Visão geral dos transplantes

PorMartin Hertl, MD, PhD, Rush University Medical Center
Revisado/Corrigido: ago. 2022
Visão Educação para o paciente

Os transplantes podem ser

  • Do próprio tecido do paciente (autoenxertos; p. ex., osso, medula óssea e enxertos de pele)

  • Do tecido de um doador geneticamente idêntico [singenético (entre gêmeos monozigóticos)] (isoenxertos)

  • Do tecido de doador geneticamente diferente (aloenxertos ou homoenxertos)

  • Raramente, enxertos de espécies diferentes (xenoenxertos ou heteroenxertos)

O tecido transplantado pode ser

Os tecidos podem ser enxertados em um local anatômico normal (ortotópico; p. ex., transplantes de coração) ou anormal (heterotópico; p. ex., transplante do rim na fossa ilíaca).

Quase sempre, realiza-se transplante para substituir ou restaurar a função de um órgão alvo enfermo em estágio terminal, restaurando assim uma função essencial e melhorando a sobrevida do paciente. Entretanto, alguns procedimentos (p. ex., transplante de mãos, laringe, útero, língua, face) melhoram a qualidade de vida, mas não melhoram a sobrevida e têm riscos significativos relacionados à cirurgia e imunosupressão. Alguns desses procedimentos são altamente especializados e realizados com pouca frequência, mas não são mais considerados experimentais.

O transplante clínico utiliza aloenxertos de doadores que

  • Vivem e se relacionam com o paciente

  • Vivem e não se relacionam com o paciente

  • Falecido

Doadores vivos geralmente são utilizados para os transplantes de rim e de células tronco hematopoiéticas e, raramente, nos transplantes segmentares de fígado, pâncreas e pulmão. A utilização de órgãos de indivíduos mortos (de doadores com ou sem batimentos cardíacos) ajudou a reduzir a disparidade entre a demanda e o suprimento do órgão; entretanto, a demanda ainda excede o suprimento e o número de pacientes aguardando transplantes de órgãos continua a crescer.

Algumas pesquisas estão em andamento acerca do transplante de órgãos não humanos, como coração, rim e fígado. Apesar dos avanços nessa área, a implementação na prática clínica continua atrasada, principalmente em razão da rejeição não resolvida, mas também por causa de diferenças funcionais críticas entre os xenoenxertos e o tecido humano.

Rejeição de enxerto e doença do enxerto contra o hospedeiro

Todos os receptores de aloenxertos estão em risco de rejeição ao enxerto; o sistema imunitário do receptor reconhece o enxerto como estranho e procura destruí-lo. Receptores de enxertos que contêm células imunitárias (particularmente médula óssea, intestino e figado) têm risco da doença enxerto-hospedeiro, em que as células imunitárias do doador atacam o tecido do receptor. O risco dessas complicações é minimizado pelos exames antes do transplante e terapêutica imunodepressora durante e após o transplante.

Alocação de órgãos

Nos Estados Unidos, um novo sistema de alocação de órgãos foi implementado para transplantes de fígado e outros órgãos. Sob esse sistema, os candidatos a transplantes recebem um órgão com base na urgência médica e na distância entre o hospital doador e os hospitais de transplante. Esse sistema substitui o sistema anterior que se baseava principalmente nos limites geográficos das áreas de serviço de doação e regiões de transplante. Agora, fígados e outros órgãos de todos os doadores falecidos adultos são oferecidos primeiro a candidatos a transplante compatíveis que têm a necessidade mais urgente (estado 1A e 1B) e estão listados em hospitais de transplante dentro de 926 km do hospital do doador. Depois de oferecer aos candidatos que têm maior urgência, os órgãos são oferecidos aos candidatos de hospitais que ficam a 280, 460 e 930 km do hospital do doador. Na alocação renal, o tempo de espera continua a ser um desafio e, para todos os órgãos, os órgãos pediátricos são primeiramente alocados aos candidatos pediátricos.

