Exposição e contaminação radioativa

PorJerrold T. Bushberg, PhD, DABMP, DABSNM, The National Council on Radiation Protection and Measurements
Reviewed ByWilliam E. Brant, MD, University of Virginia
Revisado/Corrigido: modificado jan. 2025
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Visão Educação para o paciente
As lesões dos tecidos por radiação ionizante variam conforme a dose da radiação, a taxa de exposição, o tipo de radiação e a parte do corpo exposta. Os sintomas podem ser locais (p. ex., queimaduras) ou sistêmicos (p. ex., doença aguda da radiação). O diagnóstico é feito por história da exposição e, às vezes, uso de contador de Geiger para identificar partículas alfa. O tratamento foca as lesões traumáticas associadas, descontaminação, medidas de suporte e a minimização da exposição dos profissionais de saúde. Pacientes com doença aguda grave por radiação são colocados em isolamento e recebem antimicrobianos e anti-inflamatórios e suporte para a medula óssea. Inibidores de recaptação ou agentes quelantes podem ser úteis no tratamento de contaminação interna com radionucleotídeo específicos.

Radiação é emitida por elementos radioativos, como equipamentos de radiografia e radioterapia.

Tipos de radiação

A radiação inclui

  • Partículas (partículas alfa, beta, nêutrons)

  • Ondas eletromagnéticas de alta energia (raios X, raios gama)

As partículas alfa são emitidas pelo núcleo do hélio por vários radionucleotídeo com altos números atômicos (p. ex., plutônio, radio, urânio) que não podem penetrar na pele além de uma profundidade rasa (< 0,1 mm).

As partículas beta são elétrons de alta energia emitidas pelo núcleo de átomos instáveis (p. ex., césio-137, iodeto-131). Tais partículas podem penetrar mais profundamente na pele (1 a 2 cm) e causar dano epitelial e subepitelial.

Os nêutrons são partículas eletricamente neutras projetadas pelo núcleo de alguns radionucleotídeo (p. ex., califórnio-252) e produzidas em reações nucleares (p. ex., em reatores nucleares); sua profundidade de penetração no tecido varia de poucos milímetros a dezenas de centímetros, dependendo da sua energia. Colidem com os núcleos dos átomos estáveis, resultando em emissão de prótons energéticos, partículas alfa e beta e radiação gama.

Radiação gama e raios X são radiações eletromagnéticas de alta energia (isto é, fótons) e alta frequência que podem penetrar a pele por vários centímetros. Enquanto alguns fótons depositam toda sua energia no corpo, outros podem somente depositar uma fração de sua energia e outros podem, ainda, passar completamente pelo corpo sem nenhuma interação.

Devido a essas características, as partículas alfa e beta causam maior dano quando os elementos radioativos que as emitem estão dentro (contaminação interna) ou, no caso de emissores beta, diretamente no corpo; somente tecidos em contato próximo ao elemento são afetados. Raios X e raios gama podem causar danos a grandes distâncias de sua fonte e são tipicamente responsáveis por síndromes radioativas agudas. As síndromes de radiação agudas podem ser causadas por uma dose suficiente de alguns radionuclídeos depositados internamente amplamente distribuídos nos tecidos e órgãos e têm alta atividade específica. Por exemplo, o polônio-210 (Po-210) tem atividade específica de 166 terabecquerels por g (TBq/g) e 1 mcg (aproximadamente do tamanho de um grão de sal) de Po-210 libera uma dose no corpo inteiro de 50 Sv (~ 20 vezes a dose letal mediana).

Medição da radiação

Unidades de medida convencionais compreendem roentgen, gray e sievert.

O roentgen (R) representa a intensidade de radiação X ou gama no ar.

A dose de radiação absorvida (rad) é a quantidade daquela energia de radiação absorvida por unidade de massa.

O roentgen equivalente em humanos (rem) é utilizado porque o dano biológico por rad varia com o tipo de radiação (p. ex., é maior para nêutrons do que para raios X ou radiação gama). A dose em rad é corrigida por um fator de qualidade do tipo de radiação; a unidade da dose equivalente resultante é o rem.

Fora dos Estados Unidos e na literatura científica, utilizam-se unidades SI (Sistema Internacional); nesse sistema, o rad é substituído pelo gray (Gy) e o rem pelo sievert (Sv); 1 Gy = 100 rad e 1 Sv = 100 rem. O rad e rem (portanto Gy e Sv) são essencialmente iguais (isto é, o fator de qualidade é igual a 1) quando descrevem radiações gama ou beta.

A quantidade (volume) de radioatividade é expressa em termos do número de desintegrações nucleares (transformações) por segundo. O becquerel (Bq) é a unidade do SI da radioatividade; um Bq é 1 desintegração por segundo (dps). A unidade convencional, Curie (Ci), algumas vezes ainda é utilizada nos Estados Unidos, onde um curie é 37 bilhões de Bq. Isso é equivalente a 37.000 megabecquerels (MBq) ou 37 gigabecquerels (GBq).

Tipos de exposição

A exposição à radiação pode resultar de

  • Contaminação

  • Irradiação

Contaminação radioativa é o contato e a retenção de material radioativo, geralmente na forma de líquido ou poeira. A contaminação pode ser de dois tipos

  • Externa

  • Interna

Contaminação externa ocorre em pele ou roupas, de onde pode cair ou ser retirada por atrito, contaminando outras pessoas e objetos.

A contaminação interna é o material radioativo dentro do corpo, o qual pode entrar por ingestão, inalação ou através de lesões na pele. Uma vez no corpo, o material radioativo pode ser transportado para vários locais (p. ex., medula óssea), onde continua liberando radiação até ser removido ou se desintegrar. A contaminação interna é mais difícil de ser removida.

Embora a contaminação interna com qualquer radionucleotídeo seja possível, historicamente, a maioria dos casos nos quais a contaminação representava um risco significativo ao paciente envolvia um número relativamente pequeno de radionucleotídeo, como fósforo-32, cobalto-60, estrôncio-90, césio-137, iodo-131, iodo-125, radio-226, urânio-235 e 238, plutônio-238 e 239, polônio-210 e amerício-241.

Irradiação é a exposição à radiação, mas não a material radioativo (isto é, nenhuma contaminação envolvida).

A exposição à radiação pode ocorrer sem que a fonte da radiação (p. ex., material radioativo, equipamento de raios X) entre em contato com a pessoa. Quando a fonte da radiação é removida ou desligada, a exposição termina.

A irradiação pode envolver todo o corpo ou uma pequena parte do corpo (p. ex., da radioterapia). Se a dose for alta o suficiente, a radiação de corpo inteiro pode resultar em sintomas sistêmicos e síndromes de radiação. A irradiação de uma pequena parte do corpo pode resultar em efeitos locais. A radioterapia também pode causar danos a tecidos normais que ficam perto do tecido alvo.

As pessoas não emitem radiação (isto é, não se tornam radioativas) após a irradiação.

