A embolia de líquido amniótico é uma síndrome clínica de hipóxia, hipotensão e coagulopatia resultante da entrada de antígenos fetais na circulação materna.
A embolia de líquido amniótico é uma emergência obstétrica rara, com ocorrência estimada em 2 a 6/100.000 gestações (1). Geralmente ocorre durante o final da gestação, mas pode ocorrer durante o aborto induzido no primeiro ou segundo trimestre de gestação.
Embora as estimativas de mortalidade variem amplamente (de cerca de 20 a 90%), a síndrome apresenta claramente um risco significativo, e de mulheres que morrem de repente durante o trabalho de parto, o embolismo de líquido amniótico é uma das causas mais prováveis (2, 3). A sobrevida depende do reconhecimento na fase inicial e instituição imediata do tratamento.
Referências gerais
1. Knight M, Berg C, Brocklehurst P, et al: Amniotic fluid embolism incidence, risk factors and outcomes: a review and recommendations. BMC Pregnancy Childbirth 12:7., 2012. Publicado em 10de fevereiro de 2012. doi:10.1186/1471-2393-12-7
2. Clark SL: Amniotic fluid embolism. Obstet Gynecol 123:337-348, 2014. doi: 10.1097/AOG.0000000000000107
3. Society for Maternal-Fetal Medicine (SMFM), Pacheco LD, Clark SL, Klassen M, Hankins GD: Amniotic fluid embolism: Principles of early clinical management. Am J Obstet Gynecol 222 (1):48–52, 2020. 222(1):48-52. doi: 10.1016/j.ajog.2019.07.036
Fisiopatologia da embolia por líquido amniótico
O termo "embolia" do líquido amniótico consagrado implica um distúrbio principalmente mecânico, obstrutivo, como ocorre no tromboembolia ou embolia aérea. Mas como o líquido amniótico é completamente solúvel no sangue, ele não pode causar obstrução. Além disso, as pequenas quantidades de células fetais e fragmentos de tecido que podem acompanhar o líquido amniótico na circulação materna são muito pequenos para obstruir de maneira mecânica e suficiente a árvore vascular pulmonar a fim provocar alterações hemodinâmicas acentuadas que ocorrem nessa síndrome.
Em vez disso, pensa-se atualmente que a exposição a antígenos fetais durante o parto ativa mediadores pró-inflamatórios, que desencadeiam uma cascata inflamatória impressionante e liberam substâncias vasoativas (p. ex., noradrenalina) semelhantes à síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) que ocorre na sepse e no choque séptico.
A resposta inflamatória provoca danos aos órgãos, especialmente pulmões e coração, e desencadeia a cascata de coagulação, resultando em coagulação intravascular disseminada (CIVD). A hipóxia e hipotensão materna resultantes têm efeitos profundos negativos sobre o feto.
Como a exposição materna aos antígenos fetais é provavelmente bastante comum durante o trabalho de parto e o parto, não está claro por que apenas algumas mulheres desenvolvem embolia de líquido amniótico. Considera-se que os diferentes antígenos fetais em quantidades variáveis provavelmente interagem com fatores de susceptibilidade materna desconhecidos.
Fatores de risco
Muitos fatores estão associados a um risco aumentado de embolia por líquido amniótico, mas as evidências são inconsistentes. Assim como acontece com a exposição a antígenos fetais, muitos dos fatores de risco são comuns ou pelo menos muito mais prováveis do que a embolia de líquido amniótico, e não há um bom entendimento fisiopatológico da razão por que apenas algumas mulheres com fatores de risco desenvolvem a síndrome. Mas geralmente considera-se que o risco é maior por causa dos seguintes:
Idade materna avançada
Trauma abdominal
Eclâmpsia
Lacerações do colo do útero
Sinais e sintomas de embolia por líquido amniótico
A embolia de líquido amniótico costuma se manifestar durante e logo após o parto. O primeiro sinal pode ser parada cardíaca súbita. Outras pacientes podem subitamente desenvolver dispneia e apresentar taquicardia, taquipneia e hipotensão. Insuficiência respiratória, com cianose significativa, hipóxia e crepitações pulmonares, muitas vezes sucedem-se rapidamente. Há alto risco de mortalidade.
A coagulopatia se manifesta como sangramento do útero e/ou locais das incisões e venipuntura.