Triagem pré-transplante

Antes de se incorrer em risco e despesa de um transplante e da entrega de escassos órgãos de doadores, equipes médicas têm de selecionar os receptores por meio de fatores médicos e não médicos que podem afetar o sucesso. Os doadores passam por triagem médica, psicológica e exames laboratoriais, incluindo testes para avaliar o risco de infecção.

Compatibilidade do tecido

Na triagem pré-transplante, os receptores e doadores são testados para

Testar os receptores para

  • Pré-sensibilização aos antígenos do doador

A tipagem de HLA tecidual é mais importante pelo seguinte:

Os seguintes transplante geralmente são feitos de urgência, muitas vezes antes da conclusão da tipagem do HLA e, assim, o papel da compatibilidade desses órgãos não está bem estabelecido:

A tipagem de HLA dos linfócitos de sangue periférico e dos linfonodos é utilizada para parear os determinantes mais importantes conhecidos de histocompatibilidade no doador e no receptor. Mais de 1.250 alelos determinam os 6 antígenos HLA (HLA-A, -B, -C, -DP, -DQ, -DR), portanto, a compatibilidade é um desafio; p. ex., nos Estados Unidos, apenas 2 de 6 antígenos em média são pareados entre doadores e receptores de transplantes de rim. O pareamento do maior número possível de antígenos HLA aumenta significativamente a sobrevida funcional dos enxertos de doadores relacionados de rins e doadores de células-tronco hematopoiéticas; o pareamento de HLA também melhora a sobrevida, apesar de ser muito menor, em razão das múltiplas diferenças de histocompatibilidade não detectadas. O excelente tratamento imunossupressor expandiu a elegibilidade aos transplantes; as incompatibilidades de HLA não desqualificam automaticamente o paciente para o transplante porque a terapia imunosupressiva se tornou mais eficaz.

A compatibilidade ABO e HLA é importante para a sobrevida do enxerto. As incompatibilidades ABO podem estar subjacentes a rejeições hiperagudas de enxertos vascularizados (p. ex., rim, coração), que apresentam antígenos ABO nas superfícies endoteliais. A pré-sensibilização com antígenos ABO e HLA, resultante de transfusões sanguíneas, transplantes, ou gestaçãoes anteriores, pode ser detectada com exames sorológicos ou, mais comumente, com teste de toxicidade linfocitotóxica, utilizando-se soro do receptor e linfócitos do doador na presença de complemento. Uma prova cruzada positiva indica que o soro do receptor contém anticorpos contra os antígenos ABO ou HLA classe I do doador; constitui uma contraindicação absoluta para o transplante, exceto possivelmente em neonatos (até os 14 meses de idades) que ainda não produziram iso-hemaglutininas.

Doses altas de imunoglobulinas IV e troca plasmática foram utilizadas para suprimir os anticorpos HLA e facilitar o transplante quando um enxerto mais compatível não está disponível. Os custos são altos, mas os desfechos a médio prazo são encorajadores e parecem semelhantes àqueles de pacientes não sensibilizados.

Mesmo uma prova cruzada negativa não garante a segurança; quando os antígenos ABO são compatíveis, mas não são idênticos (p. ex., doador O e receptor A, B ou AB), a hemólise é uma complicação potencial devido a produção de anticorpos pelos linfócitos transplantados (passageiro) do doador.

Embora a compatibilidade dos antígenos HLA e ABO geralmente melhore a sobrevida dos enxertos, os pacientes não brancos estão em desvantagem porque

  • A doação de órgãos é menos comum entre pessoas que não são brancas e, portanto, o número de potenciais doadores que não são brancos é limitado.

  • A doença renal em estágio terminal é mais comum entre afrodescendentes e, portanto, a necessidade de órgãos é maior.

  • Pacientes não brancos podem ter polimorfismos HLA que diferem daqueles dos doadores que são brancos, uma taxa mais alta de pré-sensibilização aos antígenos HLA e maior incidência dos tipos sanguíneos O e B.

