro episódio da FRA baseia-se nos critérios de Jones modificados (1) (ver tabela Critérios de Jones modificados para um primeiro episódio de febre reumática aguda (FRA) *); são necessários 2 critérios principais ou 1 critério principal e 2 critérios secundários, cada um junto com evidências de infecção prévia por EGA. A coreia de Sydenham isolada (isto é, sem critérios menores) preenche os critérios diagnósticos se outras causas de distúrbios de movimentos forem afastadas.

Os critérios modificados de Jones foram projetados para a avaliação da febre reumática aguda, em vez de para uma possível recorrência. Mas se os pacientes têm história confiável de febre reumática aguda ou doença cardíaca reumática e também infecção por EGA documentada, os critérios podem ser utilizados para determinar a presença de uma recorrência.

Uma infecção por EGA prévia é sugerida por história recente de faringite e confirmada por 1 ou mais dos seguintes:

  • Cultura faríngea positiva

  • Título de antiestreptolisina O aumentado ou, preferencialmente, em elevação

  • Teste rápido para antígeno de EGA positivo em uma criança com manifestações clínicas sugestivas de faringite estreptocócica

Episódio de escarlatina recente é altamente sugestivo. Culturas de orofaringe e testes antigênicos rápidos para estreptococos geralmente são negativos no momento em que a febre reumática aguda se manifesta, ao passo que os títulos da antiestreptolisina O e anti-DNase B tipicamente alcançam o pico 3 a 6 semanas depois da faringite por EGA. Cerca de 80% das crianças com febre reumática aguda têm títulos de antiestreptolisina O significativamente elevados; se o nível de anticorpos anti-DNase B também é mensurado, o percentual com infecção confirmada por EGA é mais alta, especialmente se amostras agudas e convalescentes são testadas.

A punção aspirativa da articulação pode ser necessária para excluir outras causas de artrite (p. ex., infecções). O líquido é nublado e amarelado, com leucócitos elevados, principalmente neutrófilos; a cultura é negativa. Os níveis dos complementos são geralmente normais ou discretamente diminuídos se comparados com os baixos níveis nas outras artrites inflamatórias.

O ECG é realizado durante a avaliação inicial. Níveis de marcadores cardíacos no soro estão disponíveis; níveis normais de troponina I cardíaca excluem lesão de miocárdio relevante. Anormalidades no ECG como PR prolongado não estão correlacionadas com outras evidências de cardite. Apenas 35% das crianças com febre reumática agudaA têm o intervalo PR prolongado; bloqueio cardíaco de grau mais alto pode ocorrer, mas é incomum. Outras anormalidades no ECG podem ser devidas a pericardite, dilatação ventricular ou atrial ou arritmias.

Ecocardiografia pode detectar evidências de cardite mesmo em pacientes sem sopros aparentes e é recomendada para todos os pacientes com febre reumática aguda confirmada ou suspeita. A ecocardiografia também é utilizada para detectar cardite subclínica em pacientes com coreia de Sydenham aparentemente isolada e para monitorar o estado dos pacientes com recorrências de cardite ou doença cardíaca reumática crônica. Mas nem todas as anormalidades ecocardiográficas representam cardite reumática; regurgitação valvar trivial isolada ou derrame pericárdico trivial pode ser um achado inespecífico. Para manter a especificidade, os resultados ecocardiográficos e do Doppler devem atender aos seguintes critérios (1) para cardite reumática aguda:

Critério de fluxo Doppler:

  • Regurgitação atrioventricular esquerda patológica: deve ser vista em pelo menos 2 incidências, e ter um comprimento de fluxo ≥ 2 cm em pelo menos 1 visualização, uma velocidade de pico > 3 m/s e fluxo pansistólico em pelo menos 1 envoltório

  • Regurgitação aórtica patológica: deve ser vista em pelo menos 2 incidências, e ter um comprimento de fluxo ≥ 1 cm em pelo menos 1 visualização, velocidade de pico > 3 m/s e fluxo pandiastólico em pelo menos 1 envoltório

Critérios morfológicos ecocardiográficos:

  • Alterações morfológicas patológicas da valva atrioventricular esquerda incluem dilatação anular, alongamento das cordas ou ruptura com oscilação das cúspides, prolapso da ponta folheto anterior (ou menos comumente posterior) ou aspecto em “rosário"/nodularidade das pontas das cúspides.

