Lesões por choque elétrico

PorDaniel P. Runde, MD, MME, University of Iowa Hospitals and Clinics
Revisado/Corrigido: mar. 2022
Visão Educação para o paciente

Danos elétricos são causados por correntes elétricas, criadas pelo homem, que passam através do corpo. Os sintomas podem variar entre queimaduras cutâneas, lesões a órgãos internos e outros tecidos brandos, arritmias cardíacas e parada respiratória. O diagnóstico baseia-se em história, critério clínico e exames laboratoriais seletivos. O tratamento é de suporte com cuidados vigorosos em danos graves.

Embora as lesões elétricas acidentais que ocorrem em casa (p. ex., ao tocar uma tomada elétrica ou levar um choque por um eletrodoméstico) raramente resultem em lesões significativas ou sequelas, a exposição acidental à alta tensão causa cerca de 300 mortes por ano nos Estados Unidos. Há > 30.000 ocorrências de choque elétrico não fatal por ano nos Estados Unidos e as queimaduras por choque elétrico são responsáveis por cerca de 5% das internações em unidades de tratamento de queimados nos Estados Unidos.

Fisiopatologia das lesões elétricas

Ensinamentos tradicionais revelam que a gravidade do dano por eletricidade depende dos seis fatores de Kouwenhoven, a saber:

  • Tipo de corrente (direta [cd] ou alternada [ca])

  • Voltagem e amperagem (ambas são medidas de força corrente)

  • Duração da exposição (quanto mais longa a exposição, maior a gravidade do dano)

  • Resistência do corpo

  • Percurso da corrente (que determina o dano tissular específico)

Contudo, a força elétrica do indutor, um novo conceito, parece prever a gravidade do dano mais precisamente.

Fatores de Kouwenhoven

A CA muda de direção frequentemente; esta é a corrente elétrica geralmente fornecida para as residências nos Estados Unidos e Europa. A CD segue constantemente na mesma direção; é a corrente fornecida por baterias. Geralmente é descarregada por desfibriladores e cardioversores. O modo como a CA afeta o corpo depende amplamente da frequência. A CA de baixa frequência (50 a 60 hertz [Hz]) é utilizada nas residências nos Estados Unidos (60 Hz) e Europa (50 Hz). Uma vez que a CA de baixa frequência produz contração muscular alongada (tetania), que pode congelar a mão à força corrente e prolongar a exposição, ela pode ser mais perigosa que a de alta frequência, e 3 a 5 vezes mais perigosa que CD de mesma voltagem e amperagem. A exposição à CD apresenta mais probabilidade de causar uma simples contração convulsiva, a qual frequentemente joga a vítima para longe da fonte de corrente.

Em geral, tanto para CA como CD, quanto maior a voltagem (V) e amperagem (A), maior o dano elétrico resultante (para a mesma duração de exposição). A corrente residencial nos Estados Unidos é de 110V (saída elétrica padronizada) a 220V (utilizada para grandes aparelhos, como geladeiras e secadoras). Correntes de alta voltagem (> 500 V) tendem a causar queimaduras profundas, ao passo que as de baixa voltagem (110 a 220 V) tendem a causar tetania muscular e congelamento ao contato com a fonte da corrente. A amperagem máxima que pode causar contratura dos flexores do membro superior, mas que ainda permite a liberação da mão da fonte da corrente, é denominada corrente de desprendimento (let-go current). Esse tipo de corrente varia de acordo com o peso e a massa muscular. Em um homem de 70 kg, por exemplo, a corrente let-go é de cerca de 75 miliamperes (mA) para CD e de cerca de 15 mA para CA.

A passagem de baixa voltagem de 60 Hz de CA através do tórax, mesmo por uma fração de segundo, pode causar fibrilação ventricular a uma amperagem abaixo de 60 a 100 mA; para CD, são necessários cerca de 300 a 500 mA. Se a corrente tiver uma passagem direta ao coração (p. ex., via catéter cardíaco ou eletrodos de marca-passo), valores < 1 mA (CA ou CD) podem causar fibrilação ventricular.