Fontes de exposição

As fontes de exposição à radiação podem ser de ocorrência natural ou artificial (ver tabela Média anual de exposição à radiação nos Estados Unidos).

As pessoas estão constantemente expostas a baixos níveis de radiação natural, ou seja, radiação do ambiente. A radiação ambiental compreende a radiação cósmica e elementos radioativos presentes no ar, água e solo. A radiação cósmica é concentrada nos polos pelo campo magnético da Terra e atenuada pela atmosfera. Portanto, a exposição é maior em pessoas que vivem em grandes altitudes e durante voos de avião.

Fontes terrestres de exposição à radiação externa decorrem principalmente da presença de elementos radioativos com meias-vidas comparáveis à idade da Terra (~ 4,5 bilhões de anos). Em particular, o urânio 238 e o tório 232, juntamente com várias dezenas de seus descendentes radioativos e um isótopo radioativo do potássio (K-40) existem em muitas rochas e minerais.

Pequenas quantidades desses radionuclídeos estão nos alimentos, na água e no ar e, assim, contribuem para a exposição interna visto que estes radionuclídeos são invariavelmente incorporados ao corpo. A maior parte da dose de radionuclídeos incorporados internamente é de radioisótopos do carbono (C-14) e potássio (K-40) e, como esses e outros elementos (formas estáveis e radioativas) são constantemente repostos no corpo pela ingestão e inalação, há cerca de 7.000 átomos submetidos a decaimento radioativo por segundo no organismo.

Nos Estados Unidos, a exposição interna pela inalação de isótopos radioativos do gás nobre radônio (Rn-222 e Rn-220) é responsável pela maior parte da dose média de radiação natural per capita. Radiação cósmica, elementos radioativos no corpo e radiação terrestre externa são fontes menos frequentes de exposição à radiação (1, 2). A dose média efetiva que as pessoas recebem é de cerca de 3 mSv/ano de fontes naturais e produzidas pelo homem (variação de ~0,5 a 20 mSv/ano). No entanto, em algumas partes do mundo, as pessoas recebem > 50 mSv/ano. As doses de radiação natural em segundo plano são muito baixas para causar lesões por radiação.

Nos Estados Unidos, as pessoas recebem uma média de 3 mSv/ano de fontes produzidas pelo homem, a maioria delas envolvendo testes de imagem. Em uma análise per capita, a contribuição da exposição proveniente de exames clínicos por imagem é maior para tomografia computadorizada (TC) e exames de cardiologia nuclear. Contudo, procedimentos diagnósticos raramente transmitem doses suficientes para causar danos. Exceções podem incluir certos procedimentos intervencionistas guiados por fluoroscopia prolongados (p. ex., reconstrução endovascular, embolização vascular, ablação por radiofrequência cardíaca e tumoral), os quais têm causado lesões na pele e tecidos subjacentes. Há um pequeno aumento teórico no risco de câncer devido à exposição suficiente à radiação em exames de imagem.

Uma parte muito pequena da exposição pública média resulta de precipitação radioativa de testes com armas. Acidentes podem envolver irradiadores industriais, fontes de radiografia industrial e reatores nucleares. Tais acidentes normalmente resultam de falhas nos procedimentos de segurança (p. ex., intertravamento é ignorado).

Danos por radiação também foram causados pela perda ou roubo de fontes médicas ou industriais que continham grandes quantidades do radionuclídeo. As pessoas que procuram cuidado médico para esses danos podem não ter consciência de que foram expostos à radiação.

Ocorreram vazamentos não intencionais de material radioativo, incluindo da usina Three Mile Island na Pensilvânia em 1979, do reator de Chernobyl na Ucrânia em 1986 e da usina nuclear de Fukushima Daiichi no Japão em 2011 (3, 4, 5).

A exposição em Three Mile Island foi mínima porque não houve violação do vaso de contenção, como ocorreu em Chernobyl, nem explosão de hidrogênio como ocorreu em Fukushima. As pessoas morando em até 1,6 km da usina de Three Mile Island receberam no máximo apenas cerca de 0,08 mSv (uma fração do que é recebido de fontes naturais em um mês).

Em contraste, as 115.000 pessoas que foram então evacuadas da área em torno da usina de Chernobyl receberam uma dose média efetiva de cerca de 30 mSv e uma dose média na tireoide de cerca de 490 mGy. As pessoas trabalhando na usina de Chernobyl no momento do acidente receberam doses significativamente mais elevadas. Mais de 30 trabalhadores e socorristas morreram meses após o acidente, e muitos mais sofreram doença por radiação aguda. Contaminação de baixo nível desse acidente foi detectada em regiões distantes da Europa, Ásia e até mesmo (em menor escala) América do Norte. A média de exposição cumulativa da população geral em várias regiões afetadas da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia nos primeiros 20 anos após o acidente foi estimada em cerca de 9 mSv.

O terremoto e o tsunami no Japão em 2011 causaram vazamento de material radioativo no meio-ambiente de vários reatores da usina nuclear de Fukushima Daiichi. Não houve lesões graves por radiação nos trabalhadores no local. Entre cerca de 400.000 habitantes na província de Fukushima, a dose efetiva estimada (baseada em entrevistas e modelos de reconstrução da dose) foi < 2 mSv para 95% das pessoas e < 5 mSv para 99,8%. As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) foram um pouco mais altas por causa das suposições intencionalmente mais conservadoras em relação à exposição. Estimou-se que a dose efetiva nos municípios não imediatamente adjacentes a Fukushima foram entre 0,1 a 1 mSv, e a dose para as populações fora do Japão foram insignificantes (< 0,01 mSv).

A exposição mais significativa de uma população à radiação ocorreu após a detonação das duas bombas atômicas sobre o Japão em agosto de 1945, que causou cerca de 110.000 mortes por trauma imediato da explosão e do calor. Um número muito menor (< 1.000) do excesso de mortes por câncer induzido por radiação ocorreu nos anos seguintes. A vigilância permanente da saúde dos sobreviventes continua a ser uma das fontes mais importantes de estimativas do risco de câncer induzido por radiação.

Embora vários casos criminosos de contaminação intencional de indivíduos tenham sido relatados, a exposição à radiação de uma população como resultado de atividades terroristas ainda não ocorreu, mas continua sendo uma preocupação (ver também Armas radiológicas). Um cenário possível envolve o uso de dispositivos para contaminar uma área pela dispersão de material radioativo (p. ex., de uma fonte de radioterapia ou industrial com descarte de césio-137 ou cobalto-60). Um dispositivo de dispersão da radiação (DDR) que utiliza explosivos convencionais é chamado bomba suja. Outros cenários terroristas incluem a utilização de uma fonte de radiação escondida para atingir pessoas insuspeitas a grandes doses de radiação, ataque a reatores nucleares ou locais de estocagem de material radioativo e detonação de armas nucleares [p. ex., um dispositivo nuclear improvisado (DNI), uma arma roubada].

