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Transplante de fígado

PorMartin Hertl, MD, PhD, Rush University Medical Center
Reviewed ByBrian F. Mandell, MD, PhD, Cleveland Clinic Lerner College of Medicine at Case Western Reserve University
Revisado/Corrigido: ago. 2022 | modificado set. 2022
Visão Educação para o paciente

O transplante de fígado é o 2º tipo mais comum de transplante de órgão sólido. (Ver também Visão geral do transplante.)

As indicações de transplante hepático são

  • Cirrose (70% dos transplantes nos Estados Unidos; 10 a 20% desses casos são atribuídos à hepatite C)

  • Insuficiência hepática fulminante (cerca de 8%)

  • Carcinoma hepatocelular (cerca de 7%)

  • Atresia biliar e distúrbios metabólicos, principalmente em crianças (cerca de 3% cada)

  • Outros distúrbios colestáticos (p. ex., colangite esclerosante primária) e não colestáticos (p. ex., hepatite autoimune) (cerca de 8%)

Para os pacientes com carcinoma hepatocelular, indica-se o transplante em caso de 1 tumor com < 5 cm ou até 3 tumores com < 3 cm. Esses critérios, além da ausência de comprometimento extra-hepático e de grandes vasos atendem os critérios de Milão, utilizados para avaliar a adequação do transplante hepático para os pacientes com cirrose e carcinoma hepatocelular. Para os pacientes com metástases hepáticas, indica-se o transplante apenas para os tumores neuroendócrinos, sem crescimento extra-hepático após a remoção do tumor primário.

AS contraindicações absolutas ao transplante hepático são

  • Aumento da pressão intracraniana (> 40 mmHg) ou baixa pressão de perfusão cerebral (< 60 mmHg) em pacientes com necrose hepática fulminante

  • Hipertensão pulmonar grave (pressão arterial pulmonar média > 50 mmHg)

  • Sepse

  • Carcinoma hepatocelular avançado ou metastático

Todas essas doenças indicam prognóstico reservado durante ou após o transplante.

Doadores de fígado

Praticamente todos os fígados doados são provenientes de doadores com morte encefálica (falecidos) e compatibilidade ABO e batimentos cardíacos. A tipagem de tecidos e a compatibilidade HLA (human leukocyte antigen) prospectivas nem sempre são necessárias. Transplantes de fígado ABO-incompatíveis foram feitos com sucesso em crianças com < 2 anos; em crianças mais velhas e adultos, esses transplantes não são utilizados porque há alto risco de rejeição e danos no duto biliar (ductopenia) com colestase, que requer retransplante.

Anualmente, mais de 500 fígados nos Estados Unidos provêm de doadores vivos, que podem sobreviver sem o lobo direito (em transplante de adulto para adulto) ou sem o segmento lateral do lobo esquerdo (em transplante de adulto para crianças). As vantagens do doador vivo para o receptor incluem menor tempo de espera, menor tempo de isquemia fria para os órgãos retirados, em grande parte porque o transplante pode ser agendado para otimizar as condições do paciente. As desvantagens para o doador incluem a taxa de mortalidade de 1/600 a 700 (comparado com 1/3300 para doadores vivos de transplante renal) e as complicações (p. ex., vazamento de bile, sangramento) em até um quarto. Os médicos devem esforçar-se ao máximo para evitar a coerção psicológica dos doadores.

Alguns fígados são provenientes de doadores falecidos sem batimento cardíaco (chamados doação pós-morte cardíaca [DCD]), mas, nesses casos, as complicações do duto biliar se desenvolvem em até um terço dos receptores porque o fígado foi danificado pela isquemia antes da doação.

Os fatores de risco do doador (falecido ou vivo) para falha do enxerto no receptor são

  • Idade > 50

  • Esteatose hepática

  • Elevação das enzimas hepáticas, da bilirrubina ou de ambas

  • Permanência prolongada em unidade de terapia intensiva

  • Hipotensão com necessidade de vasopressores

  • Hipernatremia

  • Possivelmente transplante de doadoras para receptores do sexo masculino

Mas por ser maior o desequilíbrio entre oferta e demanda para transplantes de fígado (e crescente em decorrência do aumento da prevalência de cirrose induzida por hepatite), os fígados de doadores com > 50 anos de idade com períodos mais longos de isquemia, aqueles com infiltração gordurosa e aqueles com hepatite viral (em receptores com cirrose induzida por hepatite viral) estão sendo utilizados com mais frequência.

