Parada cardíaca é a cessação da atividade mecânica do coração, que resulta na ausência de fluxo sanguíneo circulante. A parada cardíaca impede que o sangue flua para os órgãos vitais, privando-os de oxigênio e, se não tratada, resulta em morte. Parada cardíaca súbita é a cessação inesperada da circulação pouco tempo após o início dos sintomas (frequentemente sem aviso).
A parada cardíaca súbita ocorre fora do hospital em mais de 400.000 pessoas/ano nos Estados Unidos, incluindo aproximadamente 5.000 lactentes e crianças, com uma taxa de mortalidade > 90%.
Parada respiratória e parada cardíaca são distintas, mas, sem tratamento, uma inevitavelmente leva à outra. (Ver também Insuficiência respiratória, dispneia e hipóxia.)
(Ver também the American Heart Association [AHA] 2023 update of heart disease and stroke statistics for out-of-hospital and in-hospital cardiac arrest.)
Etiologia da parada cardíaca
Em adultos, a parada cardíaca súbita resulta principalmente de cardiopatia (de todos os tipos, com mais de 15% das paradas cardíacas súbitas atribuíveis a síndromes coronarianas agudas, e uma grande maioria associada a doença cardiovascular subjacente). Em uma porcentagem significante dos pacientes, a parada cardíaca repentina é a primeira manifestação de doença cardíaca. Outras causas incluem choque circulatório por distúrbios não cardíacos (especialmente embolia pulmonar, hemorragia gastrointestinal ou trauma), insuficiência ventilatória e distúrbio metabólico (incluindo overdose de drogas).
Em recém-nascidos e crianças, as causas cardíacas de parada cardíaca são menos comuns do que em adultos. A causa predominante de parada cardíaca em recém-nascidos e crianças é insuficiência respiratória decorrente de diversas doenças respiratórias [p. ex., obstrução das vias respiratórias, afogamento, infecção, síndrome da morte súbita do lactente (SMSL), inalação de fumaça]. Entretanto, a parada cardíaca súbita (interrupção inesperada da circulação sem nenhum alerta) em crianças e adolescentes é mais comumente decorrente de arritmia resultante de uma canalopatia ou anormalidade cardíaca estrutural subjacente (1, 2, 3, 4).
Referências sobre etiologia
1. Atkins DL, Everson-Stewart S, Sears GK, et al; Resuscitation Outcomes Consortium Investigators: Epidemiology and outcomes from out-of-hospital cardiac arrest in children: the Resuscitation Outcomes Consortium Epistry-Cardiac Arrest. Circulation 119(11):1484–1491, 2009. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.108.802678
2. Meert KL, Telford R, Holubkov R, et al; Therapeutic Hypothermia after Pediatric Cardiac Arrest (THAPCA) Trial Investigators: Pediatric out-of-hospital cardiac arrest characteristics and their association with survival and neurobehavioral outcome. Pediatr Crit Care Med 17(12):e543–e550, 2016. doi: 10.1097/PCC.0000000000000969
3. Scheller RL, Johnson L, Lorts A, Ryan TD: Sudden cardiac arrest in pediatrics. Pediatr Emerg Care 32(9):630–636, 2016. doi: 10.1097/PEC.0000000000000895
4. Tsao CW, Aday AW, Almarzooq ZI, et al: Heart Disease and Stroke Statistics-2023 Update: A Report From the American Heart Association [published correction appears in Circulation 147(8):e622, 2023]. Circulation 147(8):e93-e621, 2023. doi:10.1161/CIR.0000000000001123
Fisiopatologia da parada cardíaca
A parada cardíaca causa isquemia global com consequências no nível celular que afetam adversamente a função do órgão, mesmo após a reanimação e restauração da perfusão. As principais consequências envolvem lesão celular direta e formação de edemas. Edema é particularmente danoso no cérebro, que tem espaço mínimo para se expandir, e frequentemente resulta em pressão intracraniana aumentada e correspondente diminuição da perfusão cerebral pós-reanimação. Uma proporção significante de pacientes reanimados com sucesso apresenta disfunção cerebral de curta ou longa duração, manifestada por alteração do estado de alerta (desde leve confusão até coma), convulsões ou ambos.