Tabela
Tabela

Referências

  1. 1. United States Environmental Protection Agency (EPA). Radiation Sources and Doses. Accessed January 2, 2025.

  2. 2, Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Radiation Emergencies: Radiation Thermometer. Accessed January 2, 2025.

  3. 3. United States Nuclear Regulatory Commission. Backgrounder on the Three Mile Island Accident. Accessed January 2, 2025.

  4. 4. International Atomic Energy Agency. The 1986 Chornobyl nuclear power plant accident. Accessed January 2, 2025.

  5. 5. World Nuclear Association. Fukushima Daiichi Accident. Accessed January 2, 2025.

Fisiopatologia da exposição e contaminação radioativa

A radiação ionizante pode danificar o DNA, RNA e proteínas diretamente. Contudo, os danos a essas moléculas são, na maioria das vezes, indiretos, causados por radicais livres altamente reativos gerados pela interação da radiação com as moléculas de água intracelulares.

Grandes doses de radiação podem causar morte celular, e doses mais baixas podem interferir nos sistemas de reparo molecular endógeno, na homeostase e na proliferação celular. Os danos a esses e outros componentes celulares podem resultar em hipoplasia progressiva, atrofia e, com o tempo, fibrose dos tecidos. Entretanto, a morte celular por si só não é capaz de explicar muitas reações teciduais, porque essas reações também dependem de eventos complexos como reações inflamatórias, oxidativas crônicas e imunes, bem como danos à vasculatura e à matriz extracelular.

Em geral, reações precoces, como na pele e no trato gastrointestinal, envolvem a morte das células-tronco/progenitoras precoces que suprem as células funcionais maduras no tecido, bem como reações inflamatórias.

Reações tardias (p. ex., pulmonares, renais e cerebrais) envolvem interações complexas e dinâmicas entre múltiplos tipos de células nos tecidos e órgãos e incluem células imunes infiltrativas, produção de citocinas e fatores de crescimento, muitas vezes em cascatas cíclicas persistentes, e estresse oxidativo crônico.

Fatores que afetam a resposta

A resposta biológica à radiação varia com

  • Radiossensibilidade tecidual

  • Dose

  • Dose

  • Duração da exposição

  • Grau da resposta inflamatória

  • Idade

  • Comorbidades

  • Existência de doenças genéticos por defeito de reparo do DNA (p. ex., ataxia-telangiectasia, síndrome de Bloom, anemia de Fanconi)

Células e tecidos se diferem em sua radiossensibilidade. Em geral, as células indiferenciadas e as que têm altas taxas mitóticas (p. ex., células-tronco, células cancerosas) são particularmente vulneráveis à radiação. Como a radiação deteriora células-tronco que se dividem rapidamente em vez de células maduras mais resistente, normalmente há um período entre a exposição à radiação e lesão visível. O dano não se manifesta até que uma fração significativa das células maduras morra de senescência natural e, devido a perda das células-tronco, não são repostas.

A sensibilidade celular em ordem descrescenteendente de sensibilidade é

  • Células linfoides

  • Células germinativas

  • Células proliferantes da medula óssea

  • Células epiteliais intestinais

  • Células tronco epidérmicas

  • Células hepáticas

  • Epitélio dos alvéolos pulmonares e vias biliares

  • Células epiteliais dos rins

  • Células endoteliais (pleura e peritônio)

  • Células do tecido conjuntivo

  • Células ósseas

  • Células musculares, cerebrais e da coluna espinal

A dose exata em que o efeito tóxico ocorre depende do tempo de exposição e do período de tempo da liberação. Uma única dose rápida e alta é mais lesiva que a mesma dose administrada por semanas ou meses. A reação a ela também depende da amplitude de área exposta do corpo. Doença significativa é certa, e morte é possível, após irradiação de corpo inteiro de > 4,5 Gy liberada ao longo de um curto período de tempo (minutos a horas) (1); entretanto, 10s de Gy podem ser bem tolerados quando liberados por um longo período de tempo em uma pequena área do tecido (p. ex., para tratamento de câncer).

Outros fatores podem aumentar a sensibilidade do dano. Crianças são mais suscetíveis a danos por radiação por terem maior taxa de proliferação celular. Em crianças, alguns órgãos e tecidos, como o cérebro, o cristalino do olho e a glândula tireoide, são mais sensíveis à radiação do que em adultos. Pessoas que são homozigotas para gene ataxia-telangiectasia mostram maior sensibilidade para danos por radiação. Distúrbios, como as doenças reumáticas sistêmicas e diabetes, podem aumentar a sensibilidade a lesões por radiação. Alguns medicamentos e agentes quimioterápicos (p. ex., actinomicina, doxorrubicina, bleomicina, 5-fluorouracila, metotrexato) também podem aumentar a sensibilidade à lesão por radiação. Alguns agentes quimioterápicos (p. ex., doxorrubicina, etoposídeo, paclitaxel, epirrubicina), antibióticos (p. ex., cefotetana), estatinas (p. ex., sinvastatina) e preparações fitoterápicas (p. ex., erva de São João) podem produzir reação cutânea inflamatória no local da irradiação prévia (reação de recordação da radiação) semanas a anos após a exposição no mesmo local (2).

Efeitos carcinogênicos, teratogênicos e hereditários

Danos genéticos induzidos por radiação a células somáticas podem resultar em transformação maligna. A exposição à radiação no útero pode levar a efeitos teratogênicos, e danos às células germinativas aumentam a possibilidade teórica de defeitos genéticos transmissíveis.

Acredita-se que uma exposição prolongada de corpo inteiro aumente o risco de mortalidade por câncer ao longo da vida de um adulto médio (3).

A probabilidade de desenvolver câncer decorrente das doses normalmente encontradas (isto é, radiação de fundo e testes de imagem típicos [ver Riscos da radiação ionizante]) é muito menor e pode ser zero.

As estimativas de maior risco de câncer induzido por radiação como resultado das doses tipicamente baixas experimentadas pelas pessoas na proximidade dos incidentes do reator, como em Fukushima, foram feitas por extrapolação para baixo a partir efeitos conhecidos de doses muito mais altas. O efeito teórico resultante muito pequeno é multiplicado por uma grande população para dar o que pode parecer ser um número preocupante de mortes adicionais por câncer. A validade destas extrapolações não pode ser confirmada porque o aumento hipotético do risco é muito pequeno para ser detectado em estudos epidemiológicos, e a possibilidade de que não haja nenhum aumento no risco de câncer devido a essa exposição não pode ser excluída.

Crianças são mais suscetíveis ao risco de câncer induzido por radiação por terem um número maior de futuras divisões celulares e tempo de vida mais longo, durante o qual o câncer pode se manifestar. Estima-se que a TC do abdome feita em uma criança de 1 ano de idade aumente o risco absoluto estimado de câncer durante a vida desta criança em aproximadamente 0,1 a 0,2% (4).

