Geladura

PorDaniel F. Danzl, MD, University of Louisville School of Medicine
Revisado/Corrigido: dez. 2022
Visão Educação para o paciente

É uma lesão decorrente do congelamento dos tecidos. Apresentações iniciais podem ser enganosamente benignas. A pele parece esbranquiçada ou bolhosa e dormente; o reaquecimento causa dor forte. Pode resultar no desenvolvimento de gangrena. Tecidos gravemente lesados podem ser autoamputados. O tratamento é feito com base em reaquecimento em água quente (37 a 40°C) e cuidados locais. A amputação cirúrgica ocasionalmente é necessária, mas a decisão é frequentemente orientada por resultados de imagem, podendo ser postergada por vários meses, até a demarcação definitiva do tecido necrosado.

(Ver também Visão geral de doenças por frio.)

A geladura ocorre em razão de frio extremo, especialmente em grandes altitudes, e é agravada por hipotermia. Extremidades distais e pele exposta são as mais afetadas.

Cristais de gelo se formam dentro ou entre as células dos tecidos, congelando-os e causando sua morte. Regiões adjacentes não congeladas apresentam risco, pois vasoconstrição e trombose local podem causar dano isquêmico. Em virtude da reperfusão durante o reaquecimento, citocinas inflamatórias são liberadas (p. ex., tromboxanos, prostaglandinas), exacerbando a lesão tecidual. A profundidade da perda de tecido depende da duração e da profundidade do congelamento.

Referência geral

  1. 1. Dow J, Giesbrecht GG, Danzl DF, et al: Wilderness Medical Society Clinical Practice Guidelines for the Out-of-Hospital Evaluation and Treatment of Accidental Hypothermia: 2019 Update. Wilderness Environ Med 30(4S):S47-S69, 2019. doi: 10.1016/j.wem.2019.10.002

Sinais e sintomas de geladura

A área afetada é fria, dura, branca e dormente. Quando aquecida, a área adquire manchas eritematosas e torna-se edemaciada e dolorosa. Bolhas se formam em 4 a 6 horas, mas toda a extensão da lesão pode não ser aparente por diversos dias.

  • Bolhas preenchidas com soro claro indicam lesão superficial; esta cicatriza sem perda tecidual residual.

  • Bolhas proximais com sangue indicam lesão profunda e provavelmente perda tecidual.

O congelamento dos tecidos profundos causa gangrena seca com carapaça negra dura ao longo do tecido sadio. Gangrena úmida, cinza, edematosa e macia é menos comum. A gangrena úmida pode se infectar, mas a seca provavelmente não.

Tecidos gravemente lesados podem ser autoamputados. Pode se desenvolver síndrome compartimental. Todos os graus de geladura podem produzir crescimento ungueal defeituoso e sintomas neuropáticos a longo prazo: sensibilidade ao frio, sudorese excessiva e dormência (sintomas que lembram os da síndrome da dor complexa regional).

Diagnóstico do congelamento

  • Avaliação clínica

O diagnóstico baseia-se em achados clínicos. No entanto, como as primeiras características da geladura (p. ex., sensação de frio, dormência, cor branca ou vermelha, bolhas) também são características de danos sem congelamento, a diferenciação pode requerer constante observação até que características mais específicas (p. ex., carapaça negra) se desenvolvam.

Tratamento do congelamento

  • Reaquecimento em água morna (37 a 39°C)

  • Medidas de suporte

  • Cuidados no local da lesão

  • Às vezes, cirurgia tardia

Cuidado pré-hospitalar

No campo, as extremidades gangrenosas devem ser reaquecidas rapidamente, imergindo-se totalmente as áreas afetadas em água toleravelmente quente ao tato (37 a 39° C). Pelo fato de a região estar dormente, o reaquecimento com uma fonte de calor seco não controlado (p. ex., fogo, coxim elétrica) pode causar queimaduras. A fricção pode lesar ainda mais e, portanto, deve ser evitada.

Quanto mais longo é o tempo que uma área fica congelada, maior será a lesão final. Entretanto, descongelar os pés é desaconselhável se o paciente precisar andar qualquer distância para receber cuidados, pois o tecido descongelado é particularmente sensível ao trauma de caminhar e, se recongelado, será mais gravemente lesado que se deixado congelado. Se a descongelamento precisar ser postergado, a área congelada é delicadamente limpada, secada e protegida com compressas estéreis. Os pacientes recebem analgésicos, se disponíveis, e todo o corpo é mantido aquecido.