Técnicas adicionais para aumentar o suprimento incluem

  • Transplante de fígado dividido: os fígados de doadores falecidos são divididos em lobos direito ou esquerdo e segmento lateral esquerdo (feito em situ ou ex situ) e dados a 2 receptores

  • Transplante dominó: ocasionalmente, o fígado de um doador morto é dado ao receptor com doença infiltrativa (p. ex., amiloidose) e o fígado enfermo retirado é fornecido a um receptor idoso, que pode se beneficiar do fígado enfermo, mas cuja expectativa de vida não é longa o suficiente para apresentar os efeitos adversos de disfunção do transplante.

Apesar dessas inovações, vários pacientes morrem na fila de espera do transplante. Dispositivos de auxílio à vida (perfusão extracorporal de suspensão de hepatócitos cultivados ou de células de hepatomas imortalizadas) são utilizados em alguns centros para manter o paciente vivo até que um fígado esteja disponível, ou até ocorrer resolução da disfunção aguda.

Distribuição de órgãos

Para a distribuição dos órgãos disponíveis, os pacientes em uma lista nacional recebem uma classificação prognóstica derivada de creatinina, bilirrubina e medições da razão normalizada internacional (INR), utilizando o Model for End-Stage Liver Disease (MELD) para adultos, ou da idade e albumina sérica, bilirrubina, INR e medições de fallha de crescimento, utilizando o Pediatric End-Stage Liver Disease (PELD) para crianças. MELD e PELD são fórmulas utilizadas para calcular a probabilidade de morte de um paciente por doença hepática enquanto espera um transplante de fígado. A escala MELDNa é semelhante, mas incorpora o nível de sódio no cálculo. Os pacientes com maior probabilidade de morte têm maior prioridade para órgãos de doadores compatíveis. Para pacientes com carcinoma hepatocelular, a classificação é atribuída para refletir a taxa de mortalidade com base no tamanho do tumor e tempo de espera.

Procedimento

Os fígados de doadores falecidos são removidos após laparotomia exploratória confirmar a ausência de carcinoma hepatocelular avançado ou metastático, o que impediria o transplante. Os doadores vivos são submetidos à ressecção lobar ou segmentar.

Os fígados removidos são perfundidos e armazenados em uma solução de preservação resfriada por até 18 horas até o transplante; a incidência de não funcionamento do enxerto e de lesão biliar isquêmica aumenta com o armazenamento prolongado.

A hepatectomia do receptor é a parte de maior exigência do procedimento, porque geralmente é realizada em pacientes com hipertensão portal e defeitos de coagulação. A perda de sangue intraoperatória total pode ser > 100 unidades, mas a utilização de uma máquina conservadora de células e aparelhos de autotransfusão reduzem as necessidades de transfusão alogênica para uma média de 5 a 10 unidades. Após a hepatectomia, a veia cava supra-hepática do doador é anastomosada com a veia cava do receptor de maneira término-terminal (técnica de piggy-back). As veias portas, as artérias hepáticas e os ductos biliares do doador e do receptor são anastomosados em seguida. Com essa técnica, não é necessária uma bomba de desvio para levar o sangue venoso portal para o circuito venoso sistêmico. A colocação heterotópica do fígado (não no seu local normal) fornece um fígado auxiliar e reduz várias dificuldades técnicas, mas os resultados são desencorajadores e essa técnica ainda é experimental.

Os esquemas imunossupressores variam (ver Imunossupressão pós-transplante. Comumente, anticorpos antirreceptor de IL-2 são administrados no dia do transplante, com um inibidor de calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo), micofenolato e corticoides. Exceto em pacientes com hepatites autoimunes, os corticoides podem ser reduzidos em semanas e geralmente suspensos em 3 a 4 meses. Comparado aos demais transplantes de órgãos sólidos, o transplante de fígado requer as menores doses de imunossupressores.

Complicações do transplante de fígado

(Ver também Complicações pós-transplante.)

Rejeição

Os aloenxertos de fígado são rejeitados de for- ma menos agressiva que os aloenxertos de outros órgãos por motivos desconhecidos; as reações hiperagudas ocorrem com menos frequência do que o esperado em pacientes pré-sensibilizados a antígenos HLA ou ABO e os imunossupressores geralmente podem ser reduzidos relativamente rápido e finalmente suspensos. A maior parte dos episódios de rejeição aguda é leve e autolimitada, ocorre dentro dos primeiros 3 a 6 meses e não afeta a sobrevida do enxerto.

Fatores de risco de rejeição são

  • Idade mais jovem do receptor

  • Idade avançada do doador

  • Maior incompatibilidade de HLA

  • Tempo de isquemia fria mais prolongado

  • Doenças autoimunes

O mau estado nutricional (p. ex., no alcoolismo) parece protetor.

Os sinais e sintomas da rejeição dependem do tipo de rejeição (ver tabela Manifestações do transplante renal por categoria de rejeição). Os sintomas de rejeição aguda ocorrem em 50% dos pacientes; sintomas de rejeição crônica ocorrem em < 2%.

