Os efeitos adversos são comuns em pacientes que recebem qualquer terapia contra câncer, particularmente, citopenias, efeitos gastrointestinais, lise tumoral e síndromes de liberação de citocinas. Os pacientes também podem ter efeitos adversos resultantes do câncer (p. ex., depressão, dor). O tratamento bem-sucedido desses efeitos adversos é importante porque isso melhora a qualidade de vida (ver também Visão geral do tratamento contra o câncer).
Citopenias
A diminuição da concentração sérica de eritrócitos, leucócitos, especialmente granulócitos, e plaquetas resulta de diversas terapias sistêmicas contra o câncer, sobretudo quimioterápicos convencionais e a radioterapia.
Anemia
Diminuição dos níveis de eritrócitos é comum em pacientes com câncer. A diminuição dos eritrócitos resulta de um efeito direto do câncer (especialmente nos cânceres de sangue e medula óssea como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo) e dos efeitos da terapia contra câncer, sobretudo fármacos convencionais contra o câncer (quimioterapia). Frequentemente, a anemia não requer terapia. Alguns pacientes, especialmente aqueles com comorbidades como doença cardiovascular arteriosclerótica, podem se beneficiar das transfusões de eritrócitos. Outros podem se beneficiar da administração de eritropoetina recombinante, que pode substituir as transfusões de eritrócitos. Alguns dados sugerem que o uso da eritropoetina pode ter efeitos adversos no prognóstico do câncer e que ela é pró-trombótica. Há diretrizes disponíveis sobre a transfusão de eritrócitos e o uso de eritropoetina, mas as recomendações podem ser controversas (1).
Trombocitopenia
Diminuição da concentração plaquetária é comum em pacientes com câncer. A diminuição nas plaquetas resulta de um efeito direto do câncer (especialmente cânceres da medula óssea e sanguíneos como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo) e dos efeitos da terapia contra o câncer, sobretudo quimioterápicos convencionais. O risco de sangramento é inversamente proporcional à contagem (ver tabela Contagem de plaquetas e risco de sangramento). Concentrações de plaquetas < 10.000/microL (10 × 109/L) são perigosas e requerem transfusão de plaquetas. Foram utilizados hormônios clonados molecularmente, como eltrombopag e avatrombopag, que estimulam os megacariócitos a produzir plaquetas.
A desleucocitação dos hemocomponentes transfundidos pode evitar a aloimunização às plaquetas e deve ser utilizada para os pacientes com previsão de indicação de transfusões de plaquetas durante os vários ciclos de quimioterapia ou a candidatos ao transplante de células hematopoiéticas. A depleção de leucócitos também reduz a probabilidade de adquirir uma infecção por citomegalovírus.
Neutropenia
Diminuição da concentração de granulócitos é comum em pacientes com câncer. Considera-se neutropenia uma redução na contagem de neutrófilos no sangue de < 1.500/mcL (< 1,5 × 109/L) em pacientes brancos e < 1.200/mcL (< 1,2 × 109/L) em afrodescendentes (ver também Neutropenia). A diminuição dos granulócitos resulta de um efeito direto do câncer (especialmente cânceres de sangue e de medula óssea como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo) e dos efeitos da terapia contra o câncer, sobretudo quimioterápicos convencionais. O risco de infecção é inversamente proporcional à contagem de granulócitos. Concentração de granulócitos < 500/microL (0,5 × 109/L) aumenta significativamente o risco de infecções. Medidas de proteção contra infecções, como lavar as mãos, uso de máscara e isolamento protetor, são importantes. Ambientes com fluxo laminar de ar (FLA) são às vezes utilizados, mas não mostraram ser eficazes. Antibióticos orais não absorvíveis são, às vezes, administrados de maneira profilática. Quando antecipa-se um intervalo prolongado de baixo nível de granulócitos, antifúngicos profiláticos e antivirais são às vezes administrados, incluindo fármacos para prevenir Pneumocystis jirovecii. Em pacientes com câncer em quimioterapia nos quais há uma incidência esperada de neutropenia febril > 20%, administram-se com a quimioterapia fatores de crescimento mieloide profiláticos como filgrastrim, sargramostim ou pegfilgastrim (2, 3).