  • Alterações morfológicas patológicas da valva aórtica incluem espessamento irregular ou focal dos folhetos, defeito de coaptação, movimento limitado dos folhetos ou prolapso dos folhetos.

Radiografias do tórax não são solicitadas rotineiramente, porém podem revelar cardiomegalia, manifestação comum da cardite na febre reumática aguda.

Biópsia dos nódulos subcutâneos pode auxiliar no diagnóstico precoce, especialmente quando outras manifestações clínicas maiores estiverem ausentes.

A VHS e a CRP são sensíveis, porém não específicas. A VHS é tipicamente > 60 mm/hora. A CRP costuma ser > 3 mg/L (> 30 mg/L) e frequentemente > 7 mg/L (> 70 mg/L); como se eleva e cai mais rápido do que a VHS, a CRP normal pode confirmar a ausência de inflamação em um paciente com VHS elevada após os sintomas agudos terem desaparecido. Na ausência de cardite, a VHS geralmente retorna ao normal em 3 meses. A evidência de inflamação aguda, incluindo a VHS, geralmente desaparece em 5 meses na cardite sem complicações. O número de leucócitos alcança 12.000 a 20.000/mcL (12 a 20 × 109/L) e pode elevar-se mais ainda com a corticoterapia.

O diagnóstico diferencial inclui artrite idiopática juvenil (especialmente artrite idiopática juvenil sistêmica e, menos, a artrite idiopática juvenilpoliarticular), doença de Lyme, artrite reacional, artropatia da anemia falciforme, leucemia ou outras doenças malignas, lúpus eritematoso sistêmico, endocardite por embolia bacteriana, doença do soro, doença de Kawasaki, reações medicamentosas e artrite gonocócica. O diferencial é feito por história e exames laboratoriais específicos. Ausência de um antecedente de infecção por EGA, variações diurnas da febre, exantema evanescente e inflamação articular sintomática prolongada geralmente distinguem a artrite idiopática juvenil sistêmica da febre reumática aguda.

Tabela
Tabela

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Gewitz MH, Baltimore RS, Tani LY, et al: Revision of Jones criteria for the diagnosis of acute rheumatic fever in the era of Doppler echocardiography: A scientific statement from the American Heart Association. Circulation 131:1806–1818, 2015. doi: 10.1161/CIR.0000000000000205

Tratamento da febre reumática

  • Antibióticos

  • Ácido acetilsalicílico

  • Algumas vezes, corticoides

Os objetivos primordiais do tratamento da febre reumática são a erradicação da infecção estreptocócica do grupo A, alívio dos sintomas agudos, supressão da inflamação e profilaxia contra futuras infecções, para prevenir cardiopatia recorrente.

Para o tratamento geral, os pacientes sintomáticos com artrite, coreia ou insuficiência cardíaca devem limitar suas atividades. Na ausência de cardite e após desaparecimento do episódio inicial, não é necessário nenhum tipo de restrição física. O repouso no leito não tem valor comprovado em pacientes assintomáticos com cardite, apesar de ser tradicionalmente utilizado.

O tratamento da doença valvar cardíaca crônica e insuficiência cardíaca são discutidos em outras partes deste Manual.

Tratamento com antibióticos

Embora a inflamação pós-estreptocócica esteja bastante avançada no momento em do diagnóstico da febre reumática aguda, um curso de 10 dias de penicilina ou amoxicilina, ou uma única injeção de penicilina G benzatina, é utilizada para erradicar microrganismos remanescentes e prevenir reinfecção. Para regimes específicos, ver Tratamento da faringite estreptocócica. A profilaxia antibiótica é mantida como descrito abaixo.

Ácido acetilsalicílico e outros medicamentos anti-inflamatórios

O ácido acetilsalicílico controla a febre e deve ser administrado para todos os pacientes com artrite e/ou cardite leve. Embora o ácido acetilsalicílico tenha sido utilizado há muitas décadas, surpreendentemente há poucos dados de estudos controlados para definir o esquema de dosagem ideal. A maioria dos especialistas administraria a crianças e adolescentes 15 a 25 mg/kg, por via oral 4 vezes ao dia (até uma dose máxima diária de 4 a 6 g) por 2 a 4 semanas e então reduziria a dose ao longo de outras 4 semanas. A febre reumática aguda sintomática responde drasticamente ao ácido acetilsalicílico. Se nenhuma melhoria é observada após 24 a 48 a da terapia com ácido acetilsalicílico em doses altas, o diagnóstico da febre reumática aguda deve ser reconsiderado. A toxicidade do salicilato é o fator limitante para a terapia com ácido acetilsalicílico e se manifesta por zumbido, cefaleia ou hiperpneia, podendo aparecer após 1 semana da terapia. Níveis de salicilato são medidos apenas para controlar a toxicidade. Moléculas complexas de salicilato tamponadas ou com revestimento entérico não oferecem vantagens.