Infecção

A exposição de doador e receptor a patógenos infecciosos comuns e infecções ativas, bem como latentes, devem ser detectadas antes do transplante, para minimizar o risco de transmissão de infecções dos doadores e o risco de piora ou reativação de infecção existente nos receptores (pelo uso de imunossupressores).

Em geral, essa triagem inclui a história e testes para

  • Citomegalovírus (CMV)

  • Vírus de Epstein-Barr

  • Vírus da hepatite B

  • Vírus da hepatite C

  • Herpes simplex virus (HSV)

  • HIV

  • Mycobacterium tuberculosis

  • Vírus da varicela-zóster

  • Vírus do Nilo Ocidental, se há suspeita de exposição

Achados positivos podem exigir tratamento antiviral pré ou pós-transplante (p. ex., para infecção por CMV, hepatite B ou hepatite C) ou tratamento antituberculose, ou, no caso de infecção ativa, contraindicar o transplante até que a infecção seja controlada (p. ex., se HIV com aids for detectado).

Contraindicações do receptor ao transplante

Contraindicações absolutas ao transplante incluem:

  • Infecção clinicamente ativa, possivelmente com exceção de infecção no receptor se ela estiver limitada ao órgão a ser substituído (p. ex., abscessos de fígado)

  • Câncer (exceto carcinoma hepatocelular confinado ao fígado, câncer de pele não melanoma e certos tumores neuroendócrinos)

  • Compatibilidade cruzada positiva identificada por testes linfocitotóxicos

As contraindicações relativas são:

  • Idade > 70 anos

  • Mau estado funcional ou nutricional (inclusive obesidade grave)

  • Infecção pelo HIV

  • Insuficiência de vários órgãos

Fatores psicológicos e sociais também desempenham um papel importante no sucesso do transplante. Por exemplo, pessoas com um transtorno por uso de substâncias ou aqueles psicologicamente instáveis têm menor possibilidade de seguir o esquema necessário por toda a vida dos tratamentos e consultas de acompanhamento.

As decisões de eligibilidade dos pacientes com contraindicações relativas diferem em cada centro médico. A infecção pelo HIV não é mais considerada uma contraindicação absoluta porque antivirais e imunossupressores geralmente são bem tolerados e eficazes nos receptores de transplante que necessitam deles.

Imunossupressão após o transplante

Os imunossupressores controlam a rejeição de enxertos e são primariamente responsáveis pelo sucesso do transplante (ver tabela Imunossupressores utilizados para tratar rejeição a transplantes). Entretanto, suprimem todas as respostas imunitárias e contribuem para muitas das complicações após o transplante, como o aparecimento de câncer, aceleração da doença cardiovascular e mesmo morte decorrente de infecção maciça.

Imunossupressores devem ser mantidos por longos períodos após o transplante, mas as altas doses iniciais podem ser reduzidas algumas semanas após o procedimento, mantendo-se doses baixas indefinidamente, a menos que ocorra rejeição. Redução adicional nas doses de imunossupressores muito depois do transplante e protocolos para indução de tolerância dos órgãos doados estão em estudo.

Corticoides

Em geral, administra-se uma dose alta dos corticoides na ocasião do transplante e depois ela é reduzida gradualmente até uma dose de manutenção, que é administrada indefinidamente. Vários meses após o transplante, os corticoides podem ser administrados em dias alternados; esse esquema auxilia a prevenir o retardo de crescimento em crianças. Se ocorrer rejeição, são reinstituídas as doses elevadas.

Esquemas que reduzem a necessidade de corticoides (esquemas poupadores de esteroides) estão sendo desenvolvidos. Dois exemplos incluem o uso de inibidores de micofenolato e mTOR em combinação com inibidores da calcineurina ou belatacepte.

Inibidores de calcineurina

Esses fármacos (ciclosporina, tacrolimo) bloqueiam os processos de transcrição das células T, necessários para a produção de citocinas e, dessa forma, inibem seletivamente a proliferação e a ativação das células T.

