A distonia cervical é caracterizada por contrações tônicas involuntárias ou espasmos intermitentes dos músculos do pescoço. A causa é geralmente desconhecida. O diagnóstico é clínico. O tratamento pode incluir fisioterapia, medicamentos e denervação seletiva dos músculos cervicais com cirurgia ou infiltração local de toxina botulínica.
(Ver também Visão geral dos transtornos de movimento e cerebelares.)
Na distonia cervical, a contração dos músculos cervicais faz com que o pescoço fique fora de sua posição normal. Ela é a distonia cervical mais comum.
Há duas formas da distonia cervical:
Caput: quando as vértebras cervicais mais proximais (C1 ou C2) estão envolvidas
Colis: quando alguma das vértebras cervicais inferiores (C3 a C7) está envolvida
A forma caput (torticaput) envolve músculos que movem as articulações do crânio ou da cabeça; é descrita adicionalmente como anterocaput, laterocaput ou retrocaput. A forma colis envolve os músculos que controlam as vértebras cervicais inferiores e é descrita mais detalhadamente como anterocolo, laterocolo, retrocolo ou torcicolo. A diferenciação das duas formas é importante porque ajuda os médicos a identificar os músculos corretos para injetar toxina botulínica.
O torcicolo espasmódico (ou manifestação adulta) é a forma mais comum da distonia cervical. É geralmente idiopática. Alguns pacientes têm história familiar e, em alguns deles [p. ex., aqueles com distonia-6 (DYT6; associado a THAP-1), distonia-4 (DYT4; associado a TUBB4A), ou distonia-25 (DYT25; associada ao gene GNAL)], uma causa genética foi identificada. Alguns desses pacientes têm outras distonias (p. ex., da pálpebra, face, mandíbula ou mão).
A distonia cervical pode ser
Congênita (idiopática ou hereditária)
Secundária a outras condições como lesões do tronco cerebral ou gânglios da base ou a utilização de medicamentos bloqueadores da dopamina (p. ex., haloperidol)
Raramente, a distonia tem uma causa psicogênica. Nesse tipo de distonia, a fisiopatologia não está bem compreendida; entretanto, alterações na função cerebral foram detectadas por neuroimagem funcional. Em muitos casos, um estressor emocional ou um núcleo anormal de suposições é identificado como um gatilho. Nesse casos, uma equipe multidisciplinar, incluindo neurologista, psiquiatra e psicólogo, é necessária.
Sinais e sintomas da distonia cervical
Os sintomas da distonia cervical podem começar em qualquer idade, mas normalmente começam entre os 20 e 60 anos, com um pico entre os 30 e 50 anos (1).
Os sintomas normalmente começam de modo gradual; raramente eles começam de forma grave e progridem rapidamente. Às vezes, os sintomas começam com um tremor que gira o pescoço (em um gesto inaceitável).
O principal sintoma da distonia cervical é
As contrações tônicas dolorosas ou os espasmos intermitentes dos esternocleidomastoideos, trapézios ou de outros músculos cervical, geralmente unilateralmente, que resultam em uma posição anormal da cabeça
A contração do músculo esternocleidomastoideo unilateral faz a cabeça girar para o lado oposto. A rotação pode envolver todo o plano, mas quase sempre tem um componente horizontal. Além da inclinação rotacional (torcicolo), a cabeça pode inclinar lateralmente (torcicolo lateral), para frente (torcicolo anterior) ou para trás (retrotorcicolo, comum quando medicamentos bloqueadores da dopamina são a causa). Da mesma maneira, na forma caput, a cabeça pode se inclinar lateralmente (laterocaput), para a frente (anterocaput) ou para trás (retrocaput).
Os pacientes podem descobrir truques sensoriais ou táteis que diminuem a postura distônica ou o tremor (gesto antagonista). Tocar a face no lado contralateral ao desvio é um exemplo. Observar se um truque sensorial é eficaz pode ajudar os médicos a diferenciar a distonia fisiopatológica da distonia psicogênica. Esses artifícios normalmente não diminuem o tremor psicogênico.
A presença de transbordamento ou espelhamento também indica a probabilidade de uma etiologia fisiopatológica (p. ex., lesão genética, idiopática, encefálica). O transbordamento (overflow) refere-se ao movimento distônico involuntário em outra parte do corpo, distante do movimento voluntário primário. No espelhamento, quando os pacientes movem voluntariamente o lado afetado do corpo, eles involuntariamente mimetizam esse movimento com o lado oposto do corpo.
Durante o sono, os espasmos musculares desaparecem.
O torcicolo espasmódico varia de leve a grave. Normalmente progride bem devagar, de 1 a 5 anos, chegando a um platô. Por volta de 10 a 15% dos pacientes se recuperam espontaneamente ou melhoram significativamente dentro de 5 anos desde o início (normalmente em casos mais leves com início em uma idade mais jovem). Contudo, em muitos dos que melhoram, os sintomas são recorrentes (2).
Referência sobre sinais e sintomas
1. Norris SA, Jinnah HA, Espay AJ, et al: Clinical and demographic characteristics related to onset site and spread of cervical dystonia. Mov Disord 31 (12):1874–1882, 2016. doi: 10.1002/mds.26817
2. Jahanshahi M , Marion MH , Marsden CD: Natural history of adult-onset idiopathic torticollis. Arch Neurol 47 (5):548–552, 1990. https://doi.org/10.1001/archneur.1990.00530050070014
Diagnóstico da distonia cervical
Avaliação clínica
O diagnóstico da distonia cervical baseia-se nos sinais e sintomas característicos e na exclusão de diagnósticos alternativos, incluindo:
A distonia tardia pode produzir torcicolo, mas pode normalmente ser distinguida por história de uso crônico de antipsicóticos e movimentos involuntários nos músculos que não pertencem ao pescoço.