A produção diminuída de ATP (adenosine triphosphate) leva a perda de integridade das membranas, com efluxo de potássio e influxo de cálcio e sódio. O excesso de sódio intracelular é uma das causas iniciais do edema celular. O excesso de cálcio danifica as mitocôndrias (diminuindo a produção de ATP), aumenta a produção de óxido nítrico (levando à formação de radicais livres lesivos) e, em certas circunstâncias, ativa proteases que danificam ainda mais as células.
O fluxo anormal de íons também resulta em despolarização de neurônios, liberando neurotransmissores, alguns dos quais são lesivos (p. ex., o glutamato ativa um canal de cálcio específico, piorando a sobrecarga intracelular de cálcio).
Mediadores inflamatórios [p. ex., interleucina (IL-1B), fator de necrose tumoral alfa] são elaborados; alguns deles podem causar trombose microvascular e perda de integridade vascular, com formação adicional de edema. Alguns mediadores desencadeiam apoptose, resultando em morte celular acelerada.
Sinais e sintomas de parada cardíaca
Em pacientes criticamente enfermos ou terminais, a parada cardíaca é, frequentemente, precedida por um período de deterioração clínica, com respiração rápida e superficial, hipotensão arterial e diminuição progressiva do estado de alerta mental. Na parada cardíaca súbita, o colapso ocorre sem aviso, ocasionalmente acompanhado por breves reflexos mioclônicos ou outra atividade semelhante à das crises.
Diagnóstico de parada cardíaca
Avaliação clínica
Monitoramento cardíaco e ecocardiograma (ECG)
Às vezes, testes para determinar a causa [p. ex., ecocardiografia, exames de imagem do tórax (radiografia, ultrassonografia), dosagem de eletrólitos]
Faz-se o diagnóstico da parada cardíaca pelos achados clínicos de apneia, ausência de pulso e inconsciência. A pressão arterial não é mensurável. As pupilas se dilatam e deixam de reagir à luz após vários minutos.
Um monitor cardíaco deve ser utilizado; ele poderá indicar fibrilação ventricular (FV), taquicardia ventricular (TV) ou assístole. Às vezes, um ritmo de perfusão (p. ex., bradicardia extrema) está presente; isso pode representar atividade elétrica verdadeira sem pulso (anteriormente denominada dissociação eletromecânica) ou hipotensão extrema com insucesso para detectar um pulso.
O paciente é avaliado em busca de causas potencialmente tratáveis; um mnemônico útil é "Hs e Ts":
H: hipóxia, hipovolemia, acidose (íon de hidrogênio), hipercalemia ou hipocalemia, hipotermia
T: ingestão de tablete (comprimido) ou de toxina, tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo, trombose (pulmonar ou coronariana), trauma
Na parada cardíaca pediátrica, a hipoglicemia é outra causa potencialmente tratável.
Infelizmente, muitas vezes a causa da parada cardíaca não pode ser identificada durante a reanimação cardiopulmonar (RCP). Exame clínico, ultrassonografia de tórax durante a RCP e radiografia de tórax após o retorno da circulação espontânea seguinte à toracostomia com agulha podem detectar um pneumotórax, que sugere fisiologia de pneumotórax hipertensivo como causa da parada.
Ultrassonografia cardíaca pode detectar contrações cardíacas e reconhecer tamponamento cardíaco, hipovolemia extrema (coração vazio), sobrecarga ventricular direita sugestiva de embolia pulmonar, e anormalidades motoras focais da parede sugestivas de infarto do miocárdio. Entretanto, a ultrassonografia cardíaca transtorácica não deve ser realizada se houver necessidade de interrupção significativa da RCP.
Testes de sangue rápidos feitos à beira do leito podem detectar níveis anormais de potássio, ajudando a confirmar a suspeita de que a parada cardíaca foi causada por uma arritmia secundária à hiperpotassemia.
História dada pela família ou pela equipe de resgate pode sugerir overdose.
Tratamento da parada cardíaca
RCP de alta qualidade
Desfibrilação rápida para ritmos chocáveis [fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV)]
Administração precoce de adrenalina para ritmos não chocáveis
Quando possível, tratamento da causa primária
Cuidados pós-reanimação
Intervenção rápida é essencial.
