A aspiração de mecônio intraparto pode causar pneumonite inflamatória e obstrução brônquica mecânica, produzindo uma síndrome de angústia respiratória. O quadro inclui taquipneia, roncos e sibilos e cianose ou dessaturação. Suspeita-se do diagnóstico diante de insuficiência respiratória após o parto e de líquido amniótico meconial, o qual é confirmado pela radiografia de tórax. Lactentes com desconforto respiratório costumam ser entubados e colocados sob ventilação mecânica. O tratamento dos lactentes gravemente afetados com surfactante diminui a necessidade de oxigenação por membrana extracorpórea, mas não afeta a mortalidade (1, 2). O prognóstico depende das condições fisiológicas basais.
(Ver também Visão geral dos distúrbios respiratórios perinatais.)
O nascimento é acompanhado de extensas mudanças fisiológicas, algumas vezes revelando condições que não causavam qualquer problema na vida intrauterina. Por essa razão, o especialista em reanimação neonatal deve estar presente no momento do parto. A idade gestacional e os parâmetros de crescimento ajudam a identificar o risco de patologia neonatal.
Etiologia da síndrome da aspiração de mecônio
O estresse fisiológico no momento do trabalho de parto e do parto (p. ex., por hipóxia e/ou acidose causada por compressão do cordão umbilical ou insuficiência placentária ou por infecção) pode levar o feto a eliminar mecônio dentro do líquido amniótico antes do parto. A eliminacão de mecônio também pode ser normal antes do nascimento, particularmente em recém-nascidos a termo ou pós-termo; observa-se a eliminacão de mecônio em 10 a 15% dos nascimentos. Entretanto, nunca é normal observar mecônio no parto de um recém-nascido pré-termo. É provável que, durante o trabalho de parto, cerca de 5% dos recém-nascidos tenham aspirado mecônio, desencadeando lesões pulmonares e desconforto respiratório, na denominada síndrome da aspiração de mecônio. Embora a pneumonite causada pelo mecônio contribua para o comprometimento respiratório nesses recém-nascidos, a hipertensão pulmonar persistente (HPP) causada pela acidose e/ou hipóxia pré-natal e pós-natal é igualmente, ou até mais, comprometedora.
Fisiopatologia da síndrome da aspiração de mecônio
Os mecanismos pelos quais a aspiração induz à síndrome provavelmente incluem
Liberação de citocinas não específicas
Obstrução das vias respiratórias
Diminuição da produção de surfactantes e inativação do surfactante
Pneumonite química
As condições fisiológicas basais também podem contribuir para o processo. A atelectasia pode surgir se ocorrer obstrução total do brônquio; o bloqueio parcial impede a expiração do ar, resultando em hiperexpansão dos pulmões e possível extravasamento de ar pulmonar com pneumomediastino ou pneumotórax. O risco de extravasamento de ar é ainda maior por causa da diminuição da complacência pulmonar causada pela diminuição da produção de surfactantes e inativação dos surfactantes. Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido pode estar associada à aspiração de mecônio como uma comorbidade ou decorrente de hipóxia persistente.
Recém-nascidos também podem aspirar, durante o parto, vérnix caseoso, líquido amniótico ou sangue de origem materna ou fetal, os quais podem provocar desconforto respiratório e sinais de pneumonia por aspiração na radiografia de tórax.
Sinais e sintomas da síndrome de aspiração de mecônio
Os sinais da síndrome da aspiração de mecônio são taquipneia, batimento de asa de nariz, retrações, cianose ou dessaturação, estertores e roncos.
A coloração amarelo-esverdeada do cordão umbilical, dos leitos ungueais ou da pele indica exposição prolongada (várias horas) ao mecônio no útero. Essa coloração pode indicar sofrimento fetal prolongado e possivelmente as alterações fisiológicas que levam à síndrome da aspiração de mecônio. Manchas de mecônio podem ser vistas na orofaringe e (na entubação) na laringe e na traqueia.
Os recém-nascidos com retenção de ar podem apresentar tórax em barril e também sinais e sintomas de pneumotórax, enfisema intersticial pulmonar e pneumomediastino.
Diagnóstico da síndrome da aspiração de mecônio
Eliminação de mecônio
Desconforto respiratório
Radiografia com achados característicos
Suspeita-se do diagnóstico da síndrome da aspiração de mecônio quando um recém-nascido mostra desconforto respiratório no contexto do líquido amniótico contendo mecônio. A coloração não é diagnóstica.
