Hiperplasia suprarrenal congênita causada por deficiência da 21-hidroxilase

PorAndrew Calabria, MD, The Children's Hospital of Philadelphia
Revisado/Corrigido: abr. 2024
Visão Educação para o paciente

A deficiência da 21-hidroxilase (CYP21A2) causa defeitos na conversão dos precursores do cortisol da suprarrenal e, em alguns casos, da aldosterona e, por vezes, hiponatremia e hiperpotassemia graves. Os precursores de hormônios acumulados são desviados para a produção de androgênios, causando virilização. O diagnóstico é feito pela avaliação dos níveis de cortisol, seus precursores e andrógenos das suprarrenais, algumas vezes após administração do ACTH (adrenocorticotropic hormone). O tratamento é feito com glicocorticoide associado, se necessário, ao mineralocorticoide e reconstrução cirúrgica para algumas pacientes do sexo feminino com genitália ambígua.

A deficiência da 21-hidroxilase é responsável por 90% de todos os casos de hiperplasia congênita da suprarrenal. A incidência varia de 1/13.000 a 1/16.000 nascidos vivos (1, 2).

A gravidade da doença depende da mutação CYP21A2 específica e do grau de deficiência de enzimas. A deficiência bloqueia completa ou parcialmente a conversão da 17-hidroxiprogesterona em 11-desoxicortisol, um precursor de cortisol, e a conversão da progesterona em desoxicorticosterona, um precursor da aldosterona. Depois que a síntese de cortisol diminui, os níveis de ACTH (adrenocorticotropic hormone) aumentam, o que estimula o córtex suprarrenal, causando acúmulo dos precursores de cortisol (p. ex., 17-hidroxiprogesterona) e produção excessiva dos androgênios suprarrenais dehidroepiandrosterona (DHEA) e androstenediona. A deficiência de aldosterona pode levar à perda de sal, hiponatremia e hiperpotassemia (3, 4).

Síntese de hormônios suprarrenais

* Enzimas estimuladas pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH).

11β = 11β-hidroxilase (P-450c11); 17α = 17α-hidroxilase (P-450c17); 17,20 = 17,20 liase (P-450c17); 18 = aldosterona sintase (P-450aldo); 21 = 21-hidroxilase (P-450c21); DHEA = de-hidroepiandrosterona; DHEAS = DHEA sulfato; 3β-HSD = 3β-hidroxiesteroide desidrogenase (HSD-3β2); 17β-HSD = desidrogenase 17β-hidroxiesteroide (17β-HSD); SCC = clivagem de cadeia lateral (P-450scc); SL = sulfotransferase (SULT1A1, SULT1E1).

Deficiência clássica de 21-hidroxilase

A deficiência clássica de 21-hidroxilase pode ser dividida em 2 formas:

  • Perda de sal

  • Virilização simples

Nas duas formas, os níveis de androgênios suprarrenais são elevados, causando virilização.

A forma com perda de sal é a mais grave e responsável por 70% dos casos clássicos de deficiência de 21-hidroxilase; há deficiência completa na atividade enzimática, que resulta em níveis muito baixos de cortisol e aldosterona. Como a secreção de aldosterona é mínima, perde-se sal, o que leva à hiponatremia, hiperpotassemia e maior atividade da renina plasmática.

Na forma virilizante simples, a síntese de cortisol é prejudicada, o que resulta em maior atividade de androgênios, mas há atividade enzimática suficiente para manter a produção de aldosterona em níveis normais ou apenas ligeiramente diminuídos.

Deficiência não clássica da 21-hidroxilase

Deficiência não clássica da 21-hidroxilase é mais comum do que a deficiência da 21-hidroxilase. A incidência varia de 1/1000 a 1/2000 nascidos vivos em pessoas brancas (0,1 a 0,2%) e de 1 a 2% em certos grupos étnicos (p. ex., pessoas de ascendência judaica asquenaze).

A deficiência não clássica de 21-hidroxilase causa uma forma menos grave da doença em que há 20 a 50% de atividade da 21-hidroxilase (em comparação com a atividade de 0 a 5% na deficiência clássica de 21-hidroxilase). Não há perda de sal porque os níveis de aldosterona e cortisol são normais; porém, os níveis de androgênios suprarrenais são ligeiramente elevados, resultando em leve excesso de androgênios na infância ou idade adulta.

Referências gerais

  1. 1. Therrell BL: Newborn screening for congenital adrenal hyperplasia. Endocrinol Metab Clin North Am 30(1):15-30, 2001. doi: 10.1016/s0889-8529(08)70017-3

  2. 2. Pang S, Clark A, Neto EC, et al: Congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency: Newborn screening and its relationship to the diagnosis and treatment of the disorder. Screening 2:105–139, 1993. doi: 10.1016/0925-6164(93)90024-D

  3. 3. Witchel SF: Congenital adrenal hyperplasia. J Pediatr Adolesc Gynecol 30(5):520–534, 2017. doi: 10.1016/j.jpag.2017.04.001

  4. 4. El-Maouche D, Arlt W, Merke DP: Congenital adrenal hyperplasia. Lancet 390(10108):2194–2210, 2017. doi: 10.1016/S0140-6736(17)31431-9

Sinais e sintomas

A forma perdedora de sal causa hiponatremia (às vezes grave), hiperpotassemia e hipotensão, além de virilização. Se não diagnosticada e tratada, essa forma provoca crise suprarrenal com vômitos, diarreia, hipoglicemia, hipovolemia, choque e risco de morte.

