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Obstipação em crianças

PorDeborah M. Consolini, MD, Thomas Jefferson University Hospital
Reviewed ByAlicia R. Pekarsky, MD, State University of New York Upstate Medical University, Upstate Golisano Children's Hospital
Revisado/Corrigido: mar. 2025
Visão Educação para o paciente

Recursos do assunto

Constipação é definida como demora ou dificuldade de defecação. É a causa de até 5% das consultas pediátricas (1).

A frequência e consistência das fezes consideradas normais variam de acordo com a idade e a dieta das crianças; há também uma variação considerável entre uma criança e outra.

Na maior parte (90%) dos neonatos normais há passagem de mecônio nas primeiras 24 horas de vida. Durante a primeira semana, os lactentes têm em média 4 a 8 evacuações/dia; lactentes amamentados (alimentados ao peito) geralmente passam mais fezes do que aqueles alimentados com leite em pó. Durante os primeiros meses, os lactentes amamentados têm em média 3 evacuações/dia, contra cerca de 2 evacuações/dia de lactentes alimentados com leite em pó. Aos 2 anos de idade, a quantidade de evacuações diminuiu ligeiramente para < 2/dia. Após os 4 anos, é um pouco > 1/dia.

Em geral, sinais de esforço (p. ex., contorção) em um lactente jovem não significam obstipação. O lactente desenvolve gradualmente a musculatura para ajudar a evacuação.

Referência geral

  1. 1. Mutyala R, Sanders K, Bates MD. Assessment and management of pediatric constipation for the primary care clinician. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2020;50(5):100802. doi:10.1016/j.cppeds.2020.100802

Etiologia da obstipação em crianças

São 2 os tipos principais de obstipação na criança:

  • Orgânica (5%)

  • Funcional (95%)

Orgânica

As causas orgânicas da obstipação envolvem disfunções estruturais específicas, neurológicas, tóxico/metabólicas ou intestinais. São raras, mas importantes de reconhecer (ver tabela Causas orgânicas de obstipação em lactentes e crianças).

A causa orgânica mais comum é

Outras causas orgânicas que podem se manifestar durante ou após o período neonatal incluem

Funcional

A obstipação funcional é a passagem dificultosa das fezes por razões que não causas orgânicas.

As crianças são propensas a desenvolver obstipação funcional durante 3 períodos:

Cada uma dessas etapas tem o potencial de converter a defecação em uma experiência desagradável.

As crianças podem que adiar os movimentos intestinais porque a passagem das fezes durante a defecação pode ser desconfortável ou porque elas não querem interromper as brincadeiras. Para evitar o peristaltismo intestinal, as crianças contraem o músculo esfincteriano, empurrando as fezes acima da ampola retal. A repetição desse comportamento alonga o reto para acomodar o bolo fecal. O estímulo para a evacuação diminui e as fezes tornam-se mais duras, levando a um círculo vicioso de evacuação dolorosa e piora da obstipação. Ocasionalmente, fezes amolecidas escapam ao redor das fezes endurecidas, causando incontinência fecal (encoprese).

Nas crianças maiores, a obstipação é mais frequentemente causada por uma dieta com fibras insuficientes e rica em produtos de laticínios, o que pode provocar a eliminação de fezes endurecidas que provocam desconforto e podem causar fissura anal. As fissuras anais causam dor na passagem das fezes, levando a um círculo vicioso semelhante de evacuação tardia, que resulta em fezes mais endurecidas e passagem mais dolorosa.

Estresse, desejo de controle e abuso sexual também são algumas das causas funcionais de retenção fecal e subsequente obstipação.

Tabela
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Avaliação da obstipação em crianças

A avaliação deve se concentrar em diferenciar a obstipação funcional de uma obstipação com causa orgânica.

História

História da doença atual no neonato deve determinar se houve eliminação do mecônio e quando isso aconteceu. Para lactentes maiores e crianças, os médicos devem perguntar sobre a história de eliminação tardia de mecônio nas primeiras 24 a 48 horas de vida. A história também deve registrar o início e a duração da obstipação, frequência e consistência das fezes e o momento dos sintomas — se começaram após um evento específico, como a introdução de certos alimentos ou algum fator de estresse que possa levar à retenção fecal (p. ex., início do treinamento esfincteriano). Sintomas associados importantes incluem roupas sujas (incontinência fecal), desconforto durante a evacuação e sangue nas fezes. Anotar ainda a composição da dieta, especialmente a quantidade de líquidos e fibras.

A revisão dos sistemas deve focar sintomas que possam sugerir causas orgânicas, como novo início de sucção insatisfatória, hipotonia, ingestão de mel antes dos 12 meses de idade (botulismo infantil), intolerância ao frio, pele seca, fadiga, hipotonia, hiperbilirrubinemia neonatal prolongada, frequência urinária, sede excessiva, (endocrinopatias), alteração da marcha, dor ou fraqueza nos membros inferiores, incontinência urinária (alterações da medula espinal), sudorese noturna, febre, perda ponderal (câncer), vômitos, dor abdominal, deficiência do crescimento, diarreia intermitente e obstipação (disfunções intestinais).

A história clínica deve indagar sobre disfunções conhecidas que possam causar obstipação, como a fibrose cística e a doença celíaca. A exposição a fármacos obstipantes ou poeira de tintas à base de chumbo deve ser observada. Os médicos devem indagar sobre episódios anteriores de obstipação e história familiar.