Os radionuclídeos que são incorporados a tecidos específicos são potencialmente carcinogênicos nesses locais (p. ex., o acidente com o reator nuclear de Chernobyl resultou em aumento substancial do consumo de iodo radioativo em decorrência do consumo de leite contaminado, e o subsequente excesso de casos de câncer de tireoide ocorreu entre crianças expostas).

O feto é excepcionalmente suscetível à danos por altas doses de radiação. No entanto, em doses < 100 mGy os efeitos teratogênicos são improváveis. O risco fetal de radiação por doses típicas de testes de imagem que as gestantes tendem a fazer é muito pequeno comparado ao risco geral de defeitos de nascença (2 a 6% observados ao nascimento) e o benefício potencial do diagnóstico pelo exame. O maior risco de ter câncer como resultado da exposição à radiação no útero é aproximadamente o mesmo daquele da exposição à radiação nas crianças, que é cerca de 2 a 3 vezes o risco para adultos de 5%/Sv (5).

Em um feto, a exposição superior a 300 mGy durante 8 a 15 semanas após a concepção pode causar redução da inteligência (6).

Os potenciais riscos da exposição à radiação exigem avaliar cuidadosamente a necessidade de (ou alternativas a) exames de imagem envolvendo radiação, otimizar a exposição do corpo à radiação e a pergunta clínica sendo feita, bem como atenção ao uso de procedimentos adequados de proteção contra a radiação, especialmente em crianças e gestantes.

Danos às células reprodutoras mostraram causar anomalias de nascença na descendência de vários animais irradiados. No entanto, efeitos hereditários não foram encontrados nos filhos de pessoas expostas à radiação, incluindo os descendentes de sobreviventes da bomba atômica no Japão ou os descendentes de sobreviventes de câncer tratados com radioterapia.

Referências sobre fisiopatologia

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Acute Radiation Syndrome: Information for Clinicians. Accessed January 2, 2025.

  2. 2. Balter S, Hopewell JW, Miller DL, et al. Fluoroscopically guided interventional procedures: A review of radiation effects on patients' skin and hair. Radiology. 254(2):326-341, 2010. doi:10.1148/radiol.2542082312

  3. 3. National Research Council of the National Academies, Committee to Assess Health Risks from Exposure to Low Levels of Ionizing Radiation. Health risks from exposure to low levels of ionizing radiation: BEIR VII, Phase 2. Accessed January 2, 2025.

  4. 4. United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation. Sources, Effects and Risks of Ionizing Radiation. Scientific Annex B: Effects of radiation exposure of children. Accessed January 2, 2025.

  5. 5. National Council on Radiation Protection and Measurements (NCRP). Report No. 174 – Preconception and Prenatal Radiation Exposure: Health Effects and Protective Guidance (2013). Accessed January 2, 2025.

  6. 6. Moon EK, Wang W, Newman JS, Bayona-Molano Mdel P. Challenges in interventional radiology: the pregnant patient. Semin Intervent Radiol. 2013;30(4):394-402. doi:10.1055/s-0033-1359734

Sinais e sintomas da exposição e contaminação radioativa

As manifestações dependem do fato de a exposição à radiação atingir todo o corpo (síndrome da radiação aguda) ou uma pequena porção dele (radiação focal).

Síndromes de radiação aguda (SRA)

Depois que todo o corpo ou uma grande parte dele recebe uma alta dose de radiação penetrante, diversas síndromes distintas podem ocorrer:

  • Síndrome cerebral

  • Síndrome gastrointestinal (GI)

  • Síndrome hematopoiética

Essas síndromes apresentam 3 fases diferentes:

  • Fase prodrômica (minutos a 2 dias após a exposição) com letargia e sintomas gastrointestinal (náuseas, anorexia, vômitos e diarreia).

  • Fase latente assintomática (horas a 21 dias após a exposição)

  • Fase de doença sistêmica evidente (horas a > 60 dias após a exposição): a doença é classificada de acordo com o principal sistema orgânico acometido

A dose de radiação determina qual síndrome se desenvolve e qual é sua gravidade e velocidade de progressão (ver tabela Efeitos da radiação de corpo inteiro decorrentes da radiação externa ou absorção interna). Sintomas e tempo de evolução são regularmente consistentes para uma dada dose de radiação, podendo, portanto, ser utilizados para estimar a exposição à radiação.

A síndrome cerebral, manifestação dominante das doses extremamente altas de radiação por todo o corpo (> 30 Gy) é sempre fatal. Os pródromos se desenvolvem em minutos a 1 hora após a exposição. Há pouca ou nenhuma fase latente. Os pacientes desenvolvem tremores, convulsões, ataxia, edema cerebral e morte dentro de algumas horas a 1 ou 2 dias.

A síndrome gastrointestinal é a manifestação dominante após doses de cerca de 6 a 30Gy em todo o corpo. Sintomas prodrômicos, frequentemente acentuados, desenvolvem-se em 1 hora e desaparecem em 2 dias. Durante o período latente de 4 a 5 dias, as células da mucosa gastrointestinalmorrem. A morte celular é seguida por náuseas intratável, vômitos e diarreia, que conduzem à grave desidratação e desequilíbrio eletrolítico, diminuindo o volume plasmático e causando colapso vascular. Necrose intestinal também pode ocorrer, predispondo à perfuração intestinal, bacteremia e sepse. A morte é comum. Pacientes que receberam > 10Gy podem ter sintomas cerebrais (sugerindo dose letal). A morte é comum; os sobreviventes podem desenvolver síndrome hematopoiética.

A síndrome hematopoiética é a manifestação dominante após doses de 1 a 6Gy em todo o corpo e consiste em pancitopenia generalizada. Leve pródromo pode se iniciar após 1 a 6 horas, permanecendo por 24 a 48 horas. Células da medula óssea são afetadas imediatamente, mas as células sanguíneas maduras em circulação não são grandemente afetadas. Linfócitos circulantes são uma exceção e linfopenia pode ser evidente horas ou dias após a exposição. Como as células em circulação morrem por senescência, elas não são substituídas em número suficiente, resultando, portanto, em pancitopenia. Assim, os pacientes permanecem assintomáticos durante um período latente de até 4,5 semanas após uma dose de 1 Gy à medida que aumenta o impedimento da hematopoiese. O risco de várias infecções aumenta como resultado de neutropenia (mais proeminente em 2 a 4 semanas) e diminui a produção de anticorpos. Petéquia e sangramento das mucosas resultam de trombocitopenia, que se desenvolve em 3 a 4 semanas e pode persistir por meses. Anemia se desenvolve lentamente, pois os eritrócitos preexistentes têm mais tempo de vida que leucócitos e plaquetas. Os sobreviventes têm aumento da incidência de câncer induzido por radiação, incluindo leucemias.