Ciclosporina é o fármaco mais comumente utilizado em transplante de coração e pulmão. Pode ser administrada isoladamente, mas geralmente é administrada com outros fármacos (p. ex., azatioprina, prednisona), de modo que é possível utilizar doses menores e menos tóxicas. A dose inicial é reduzida para a dose de manutenção logo após o transplante. O fármaco é metabolizado por enzimas do citocromo P-450 3A e as níveis séricos são afetadas por vários outros fármacos.

O efeito adverso mais grave relacionado com a dose da ciclosporina é a nefrotoxicidade; a ciclosporina provoca vasoconstrição das arteríolas aferentes (pré-glomerulares), causando lesão no aparelho glomerular, hipoperfusão glomerular refratária e, possivelmente, insuficiência renal crônica. Também as doenças proliferativas policlonais de células B e linfomas de células B ocorrem com maior frequência em pacientes que utilizam ciclosporina em doses elevadas ou combinação com outros imunossupressores direcionados às células T, possivelmente por associação com Epstein-Barr virus. Outros efeitos adversos são hepatotoxicidade, gota tofácea, hipertensão refratária, neurotoxidade (inclusive tremores), maior incidência de outros tumores e efeitos menos graves (p. ex., hipertrofia gengival, hirsutismo e hipertricose). Os níveis séricos de ciclosporina não se correlacionam estreitamente com a eficácia ou toxicidade.

Tacrolimus is the most commonly used drug in kidney, liver, pancreas, and small-bowel transplantation. O tacrolimo pode ser introduzido na ocasião do transplante ou dias após o procedimento. A dose deve ser ajustada pelos níveis séricos, que são influenciadas pelas mesmas interações com fármacos da ciclosporina. O tacrolimo pode ser útil quando a ciclosporina for ineficaz ou causar efeitos adversos intoleráveis.

Os efeitos adversos do tacrolimo são semelhantes aos da ciclosporina, exceto pelo fato de haver maior tendência de indução de diabetes com o tacrolimo; a hipertrofia gengival e o hirsutismo são menos comuns. Em pacientes em uso de tacrolimus, as doenças linfoproliferativas parecem ocorrer mais frequentemente, mesmo algumas semanas após o transplante, e podem desaparecer parcial ou totalmente quando o fármaco é interrompido. Se ocorrem doenças linfoproliferativas, o tacrolimo deve ser suspenso e substituído por ciclosporina ou outro fármaco imunossupressor.

Inibidores do metabolismo da purina

Esses fármacos (azatioprina, micofenolato) inibem a proliferação de células, especialmente leucócitos.

Azatioprina, um antimetabólito, geralmente é introduzida na ocasião do transplante. A maioria dos pacientes a tolera indefinidamente. Os efeitos adversos mais graves são depressão da medula óssea, especialmente em pacientes com deficiência de tiopurina S-metiltransferase (TPMT) e, raramente, hepatite ou doença veno-oclusiva hepática. Ocorrem reações sistêmicas de hipersensibilidade em menos de 5% dos pacientes. Muitas vezes, a azatioprina é utilizada com doses baixas de ciclosporina de inibidores de calcineurina.

Micofenolato, um pró-fármaco metabolizado em ácido micofenólico, inibe reversivelmente a inosina monofosfato desidrogenase, uma enzima da via de guanina nucleotídeo, que é limitante da velocidade de proliferação de linfócitos. O micofenolato é administrado com ciclosporina (ou ciclosporina) e corticoides a pacientes com transplantes de rim, coração ou fígado. Os efeitos adversos mais comuns são leucopenia, náuseas, vômitos e diarreia. Substituiu a azatioprina na maioria das aplicações de transplante.

Rapamicinas

Esses fármacos (sirolimo, everolimo) bloqueiam uma quinase chave reguladora (alvo dos mamíferos da rapamicina [mTOR]) nos linfócitos, resultando em parada do ciclo celular e inibição da resposta de linfócitos à estimulação por citocinas.