Os pacientes afebris com neutropenia requerem acompanhamento externo para detecção de febre e devem ser instruídos a evitar contato com enfermos ou áreas frequentadas por um grande número de pessoas (p. ex., shopping centers, aeroportos). Embora a maioria dos pacientes não precise de antimicrobianos, os pacientes com imunossupressão grave às vezes recebem sulfametoxazol-trimetoprima (um comprimido de dupla potência/dia) como profilaxia de infecção por Pneumocystis jirovecii. Em pacientes transplantados ou em outros recebendo quimioterapia de dose alta, a profilaxia antiviral (800 mg de aciclovir, por via oral duas vezes ao dia, ou 400 mg, intravenosa, a cada 12 horas) deve ser considerada se os testes sorológicos forem positivos para herpes-vírus simples.
Febre> 38,5° C em duas ou mais ocasiões em um paciente neutropênico é uma emergência médica. Deve-se fazer avaliação extensa à procura de potenciais fontes de infecção e também hemoculturas. Tipicamente, administram-se antibióticos sistêmicos de amplo espectro antes de os resultados da cultura serem conhecidos e a terapia ser modificada conforme necessário. Frequentemente, administram-se fármacos antifúngicos sistêmicos e, às vezes, fármacos antivirais, a pacientes com febre persistente não responsiva a antibióticos. A avaliação deve incluir raios X torácicos imediatos e culturas de sangue, escarro, urina, fezes e quaisquer lesões cutâneas suspeitas. O exame é feito nos possíveis locais de abscessos (pele, orelhas, seios da face e região perianal), pele e mucosa em busca de lesões herpéticas, na retina para detecção de lesões vasculares sugestivas de êmbolos infecciosos e nos locais de inserção de catéteres. Deve-se evitar o toque retal e o uso de termômetro retal. Avaliações adicionais devem ser guiadas pelos achados clínicos.
Os pacientes neutropênicos febris devem receber antibióticos de espectro global escolhidos com base no organismo mais provável. Os regimes típicos incluem 2 g, intravenosa, de cefepima ou de ceftazidima, intravenosa, a cada 8 horas imediatamente após obtidas as culturas. Se houver infiltração pulmonar difusa, o escarro deve ser testado para P. jirovecii e, se positivo, a terapia apropriada deve ser iniciada. Se a febre melhorar em 72 horas após o início dos antibióticos empíricos, estes serão mantidos até a contagem de neutrófilos estar > 500/microL (0,5 × 109/L). Se a febre persistir, deve-se acrescentar antifúngicos. É também feita reavaliação em busca de infecção, muitas vezes incluindo TC do tórax e abdome.
Pode-se aumentar as concentrações de granulócitos administrando fatores de crescimento mieloide molecularmente clonados como fatores estimuladores de colônias de granulócitos (G) ou granulócitos/macrófagos (GM), como filgrastim, sargramostim e filgrastim peguilado. Há diretrizes disponíveis para o uso apropriado desses fármacos (2). Para alguns pacientes com neutropenia pela quimioterapia, especialmente após altas doses de quimioterapia, pode-se iniciar o tratamento com o fator estimulador de colônias de granulócitos (G- CSF) ou o fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) para encurtar a duração da neutropenia. Uma dose de 5 mcg/kg de G-CSF, subcutânea, uma vez ao dia, por 14 dias, e formas de ação mais longas (p. ex., pegfilgrastim, 6 mg, por via subcutânea, dose única, uma vez por ciclo de quimioterapia) podem ser utilizadas para acelerar a recuperação dos leucócitos. Esses fármacos não devem ser administrados nas primeiras 24 horas após a quimioterapia e, para o pegfilgrastim, deve haver um intervalo de pelo menos 14 dias até o próximo ciclo de quimioterapia previsto. Esses fármacos são administrados no início da febre ou da sepse ou, nos pacientes de alto risco afebris, quando a contagem de neutrófilos cair para < 500/microL.