Lesões teciduais por exposição à eletricidade são principalmente causadas pela conversão da energia elétrica em calor, resultando em lesões térmicas. A quantidade de energia calórica dissipada equivale à amperagem2 × resistência × tempo; portanto, para qualquer determinada corrente e duração, os tecidos com alta resistência tendem a sofrer o maior dano. A resistência do corpo (medida em ohms/cm2) é provida principalmente pela pele, pois todos os tecidos internos (exceto os ossos) oferecem resistência insignificante. Espessura e secura cutânea aumentam a resistência; pele seca, bem queratinizada e intacta tem média de 20.000 a 30.000 ohms/cm2. Em palmas das mãos e plantas dos pés espessas e calosas, a resistência pode ser de 2 a 3 milhões de ohms/cm2; por outro lado, pele fina e úmida oferece resistência de cerca de 500 ohms/cm2. A resistência em pele perfurada (p. ex., corte, abrasão, puntura de agulha) ou mucosa úmida (p. ex., boca, reto, vagina) pode ser abaixo de 200 a 300 ohms/cm2.

Se a resistência da pele for alta, mais energia elétrica pode ser dissipada na pele, resultando em grandes queimaduras, mas menos lesões internas. Se for baixa, a queimadura da pele será menos extensa ou ausente, e a quantidade de energia elétrica dissipada para órgãos internos poderá ser maior. Portanto, a ausência de queimaduras externas não prognostica a ausência de dano elétrico, e a gravidade de queimaduras externas não prognostica a gravidade do dano elétrico.

Dicas e conselhos

  • A ausência de queimaduras externas não prevê a ausência de lesão elétrica, e a gravidade de queimaduras externas não prognostica a gravidade do dano elétrico.

Os danos aos tecidos internos dependem de sua resistência e da densidade da corrente (corrente por unidade de área; a energia é concentrada quando a mesma corrente segue através de uma pequena área). Por exemplo, enquanto a corrente de energia elétrica segue em um braço (primariamente através de tecidos de baixa resistência, tais como músculos, vasos e nervos), a densidade da corrente aumenta nas articulações, pois uma significante proporção de áreas de cruzamentos das articulações consiste em tecidos de alta resistência (p. ex., ossos, tendões), diminuindo a área de tecidos de baixa resistência; portanto, os danos aos tecidos de baixa resistência tendem a ser mais graves nas articulações.

A passagem de corrente através do corpo determina quais estruturas são danificadas. Pelo fato da CA continuamente inverter a direção, os termos comumente utilizados “entrada” e “saída” são inapropriados; “fonte” e “terra” são mais precisos. O ponto de fonte mais comum é a mão, depois a cabeça. O ponto de terra mais comum é o pé. A corrente que passa entre os membros superiores ou entre os membros superiores e os pés tende a ser mais perigosa que a que passa de um pé a outro, pois tem probabilidade de atravessar o coração, causando arritmia. Essa corrente tende a ser mais perigosa que a corrente que passa de um pé para o outro. A corrente para a cabeça pode danificar o sistema nervoso central (sistema nervoso central).

Campo de força elétrico

A força do campo elétrico é a intensidade da eletricidade ao longo da área à qual ela é aplicada. Além dos fatores de Kouwenhoven, a força do campo elétrico também determina o grau da lesão tecidual. Como exemplo, 20.000 volts (20kV) aplicados em um homem com cerca de 2 m (6 pés) de altura resulta em um campo de força de cerca de 10kV/m. Similarmente, 110V, se aplicados somente em 1 cm (p. ex., através do lábio de uma criança), resultam em um campo de força semelhante de 11kV/m; isso porque tal dano por “baixa voltagem” pode causar a mesma gravidade de dano tissular como alguns danos de alta voltagem aplicados em áreas maiores. Ao contrário, quando se considera a voltagem, em vez do campo de força elétrico, danos elétricos mínimos ou triviais podem ser classificados como de alta voltagem. Por exemplo, o choque recebido por arrastar os pés em um carpete no inverno envolve milhares de volts, mas causa lesões sem consequências.

O efeito do campo elétrico pode causar dano à membrana celular (eletroporação) mesmo quando a energia for insuficiente para causar qualquer lesão térmica.