Sirolimo é caracteristicamente administrado com ciclosporina e corticoides e pode ser mais útil em pacientes com insuficiência renal. Os efeitos adversos incluem hiperlipidemia, pneumonia intersticial, edema do membro inferior, cicatrização prejudicada de ferimentos e depressão da medula óssea com leucopenia, trombocitopenia e anemia.

Utilizar everolimo para prevenir a rejeição de transplantes de rim e fígado. Os efeitos adversos são semelhantes aos do sirolimo.

Imunoglobulinas imunossupressoras

Exemplos são

  • Globulina antilinfocitária (ALG)

  • Globulina antitimócitos (ATG)

Ambas são frações de antissoros de animais direcionados contra células humanas:

  • Linfócitos: globulina antilinfocitária

  • Células do timo: globulina antitimocítica

Globulina antilinfocitária e globulina antitimocítica suprimem a imunidade celular e preservam a imunidade humoral. Podem ser utilizadas em associação com outros imunossupressores para permitir a redução das doses desses fármacos para doses menos tóxicas. A utilização de globulina antilinfocitária e globulina antitimocítica para controle de episódios agudos de rejeição melhora a taxa de sobrevida dos enxertos; a utilização na ocasião do transplante pode diminuir a incidência de rejeição e permitir o início mais tardio de ciclosporina, reduzindo assim sua toxicidade.

A utilização de frações altamente purificadas de soro reduziu muito a incidência de efeitos diversos (p. ex., anafilaxia, doença do soro, glomerulonefrite induzida por antígeno-anticorpo).

Anticorpos monoclonais (mAbs)

Anticorpos monoclonais direcionados contra as células T fornecem maior concentração de anticorpos anticélulas T e menos proteínas séricas irrelevantes do que globulina antilinfocitária e globulina antitimocítica.

Anticorpos monoclonais antirreceptor de IL-2 inibem a proliferação de células T por meio do bloqueio da IL-2, secretada pelas células T ativadas. Basiliximabe, um anticorpo anti-receptor da IL-2 humanizado e o único anticorpo anti-receptor de IL-2 ainda disponível, é utilizado para o tratamento da rejeição aguda ao transplante de rim, fígado e intestino delgado; também é utilizado para terapia imunossupressora adjuvante no momento do transplante. O único efeito adverso relatado é anafilaxia, mas um aumento no risco de doenças linfoproliferativas não pode ser excluído.

Outros fármacos

Belatacepte, outro anticorpo que inibe as vias co-estimuladoras de células T, pode ser utilizado em receptores de transplante renal. Entretanto, a incidência de leucoencefalopatia multifocal progressiva, uma doença mortal do sistema nervoso central, parece maior, e a incidência de outras infecções virais também é aumentada. Doença linfoproliferativa pós-transplante é outra preocupação. Utiliza-se belatacepte em receptores de transplante de rim que têm maior risco de nefrotoxicidade resultante do uso de inibidores da calcineurina.

Irradiação

A irradiação de um enxerto, do local dos tecidos receptores, ou de ambos, pode ser utilizada para tratamento de rejeição do transplante de rim quando outros tratamentos (p. ex., corticoides e globulina antitimocítica) foram ineficazes. A irradiação linfocitária total parece suprimir com segurança a imunidade celular, inicialmente por estimular as células T supressoras e mais tarde, possivelmente, pela deleção clonal de células reativas a antígenos específicos. Mas como imunossupressores agora são muito eficazes, a necessidade de radioterapia é extremamente rara.