Muitos centros utilizam tratamento ambulatorial com C-CSF para pacientes selecionados de baixo risco com febre e neutropenia. Os candidatos não devem ter hipotensão, estado mental alterado, desconforto respiratório, dor intratável, ou doença comórbida séria, como diabetes, doença cardíaca ou hipercalcemia. O regime nesses casos requer acompanhamento diário e envolve com frequência serviços de enfermagem de visitas domiciliares e infusão de antibióticos em domicílio. Alguns regimes envolvem antibióticos orais, como 750 mg de ciprofloxacino por via oral duas vezes ao dia, mais 875 mg de amoxicilina-clavulanato por via oral, duas vezes ao dia, ou 500 mg por via oral, 3 vezes ao dia. Se não houver programa institucional definido para acompanhamento e o tratamento da febre neutropênica não estiver disponível em um centro ambulatorial, então a hospitalização será necessária.
Referências sobre citopenia
1. Bohlius J, Bohlke K, Castelli R, et al: Management of cancer-associated anemia with erythropoiesis-stimulating agents: ASCO/ASH Clinical Practice Guideline Update. J Clin Oncol 37(15):1336–1351, 2019. doi: 10.1200/JCO.18.02142
2. Crawford J, Becker PS, Armitage JO, et al: Myeloid Growth Factors, Version 2.2017, NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. J Natl Compr Canc Netw 15, 12; 10.6004/jnccn.2017.0175
3. Smith TJ, Bohlke K, Lyman GH, et al: Recommendations for the Use of WBC Growth Factors: American Society of Clinical Oncology Clinical Practice Guideline Update. J Clin Oncol 33(28):3199–3212, 2015. doi: 10.1200/JCO.2015.62.3488
Efeitos gastrointestinais
Efeitos gastrointestinais adversos são comuns em pacientes com câncer. Esses efeitos podem ser causados pelo próprio câncer, pelo tratamento contra o câncer ou ambos.
Anorexia
Anorexia é comum em pacientes com câncer e pode ser causada diretamente pelo câncer ou como consequência da(s) terapia(s) para o câncer. Perda de mais de 10% do peso corporal ideal prediz um prognóstico adverso. Esforçar-se para manter uma nutrição razoável. Às vezes, é necessária nutrição parenteral parcial ou total (NPT). Pacientes com interrupção cirúrgica do trato gastrointestinal podem precisar de gastrostomia alimentar. Fármacos que podem aumentar o apetite são corticoides, acetato de megestrol, esteroides androgênicos e dronabinol. Não está claro se esses fármacos reduzem de forma convincente a anorexia, revertem a perda ponderal, melhoram a qualidade de vida ou prolongam a sobrevida. Alguns esteroides, como a testosterona, são contraindicados em pacientes com câncer de próstata ou fígado.
Obstipação
Obstipação é comum em pacientes com câncer e muitas vezes é exacerbada pelos opioides utilizados para tratar a dor. Deve-se administrar um laxativo estimulante como 2 comprimidos de sene por via oral ao deitar (máximo de 8 comprimidos/dia), ou bisacodil, 5-15 mg por via oral ao deitar quando o uso repetido do opioide é antecipado. A obstipação estabelecida pode ser tratada com uma variedade de fármacos (p. ex., 5 a 15 mg de bisacodil por via oral, a cada 24 horas, 15 a 30 mL de leite de magnésia por via oral ao deitar, 15-30 mL (10-20 g) de lactulose, de 12 a 24 horas, 195 a 300 mL de citrato de magnésio por via oral, 1 vez a cada 24 horas). Enemas e supositórios devem ser evitados em pacientes neutropênicos e trombocitopênicos.
Diarreia
Diarreia é comum após quimioterapia, fármacos de terapia alvo e radioterapia, especialmente se o abdome e/ou pelve está incluído no campo de radiação. Em geral, é tratada com loperamida, 2 a 4 mg, por via oral após fezes moles; ou difenoxilato/atropina 2,5 mg a 5 mg por via oral a cada 6 horas. Entretanto, as doses podem variar de acordo com vários fatores. Pacientes com câncer que estão em uso de antibióticos de amplo espectro podem ser infectados por Clostridioides (anteriormente Clostridium) difficile, que deve ser testado e tratado com vancomicina. Pacientes com câncer colorretal inferior podem fazer uma colostomia de desvio, o que complica o manejo da diarreia.