Exame físico

Em geral, começa com avaliação do nível de conforto e aparência geral (incluindo condições da pele e dos cabelos). Peso e altura devem ser avaliados e marcados em curvas de crescimento.

O exame deve focalizar abdome, ânus e exame neurológico.

Avaliar abdome distendido, fazer ausculta de ruídos intestinais, verificar existência de massa abdominal e dor à palpação. Inspeção anal para verificar fissura (com os devidos cuidados para não forçar e provocar fissura). O exame de toque retal deve ser feito delicadamente para verificar a consistência fecal e obter uma amostra para testar sangue oculto nas fezes. O exame retal deve observar a rigidez da abertura retal e a presença ou ausência de fezes na ampola retal. O exame inclui a verificação da disposição do ânus e a existência de quaisquer tufos de pelos ou depressão na região sacral.

O exame neurológico nos lactentes deve focalizar tônus e força muscular. Nas crianças maiores, o foco é dirigido para marcha, reflexos dos tendões e sinais de fraqueza nos membros inferiores.

Sinais de alerta

Os achados a seguir são particularmente preocupantes:

  • Atraso na eliminação do mecônio (> 24 a 48 horas após o nascimento)

  • Hipotonia e sucção fraca (sugerem botulismo do lactente)

  • Marcha e reflexos tendíneos profundos anormais (sugerem comprometimento da medula espinal)

Interpretação dos achados

Um achado primário que sugere causa orgânica nos neonatos é a obstipação desde o nascimento; nos que tiveram movimentos peristálticos normais, é improvável que tenham disfunção estrutural significativa.

Nas crianças maiores, as pistas para causa orgânica incluem sintomas constitucionais (particularmente perda ponderal, febre ou vômitos), deficit de crescimento (percentil decrescente na curva de crescimento), aspecto enfermo e qualquer anormalidade observada durante o exame físico (ver tabela Causas orgânicas de obstipação em lactentes e crianças). Uma criança com boa aparência, sem outros sintomas além da obstipação, que não está tomando medicamentos obstipantes e com exame físico normal, provavelmente apresenta um distúrbio funcional.

Na criança normal, o reto distendido contendo fezes ou com fissura anal é compatível com obstipação funcional. A obstipação pode ser atribuída ao uso de fármaco obstipante ou a uma alteração dietética relacionada a esse fármaco ou alimento. Alimentos famosos por serem obstipantes incluem lacticínios (p. ex., leite, queijo, iogurte), farinha e alimentos conservados que não contêm fibras. Entretanto, se os sintomas da obstipação começarem após a ingestão de trigo, doença celíaca deve ser considerada. História de um novo estresse (p. ex., um novo irmão) ou outras causas potenciais de comportamento de retenção de fezes, com achados físicos normais, confirmam etiologia funcional.

Exames

Pacientes com história compatível com obstipação funcional não precisam se submeter aos exames, a não ser que não haja resposta aos tratamentos convencionais da obstipação. Realizar radiografia abdominal se os pacientes não responderem ao tratamento ou se houver suspeita de processo orgânico.

Os exames para causas orgânicas devem se basear nos dados de história e exame físico (ver tabela Causas orgânicas de obstipação em lactentes e crianças):

Tratamento da obstipação em crianças

As causas orgânicas específicas da obstipação devem ser tratadas.

A obstipação funcional, inicialmente, deve ser, de preferência, tratada com

  • Mudanças na dieta

  • Mudanças no comportamento

Alterações alimentares diferem dependendo da idade da criança. Lactentes podem receber suco de ameixa após os 3 a 6 meses de idade. Lactentes e crianças devem aumentar a ingestão de água, aumentar o consumo de frutas, vegetais e outras fontes de fibra e diminuir o consumo de alimentos que causam prisão de ventre (p. ex., leite, queijo).

Mudanças no comportamento, como encorajar as crianças maiores, já com treinamento de higiene, a uma rotina de evacuação após as refeições e reforçar um roteiro para encorajá-las. Para as crianças em processo de treinamento esfincteriano, às vezes vale a pena dar um intervalo nesse treinamento até que a obstipação se resolva.

A obstipação persistente é tratada com agentes que eliminem no intestino a impacção fecal, mantendo uma dieta regular e rotina na evacuação. Para isso, são utilizados agentes orais ou retais. Os agentes orais requerem o consumo de grandes volumes de líquidos. Os agentes retais são sentidos como invasivos e de uso difícil. Ambos os métodos podem ser praticados pelos pais com supervisão médica; entretanto, esse processo de desimpacção às vezes necessita de hospitalização se o procedimento ambulatorial não é bem-sucedido. Em geral, esse procedimento extremo não se faz necessário, mas, se for exigida intervenção, um supositório de glicerina é tipicamente adequado. Para manter o intestino saudável, algumas crianças precisam receber suplementação dietética contendo fibras. É necessário consumir 1 a 2 L de água/dia para que esses suplementos sejam eficazes (ver tabela Tratamento da obstipação em crianças).

Tabela
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Pontos-chave

  • A obstipação funcional corresponde a cerca de 95% dos casos.

  • As causas orgânicas são raras, mas precisam ser consideradas.

  • O atraso na eliminação do mecônio por > 24 a 48 horas após o nascimento levanta a suspeita de disfunções estruturais, especialmente doença de Hirschsprung.

  • A intervenção precoce com mudanças na dieta e no comportamento pode tratar a obstipação funcional com sucesso.

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