Terapias futuras

Estão sendo pesquisados protocolos e agentes para indução de tolerância específica a antígenos de enxerto, sem a supressão de outras respostas imunes. Duas estratégias parecem promissoras:

  • Bloqueio de vias coestimulantes de células T, utilizando-se um antígeno 4 associado ao linfócito T citotóxico (CTLA-4)-proteína de fusão IgG1

  • Indução de quimerismo (coexistência de células imunes de doador e receptor com o tecido do enxerto reconhecido como próprio), utilizando tratamento não mieloablativo pré-transplante (p. ex., ciclofosfamida, irradiação do timo, globulina antitimocítica e ciclosporina) para induzir depleção transitória de células T, enxerto de células-tronco hematopoiéticas do doador e subsequente tolerância a transplantes de órgãos sólidos do mesmo doador (sob estudo)

Tabela
Tabela

Complicações pós-transplante

As complicações incluem:

  • Rejeição

  • Infecção

  • Insuficiência renal

  • Câncer

  • Aterosclerose

Rejeição

A rejeição de órgãos sólidos pode ser hiperaguda, acelerada, aguda ou crônica (tardia). Essas categorias podem ser distinguidas de forma histológica e aproximadamente no momento do início. Os sintomas variam por órgão (ver tabela Manifestações da rejeição de transplante por categoria).

A rejeição hiperaguda tem as seguintes características:

  • Ocorre em 48 horas após o transplante

  • É causada por anticorpos preexistentes fixadores de complemento contra antígenos do enxerto (pré-sensibilização)

  • Caracteriza-se por trombose em pequenos vasos e infarto do enxerto

Com a melhora da triagem pré-transplante, tornou-se rara (1%). Não há tratamento eficaz, exceto a remoção do enxerto.

A rejeição acelerada tem as seguintes características:

  • Ocorre 3 a 5 dias após o transplante

  • É causada pela presença de anticorpos preexistentes não fixadores de complemento contra antígenos do enxerto

  • Caracteriza-se histopatologicamente por infiltrado celular com ou sem alterações vasculares

Rejeição acelerada também é rara. O tratamento é com pulso de alta dose de corticoides ou, se ocorrerem alterações vasculares, preparações antilinfocitárias. Troca plasmática, que remove anticorpos circulantes mais rapidamente, também é utilizada com algum sucesso.

A rejeição aguda é a destruição do enxerto após o transplante e tem as seguintes características:

  • Ocorre mais tarde, cerca de 5 dias após o transplante e diferentemente da rejeição hiperaguda e acelerada, a rejeição aguda é mediada por uma nova resposta de células T antienxerto e não pelos anticorpos preexistentes

  • É causada por reação de hipersensibilidade tardia mediada por células T aos antígenos de histocompatibilidade do aloenxerto

  • Se caracteriza por infiltrado de células mononucleares, com vários graus de sangramento, edema e necrose, mas com a integridade vascular geralmente preservada (embora o endotélio vascular pareça ser um alvo primário)

A rejeição aguda é responsável por cerca de metade de todos os episódios de rejeição que ocorrem em 10 anos. A rejeição aguda costuma ser revertida pela intensificação do tratamento com imunossupressores (p. ex., com pulso de corticoides, ALG ou ambos). Após a reversão da rejeição, as partes do órgão gravemente danificadas cicatrizam com fibrose, o restante do enxerto funciona normalmente, as doses imunossupressoras podem ser reduzidas a concentrações muito baixas e os enxertos podem sobreviver por longos períodos.

A rejeição crônica é a disfunção do enxerto, geralmente sem febre. Tem as seguintes características:

  • Tipicamente ocorre meses a anos após o transplante, mas às vezes em semanas

  • Tem múltiplas causas, como rejeição precoce ou tardia mediada por anticorpos, isquemia periprocedural e lesão de reperfusão, toxicidade farmacológica, infecção e fatores vasculares (p. ex., hipertensão, hiperlipidemia)

  • A característica patológica é a proliferação da neoíntima, formada por células de músculo liso e matriz extracelular (aterosclerose do transplante), que gradualmente e, finalmente, oclui o lúmen do vaso, resultando em isquemia localizada e fibrose do enxerto (em receptores de transplante de fígado, a escassez de dutos biliares pode ser a principal característica patológica)

A rejeição crônica corresponde à metade de todos os episódios de rejeição. A rejeição crônica progride insidiosamente apesar do tratamento imunossupressor; não existe tratamento estabelecido. Relatou-se que o tacrolimus controla a rejeição hepática crônica em alguns pacientes.