Mouth lesions
Lesões bucais como inflamação e úlceras são comuns em pacientes que recebem quimioterapia e/ou radioterapia. Às vezes, essas lesões são complicadas por infecções, muitas vezes por Candida albicans. Em geral, trata-se a candidíase com nistatina.
A candidíase oral pode ser tratada com 4 a 6 mL (400.000-600.000 unidades) 4 vezes ao dia, de suspensão oral de nistatina, 10 mg 4 vezes ao dia, de clotrimazol em comprimidos, ou 100 mg de fluconazol por via oral, uma vez ao dia.
A mucosite devido à radioterapia pode causar dor e impedir a ingestão oral suficiente, provocando má nutrição e perda ponderal. Enxaguar com analgésicos e anestésicos tópicos (lidocaína viscosa a 2%, 5 a 10 mL a cada 2 horas ou outras misturas comercialmente disponíveis) antes das refeições, uma dieta branda sem alimento ou sucos cítricos e evitar temperaturas extremas pode permitir que o paciente se alimente e mantenha o peso. Se não, um tubo alimentar pode ser útil se o intestino delgado estiver funcional. Para mucosite grave e diarreia, ou um intestino com funcionamento anormal, a alimentação parenteral pode ser necessária.
Náuseas e vômitos
Náuseas e vômitos são comuns em pacientes com câncer, independentemente de receberem ou não tratamento contra a doença; estes sintomas diminuem a qualidade de vida. As variáveis que predizem a probabilidade de causar náuseas e vômitos secundários a fármacos para o câncer são
Tipo de fármaco(s)
Dose
Como o fármaco é administrado
Frequência com que o fármaco é administrado
Interações entre fármacos e câncer
Interações entre fármacos contra o câncer e fármacos administrados para tratar a dor relacionada com o câncer
Alguns quimioterápicos são especialmente propensos a provocar náuseas e vômitos, incluindo fármacos contendo platina como cisplatina e oxaliplatina. Pacientes tratados com outras modalidades contra o câncer, incluindo radioterapia, hormônios, fármacos de terapia-alvo e imunoterapia, também podem apresentar náuseas e vômitos. Vários fármacos são eficazes no controle e/ou prevenção de náuseas e vômitos:
Os antagonistas de receptores de serotonina são os fármacos mais efetivos, mas são as mais caras. Praticamente, não ocorre toxicidade com granisetrona e ondansetrona, a não ser cefaleia e hipotensão ortostática. Uma dose de 0,15 mg/kg de ondansetrona ou uma dose de 10 mcg/kg de granisetrona é administrada por via intravenosa 30 minutos antes da quimioterapia. Doses de ondansetrona podem ser repetidas de 4 a 8 horas após a primeira dose. A eficácia contra fármacos altamente emetogênicos, como análogos de platina, pode ser melhorada com a coadministração de dexametasona, 8 mg IV administrados 30 minutos antes da quimioterapia com doses repetidas de 4 mg, intravenosa, a cada 8 horas.
Uma substância antagonista de P/neurocinina-1, aprepitante, pode limitar náuseas e vômito resultantes de quimioterapia altamente emetogênica. A dosagem é de 125 mg por via oral, 1 hora antes da quimioterapia no 1º dia e então 80 mg por via oral, 1 hora antes da quimioterapia no 2º e no 3º dia.
Outros antieméticos tradicionais, incluindo fenotiazinas (p. ex., 10 mg de proclorperazina, intravenosa, a cada 8 horas; 12,5 a 25 mg de prometazina por via oral ou intravenosa, a cada 8 horas) e metoclopramida, 10 mg por via oral ou intravenosa, 30 minutos antes da quimioterapia com doses repetidas a cada 6 a 8 horas, são alternativas restritas aos pacientes com náuseas e vômito leve a moderado.