Tabela
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Lesão cutânea por radiação é lesão na pele e nos tecidos subjacentes decorrente de doses de radiação agudas tão baixas quanto 3 Gy (ver tabela Lesão focal por radiação). A lesão cutânea por radiação pode ocorrer com síndromes de radiação agudas ou com exposição à radiação focal e varia de eritema transitório leve à necrose. Efeitos posteriores (> 6 meses após exposição) incluem hiperpigmentação e hipopigmentação, fibrose progressiva e telangiectasia difusa. Pele atrófica fina pode ser facilmente danificada por leve trauma mecânico. Pele exposta tem o risco aumentado de carcinoma de células escamosas. Em particular, a possibilidade da exposição à radiação deve ser considerada quando os pacientes apresentam queimadura na pele dolorida e que não cicatriza sem história de lesão térmica.

Lesão focal por radiação

Radiação perto de qualquer órgão pode causar efeitos adversos agudos e crônicos (ver tabela Lesão por radiação focal). Na maioria dos pacientes, esses efeitos adversos resultam de radioterapia. Outras fontes comuns de exposição incluem contato involuntário com irradiadores de comida sem segurança, equipamento de radioterapia, equipamento de difração de raios X e outras fontes de radiação industriais e médicas capazes de produzir altas doses. Além disso, a exposição prolongada aos raios X durante certos procedimentos de intervenção feitos sob orientação fluoroscópica pode resultar em lesão cutânea por radiação. Feridas ou úlceras induzidas por radiação podem levar meses ou anos para se desenvolver completamente. Pacientes com lesão cutânea grave por radiação apresentam dor intensa e muitas vezes precisam de intervenção cirúrgica.

Tabela
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Diagnóstico da exposição à radiação e contaminação

  • Sintomas, gravidade e latência dos sintomas

  • Contagem sérica absoluta dos linfócitos e níveis de amilase sérica

O diagnóstico é feito pela história da exposição, sinais e sintomas e testes de laboratório. O início, o tempo e a gravidade dos sintomas podem ajudar a determinar a quantidade da radiação e, dessa forma, também ajuda a fazer a triagem dos pacientes em relação às prováveis consequências. No entanto, alguns sintomas prodômicos (p. ex., náuseas, vômito, diarreia, tremores) não são específicos e outras causas além da radiação devem ser consideradas. Muitos pacientes sem exposição suficiente para causar síndromes agudas de radiação podem apresentar sintomas similares e não específicos, particularmente após um ataque terrorista ou acidente com reator, quando o nível de ansiedade é alto.

Após exposição aguda à radiação, hemograma completo (HC) com diferencial e contagem absoluta dos linfócitos são feitos e repetidos a cada 24, 48 e 72 horas depois da exposição para estimar a dose inicial de radiação e o prognóstico (ver tabela Relação entre a contagem absoluta de linfócitos, a dose de radiação e o prognóstico). A relação entre a dose e contagem de linfócitos pode estar alterada por trauma físico, o qual pode deslocar os linfócitos dos espaços intersticiais para a vasculatura e, assim, aumentar a contagem (1, 2). Esse aumento relacionado com o estresse é transitório e normalmente se resolve em 24 a 48 horas após a lesão física. Essa elevação transitória na contagem de linfócitos pode sugerir um prognóstico falsamente otimista, até que a contagem de linfócitos caia. O hemograma é repetido semanalmente para monitorar a atividade da medula óssea e, quando necessário, com base na evolução clínica. Os níveis séricos de amilase aumentam de acordo com a dose, começando 24 horas após uma exposição significativa à radiação, portanto, os níveis são medidos no início e depois diariamente. Outros exames laboratoriais são feitos se viáveis:

  • Nível de proteína C reativa (CRP): a CRP aumenta com a dose de radiação; esses níveis podem discriminar entre pacientes minimamente expostos e fortemente expostos.

  • Níveis séricos de citrulina no sangue: a diminuição dos níveis de citrulina indicam lesão gastrointestinal.

  • Os níveis de ligantes de tirosina-quinase-3 (FLT-3) relacionados com a fms no sangue: FLT-3 são marcadores de comprometimento hematopoético.

  • Interleucina-6 (IL-6): esse marcador de inflamação aumenta com doses mais altas de radiação.

  • Teste quantitativo do fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF, do inglês Granulocyte Colony-Stimulating Factor): seus níveis aumentam com doses mais elevadas de radiação.

  • Estudos citogenéticos com índice mais alto de dispersão: utilizam-se esses estudo para avaliar a exposição parcial do corpo.

Tabela
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Contaminação radioativa

Quando há suspeita de contaminação, o corpo inteiro é examinado com um contador Geiger-Muller de janela delgada conectado a um medidor de radiação (contador Geiger) para identificar a localização e a extensão da contaminação externa. Adicionalmente, para detectar possível contaminação interna, narinas, orelhas, boca e feridas são esfregadas com swabs úmidos, os quais são, depois, testados com o contador. Urina, fezes e material do vômito também devem ser testados para radioatividade.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Toft P, Tønnesen E, Helbo-Hansen HS, et al. Redistribution of granulocytes in patients after major surgical stress. APMIS. 102(1):43-48, 1994. doi: 10.1111/j.1699-0463.1994.tb04843.x

  2. 2. DeRijk R, Michelson D, Karp B, et al. Exercise and circadian rhythm-induced variations in plasma cortisol differentially regulate interleukin-1 beta (IL-1 beta), IL-6, and tumor necrosis factor-alpha (TNF alpha) production in humans: high sensitivity of TNF alpha and resistance of IL-6. J Clin Endocrinol Metab. 82(7):2182-2191, 1997. doi: 10.1210/jcem.82.7.4041

Tratamento da exposição à radiação e contaminação

  • Tratamento de lesões traumáticas graves ou condições que ameaçam a vida primeiro

  • Minimização da exposição à radiação e contaminação dos profissionais da saúde

  • Tratamento de contaminação externa e interna

  • Às vezes, medidas específicas para determinados radionucleotídeo

  • Precauções e tratamento em caso de comprometimento do sistema imunitário

  • Minimização da resposta inflamatória

  • Cuidados de suporte

A exposição à radiação pode ser acompanhada por danos físicos (p. ex., decorrentes de queimaduras, explosões, quedas). Traumas associados impõe maior risco imediato à vida do que a exposição à radiação e devem ser tratados rapidamente (ver Abordagem ao paciente com trauma; avaliação e tratamento). A reanimação de pessoas gravemente lesadas tem mais prioridade que os esforços para assepsia e não deve ser retardada pela espera de equipamentos e pessoal altamente especializado. Precauções padronizadas universalmente, utilizadas de forma rotineira nos cuidados de trauma, protegem adequadamente a equipe de reanimação.

Dicas e conselhos

  • Traumas associados impõe maior risco imediato à vida do que a exposição à radiação e devem ser tratados rapidamente. Precauções padronizadas universalmente, utilizadas de forma rotineira nos cuidados de trauma, protegem adequadamente a equipe de reanimação.