Para pacientes com cardite mínima a leve, não há dados controlados que sugerem que o acréscimo de prednisona à terapia com ácido acetilsalicílico acelera o desaparecimento da doença ou previne a doença cardíaca reumática.

Pequenos ensaios clínicos revelaram que outros AINEs podem ser eficazes; naproxeno (7,5 a 10 mg/kg, por via oral 2 vezes ao dia) é o mais estudado. Entretanto, outros AINEs têm poucas vantagens em relação ao ácido acetilsalicílico, especialmente na primeira semana da terapia quando salicilismo é incomum. Paracetamol não é eficaz para os sintomas da febre reumática aguda.

Recomenda-se prednisona oral em vez de ácido acetilsalicílico para pacientes com cardite moderada a grave (conforme avaliado por uma combinação de achados clínicos, presença de hipertrofia cardíaca e, possivelmente, por resultados ecocardiográficos gravemente anormais). Se não houver supressão da inflamação depois de 2 dias ou de insuficiência cardíaca grave, administra-se pulso de corticoide IV de succinato de metilprednisolona (30 mg/kg IV uma vez ao dia, máximo de 1 g/dia, durante 3 dias consecutivos). Os corticoides orais são geralmente administrados por 2 a 4 semanas e então diminuídos gradativamente ao longo de outras 2 a 3 semanas. O ácido acetilsalicílico deve ser iniciado durante a redução gradativa dos corticoides e mantido por 2 a 4 semanas após a suspensão dos corticoides. A dose de ácido acetilsalicílico é a mesma que acima. Marcadores inflamatórios, como a velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação) e a CRP, podem ser utilizados para monitorar a atividade da doença e a resposta ao tratamento.

Recorrências da inflamação cardíaca leve (indicadas por febre ou dor torácica) podem ceder espontaneamente, porém o ácido acetilsalicílico ou corticoides devem ser reassumidos se sintomas recorrentes durarem mais do que alguns dias ou no caso de insuficiência cardíaca não controlada por medicação-padrão (p. ex., diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), betabloqueadores, agentes inotrópicos).

Profilaxia antibiótica

Deve-se manter continuamente a profilaxia antiestreptocócica após o episódio inicial da febre reumática aguda para prevenir recorrências. Antibióticos tomados por via oral são um pouco menos eficazes que aqueles administrados por injeção. Entretanto, a via IM é dolorosa, requer consultas clínicas e observação de reações após a injeção.

A duração considerada ótima da profilaxia antiestreptocócica é desconhecida. Crianças sem cardite devem receber profilaxia durante 5 anos ou até 21 anos de idade (o que quer que seja mais longo). A American Heart Association e a American Academy of Pediatrics recomenda o uso de medicação profilática por 10 anos ou até os 21 anos de idade (o que quer que seja mais longo) para pacientes portadores de cardite sem evidência de lesão cardíaca residual (1). Crianças com cardite e evidências de lesão cardíaca residual devem receber medicação profilática por > 10 anos; para esses pacientes, muitos especialistas recomendam profilaxia indefinidamente ou, como uma alternativa, até os 40 anos de idade. A profilaxia deva ser mantida por toda a vida em todos os pacientes com doença valvar grave que têm contato próximo com crianças pequenas porque elas com frequência são portadoras de EGA.

O esquema padrão para profilaxia contra infecção recorrente por EGA inclui penicilina G benzatina por via IM a cada 3 a 4 semanas. *Em regiões do mundo com alta endemicidade da febre reumática aguda, a profilaxia IM a cada 3 semanas é superior àquela a cada 4 semanas. Alternativas (p. ex., para pacientes que não desejam receber injeções) são penicilina V ou sulfadiazina ou sulfisoxazol por via oral todos os dias. Para pacientes que provaram ser alérgicos à penicilina e sulfa, as alternativas são eritromicina ou azitromicina por via oral todos os dias.