Tabela
Tabela

Infecção

Os pacientes transplantados tornam-se vulneráveis a infecções por causa das

  • Uso de imunossupressores

  • Imunodeficiências secundárias que acompanham a insuficiência dos órgãos

  • Cirurgia

Raramente, um órgão transplantado é a fonte da infecção (p. ex., cytomegalovirus [CMV]).

O sinal mais comum é a febre, geralmente sem sinais localizadores. A febre também pode ser um sintoma de rejeição aguda, mas costuma ser acompanhada de sinais de disfunção do enxerto. Se esses sinais estiverem ausentes, a abordagem é semelhante à de outras febres de origem desconhecida; o momento do aparecimento dos sinais e sintomas após o transplante ajuda a estreitar o diagnóstico diferencial.

No primeiro mês depois do transplante, a maioria das infecções é causada pelos mesmos fun- gos e bactérias adquiridos em hospitais que infectam outros pacientes cirúrgicos (p. ex., Pseudomonas spp que causa pneumonia, bactérias Gram-positivas que causam infecção na ferida cirúrgica). A principal preocupação com a infecção precoce é que os organismos podem infectar o enxerto ou seu suprimento vascular nos locais de sutura, causando aneurismas micóticos ou deiscências.

Infecções oportunistas ocorrem 1 a 6 meses depois do transplante (consultar os tratamentos em outra parte deste Manual). As infecções podem ser bacterianas (p. ex., listeriose e nocardiose), virais (p. ex., decorrente do vírus BK (um poliomavírus oportunista comum em receptores de transplante renal), CMV, vírus de Epstein-Barr, vírus zóster da varicela ou vírus da hepatite B ou hepatite C), fúngicas (p. ex., aspergilose, criptococose e infecção por Pneumocystis jirovecii) ou parasitárias (p. ex., estrongiloidíase, toxoplasmose, tripanossomose e leishmaniose). Historicamente, muitas dessas infecções foram associadas à utilização de doses elevadas de corticoides.

O risco de infecções retorna a valores basais em cerca de 80% dos pacientes após 6 meses. Cerca de 10% dos pacientes desenvolvem complicações de infecções precoces, como infecção viral do enxerto, infecção metastática (p. ex., retinite por CMV, colite), ou cânceres induzidos por vírus (p. ex., hepatites e carcinoma hepatocelular subsequente, papilomavírus humano e carcinoma de células basais subsequente). Outros desenvolvem rejeição crônica, necessitam de altas doses de imunossupressores (5 a 10%) e permanecem indefinidamente com risco elevado de infecções oportunistas. O risco de infecção varia de acordo com o enxerto recebido e é menor para os receptores de aloenxertos renais e mais alto para receptores de transplantes de fígado e pulmão.

Após o transplante, na maioria dos pacientes são administrados antimicrobianos para reduzir o risco de infecção. A escolha do fármaco depende do risco individual e do tipo de transplante; os esquemas incluem sulfametoxazol-trimetoprima, 80/400 mg por via oral uma vez ao dia, por 4 a 12 meses, para prevenir infecção por P. jirovecii ou prevenir infecções do trato urinário em pacientes de transplante renal. Nos pacientes neutropênicos algumas vezes são introduzidos antibióticos da quinolona (p. ex., levofloxacino, 500 mg por via oral ou IV uma vez ao dia) para prevenir infecção por organismos Gram-negativos. Muitas vezes, os pacientes são tratados profilaticamente com ganciclovir ou aciclovir porque as infecções por CMV e outras infecções virais ocorrem com mais frequência nos primeiros meses após o transplante, quando as doses de imunossupressores são mais altas. As doses administradas dependem da função renal do paciente.

Vacinas inativadas podem ser administradas de maneira segura no pós-transplante. Riscos decorrentes das vacinas vivas atenuadas devem ser ponderados em relação aos potenciais benefícios, porque é possível que haja infecção clinicamente evidente e exacerbação da rejeição em pacientes imunodeprimidos, mesmo se os níveis séricos de imunossupressores forem baixos.