Tabela
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Preparação

Como parte de seus planos de preparação para emergências, os hospitais devem ter protocolos e pessoal treinado disponível para lidar com pacientes contaminados com materiais perigosos, incluindo material radioativo. Agências reguladoras e de acreditação (p. ex., departamentos estaduais de saúde ou a Joint Commission nos Estados Unidos) geralmente exigem que esses planos existam.

Se prático, as áreas superficiais devem ser tratadas com cobertura de filmes plásticos para facilitar a descontaminação. Essa preparação nunca deve ter precedência em relação aos procedimentos médicos de estabilização. Recipientes para lixo (com rótulos de “Cuidado, Material Radioativo”), recipientes de amostras e contadores Geiger devem estar prontamente disponíveis. Todos os equipamentos que tiverem contato com quarto ou paciente (incluindo o equipamento da ambulância) devem ficar isolados até que se verifique a ausência de contaminação. Uma exceção é uma situação de acidente de massa durante o qual equipamentos críticos levemente contaminados, como helicópteros, ambulâncias, salas de trauma, salas de raios X, TC e cirúrgicas, devem ser rapidamente descontaminados para que os serviços sejam retomados.

Os funcionários envolvidos no tratamento e transporte dos pacientes precisam seguir as precauções padrão, utilizando capas, máscaras, batas, luvas e proteção nos sapatos. As roupas protetoras utilizadas devem ser colocadas em sacos ou recipientes especialmente identificados. Distintivos com dosímetro devem ser utilizados para monitorar a exposição à radiação. A rotatividade dos funcionários é indicada para minimizar a exposição e grávidas precisam ser excluídas da área de tratamento.

Devido à antecipação das baixas taxas de exposição de muitos pacientes contaminados, os funcionários que cuidam de pacientes típicos provavelmente não recebem doses ocupacionais que excedam o limite de 0,05 Sv/ano (1). Mesmo no caso extremos do acidente do reator nuclear em Chernobyl, a equipe médica que tratou os pacientes no hospital receberam < 0,01 Sv. Várias fontes confiáveis sugerem que uma dose de até 0,5 Gy pode ser considerada como um risco aceitável para salvar vidas.

Identificação da contaminação

Ao se identificar a contaminação radioativa em um paciente, deve-se isolá-lo prontamente em uma área designada, descontaminá-lo e notificar um oficial de segurança em radiação do hospital, oficiais da saúde pública, equipes de materiais perigosos e agências executoras das leis apropriadas para investigar a fonte da radioatividade.

A contaminação externa deve ser determinada por meio de um detector apropriado para pacientes presumivelmente contaminados com material radioativo (p. ex., contador Geiger) (2).

Descontaminação externa

A sequência típica e prioridades são

  • Remover as roupas e fragmentos externos

  • Descontaminação das feridas antes da assepsia da pele intacta

  • Limpar as áreas mais contaminadas primeiro

  • Uso de contadores geiger para monitorar o progresso da assepsia

  • Assepsia contínua até que as áreas estejam < 2 a 3 vezes nos níveis de radiação anteriores e não haja redução significativa dos esforços de assepsia

As roupas são removidas com cuidado para minimizar a disseminação da contaminação e são colocadas em recipientes apropriadamente rotulados. A remoção das roupas elimina cerca de 90% da contaminação externa. Objetos estranhos são considerados contaminados até que sejam verificados pelo contador Geiger.

As feridas são descontaminadas antes da pele intacta; elas são irrigadas com soro fisiológico e gentilmente esfregadas com uma esponja cirúrgica. O desbridamento mínimo das bordas das feridas pode ser feito se houver contaminação residual após múltiplas tentativas de limpeza. O desbridamento além da margem da ferida não é necessário. No entanto, estilhaços radioativos alojados nos tecidos podem emitir níveis elevados de radiação e devem ser removidos com o auxílio de pinças longas ou instrumentos equivalentes, sendo acondicionados em recipiente de chumbo.

Pele e pelos contaminados são lavados com água morna e detergente suave até que a contagem da radioatividade indique níveis 2 a 3 vezes abaixo do nível de radiação normal antecedente, ou até que sucessivas lavagens não signifiquem redução dos níveis de contaminação. Todas as feridas são cobertas durante a lavagem para evitar a introdução de material radioativo. A fricção deve ser firme, mas não deve abrasar a pele. Atenção especial é, geralmente, exigida para unhas e dobras da pele. Os pelos que continuam contaminados são removidos com tesouras ou cortadores elétricos; a raspagem é evitada. Induzir o suor (p. ex., colocando uma luva de borracha por cima da mão contaminada) pode ajudar a remover contaminação residual da pele.

Deve-se lavar as feridas gentilmente em vez de esfregá-las porque esfregar pode aumentar a gravidade da lesão. A troca subsequente dos curativos ajuda a remover contaminação residual.

Descontaminação não é necessária para pacientes que foram irradiados por fonte externa e que não estejam contaminados.

Descontaminação interna

Material radioativo ingerido deve ser removido prontamente com indução de vômito ou lavagem, caso a exposição tenha sido recente. A frequente lavagem da boca com soro fisiológico ou peróxido de hidrogênio diluído é indicada na contaminação oral. Olhos expostos devem ser descontaminados dirigindo-se um jato de água ou soro fisiológico lateralmente e afastado do nariz, para evitar a contaminação do ducto nasolacrimal.

A urgência e importância de utilizar medidas mais específicas dependem do radionucleotídeo específico envolvido e quantidade; sua forma química e características metabólicas (p. ex., solubilidade, afinidade para órgãos alvo específicos), a rota da contaminação (p. ex., inalação, ingestão, feridas contaminadas) e a eficácia do método terapêutico. A decisão de tratar a contaminação interna exige conhecimento dos riscos potenciais; recomenda-se consulta com um especialista (p. ex., Centers for Disease and Control and Prevention (CDC): Radiation Emergencies: Clinical Guidance and Resources for Professionals, Radiation Emergency Assistance Center/Training Site [REAC/TS] nos Estados Unidos, International Atomic Energy Agency: Incident and Emergency Centre).