Patologia

A aplicação de baixo campo de força elétrico produz imediata sensação desagradável (de levar um choque), mas raramente resulta em dano sério ou permanente. A aplicação de alto campo de força elétrica causa dano térmico ou eletroquímico aos tecidos internos. As lesões podem promover

  • Hemólise

  • Coagulação de proteínas

  • Necrose por coagulação do músculo e de outros tecidos

  • Trombose

  • Desidratação

  • Avulsão de músculos e tendões

Lesões por alto campo de voltagem elétrica podem resultar em edema maciço que, à medida que o sangue nas veias coagula e os músculos intumescem, pode resultar em síndrome compartimental. O edema maciço pode também causar hipovolemia e hipotensão. A destruição muscular pode resultar em rabdomiólise e mioglobinúria, bem como em distúrbios eletrolíticos. Mioglobinúria, hipovolemia e hipotensão aumentam o risco de lesão renal aguda. As consequências da disfunção de órgãos nem sempre se correlacionam com a quantidade de tecido destruído (p. ex., fibrilação ventricular pode ocorrer relativamente com pouca destruição tissular).

Sinais e sintomas dos lesões elétricas

As queimaduras podem estar muito bem demarcadas na pele, mesmo quando a corrente penetra irregularmente nos tecidos profundos. Podem ocorrer contrações musculares involuntárias graves, convulsões, fibrilação ventricular ou parada respiratória devido a dano do sistema nervoso central ou à paralisia muscular. Lesões dos nervos periféricos, médula espinal ou do cérebro podem resultar em várias deficiências neurológicas. Pode ocorrer parada cardíaca na ausência de queimaduras em acidentes em banheiras (quando pessoas molhadas [terra] entram em contato com um circuito de 110 V — p. ex., de um rádio ou secador de cabelos).

Crianças que mordem ou sugam fios de extensão podem queimar boca e lábios. Tais queimaduras podem causar deformidades cosméticas e prejudicar o crescimento de dentes, mandíbula e maxila. Hemorragia da artéria labial, que ocorre quando a escara se desprende, 5 a 10 dias após a lesão, é observada em mais de 10% dessas crianças.

Um choque elétrico pode causar poderosas contraturas musculares ou quedas (p. ex., de escada ou telhado), resultando em deslocamentos (choque elétrico é uma das poucas causas de deslocamento posterior do ombro), fraturasvertebrais ou outras, danos a órgãos internos e outras lesões abruptas.

Sequelas neurológicas psicológicas e físicas sutis ou vagamente definidas podem se manifestar de 1 a 5 anos depois da lesão e resultar em morbidade significativa (1).

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Wesner ML, Hickie J: Long-term sequelae of electrical injury. Can Fam Physician 59(9):935-939, 2013.

Diagnóstico de lesões elétricas

  • Exame da cabeça aos pés

  • Às vezes, ecocardiograma, dosagem de enzimas cardíacas e análise de urina

A vítima, uma vez livre da corrente, é avaliada quanto a parada cardíaca e parada respiratória. Se necessário, reanimação é feita. Após reanimação inicial, os pacientes são examinados da cabeça aos pés em busca de lesões traumáticas, particularmente se tiverem sofrido quedas ou tiverem sido arremessados.

Pacientes assintomáticas que não estejam grávidas, não tenham doença cardíaca conhecida e que tenham tido somente uma breve exposição à corrente de sua casa geralmente não têm danos significativos internos ou externos e, por isso, não precisam de exames ou monitoramento. Para outros pacientes, devem ser realizados eletrocardiograma (ECG), hemograma completo, dosagem das enzimas cardíacas e urinálise (para identificar mioglobulina). Pacientes com a consciência comprometida podem necessitar de tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RM).

Tratamento das lesões elétricas

  • Cortar a corrente

  • Reanimação

  • Analgesia

  • Às vezes, monitoramento cardíaco por 6 a 12 horas

  • Cuidados com ferimentos

Cuidado pré-hospitalar

A primeira prioridade é cessar o contato entre a vítima e a fonte elétrica cortando a corrente (p. ex., desligando o interruptor ou chave de circuito, desconectando o dispositivo de sua fonte elétrica). Linhas de força de alta e baixa voltagens não são sempre fáceis de distinguir, particularmente em locais externos. ALERTA: para evitar choques, os socorristas não devem tentar soltar pessoas presas em linhas de transmissão de força (seja de alta ou baixa tensão) até a energia ser desligada.