Nefropatias

A taxa de filtração glomerular diminui 30 a 50% durante os primeiros 6 meses após transplante de órgãos sólidos em 15 a 20% dos pacientes. Em geral, esses pacientes também desenvolvem hipertensão. A incidência é maior em receptores de transplantes de intestino delgado (21%) porque são necessários níveis séricos elevados de imunossupressores (normalmente, inibidores da calcineurina) para manter o enxerto. A incidência é mais baixa em receptores de transplantes de coração e pulmão (7%). Os efeitos nefrotóxicos e diabetogênicos dos inibidores de calcineurina são os principais contribuintes, mas lesões renais por procedimentos, insuficiência renal pré-transplante, ou infecção por hepatite C e uso de outros fármacos nefrotóxicos também contribuem.

Após redução inicial, a taxa de filtração glomerular tipicamente estabiliza ou diminui de forma mais lenta; entretanto, a taxa de mortalidade quadruplica em pacientes nos quais a doença renal progride para o estágio final, a menos que transplante renal subsequente seja feito. A insuficiência renal após o transplante pode ser prevenida pela redução precoce dos inibidores de calcineurina, mas a dose mínima segura ainda deve ser determinada.

Câncer

A utilização prolongada de imunossupressores aumenta a incidência das neoplasias induzidas por vírus, especialmente o carcinoma de células escamosas e basais, as doenças linfoproliferativas (principalmente linfoma não Hodgkin de células B), o câncer anogenital (inclusive o cervical), o câncer orofaríngeo e o sarcoma de Kaposi.

O tratamento é similar ao do câncer em pacientes não imunossuprimidos; a redução ou interrupção da imunossupressão não é necessária para tumores com graus baixos, mas é recomendada nos tumores mais agressivos e linfomas. Quando um distúrbio linfoproliferativo se desenvolve, interrompe-se em particular os antagonistas do metabolismo das purinas (azatioprina, micofenolato), e também o tacrolimus.

Outras complicações

Pode ocorrer osteoporose nos pacientes com risco de osteoporose antes do transplante (p. ex., por causa de redução da atividade física, consumo de tabaco e/ou álcool ou doença renal preexistente) porque os imunossupressores (especialmente os corticoides e os inibidores da calcineurina) aumentam a reabsorção óssea. Apesar de não ser rotina, a utilização de vitamina D, bisfosfonatos e outros fármacos antirreabsortivos após o transplante pode ter um papel importante na prevenção.

A dificuldade em se desenvolver, principalmente em consequência do uso crônico de corticoides, é uma preocupação em crianças. A diminuição do crescimento pode ser atenuada pela redução da dose de corticoides até a dose mínima que não cause rejeição do enxerto.

A aterosclerose pode resultar da dislipidemia decorrente do uso de inibidores da calcineurina, rapamicina (sirolimo e everolimo) ou corticoides; tipicamente, ocorre nos pacientes que recebem transplante de rim > 15 anos depois do transplante.

A DEH ocorre quando as células T do doador reagem contra antígenos próprios do receptor. A DEH acomete primariamente os receptores de células-tronco hematopoiéticas, mas também pode acometer os receptores de transplante de intestino delgado. Pode causar lesões inflamatórias aos tecidos, especialmente fígado, intestino e pele, bem como discrasias sanguíneas.

A gota pode ser exacerbada em pacientes com hiperuricemia preexistente e/ou história de gota, especialmente naqueles submetidos a transplante de rim ou coração; também pode ser exacerbada após o transplante por causa de interações medicamentosas. O tratamento pré-operatório agressivo de pacientes com risco aumentado em uso de fármacos que reduzem o ácido úrico pode ser útil na prevenção.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. United Network for Organ Sharing: Transplant Trends. https://unos.org/data/transplant-trends/: fornece orientações sobre a alocação de órgãos e informações abrangentes sobre transplantes, incluindo números de transplantes

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