Hipoperfusão uterina causa atonia uterina e sofrimento fetal.
Diagnóstico de embolia por líquido amniótico
História obstétrica e sinais vitais
Exames de sangue para coagulação
Exclusão de outras causas
Suspeita-se do diagnóstico da embolia de líquido amniótico quando a tríade clássica se desenvolve durante o trabalho de parto ou logo após o parto:
Hipóxia súbita
Hipotensão
Coagulopatia
O diagnóstico de embolia por líquido amniótico é clínico e pela exclusão de outras causas, como:
Parada cardíaca súbita em mulheres jovens (p. ex., infarto do miocárdio, dissecção da artéria coronária, doença cardíaca congênita)
Insuficiência respiratória aguda (embolia pulmonar, pneumonia, bloqueio espinal alto)
Coagulopatia (p. ex., sepse, hemorragia pós-parto, atonia uterina)
A autópsia pode detectar células escamosas fetais e cabelo na circulação pulmonar, mas esse resultado não confirma o diagnóstico. Células fetais são às vezes detectadas em pacientes que não têm manifestações clínicas de embolia por líquido amniótico.
Tratamento da embolia por líquido amniótico
Suporte da equipe de cuidados intensivos e unidade de terapia intensiva
Reanimação cardiopulmonar
Uterotônicos
Em geral, transfusão de eritrócitos e crioprecipitados
A embolia por líquido amniótico é uma emergência potencialmente fatal e requer tratamento urgente por uma equipe clínica com experiência em cuidados obstétricos e críticos e acesso a equipamentos de cuidados intensivos. A Society for Maternal-Fetal Medicine forneceu uma lista de verificação concisa para o tratamento imediato da embolia por líquido amniótico para ajudar os obstetras a responder de maneira rápida e eficiente (1).
A parada respiratória é tratada com entubação endotraqueal e manutenção das vias respiratórias e fluxo de oxigênio. Monitora-se a frequência cardíaca e frequentemente é necessária reanimação cardiopulmonar. Para melhorar o retorno venoso da veia cava, a paciente é posicionada em inclinação lateral ou o útero pode ser deslocado manualmente. Deve-se evitar a sobrecarga de líquidos e podem ser necessários vasopressores. Se a parada cardíaca materna não se resolver com outras intervenções de reanimação, recomenda-se o parto cirúrgico (chamado parto cesárea perimortem ou histerotomia de emergência) em 4 minutos, com o parto do lactente realizado em até 5 minutos. O parto resulta em autotransfusão do sangue nas veias miometriais e o útero evacuado não mais restringe o retorno venoso. O parto pode ser crucial para a sobrevivência da gestante e de um feto em idade gestacional viável.
Ocitocina e outros uterotônicos são administrados profilaticamente, pois pode ocorrer atonia uterina e hemorragia. Administra-se transfusão de eritrócitos (conforme necessário para repor o sangue perdido) e crioprecipitado (conforme necessário para reverter a coagulopatia); prefere-se o crioprecipitado em vez de plasma fresco congelado porque o primeiro resulta em menor volume. O fator recombinante VIIa não deve ser utilizado rotineiramente, mas pode ser administrado a mulheres que continuam a sangrar muito apesar do uso de outros fatores de coagulação. O ácido tranexâmico também pode ser administrado para hemorragia (1 g IV durante 10 minutos).
Referência sobre o tratamento
1. Combs CA, Montgomery DM, Toner LE, Dildy GA: Society for Maternal-Fetal Medicine special statement: Checklist for initial management of amniotic fluid embolism. Am J Obstet Gynecol 224(4):PB29-B32, 2021. doi: 10.1016/j.ajog.2021.01.001
Pontos-chave
Embolia por líquido amniótico normalmente ocorre durante o trabalho de parto e no parto e causa a tríade hipóxia, hipotensão e coagulopatia.
A doença não é um fenômeno embólico mecânico, mas é provavelmente uma resposta bioquímica em que a exposição aos antígenos fetais desencadeia uma resposta inflamatória intensa na mãe.
A mortalidade é elevada, e as pacientes requerem suporte respiratório agressivo, imediato e hemodinâmico e reposição dos fatores de coagulação.
O parto imediato é necessário para a sobrevivência do feto em uma idade gestacional viável; também pode melhorar os desfechos maternos.