Métodos atuais para remover contaminantes radioativos (3) do corpo (decorporação) incluem

  • Saturação do órgão-alvo (p. ex., iodeto de potássio [KI] para isótopos de iodo) (ver U.S. Department of Health and Human Services Radiation Emergency Medical Management: Guidance on Diagnosis and Treatment for Healthcare Providers)

  • Quelação no local da entrada ou nos fluídos corporais seguida de rápida excreção [p. ex., dietileno-triaminopentacetato de zinco ou de cálcio (DTPA) para amerício, califórnio, plutônio e ítrio

  • Aceleração do ciclo metabólico dos radionucleotídeos por diluição de isótopos (p. ex., água para hidrogênio-3)

  • Precipitação dos radionucleotídeo no lúmen intestinal seguido de excreção fecal (p. ex., soluções de fosfato de cálcio ou alumínio para estrôncio-90)

  • Troca de íons no trato gastrointestinal (p. ex., azul da prússia para césio 137, rubídio-82, tálio-201)

Como um acidente grave no reator de uma usina nuclear que libera produtos de fissão no ambiente poderia expor muitas pessoas ao radioiodo, a remoção do corpo utilizando iodeto de potássio oral foi estudada detalhadamente (4). O iodeto de potássio satura os receptores de iodo da tireoide. A decorporação com iodeto de potássio oral impede que a glândula absorva iodo radioativo, que é a principal causa de morbidade. Iodeto de potássio é > 95% eficaz quando administrado oportunamente (1 horas antes da exposição). No entanto, a efetividade diminui significantemente ao longo do tempo (~80% eficaz 2 horas após a exposição e a administração depois de mais de 24 da exposição não oferecerá nenhuma proteção). Pode-se administrar iodeto de potássio na forma de comprimidos ou como solução supersaturada [dosagem: adultos e crianças > 68 kg, 130 mg; 3 a 18 anos de idade (< 68 kg), 65 mg; 1 a 36 meses de idade, 32 mg; < 1 mês de idade, 16 mg]. O composto só é eficaz em caso de contaminação interna com iodetos radioativos e não tem nenhum benefício para a contaminação interna por quaisquer outros elementos radioativos. Muitos outros medicamentos utilizados para remover radiação do corpo são menos eficazes e reduzem a dose do paciente somente de 25 a 75%. As contraindicações a iodeto de potássio são alergia a iodo e algumas doenças cutâneas associadas à sensibilidade ao iodo (p. ex., dermatite herpetiforme, vasculite e urticária).

Tratamento específico

O tratamento de suporte é fornecido conforme necessário e inclui o manejo do choque e da hipóxia e o alívio da dor e da ansiedade. Frequentemente, benzodiazepinas (p. ex., lorazepam) são necessários para controlar convulsões, antieméticos (p. ex., metoclopramida, proclorperazina, ondansetrona) para controlar o vômito e agentes antidiarreicos orais (p. ex., caulim/pectina, loperamida) para diarreia.

Não há tratamento específico para síndrome cerebral. Por ser universalmente fatal, os cuidados devem visar o conforto do paciente.

A síndrome gastrointestinal é tratada com intensa reanimação volêmica e de eletrólitos. A nutrição parenteral deve ser iniciada para promover repouso intestinal. Se o paciente estiver febril, antibióticos de amplo espectro (p. ex., fluoroquinolonas) devem ser introduzidos imediatamente. Todavia, o choque séptico por infecção secundária permanece a mais provável causa de morte.

O tratamento da síndrome hematopoiética é semelhante ao de hipoplasia de medula e de pancitopenia por qualquer causa. Indica-se a transfusão de hemoderivados para tratar anemia e trombocitopenia, e fatores de crescimento hematopoiéticos (fator estimulador de colônias de granulócitos e fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos) quando a contagem absoluta de neutrófilos for < 0,5 × 109 células/L (< 500 células/mm3). Antibióticos de amplo espectro devem ser administrados para tratar neutropenia e febre neutropênica (ver Tratamento da neutropenia e linfocitopenia) (5). Pacientes neutropênicos precisam também ser colocados em isolamento para reversão do quadro. São poucas as probabilidades de a medula óssea se recuperar com doses de radiação > 4Gy, e os fatores de crescimento hematopoéticos devem ser administrados tão logo quanto possível. Pode-se utilizar filgrastim para o tratamento da mielossupressão por radiação. O transplante de células-tronco hematopoiéticas tem tido sucesso limitado, mas deve ser considerado para exposições > 7 a 10 Gy.

Citocinas podem ser úteis (5). Os medicamentos e as doses recomendados são

  • Filgrastim (fator estimulador de colônias de granulócitos [G-CSF]) administrado por via subcutânea o mais rápido possível após suspeita ou confirmação de exposição a doses de radiação superiores a 2 Gy

  • Sargramostim [fator estimulador de colônias de macrófagos e/ou granulócitos (GM-CSF)] por via subcutânea

  • Pegfilgrastim (G-CSF peguilado) por via subcutânea

Feridas ou úlceras induzidas por radiação que não cicatrizam satisfatoriamente podem ser curadas com enxerto de pele ou outros procedimentos cirúrgicos.

Além do monitoramento regular para sinais de doença (p. ex., exame oftalmológico para catarata, estudos de função tireoidiana para doença da tireoide), não há monitoramento, triagem ou tratamento específico para lesão em órgão ou câncer.

Referências sobre tratamento

  1. 1. Mettler FA, Upton A.C, Hendee W. 2008. Medical Effects of Ionizing Radiation: 3rd Edition. United States. https://doi.org/10.1118/1.3021455

  2. 2. US Department of Health and Human Services. Radiation Emergency Medical Management: Guidance on Diagnosis and Treatment for Healthcare Providers. Accessed January 2, 2025.

  3. 3. US Department of Health and Human Services. Managing Internal Radiation Contamination. Accessed January 2, 2025.

  4. 4. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Radiation Emergencies; Potassium Iodide (KI). Accessed January 2, 2025.

  5. 5. Armed Forces Radiobiology Research Institute (AFRRI). Medical Management of Radiological Casualties Handbook. 5th ed. Bethesda, MD: AFRRI; 2023. Accessed January 2, 2025.

Prognóstico para exposição à radiação e contaminação

Sem tratamento médico, a LD50/60 (dose fatal para 50% dos pacientes dentro de 60 dias) para radiação de todo o corpo é de cerca de 3Gy; a exposição a > 6 Gy ou mais é quase sempre fatal. O tempo para morte é, também, inversamente proporcional à dose. A morte ocorre de algumas horas a poucos dias na síndrome cerebrovascular e, geralmente, dentro de 2 dias a várias semanas na síndrome gastrointestinal. Na síndrome hematopoiética, a morte pode ocorrer dentro de 4 a 8 semanas devido à superveniente infecção ou hemorragia maciça.

Quando a exposição é < 6Gy, a sobrevida é possível e é inversamente relatada à dose total. Pacientes expostos por todo o corpo a doses < 2Gy devem se recuperar em 1 mês, apesar das sequelas a longo prazo (p. ex., câncer) que podem ocorrer.

Com tratamento médico, a LD-50/60 é 6 Gy. Ocasionalmente, os pacientes têm sobrevivido a exposições de mais de 10 Gy. Comorbidades significativas, lesões e queimaduras pioram o prognóstico.

Prevenção da exposição à radiação e contaminação

A proteção contra a exposição à radiação é realizada por meio de

  • Evitar a contaminação com material radioativo

  • Minimizar a duração da exposição

  • Maximizar a distância da fonte de radiação

  • Blindar a fonte

Esses princípios podem ser aplicados a exposições médicas à radiação, bem como a acidentes industriais e eventos terroristas com exposições à radiação.