Doenças nos gânglios basais e, ocasionalmente, infecções do sistema nervoso central (SNC) podem produzir distúrbios de movimento, mas, geralmente, envolvem outros músculos; as infecções do SNC costumam ser agudas e causam outros sintomas.
As infecções ou tumores cervicais são diferenciados pelas características do processo primário.
Antipsicóticos e outros medicamentos podem causar torcicolo agudo, mas os sintomas normalmente se desenvolvem em horas e desaparecem em questão de dias depois que o medicamento é interrompido.
Torcicolo muscular congênito (fibromatose coli) é causada por tumor benigno no músculo esternocleidomastoideo. O tumor causa encurtamento do músculo e inclinação do pescoço, mimetizando uma distonia cervical. Em geral, a inclinação da cabeça aparece durante a infância, mas pode ocorrer na idade adulta (1).
A forma colis da distonia (envolvendo os músculos que controlam a coluna cervical) geralmente pode ser diferenciada da forma caput (envolvendo os músculos que movem o crânio ou as articulações da cabeça) com base na observação do paciente. Exames de imagem (janela óssea de TC), além da avaliação clínica, são úteis apenas para avaliar a rotação da cabeça. Deslocamento lateral sempre ocorre quando há laterocollis em um lado e laterocaput no outro (2).
Referências sobre diagnóstico
1. Gonzalez-Usigli H, Espay AJ: A rare cervical dystonia mimic in adults: Congenital muscular torticollis (fibromatosis colli). Front Neurol 4 (6), 2013. doi: 10.3389/fneur.2013.00006
2. Reichel G: Cervical dystonia: A new phenomenological classification for botulinum toxin therapy. Basal Ganglia 1 (1): 5–12, 2011.
Tratamento da distonia cervical
Medidas físicas
Às vezes, toxina botulínica ou medicamentos orais
Às vezes, os espasmos podem ser temporariamente inibidos por fisioterapia e massagem, incluindo técnicas sensoriais de biofeedback (p. ex., leve pressão tátil na mandíbula no mesmo lado ou no outro lado em que a cabeça gira) ou qualquer toque leve.
Medicamentos
As infiltrações da toxina botulínica tipo A ou B nos músculos distônicos podem reduzir os espasmos dolorosos por 1 a 4 meses em cerca de 70% dos pacientes, voltando a uma posição mais neutra da cabeça (1, 2). Entretanto, em alguns casos, quando a toxina é repetidamente injetada, ela se torna menos eficaz porque os anticorpos neutralizantes contra a toxina se desenvolvem.
Os medicamentos orais podem aliviar a dor normalmente, porém eliminam os movimentos distônicos em apenas 25 a 33% dos pacientes. Esses medicamentos incluem
Anticolinérgicos, como triexifenidil, mas os efeitos adversos possivelmente limitam seu uso
As benzodiazepinas (particularmente clonazepam)
Baclofeno
Carbamazepina
Todos os medicamentos devem ser iniciados com baixas doses (p. ex., triexifenidil, 2 a 2,5 mg por via oral uma vez ao dia). As doses devem ser aumentadas até os sintomas serem controlados ou os efeitos colaterais intoleráveis (particularmente prováveis em idosos) se desenvolverem. Em idosos, pode-se iniciar triexifenidil,1 mg, por via oral, uma vez ao dia.
Cirurgia
Procedimentos cirúrgicos envolvendo áreas fora do cérebro são controversos; um exemplo é um procedimento que secciona seletivamente os nervos nos músculos cervicais afetados, enfraquecendo ou paralisando-os permanentemente. Os resultados são favoráveis quando realizados em centros com extensa experiência.
Se a distonia hereditária generalizada, a distonia refratária a medicamentos ou a distonia focal primária for grave, a estimulação cerebral profunda (ECP) é uma opção razoável para controlar com sucesso as características distônicas (3). Esse procedimento visa a área dos gânglios basais que regulam a distonia, sobretudo o globo pálido interno.
Referências sobre tratamento
1. Dressler D, Altenmueller E, Bhidayasiri R, et al: Strategies for treatment of dystonia. J Neural Transm (Vienna) 123(3):251–258, 2016. doi: 10.1007/s00702-015-1453-x
2. Albanese A, Asmus F, Bhatia K, et al: EFNS guidelines on diagnosis and treatment of primary dystonias. Eur J Neurol 18 (1):5–18, 2011. doi: 10.1111/j.1468-1331.2010.03042.x
3. Volkmann J, Mueller J, Deuschl G, et al: Pallidal neurostimulation in patients with medication-refractory cervical dystonia: a randomised, sham-controlled trial. Lancet Neurol 3 (9):875–884, 2014. doi: 10.1016/S1474-4422(14)70143-7
Pontos-chave
O torcicolo espasmódico é uma distonia cervical de manifestação adulta e é geralmente idiopático.
O diagnóstico é clínico e envolve a exclusão de distonia tardia, distúrbios dos gânglios da base, infecções do sistema nervoso central, infecções e tumores cervicais e medicamentos.
Em geral, tratar com medidas físicas, injeção de toxina botulínica e/ou medicamentos orais.