O diagnóstico é confirmado pela radiografia de tórax, que demonstra hiperinflação com várias áreas de atelectasia e achatamento do diafragma. Os achados radiológicos iniciais podem ser confundidos com os achados da taquipneia transitória do recém-nascido (TTR); entretanto, o que muitas vezes separa lactentes com a síndrome da aspiração de mecônio daqueles com TTR é a hipoxemia significativa presente com a HPP concomitante. O líquido pode ser visto nas fissuras pulmonares ou nos espaços pleurais; o ar, nos tecidos moles ou no mediastino.
Como o mecônio pode propiciar o crescimento de bactérias e como é difícil diferenciar o diagnóstico de síndrome da aspiração meconial de pneumonia bacteriana, deve-se coletar amostras para hemocultura.
Tratamento da síndrome da aspiração de mecônio
Entubação endotraqueal e ventilação mecânica conforme necessário
Suplementação de oxigênio conforme necessário para manter a PaO2 alta e relaxar a vasculatura pulmonar nos casos de HPP
Surfactante
Antibióticos IV
Óxido nítrico inalável nos casos graves de HPP
Oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) se não responsivo às terapias acima
Não foi demonstrado que a aspiração profunda de rotina (isto é, entubação para aspiração abaixo das pregas vocais) em neonatos nascidos com mecônio no líquido amniótico melhora o desfecho, assim a entubação para sucção de um recém-nascido comprometido com mecônio no líquido amniótico não é mais recomendada. Entretanto, se a respiração do recém-nascido parece obstruída, faz-se aspiração com um tubo endotraqueal ligado ao aspirador de mecônio. Indica-se entubação ou pressão positiva contínua das vias respiratórias por via nasal (CPAP) para desconforto respiratório, seguida de ventilação mecânica e internação na unidade de terapia intensiva neonatal conforme necessário. Uma vez que a ventilação com pressão positiva aumenta o risco da síndrome de extravasamento de ar pulmonar, torna-se importante a reavaliação regular (incluindo exame físico e radiografia do tórax) para detectar essas complicações, que devem ser imediatamente investigadas em qualquer recém-nascido entubado e que subitamente apresente piora da pressão arterial, perfusão ou saturação de oxigênio. Ver Síndromes de extravasamento de ar pulmonar para tratamento.
Deve-se considerar surfactantes para neonatos sob ventilação mecânica com altos requisitos de oxigênio; pode diminuir a necessidade de ECMO (1, 2), mas não diminui a mortalidade.
Às vezes, administra-se antibióticos (geralmente ampicilina e um aminoglicosídeo—como utilizado para o tratamento padrão da doença bacteriana grave em um recém-nascido enfermo). No entanto, estudos mostraram que o uso de antibióticos em recém-nascidos com aspiração de mecônio não reduz significativamente a mortalidade, a incidência de sepse, o tempo de internação ou a duração da necessidade de suporte respiratório (2).
Óxido nítrico inalável a até 20 ppm e ventilação de alta frequência (ver Ventilação mecânica) são outras terapias utilizadas no caso de desenvolvimento de hipoxemia refratária; também podem diminuir a necessidade de ECMO.
Referências sobre o tratamento
1. El Shahed AI, Dargaville PA, Ohlsson A, Soll R: Surfactant for meconium aspiration syndrome in term and late preterm infants. Cochrane Database Syst Rev 12(CD002054):1–36, 2014. doi: 10.1002/14651858.CD002054.pub3
2. Natarajan CK, Sankar MJ, Jain K, et al: Surfactant therapy and antibiotics in neonates with meconium aspiration syndrome: A systematic review and meta-analysis. J Perinatol 36(Suppl 1):S49–S54, 2016. doi: 10.1038/jp.2016.32
Prognóstico para síndrome da aspiração de mecônio
O prognóstico é geralmente bom, embora varie com a fisiopatologia de base; a mortalidade geral é maior.
Recém-nascidos portadores da síndrome da aspiração de mecônio estão sob o risco de apresentarem doença asmática futuramente.
Pontos-chave
Cerca de 5% dos neonatos com passagem de mecônio o aspiram, desencadeando lesão pulmonar e desconforto respiratório, ou têm fisiologia pré e pós-natal que os predispõem à hipertensão pulmonar persistente, que pode complicar a síndrome da aspiração de mecônio.
Os recém-nascidos podem ter taquipneia, batimento das asas de nariz, retrações, cianose ou dessaturação, estertores, roncos e manhas visíveis de mecônio na orofaringe.
Suspeitar do diagnóstico quando ocorre desconforto respiratório em recém-nascidos que têm líquido amniótico manchado por mecônio.
Fazer radiografia de tórax e hemoculturas para excluir pneumonia e sepse bacteriana.
Após o parto, fazer aspiração em recém-nascidos com sinais de obstrução respiratória com um tubo endotraqueal ligado a um aspirador de mecônio.
Casos graves exigem ventilação mecânica e, às vezes, antibióticos, óxido nítrico inalável ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).