Dronabinol (Δ-9-tetrahidrocanabinol [THC]) é uma alternativa de tratamento para náuseas e vômito causados pela quimioterapia. O THC é o principal componente psicoativo da maconha. Esse mecanismo de ação antiemética é desconhecido, mas os canabinoides ligam-se aos receptores opioides no cérebro anterior e podem inibir indiretamente o centro do vômito. Dronabinol é administrado em doses de 5 mg/m2 por via oral, de 1 a 3 horas antes da quimioterapia, com doses repetidas a cada 2 a 4 horas após o início da quimioterapia (máximo de 4 a 6 doses/dia). No entanto, tem uma biodisponibilidade oral variável, não é efetiva para inibir náuseas e vômito dos regimes de quimioterapia com base em platina e apresenta efeitos adversos significativos (p. ex., sonolência, hipotensão ortostática, boca seca, alterações de humor, alterações no senso visual e de tempo). Fumar maconha pode ser mais efetivo. A maconha para esse propósito pode ser obtida legalmente em alguns estados, embora as leis federais norte-americanas ainda proíbam a sua utilização. É utilizada com menos frequência em razão das barreiras à disponibilidade e porque muitos pacientes não toleram o ato de fumar.
Benzodiazepinas, como lorazepam 1 a 2 mg por via oral ou intravenosa, de 10 a 20 minutos antes da quimioterapia, com doses repetidas a cada 4 a 6 horas, são úteis algumas vezes para náuseas e vômito refratários ou antecipatórios.
Dor
Dor, incluindo dor crônica e/ou neuropática, é comum em pacientes com câncer e deve ser antecipada e tratada agressivamente.
A dor muitas vezes é subtratada, por várias razões, incluindo
Relutância do paciente em discutir a dor com o médico
Relutância do médico em discutir a dor
Medo de dependência de opioides
Nada disso é uma razão sensata para não alcançar o controle adequado da dor em um paciente com câncer.
O tratamento da dor pode incluir ácido acetilsalicílico, paracetamol ou ibuprofeno. Entretanto, esses fármacos muitas vezes são ineficazes no controle da dor oncológica e podem ser necessários opioides, como morfina, oxicodona, hidromorfona, fentanila metadona e oximorfona. Dose e esquema apropriados desses fármacos são essenciais para o controle adequado da dor (ver tabela Analgésicos opioides). Muitas vezes, o paciente com câncer é o melhor juiz de quando analgésicos são necessários. A anestesia controlada pelo paciente (ACP) utilizando uma bomba de demora possibilita que o paciente controle a dose e o momento de administração dos analgésicos.
O uso de múltiplas classes de fármacos pode fornecer melhor controle da dor com menos efeitos adversos e menos intensos do que o uso de fármacos de uma só classe. Deve-se evitar o ácido acetilsalicílico e os AINEs para os pacientes trombocitopênicos.
A dor neuropática por ser tratada com gabapentina; a dose necessária é alta (até 1200 mg por dia por via oral 3 vezes ao dia), mas deve começar baixa (p. ex. 300 mg 3 vezes ao dia) e então aumentar após algumas semanas. De forma alternativa, um antidepressivo tricíclico (p. ex., 25 a 75 mg de nortriptilina por via oral ao deitar) pode ser tentado. As doses podem variar bastante entre os pacientes.
Os opioides são a base do controle da dor em pacientes com câncer e muitas vezes são subutilizados. Deve-se administrar a medicação contra dor em doses e esquemas que alcancem o nível alvo de controle da dor. Muito frequentemente, as pessoas com câncer recebem controle inadequado da dor.
Outras abordagens podem ser necessárias para controlar a dor sob circunstâncias especiais. Por exemplo, frequentemente é necessária radioterapia para a dor óssea. Pode-se fazer cirurgia e bloqueio de nervo para interromper as vias nervosas.
Depressão
A depressão é frequentemente não avaliada. Ela pode ocorrer em resposta à doença (seus sintomas e medo das consequências) e/ou aos efeitos colaterais do tratamento. Os pacientes que recebem interferon podem ter depressão. A alopecia como resultado de radioterapia ou quimioterapia pode contribuir para a depressão. Discussão franca dos medos de um paciente frequentemente alivia a anxiedade. O tratamento da depressão com fármacos e/ou psicoterapia muitas vezes pode ser eficaz.