Nas duas formas da deficiência de 21-hidroxilase, recém-nascidas com a forma perdedora de sal apresentam genitália externa ambígua, aumento do clitóris, fusão dos grandes lábios e seio urogenital no lugar de aberturas uretral e vaginal separadas. Lactentes do sexo masculino tipicamente têm desenvolvimento genital normal, o que pode retardar o diagnóstico da forma perdedora de sal; os meninos afetados só são muitas vezes identificados por meio de triagem neonatal de rotina. A menos que detectada por triagem neonatal, os meninos com a forma de virilização simples podem não ser diagnosticados por vários anos, quando eles desenvolvem sinais de excesso de androgênios. Os sinais de excesso de androgênios podem incluir o aparecimento precoce dos pelos pubianos e aumento na velocidade de crescimento em ambos os sexos, aumento do clitóris nas meninas e aumento peniano nos meninos, com mudança precoce do timbre de voz.

Crianças com deficiência não clássica de 21-hidroxila não têm sintomas no nascimento e, geralmente, só os manifestam na infância ou adolescência. As mulheres afetadas podem ter desenvolvimento precoce de pelos pubianos, idade óssea avançada, hirsutismo, oligomenorreia e/ou acne; esses sintomas podem lembrar as manifestações da síndrome do ovário policístico. Os homens afetados podem ter desenvolvimento precoce de pelos pubianos, aceleração do crescimento e idade óssea avançada.

Nas meninas afetadas, especialmente naquelas com as formas perdedoras de sal, a função reprodutora pode diminuir na vida adulta; elas podem apresentar fusão labial e ciclos anovulatórios ou amenorreia. Alguns meninos com a forma de perda de sal são férteis quando adultos, mas outros podem desenvolver tumores suprarrenais nos testículos (massas intratesticulares benignas compostas de tecido suprarrenal que se hipertrofia sob estimulação crônica de ACTH), disfunção das células de Leydig e diminuição da secreção da testosterona e espermatogênese prejudicada. A maioria dos meninos com a forma sem perda de sal, mesmo quando não tratados, é fértil, mas em alguns ocorre diminuição da espermatogênese.

Diagnóstico

  • Exames de sangue

  • Possibilidade de teste de estimulação com ACTH

  • Possibilidade de genotipagem

A triagem neonatal de rotina inclui tipicamente os níveis séricos da 17-hidroxiprogesterona. Se os níveis estão elevados, o diagnóstico da deficiência de 21-beta-hidroxilase é confirmado identificando baixos níveis de cortisol no sangue, e níveis séricos altos de desoxicorticosterona de DHEA, androstenediona e testosterona. Raramente, o diagnóstico é incerto, e os níveis desses hormônios devem ser medidos antes e 60 minutos após a administração de ACTH (teste de estimulação de ACTH ou cosintropina). Pode-se fazer exames genéticos se os resultados forem inconclusivos (1). Nos pacientes que desenvolvem sintomas tardios, o teste de estimulação do ACTH pode ser útil, porém a genotipagem deve ser solicitada.

Crianças portadoras da forma com perda de sal têm hiponatremia e hiperpotassemia; níveis baixos de desoxicorticosterona, corticosterona e aldosterona; e níveis altos de renina.

Triagem pré-natal e diagnóstico (e tratamento experimental) são possíveis; analisam-se os genes CYP21 se o risco é alto (p. ex., o feto tem um irmão afetado com o defeito genético). Em crianças e adultos, pode-se determinar o estado de portador (heterozigosidade).

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Speiser PW, Arlt W, Auchus RJ, et al: Congenital Adrenal Hyperplasia Due to Steroid 21-Hydroxylase Deficiency: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline [published correction appears in J Clin Endocrinol Metab 2019 Jan 1;104(1):39-40]. J Clin Endocrinol Metab 103(11):4043-4088, 2018. doi: 10.1210/jc.2018-01865

Tratamento

  • Reposição com corticoide

  • Reposição com mineralocorticoide (forma perdedora de sal)

  • Possibilidade de cirurgia reparadora

Crise suprarrenal em lactentes pode resultar em hipotensão e choque, acompanhados de hiponatremia e hiperpotassemia. Dependendo da idade, pode se manifestar com letargia, fadiga, vômitos, confusão mental ou, até mesmo, coma. É necessária terapia urgente com líquidos IV. Doses de ataque de hidrocortisona (100 mg/m2/dia) são administradas por infusão IV contínua para evitar a crise suprarrenal se há suspeita da forma perdedora de sal; a dose é reduzida ao longo de várias semanas para uma dose de reposição mais fisiológica.