Reanimação

Os pacientes são ressucitados enquanto avaliados. O choque, que pode ser resultado de trauma ou queimaduras maciças, deve ser tratado. As fórmulas padronizadas de reanimação volêmica em queimaduras, as quais são baseadas na extensão da queimadura da pele, subestimam a necessidade de líquidos nas queimaduras por eletricidade; portanto, tais fórmulas não são utilizadas. Alternativamente, líquidos são tratados para manter o fluxo urinário adequado (cerca de 100 mL/h em adultos e 1,5 mL/h em crianças). Para mioglobinúria, a manutenção do fluxo urinário adequado é particularmente importante, ao passo que a alcalinização da urina pode ajudar a diminuir o risco de insuficiência renal. O desbridamento cirúrgico de grandes quantidades de tecido muscular pode auxiliar a diminuir a insuficiência renal por mioglobunúria.

A dor de queimadura por eletricidade é tratada com doses prudentes de opioides por via intravenosa (IV).

Outras medidas

Pacientes assintomáticos, que não estejam grávidas, que não tenham doença cardíaca ou que tenham tido somente uma leve exposição à corrente residencial geralmente não apesentam lesões internas ou externas agudas significativas que exigiriam internação e, por isso, podem ser liberados.

Monitoramento cardíaco por 6 a 12 horas é indicado em pacientes com:

  • Arritmias

  • Dor torácica

  • Qualquer indício de dano cardíaco

  • Gestação [possivelmente (1) e para avaliação fetal]

  • Conhecimento de doença cardíaca

É necessário profilaxia contra tétano e cuidados tópicos nos locais das feridas. A dor é tratada com anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou outros analgésicos.

Todos os pacientes com queimaduras elétricas significativas devem ser enviados a uma unidade especializada em queimados. Crianças com queimaduras dos lábios devem ser encaminhadas a um odontólogo pediátrico ou cirurgião de boca familiarizado com tais lesões.

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Caballero-Carvajal JA, Manrique-Hernández EF, Becerra-Ar C, et al: Secondary maternal-fetal consequences to electrical injury: A literature review. Taiwan J Obstet Gynecol 59(1):1-7, 2020. doi: 10.1016/j.tjog.2019.11.001

Prevenção das lesões elétricas

Aparelhos elétricos que tocam ou podem ser tocados pelo corpo devem ser propriamente isolados, ter fio-terra e ser incorporados a circuitos contendo equipamentos protetores com interruptores. Interruptores de circuito de fios-terra, os quais disparam quando pouco menos de 5 milliamperes (mA) da corrente perde-se no solo, são efetivos e prontamente disponíveis. Protetores de tomada reduzem o risco em residências com lactentes ou crianças pequenas.

Para evitar lesões por causa de oscilações na corrente (lesão por arco elétrico), postes e escadas não devem ser utilizados perto das linhas de alta voltagem.

Pontos-chave

  • Além das lesões por queimadura, a AC pode prender a mão do paciente à fonte da corrente e a DC pode lançar o paciente longe, causando ferimentos.

  • Embora a intensidade da queimadura cutânea não indique o grau de lesão interna, as lesões internas são mais graves se a pele tiver baixa resistência.

  • Examinar os pacientes detalhadamente, incluindo a busca de lesões traumáticas.

  • Considerar eletrocardiograma, hemograma, enzimas cardíacas, urinálise e monitoramento dos sinais vitais, a menos que os pacientes estejam assintomáticos, não sejam gestantes, não tenham doença cardíaca conhecida e só tenham tido uma exposição breve à corrente residencial.

  • Encaminhar os pacientes com queimaduras elétricas significativas a uma unidade especializada em tratamento de queimados e, em caso de suspeita de lesão interna significativa, iniciar a reanimação volêmica.

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