Síndrome da lise tumoral e da liberação de citocinas
Síndrome de lise tumoral
A síndrome de lise tumoral ocorre devido à morte rápida das células cancerosas, resultante de fármacos citotóxicos e alguns tipos de imunoterapia (p. ex., tratamento com células T-CAR); essa síndrome libera componentes intracelulares na corrente sanguínea, particularmente ácidos nucleicos (que são decompostos em ácido úrico, causando hiperuricemia), fosfato e potássio. Pode ocorrer precipitação de ácido úrico nos túbulos renais, que causa lesão renal aguda (Ver também Nefropatia aguda por urato). Dependendo do produto fosfato × cálcio, a hiperfosfatemia pode causar deposição de fosfato de cálcio nos túbulos renais e no sistema de condução cardíaco; também pode levar à hipocalcemia que pode causar tetania. Hiperpotassemia pode causar arritmias cardíacas. Os sintomas da lise tumoral são letargia, anorexia, náuseas, vômitos e convulsões.
A síndrome da lise tumoral corre principalmente em leucemias e linfomas, mas pode também ocorrer em outras neoplasias hematológicas e, com menos frequência, após o tratamento de tumores sólidos. As vacinas com células T utilizadas para tratar as leucemias de células B podem precipitar um quadro potencialmente fatal de lise tumoral com liberação de citocinas dias ou semanas após a administração da vacina.
Os critérios diagnósticos para síndrome de lise tumoral são
Hipocalcemia [cálcio < 7 mg/dL (< 1,75 mmol/L)]
Hiperuricemia [ácido úrico > 8 mg/dL (> 0,48 mmol/L)]
Hiperfosfatemia (fósforo > 6,5 mg/dL [> 2 mmol/L])
Hiperpotassemia [potássio > 6 mEq/L (> 6 mmol/L)]
O tratamento da síndrome de lise tumoral é com alopurinol 200 a 400 mg/m2 uma vez ao dia, máximo de 600 mg/dia, e solução salina IV normal para alcançar débito urinário > 2 L/dia deve ser iniciado com monitoramento laboratorial e cardíaco rigoroso. Embora alguns médicos defendam o uso de bicarbonato de sódio intravenoso para alcalinizar a urina e aumentar a solubilização do ácido úrico, a alcalinização pode promover a deposição de fosfato de cálcio em pacientes com hiperfosfatemia e um pH > 7 deve ser evitado. Trata-se a hiperpotassemia de acordo com os níveis séricos de potássio; o tratamento pode envolver fármacos orais para redução do potássio, cálcio IV e também glicose e insulina IV. O tratamento da hipocalcemia é com cálcio IV, mas como isso pode causar maior precipitação de fosfato de cálcio, não se deve administrar cálcio na hipocalcemia assintomática, a menos que a hiperfosfatemia seja corrigida. Pacientes sintomáticos com hipocalcemia (p. ex., com arritmias e tetania) devem receber cálcio IV, independentemente dos níveis séricos de fosfato.
É desejável que se realize a prevenção da síndrome de lise tumoral. Muitas vezes, é possível antecipar o desenvolvimento da síndrome de lise tumoral (p. ex., ao tratar cânceres com renovação celular rápida) e administrar grandes volumes de líquidos e alopurinol ou rasburicase antes de iniciar a quimioterapia e, às vezes, antes da imunoterapia (como anticorpos monoclonais biespecíficos ou células T-CAR) para proteger os rins contra lesões por ácido úrico. Os pacientes devem receber hidratação IV vigorosa para estabelecer um débito urinário de pelo menos 100 mL/hora antes do tratamento. Os pacientes também devem receber alopurinol pelo menos 2 dias antes e durante a quimioterapia; para pacientes com alta carga celular, esse regime pode ser continuado por 10 a 14 dias após a terapia. Rasburicase é uma enzima que oxida o ácido úrico em alantoína (uma molécula mais solúvel) e é administrada em 0,15 a 0,2 mg/kg, IV, durante 30 minutos, uma vez ao dia, por 5 a 7 dias, normalmente iniciada 4 a 24 horas antes do primeiro tratamento quimioterápico. Os efeitos adversos podem incluir anafilaxia, hemólise, hemoglobinúria e metemoglobinemia.
Há diretrizes disponíveis sobre avaliação e tratamento da síndrome de lise tumoral (1, 2).