(Ver também 2020 American Heart Association [AHA] guidelines para RCP e atendimento cardiovascular de emergência e 2022 AHA Interim Guidance aos profissionais de saúde para suporte cardíaco básico e avançado à vida em adultos, crianças e recém-nascidos com suspeita ou confirmação de covid-19.)
A reanimação cardiopulmonar (RCP) é uma resposta sequencial organizada à parada cardíaca; o início rápido de compressões torácicas ininterruptas ("pressionar forte e pressionar rápido") e a desfibrilação precoce de pacientes com FV ou TV (mais comumente, adultos) são as chaves para ser bem-sucedido em alcançar o retorno da circulação espontânea (RCE). As diretrizes da AHA de 2020 para o tratamento da parada cardíaca também aconselham a administração rápida de uma primeira dose de adrenalina para pacientes com ritmos não chocáveis.
Em crianças, que mais frequentemente apresentam causas de asfixia para a parada cardíaca, o ritmo de apresentação é tipicamente bradiarritmia seguida de assístole. Todavia, cerca de 15 a 20% das crianças (particularmente quando a parada cardíaca não foi precedida por sintomas respiratórios) apresentam TV ou FV, havendo, assim, necessidade de desfibrilação imediata. A incidência de FV como ritmo registrado inicial aumenta em crianças > 12 anos.
Após o início imediato de compressões torácicas ininterruptas de alta qualidade, desfibrilação e adrenalina inicial, deve-se tratar prontamente as causas primárias. Se não houver condições tratáveis, o tratamento é determinado pelo ritmo cardíaco. Para pacientes com fibrilação ventricular refratária ou taquicardia ventricular sem pulso, realiza-se desfibrilação a cada 2 minutos e administra-se adrenalina a cada 3 a 5 minutos; amiodarona ou lidocaína também podem ser administradas. Para ritmos não chocáveis, a administração precoce de adrenalina foi associada à melhora da sobrevida sem sequelas neurológicas (1, 2). Deve-se administrar líquidos IV (p. ex., 1 L de solução salina a 0,9%, sangue total ou uma combinação para perda de sangue) conforme necessário para otimizar o status de volume. Se a resposta aos líquidos IV é inadequada, os médicos podem administrar um ou mais fármacos vasopressores (p. ex., noradrenalina, adrenalina, dopamina, vasopressina). Entretanto, não há evidências definitivas de que a administração de vasopressores durante a parada cardíaca melhore o retorno da circulação espontânea ou a sobrevida sem sequelas neurológicas.
Após o retorno dos pulsos, o tratamento pós- reanimação é voltado para determinar e tratar a causa, estabilizar e prevenir uma nova parada e otimizar o desfecho neurológico. Além do tratamento da causa, os cuidados pós- reanimação podem incluir métodos para otimizar a oxigenação e a ventilação e angiografia coronariana rápida em pacientes com infarto do miocárdio com supradesnível do segmento ST (IMCST). As diretrizes da AHA de 2020 sugerem que deve-se considerar a realização de angiografia coronariana tardia também para pacientes sem IMCST. As recomendações atuais são manter a normotermia terapêutica de < 37,5° C, embora as diretrizes da AHA de 2020 ainda recomendem uma faixa de temperatura mais baixa. Pesquisas estão em andamento para determinar se o tratamento baseado na hipotermia controlada (32° C a 34° C) beneficia alguns sobreviventes de parada cardíaca (3).
Referências sobre o tratamento
1. Okubo M, Komukai S, Callaway CW, Izawa J: Association of Timing of Epinephrine Administration With Outcomes in Adults With Out-of-Hospital Cardiac Arrest. JAMA Netw Open 2021;4(8):e2120176. Publicado em 2 de agosto de 2021. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.20176
2. Perkins GD, Ji C, Deakin CD, et al: A Randomized Trial of Epinephrine in Out-of-Hospital Cardiac Arrest. N Engl J Med 379(8):711-721, 2018. doi:10.1056/NEJMoa1806842
3. Wyckoff MH, Greif R, Morley PT, et al: 2022 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations: Summary From the Basic Life Support; Advanced Life Support; Pediatric Life Support; Neonatal Life Support; Education, Implementation, and Teams; and First Aid Task Forces. Circulation 2022;146(25):e483–e557, 2022. doi:10.1161/CIR.0000000000001095
Prognóstico na parada cardíaca
A sobrevida até a alta hospitalar, particularmente quando neurologicamente preservada, é um resultado mais significativo do que o simples retorno à circulação espontânea.