O tratamento de manutenção da deficiência clássica de 21-hidroxilase é o uso de corticoides como substituto dos esteroides deficientes (em geral, na forma de um comprimido de hidrocortisona oral, 3 vezes ao dia). Para lactentes e crianças pequenas, os comprimidos são esmagados ou triturados e misturados com líquidos. Hidrocortisona na forma seca granulada em baixas doses estão disponíveis para o tratamento de lactentes com hiperplasia suprarrenal congênita. Isso pode melhorar a precisão da dosagem.

A hidrocortisona é preferível em crianças em crescimento porque é menos potente do que outras preparações com corticoides e causa uma menor supressão do crescimento. Adolescentes e adultos pós-púberes podem ser tratados com prednisona oral 1 ou 2 vezes ao dia, prednisolona oral 1 ou 2 vezes ao dia ou dexametasona oralmente 1 ou 2 vezes ao dia.

A resposta ao tratamento é monitorada nos lactentes a cada 3 meses e nas crianças com idade > 12 meses, a cada 3 ou 4 meses. A hiperdosagem de corticoides resulta na síndrome de Cushing iatrogênica, ocasionando obesidade, prejuízo no crescimento e retardo da maturação óssea. O tratamento de crianças com doses baixas resulta na incapacidade de supressão do ACTH com consequente hiperandrogenismo, causando virilização e aceleração da velocidade de crescimento e, por fim, parada prematura do crescimento e baixa estatura. O monitoramento envolve medições dos níveis séricos de 17-hidroxiprogesterona, androstenediona e testosterona, bem como avaliação da velocidade de crescimento e maturação óssea anualmente.

Para a forma com perda de sal, além de corticoides, o tratamento de manutenção inclui reposição de mineralocorticoides para restaurar a homeostase do sódio e potássio. Fludrocortisona oral é administrada se ocorrer perda de sal. Os lactentes frequentemente necessitam de suplementação oral de sal durante 1 ano. Monitoramento atento durante a terapia é fundamental, especialmente durante os primeiros 2 anos de vida, quando sal e doses mais altas de fludrocortisona são necessários (1).

Com a doença, aumentam-se as dosagens de corticoides (normalmente são duplicadas ou triplicadas) para evitar crises suprarrenal. A reposição com mineralocorticoides não é ajustada. Quando a terapia oral não é confiável (p. ex., vômitos graves ou situações potencialmente fatais), pode-se administrar uma única injeção IM de hidrocortisona. Quando a injeção é administrada, geralmente é necessário avaliar as crianças no departamento de emergência para determinar se exigem líquidos intravenosos, corticoides adicionais ou ambos.

Recém-nascidas afetadas podem precisar de reconstrução cirúrgica com clitoroplastia redutora e construção de abertura vaginal. Faz-se necessária, com frequência, uma nova cirurgia na vida adulta. Cuidados e atenção apropriados para o enfoque psicossexual trazem a expectativa de função sexual e fertilidade normais.

O tratamento pré-natal para a mãe é feito com corticoide (geralmente dexametasona) para suprimir a secreção fetal do ACTH hipofisário e, assim, reduzir ou prevenir a masculinização do feto feminino afetado. O tratamento é experimental, mas deve ter início nas primeiras semanas de gestação.

O tratamento da deficiência não clássica de 21-hidroxilase depende dos sintomas. Se assintomática, não é necessário nenhum tratamento. Se sintomática, o tratamento com corticoides é semelhante àquele da deficiência clássica de 21-hidroxilase, mas doses mais baixas costumam ser eficazes. Reposição com mineralocorticoides não é necessária.

Referência sobre tratamento

  1. 1. Neumann U, van der Linde A, Krone RE, et al: Treatment of congenital adrenal hyperplasia in children aged 0-3 years: a retrospective multicenter analysis of salt supplementation, glucocorticoid and mineralocorticoid medication, growth and blood pressure. Eur J Endocrinol 186(5):587-596, 2022. doi: 10.1530/EJE-21-1085

Pontos-chave

  • Crianças com deficiência de 21-hidroxilase têm diferentes graus de excesso de androgênios e cerca de 70% têm uma forma perdedora de sal causada por deficiência de aldosterona.

  • Nas mulheres, a produção excessiva de androgênios se manifesta no nascimento com genitália externa ambígua (p. ex., aumento do clitóris, fusão dos grandes lábios e seio urogenital no lugar de aberturas uretral e vaginal separadas); mais tarde na vida, elas podem ter hirsutismo, oligomenorreia e acne.

  • Nos homens, a produção excessiva de androgênios pode não ser aparente ou pode se manifestar na infância com aumento da velocidade de crescimento e sinais precoces de puberdade.

  • Em ambos os sexos, a perda de sal causa hiponatremia e hiperpotassemia.

  • Diagnosticar de acordo com os níveis de esteroides hormonais e, às vezes, teste de estimulação do ACTH (adrenocorticotropic hormone) e/ou genotipagem.

  • Tratar com reposição de corticoides e, às vezes, mineralocorticoides; mulheres podem exigir cirurgia reconstrutiva.

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