Tabela

O diagnóstico diferencial da rejeição aguda comporta a hepatite viral aguda (p. ex., infecção por CMV ou EBV; recidiva de hepatite B, C ou ambas), toxicidade dos inibidores da calcineurina e colestase. A rejeição pode ser diagnosticada por biópsia percutânea com agulha, se o diagnóstico clínico não for claro.

A suspeita de rejeição é tratada com corticoides IV; globulina antitimocítica é uma opção quando os corticoides forem ineficazes (em 10% a 20%). Tenta-se o retransplante quando a rejeição é refratária a imunossupressores.

Recidiva da hepatite após o transplante

Os imunossupressores contribuem para a recorrência das hepatites virais em pacientes que apresentavam cirrose induzida por hepatite viral pré-transplante. A hepatite C reincide em praticamente todos os pacientes; em geral, a viremia e a infecção são clinicamente silenciosas, mas podem causar hepatite ativa e cirrose.

Fatores de risco de reinfecção clinicamente significativa podem estar relacionados com

  • O receptor: por exemplo, idade avançada, tipo de HLA e carcinoma hepatocelular

  • O doador: por exemplo, idade avançada, infiltração gordurosa, tempo de isquemia prolongado e doador vivo

  • Vírus: carga viral alta, genótipo 1B e falha na resposta ao interferon

  • Eventos após o procedimento: doses de imunossupressores, rejeição aguda tratada com corticoides e infecção por citomegalovírus

Novos tratamentos antivirais (p. ex., telaprevir) transformaram o prognóstico dos pacientes com cirrose relacionada com a hepatite C. Os órgãos dos doadores com infecção pelo vírus da hepatite C são cada vez mais utilizados, em parte porque uma proporção maior da população norte-americana é dependente de opioides e, portanto, utiliza agulhas contaminadas. Os resultados têm sido excelentes. O índice de cura da hepatite C é de quase 100%, e o tratamento após um transplante hepático bem-sucedido em pacientes imunossuprimidos é igualmente eficaz. A hepatite B recidiva em todos os pacientes, mas pode ser tratada com sucesso com antivirais; a coinfecção com a hepatite D parece proteger contra a recorrência.

Outras complicações

As complicações precoces (em 2 meses) do transplante hepático são

  • Disfunção primária (isto é, o fígado nunca funciona e precisa ser substituído emergencialmente) em 1 a 5%

  • Disfunção biliar mecânica (p. ex., estenoses anastomóticas isquêmicas, vazamento de bile, obstruções nos dutos, vazamento em torno do local do tubo T) em 15 a 20%

  • Trombose de veia porta em < 5%

  • Trombose da artéria hepática em 3 a 5% (especialmente em crianças pequenas ou receptores de enxertos divididos)

  • Aneurisma micótico da artéria hepática ou pseudo-aneurisma e ruptura da artéria hepática

Os sinais e sintomas típicos das complicações precoces incluem febre, hipotensão e resultados anormais de testes hepáticos.

As complicações tardias mais comuns são

  • Estenoses intra-hepáticas ou de anastomose de ducto biliar, que causam sintomas de colestase e colangite

Depois do transplante hepático com enxertos de doadores falecidos, estenoses são particularmente comuns, ocorrendo em cerca de um quarto a um terço dos receptores. As estenoses às vezes podem ser tratadas utilizando dilatação endoscópica ou colangiográfica transepática percutânea, implante de stent, ou ambos, mas geralmente finalmente tornam necessário o retransplante.

Prognóstico para transplante de fígado

Em 1 ano após o transplante hepático, os índices de sobrevida são

  • Enxertos de doadores vivos: 90% (pacientes) e 82% (enxertos)

  • Enxertos de doadores falecidos: 91% (pacientes) e 85% (enxertos)

A sobrevida global é

  • Em 3 anos: 79% (pacientes) e 72% (enxertos)

  • Em 5 anos: 73% (pacientes) e 65% (enxertos)

A sobrevida é melhor para pacientes que tiveram insuficiência hepática crônica em vez de aguda. A morte após 1 ano é normalmente atribuível à recidiva da doença [p. ex., câncer, esteato-hepatite não alcoólica (EHNA)] e não às complicações pós- transplante.

A hepatite C recorrente costumava levar à cirrose em 15% a 30% dos pacientes em 5 anos, mas os antivirais atuales tornaram isso um evento raro. Mesmo a hepatite C colestática pós-transplante de início precoce pode ser facilmente revertida com antivirais. Doenças hepáticas com componente autoimune (p. ex., cirrose biliar primária, colangite esclerosante primária e hepatite autoimune) reincidem em 20 a 30% em 5 anos.

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