As taxas de sobrevida variam significantemente; os fatores favoráveis incluem
RCP precoce e eficaz iniciada por transeunte
Parada testemunhada
Localização intra-hospitalar (particularmente uma umidade monitorada)
Ritmo inicial de fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV)
Desfibrilação precoce da FV ou TV
Cuidados pós-reanimação, incluindo suporte circulatório e acesso a cateterismo cardíaco
Em adultos, hipotermia terapêutica controlada (temperatura corporal de 32 a 36° C por ≥ 24 horas) e evitar hipertermia
Embora as diretrizes da American Heart Association 2020 Advanced Cardiac Life Support (ACLS) recomendem o resfriamento a uma temperatura entre 32° C e 36° C, recomendações mais recentes do International Liaison Committee on Resuscitation Advanced Life Support (ALS) sugerem prevenção ativa da febre com temperatura alvo de ≤ 37,5° C em vez de resfriamento ativo. Ainda não está claro se certos grupos de pacientes com parada cardíaca terão melhora na sobrevida sem sequelas neurológicas com o tratamento baseado na hipotermia, em vez de a manter a normotermia (1, 2, 3, 4, 5).
Se muitos fatores são favoráveis (p. ex., a FV é testemunhada em uma unidade de terapia intensiva ou pronto-socorro), 50% dos adultos com parada cardíaca hospitalar podem sobreviver até a alta hospitalar. Em geral, a sobrevida até a alta hospitalar em pacientes com parada cardíaca intra-hospitalar varia de 25 a 50%.
Quando os fatores são uniformemente desfavoráveis (p. ex., paciente em assístole após parada não testemunhada e fora de hospital), a sobrevida é improvável. Em geral, a sobrevida relatada após parada cardíaca fora do hospital é cerca de 12%.
Apenas cerca de 10% de todos os sobreviventes de uma parada cardíaca têm boa função neurológica, definida como incapacidade cerebral mínima a moderada e capacidade de realizar a maioria das atividades de vida diária de maneira independente na alta hospitalar.
Referências sobre prognóstico
1. Bernard SA, Gray TW, Buist MD, et al: Treatment of comatose survivors of out-of-hospital cardiac arrest with induced hypothermia. N Engl J Med 346:557–563, 2002. doi 10.1056/NEJMoa003289
2. Granfeldt A, Holmberg MJ, Nolan JP, Soar J, Andersen LW; International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR) Advanced Life Support Task Force: Targeted temperature management in adult cardiac arrest: Systematic review and meta-analysis. Resuscitation 167:160–172, 2021. doi:10.1016/j.resuscitation.2021.08.040
3. Merchant RM, Topjian AA, Panchal AR, et al: Part 1: Executive Summary: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2020;142(16_suppl_2):S337-S357. doi:10.1161/CIR.0000000000000918
4. Nielsen N, Wetterslev J, Cronberg T, et al: Targeted temperature management at 33°C versus 36°C after cardiac arrest. N Engl J Med 369:2197–2206, 2013. doi: 10.1056/NEJMoa1310519
5. Wyckoff MH, Greif R, Morley PT, et al: 2022 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations: Summary From the Basic Life Support; Advanced Life Support; Pediatric Life Support; Neonatal Life Support; Education, Implementation, and Teams; and First Aid Task Forces. Circulation 146(25):e483–e557, 2022. doi:10.1161/CIR.0000000000001095
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
American Heart Association 2020 Guidelines: essas diretrizes para reanimação cardiopulmonar (RCP) e cuidados cardiovasculares de emergência (CCE) baseiam-se nas revisões mais recentes da literatura científica, protocolos e instruções sobre reanimação.
Wyckoff MH, Greif R, Morley PT, et al: 2022 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations: Summary From the Basic Life Support; Advanced Life Support; Pediatric Life Support; Neonatal Life Support; Education, Implementation, and Teams; and First Aid Task Forces. Circulation 2022;146(25):e483–e557, 2022. doi:10.1161/CIR.0000000000001095