A Associação Americana de Cardiologia não mais recomenda que pacientes com valvulopatia reumática conhecida ou suspeita recebam, a curto prazo, profilaxia contra endocardite bacteriana nos procedimentos cirúrgicos odontológicos ou orais a menos que tenham prótese valvar (ver Prevenção da endocardite infecciosa) (1).

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Gerber MA, Baltimore RS, Eaton CB, et al: Prevention of rheumatic fever and diagnosis and treatment of acute Streptococcal pharyngitis: a scientific statement from the American Heart Association Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease Committee of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, the Interdisciplinary Council on Functional Genomics and Translational Biology, and the Interdisciplinary Council on Quality of Care and Outcomes Research: endorsed by the American Academy of Pediatrics. Circulation 119(11):1541-1551, 2009. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.109.191959

Prognóstico para febre reumática

O prognóstico depois de um episódio inicial de febre reumática aguda depende principalmente da gravidade com que o coração é afetado, e se existe um episódio recorrente de febre reumática aguda. Com o tempo, os sopros desaparecem em cerca de metade dos pacientes cujos episódios agudos se manifestaram por cardite leve sem dilatação ou descompensação cardíaca principal. Mas muitos outros desenvolvem doença valvar crônica, incluindo alguns que se recuperaram do episódio agudo sem evidências de doença valvar.

Episódios da coreia de Sydenham geralmente duram vários meses e desaparecem na maioria dos pacientes, porém aproximadamente um terço deles tem recorrências.

A inflamação das articulações pode levar 1 mês para diminuir se não tratada, mas não resulta em danos residuais.

Em pacientes com doença valvar crônica, os sintomas se desenvolvem e progridem lentamente, geralmente ao longo de várias décadas. Mas depois que sintomas significativos se desenvolvem, a intervenção costuma ser necessária. Em países pobres em recursos, a doença cardíaca reumática crônica é a causa de 25 a 45% de todas as doenças cardiovasculares.

Pontos-chave

  • A febre reumática é uma complicação inflamatória aguda, não supurativa da infecção faríngea por estreptococos do grupo A (EGA), ocorrendo com mais frequência inicialmente entre os 5 a 15 anos de idade.

  • Os sinais e sintomas podem incluir poliartrite migratória, cardite, nódulos subcutâneos, eritema marginado e coreia.

  • A cardiopatia reumática crônica, particularmente envolvendo as valvas atrioventricular esquerda e/ou da aorta, pode progredir ao longo de décadas e é uma das principais causas de doença cardíaca em regiões pobres em recursos do mundo.

  • O diagnóstico da febre reumática aguda requer 2 manifestações menores ou 1 maior e 2 menores (critérios de Jones modificados para um primeiro episódio de febre reumática aguda) e evidências de infecção por EGA.

  • Administrar antibióticos para eliminar a infecção por EGA, aspirina para controlar a febre e dor causadas pela artrite e cardite leves, e corticoides para pacientes com cardite moderada a grave.

  • Administrar profilaxia antiestreptocócica após o episódio inicial da febre reumática aguda para prevenir recorrências.

Artrite reativa pós-estreptocócica

A artrite pós-estreptocócica reacional é o desenvolvimento da artrite após infecção por estreptococos do grupo A em pacientes que não atendem os critérios para febre reumática aguda.

A artrite reativa pós-estreptocócica pode ou não representar uma variante atenuada da febre reumática aguda. Os pacientes não têm sintomas ou sinais de cardite comuns na febre reumática aguda.

Comparada com a artrite da febre reumática aguda, a artrite pós-estreptocócica reacional tipicamente envolve apenas 1 ou 2 articulações, é menos migratória, mas pode ser prolongada, e não responde tão bem ou tão rapidamente ao ácido acetilsalicílico. Outras doenças não reumáticas que causam sintomas semelhantes (p. ex., artrite de Lyme, artrite idiopática juvenil) devem ser excluídas.

Artrite reativa pós-estreptocócica pode ser tratada com outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como ibuprofeno e naproxeno.

Embora a prática clínica varie na prevenção secundária do comprometimento cardíaco, é recomendável profilaxia antiestreptocócica por vários meses até 1 ano se a febre reumática aguda não puder ser excluída, e então reavaliar o paciente. Se forem detectadas lesões cardíacas no ecocardiografia, indica-se a profilaxia a longo prazo.

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