Síndrome da liberação de citocinas
A síndrome da liberação de citocinas (SLC) está relacionada, porém é distinta, da síndrome da lise tumoral. A síndrome de liberação de citocinas ocorre quando uma grande quantidade de células imunes é ativada e libera citocinas inflamatórias, incluindo a interleucina (IL)-6 e o interferon gama. É uma complicação frequente das terapias imunes como anticorpos monoclonais bi-específicos ou células T-CAR.
As características clínicas são febre, fadiga, perda do apetite, mialgia e artralgia, náuseas, vômitos, diarreia, exantema e cefaleia. Podem ocorrer taquipneia, taquicardia, hipotensão, tremor, perda de coordenação, convulsões e delirium.
Características típicas incluem
Hipóxia
Pressão arterial aumentada
Aumento ou diminuição do débito cardíaco
Aumento do nitrogênio da ureia sanguínea, dímero D, enzimas hepáticas e bilirrubina
Baixo nível de fibrinogênio
A classificação da síndrome de liberação de citocinas (3) é como a seguir:
Grau 1: sintomas (p. ex., febre, náuseas, fadiga, cefaleia, mialgia, mal-estar) não são potencialmente fatais e requerem apenas tratamento sintomático.
Grau 2: os sintomas exigem e respondem à intervenção moderada com suplementação de oxigênio a até 40% da FiO2 ou hipotensão responsiva a líquidos e baixas doses de vasopressor, ou toxicidade de órgãos de grau 2.
Grau 3: os sintomas exigem e respondem à intervenção agressiva com suplementação de oxigênio a uma FiO2 ≥ 40% ou hipotensão que requer altas doses ou múltiplos vasopressores, ou toxicidade de órgão de grau 3, ou transaminite de grau 4.
Grau 4: os sintomas são potencialmente fatais, como a necessidade de suporte de respirador, ou indicam toxicidade de órgão de grau 4 (excluindo transaminite).
Grau 5: morte
O tratamento da SRC de baixo grau é de suporte. A SRC de grau moderado requer oxigenoterapia e hidratação, e um ou mais anti-hipotensivos para aumentar a pressão arterial. Trata-se a SRC de grau moderado e grave (isto é, graus 3 e 4) com imunossupressores como corticoides. O tocilizumabe, anticorpo monoclonal anti-interleucina-6 (IL-6), também é utilizado na síndrome da liberação de citocinas grave.
A síndrome de neurotoxicidade associada a células imunes efetoras (SNACI) é uma síndrome neuropsiquiátrica que pode ocorrer em alguns pacientes com câncer tratados com terapia imune. Também está relacionada com a toxicidade mediada por citocinas e foi chamada de síndrome de encefalopatia por liberação de citocinas (SELC). Os sintomas são confusão mental, depressão do nível de consciência, distúrbios de atenção, letargia, alterações do estado mental, delirium, tontura, espasmos musculares e fraqueza muscular (1).
Neurotoxicidade leve é tratada com medidas de suporte. Trata-se a neurotoxicidade mais grave com dexametasona ou metilprednisolona. Pacientes com neurotoxicidade grave podem precisar de tratamento em unidade de terapia intensiva.
Referências sobre síndrome da lise tumoral e síndrome de liberação de citocinas
1. Cairo MS, Coiffier B, Reiter A, et al: Recommendations for the evaluation of risk and prophylaxis of tumour lysis syndrome (TLS) in adults and children with malignant diseases: an expert TLS panel consensus. Br J Haematol 149(4):578–586, 2010. doi: 10.1111/j.1365-2141.2010.08143.x
2. Coiffier B, Altman A, Pui CH, et al: Guidelines for the management of pediatric and adult tumor lysis syndrome: an evidence-based review. J Clin Oncol 26(16):2767–2778, 2008. doi: 10.1200/JCO.2007.15.0177
3. Lee DW, Santomasso BD, Locke FL, et al: ASTCT consensus grading for cytokine release syndrome and neurologic toxicity associated with immune effector cells. Biol Blood Marrow Transplant 25(4):625–638, 2019. doi: 10.1016/j.bbmt.2018.12.758