Prevenção da exposição à radiação e contaminação em pacientes

Durante a radioterapia, partes do corpo próximas, mas que não são alvo do procedimento terapêutico, devem ser protegidas, na medida do possível, com chumbo. Contudo, a blindagem gonadal não é mais rotineiramente recomendada para radiografias diagnósticas ou tomografia computadorizada (1, 2). Foi determinado que a blindagem pode interferir nos exames de imagem diagnósticos, potencialmente obscurecendo áreas críticas do corpo, levando a exames repetidos, o que pode inadvertidamente levar a uma maior exposição à radiação durante um exame de imagem. Além disso, a principal fonte de exposição à radiação para órgãos adjacentes ao campo de imagem é a dispersão interna de raios-x a partir dos tecidos dentro do campo de imagem (1, 3-5).

Prevenção da exposição à radiação e contaminação em profissionais médicos

O pessoal médico com exposição rotineira a fontes de radiação deve seguir procedimentos para minimizar a duração da exposição, maximizar a distância da fonte de radiação e usar blindagem apropriada.

Embora a blindagem de funcionários reduza a exposição a raios X que espalham baixa energia, esses aventais e blindagens são inúteis para reduzir a exposição aos raios gama de alta energia produzidos por radionuclídeos que provavelmente seriam utilizados em um incidente terrorista ou liberados em um acidente em usina nuclear. Nesses casos, medidas que possam minimizar a exposição incluem o uso de precauções padrão, esforços para assepsia e manutenção da distância dos pacientes contaminados quando não estiverem cuidando deles.

Todas as pessoas que trabalham com radioatividade devem utilizar distintivos com dosímetros e se estiverem em risco de exposição > 10% da dose máxima permitida (0,05 Sv) (6). Dosímetros eletrônicos com display de leitura ajudam a monitorar a dose cumulativa recebida durante um incidente.

Resposta pública

Após a disseminação da contaminação ambiental de alto nível por acidente em uma usina nuclear ou liberação intencional de material radioativo, a exposição pode ser reduzida

  • Abrigando-se no local

  • Evacuação da área contaminada

A recomendação a ser seguida depende de muitas variáveis específicas do evento, incluindo

  • Tempo transcorrido desde a liberação inicial

  • Se a liberação foi interrompida ou está em andamento

  • Condições meteorológicas

  • Disponibilidade e tipo de abrigo

  • Condições de evacuação (p. ex., tráfego, disponibilidade de transporte)

Mensagens consistentes e concisas de oficiais de saúde pública podem ajudar a reduzir pânico desnecessário e reduzir o número de visitas aos prontos-socorros de pessoas com baixo risco, evitando, dessa forma, que o departamento de emergência fique sobrecarregado. Esse plano de comunicação deve ser desenvolvido antes de qualquer acontecimento. Um plano para diminuir a demanda de recursos do serviço de emergência fornecendo um local alternativo para os primeiros-socorros, também recomendam-se assepsia e orientação das pessoas sem problemas de saúde imediatos.

As autoridades de saúde pública devem aconselhar o público a seguir as recomendações das autoridades locais de saúde pública, conforme fornecidas em sistemas de notificação de alerta de emergência. Em caso de dúvida, abrigo adequado é a melhor opção até que informações adicionais estejam disponíveis. Se a recomendação for abrigo, o centro de uma estrutura de concreto ou metal, acima ou abaixo do térreo (p. ex., em um porão), é o mais indicado. Se o evento é a detonação de uma arma nuclear, abrigar-se assim que encontrar um abrigo eficaz nas primeiras horas após a detonação e então seguir o conselho dos agentes locais de resposta a emergências.

Medicamentos preventivos

Pessoas que vivem a até 16 km de uma usina nuclear devem ter acesso imediato a comprimidos de iodeto de potássio no caso de iodo radioativo, que é um subproduto da fissão, ser liberado da usina. O iodeto de potássio ajuda a prevenir a absorção de iodo radioativo pela tireoide (7). Estes comprimidos podem ser obtidos nas farmácias locais e em algumas agências de saúde pública.

Muitos medicamentos radioprotetores, como compostos de tiol com propriedades de eliminação de radicais livres, provaram reduzir a mortalidade quando administrados antes ou no momento da irradiação em pacientes submetidos à quimioterapia e/ou radioterapia. São necessárias pesquisas adicionais para comprovar o benefício das exposições não clínicas à radiação (p. ex., acidentes em usinas nucleares).

Amifostina é um poderoso agente radioprotetor injetável. É administrado clinicamente para prevenir a xerostomia em pacientes submetidos à radioterapia. Os efeitos colaterais são náuseas e vômitos, hipotensão e diminuição dos níveis séricos de cálcio. Exposição do feto a esse medicamento pode causar defeitos congênitos (8).

A palifermina, um fator de crescimento epitelial mucocutâneo, é uma versão modificada de uma proteína humana de ocorrência natural chamada fator de crescimento de queratinócitos (KGF), que é fabricada em laboratório (ver U.S. Food & Drug Administration: Palifermin). É utilizada para reduzir as chances de desenvolver mucosite grave e diminuir a duração da mucosite em pacientes que recebem altas doses de quimioterapia e radioterapia, seguidas de resgate de células-tronco. A palifermina pode interagir com a heparina, de modo que deve-se lavar as vias intravenosas com soro fisiológico antes e depois da administração de palifermina. Os efeitos adversos são erupções cutâneas, pancreatite, febre e edema periférico. A exposição de um feto a esse medicamento pode causar defeitos congênitos.

Referências sobre prevenção

  1. 1. National Council on Radiation Protection and Measurements. NCRP Recommendations for Ending Routine Gonadal Shielding During Abdominal and Pelvic Radiography. NCRP Statement No. 13. January 12, 2021. Accessed January 2, 2025.

  2. 2. National Council on Radiation Protection and Measurements. NCRP Recommendations for Ending Routine Gonadal Shielding During Abdominal and Pelvic Radiography: Companion to NCRP Statement No. 13. January 12, 2021. Accessed January 2, 2025.

  3. 3. American Association of Physicists in Medicine. Publications: Medical Physics Practice Guidelines. Accessed January 2, 2025.

  4. 4. American College of Radiology. Patient Gonadal and Fetal Shielding Education Module. Accessed January 2, 2025.

  5. 5. American College of Radiology. NCRP Recommends Against Routine Gonadal Shielding. Accessed January 2, 2025.

  6. 6. United States Code of Federal Regulations Title 10. Energy § 10.20.1502 Conditions requiring individual monitoring of external and internal occupational dose. Accessed January 2, 2025.

  7. 7. United States Code of Federal Regulations Title 10. Energy § 10.50.47 Emergency plans. Accessed January 2, 2025.

  8. 8. Singh VK, Seed TM.The efficacy and safety of amifostine for the acute radiation syndrome. Expert Opin Drug Saf 18(11):1077-1090, 2019. doi: 10.1080/14740338.2019.1666104

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