Cuidado agudo

Uma vez no hospital, a temperatura do tronco é estabilizada e as extremidades são rapidamente reaquecidas em grandes recipientes com água circulante a 37-39° C; sendo 15 a 30 minutos o suficiente. O descongelamento frequentemente é suspenso prematuramente, de forma equivocada, porque a dor pode ser forte durante o reaquecimento. Analgésicos parenterais, incluindo opioides, são utilizados.

Os pacientes são aconselhados a movimentar suavemente a parte afetada durante o descongelamento. Grandes bolhas claras são deixadas intactas ou aspiradas utilizando técnica asséptica. Bolhas sanguinolentas são deixadas intactas para evitar dessecação secundária de camadas dérmicas profundas. Vesículas abertas são debridadas. Se não houver perfusão após o descongelamento, pode-se considerar a administração de papaverina (um vasodilatador), nicardipina ou nitroglicerina. Se o fluxo permanecer ausente, pode-se considerar terapia trombolítica (fibrinolítica) intra-arterial ou intravenosa (1). Esse tratamento deve ser acompanhado de enoxaparina 1 mg/kg por via subcutânea duas vezes ao dia por 14 dias.

Medidas anti-inflamatórias (p. ex., aloe vera tópica, a cada 6 horas; ibuprofeno, 400-600 mg por via oral, a cada 8 horas) podem auxiliar. Áreas afetadas são deixadas abertas ao ar quente e as extremidades são elevadas para diminuir o edema. Não há provas de benefício clínico com anticoagulantes, vasodilatadores intra-arteriais (p. ex., reserpina, tolazolina) e dextrana por via intravenosa (IV), de baixo peso molecular. Fenoxibenzamina, um alfabloqueador de ação prolongada, na dosagem de 10 a 60 mg por via oral uma vez ao dia, pode, teoricamente, diminuir o vasospasmo e melhorar o fluxo sanguíneo. Para lesões graves que se manifestam em 48 horas, deve-se considerar a infusão de um análogo da prostaciclina como o iloprost.

Prevenir a infecção é fundamental; deve-se considerar profilaxia estreptocócica (p. ex., com penicilina), especialmente se houver contaminação grave ou lesão por esmagamento. Em casos de gangrena úmida, são utilizados antibióticos de largo espectro. Toxoide antitetânico é administrado se a vacina não estiver em dia. Se a lesão tecidual for grave, a pressão tecidual é monitorada (ver Síndrome compartimental: diagnóstico, Como medir a pressão compartimental no antebraço e Como medir a pressão compartimental na parte inferior da perna).

Cuidado contínuo

Nutrição adequada é importante para manter a produção metabólica de calor. Antes do degelo, considerar ultrassonografia Doppler para avaliar pulsos e aparência do tecido.

Outros exames de imagem são cintilografia, RM, termografia por micro-ondas, fluxograma laser-Doppler para ajudar a avaliar a circulação, determinar a viabilidade dos tecidos e, portanto, orientar o tratamento. RM e, particularmente, angiografia por RM podem estabelecer a linha de demarcação antes da delimitação clínica e, portanto, possibilitar a antecipação do desbridamento cirúrgico ou amputação. Contudo, não está estabelecido se a cirurgia precoce melhora o resultado por longo tempo. Em geral, a cirurgia é retardada tão longo quanto possível, pois a carapaça negra frequentemente está solta, deixando tecido viável. Pacientes com geladura grave são avisados de que irão necessitar de várias semanas de observação antes de se delimitar e verificar a extensão da perda de tecido.

A melhor conduta a longo prazo são banhos de piscina a 37° C 3 vezes ao dia seguidos de boa secagem, descanso e tempo. Um tratamento efetivo para sintomas de longa duração (p. ex., dormência, hipersensibilidade ao frio) não é totalmente conhecido, apesar de simpatectomia química ou cirúrgica serem úteis em sintomas neuropáticos tardios.

Referência sobre tratamento

  1. 1. Hickey S, Whitson A, Jones L, et al: Guidelines for Thrombolytic Therapy for Frostbite. Journal of Burn Care & Research, 41:1, 2020.

Pontos-chave

  • Inicialmente, é difícil reconhecer a profundidade da lesão, embora as bolhas hemáticas indiquem comprometimento mais profundo.

  • Descongelar o tecido com geladura o mais rápido possível utilizando água toleravelmente quente ao toque (37 a 39° C); analgesia costuma ser necessária.

  • Evitar descongelamento e recongelamento.

  • Manter as áreas afetadas descobertas, limpas, secas e elevadas.

  • Tecido escurecido pode representar uma carapaça escura que irá cair ou gangrenar e exigirá amputação; pode-se adiar a cirurgia até que essa distinção possa ser feita.

  • Os sintomas neuropáticos (p. ex., sensibilidade ao frio, dormência) podem persistir indefinidamente.

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