A hipolipidemia consiste na diminuição da lipoproteína plasmática causada por fatores primários (genéticos) ou secundários. Em geral, é assintomática e diagnosticada por acidente na triagem de rotina dos lipídios. O tratamento da hipolipidemia secundária abrange o tratamento das doenças subjacentes. O tratamento da hipolipidemia primária geralmente não é necessário, mas pacientes com algumas alterações genéticas necessitam de altas doses de vitamina E.
(Ver também Visão geral do metabolismo lipídico.)
Define-se hipolipidemia como colesterol total < 120 mg/dL (< 3,1 mmol/L) ou LDL-C < 50 mg/dL (< 1,3 mmol/L).
As causas podem ser primárias (genéticas) ou secundárias. As causas secundárias são muito mais comuns que as primárias e incluem:
Infecções crônicas (incluindo infecção por hepatite C) e outros estados inflamatórios
Neoplasias hematológicas e outros cânceres
Desnutrição (incluindo uso crônico de álcool que a acompanha)
O achado inesperado de HDL-C alto em pacientes que não estão tomando hipolipemiantes, fármacos redutores de lipídios, deve impelir uma avaliação diagnóstica imediata à procura da causa secundária com mensuração dos níveis séricos de aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT) e tireotropina; uma avaliação negativa sugere uma possível causa primária.
Existem 3 alterações primárias nas quais mutações únicas ou múltiplas resultam em produção reduzida ou depuração aumentada de LDL:
Abetalipoproteinemia
Doença de retenção de quilomícrons
Hipobetalipoproteinemia
As mutações de perda de função da PCSK9 (proteína convertase subtilisina/quexina tipo 9) são outra causa de níveis baixos de LDL. Não há consequências adversas e nenhum tratamento
Abetalipoproteinemia (síndrome de Bassen-Kornzweig)
Doença autossômica recessiva causada por mutações do gene da proteína transferidora microssômica de triglicerídios, uma proteína fundamental para a formação de quilomícrons e VLDL. A gordura da alimentação não pode ser absorvida e as lipoproteínas das duas vias metabólicas estão virtualmente ausentes do sangue; o colesterol total é tipicamente < 45 mg/dL (< 1,16 mmol/L), os triglicerídeos são < 20 mg/dL (< 0,23 mmol/L) e o LDL sé indetectável.
Em geral, a doença é primeiramente detectada em recém-nascidos com má absorção de gorduras, esteatorreia e má evolução ponderal. Pode resultar em retardo mental. Como a vitamina E é distribuída aos tecidos periféricos via VLDL e LDL, a maioria dos indivíduos afetados ocasionalmente desenvolve grave deficiência de vitamina E. Sinais e sintomas são alterações visuais decorrentes de degeneração retiniana lenta, neuropatia sensorial, sinais da medula posterior de ataxia e parestesia, sinais cerebelares de dismetria, ataxia e espasticidade, que com o tempo levam à morte.
O diagnóstico se faz pela ausência de apo B no plasma. Biópsias intestinais mostram falta de proteína transferidora microssômica. A acantocitose de eritrócitos é uma característica diferencial no esfregaço periférico de sangue. Exames genéticos podem confirmar o diagnóstico.
Tratamento da deficiência de vitamina E é com altas doses (100 a 300 mg/kg, uma vez ao dia, por via oral) de vitamina E com suplementação de gordura dietética e outras vitaminas lipossolúveis. Geralmente o prognóstico é muito reservado.
Doença de retenção de quilomícrons (doença de Anderson)
A doença de retenção de quilomícrons é uma doença autossômica recessiva muito rara causada pela deficiência de secreção do apo B pelos enterócitos. Mutações em um gene que codifica uma proteína importante do transporte de quilomícrons ao longo dos enterócitos foram associadas a essa doença.
Recém-nascidos afetados apresentam má absorção de gorduras, esteatorreia e má evolução ponderal, e podem ter distúrbios neurológicos semelhantes aos da abetalipoproteinemia.
O diagnóstico é feito por biópsia intestinal de pacientes com níveis baixos de colesterol e ausência de quilomícrons pós-prandiais.
O tratamento é feito pela suplementação de gordura alimentar e das vitaminas lipossolúveis. O tratamento precoce com altas doses de vitamina E pode melhorar o prognóstico.
Hipobetalipoproteinemia
Doença autossômica dominante ou codominante causada por mutações no gene que codifica a apo B.
Pacientes heterozigotos apresentam apo B truncada, causando depuração rápida de LDL-C. Os heterozigotos não apresentam sinais ou sintomas, exceto colesterol total < 120 mg/dL (< 3,1 mmol/L) e LDL-C < 80 mg/dL (< 2,1 mmol/L). Os níveis de triglicerídeos são normais. Alguns pacientes podem ter esteatose hepática.
Pacientes homozigotos apresentam quebras ainda menores, provocando níveis ainda mais baixos de lipídios (colesterol total < 80 mg/dL [< 2,1 mmol/L], LDL-C < 20 mg/dL [< 0,52 mmol/L]) ou síntese ausente de apo B, causando sinais e sintomas de abetalipoproteinemia.
O diagnóstico é encontrar baixos níveis de LDL-C e apo B no lipidograma. Diferenciar a hipobetalipoproteinemia e a abetalipoproteinemia pela história familiar.
Os heterozigotos e os homozigotos com nível de LDL-C baixo, mas detectável, não necessitam de tratamento. O tratamento de pessoas homozigóticas sem LDL é o mesmo que o da abetalipoproteinemia sendo feito com vitamina E e suplementação de gordura na alimentação e das outras vitaminas lipossolúveis. O prognóstico é variável, mas o diagnóstico precoce e adesão rigorosa ao tratamento podem retardar a progressão da doença.