A osteonecrose é um infarto ósseo focal que pode tanto ser causado por fatores etiológicos específicos como ser idiopático. Pode causar dor, limitação do movimento, colapso articular e osteoartrite secundária. O diagnóstico é feito por radiografia e ressonância magnética (RM). No início da doença, procedimentos cirúrgicos podem retardar ou prevenir a progressão. Em estágios mais avançados, a substituição da articulação pode ser necessária para aliviar a dor e para manutenção da função.
Nos Estados Unidos, a osteonecrose afeta cerca de 20.000 novos pacientes anualmente. O quadril (cabeça femoral) é mais comumente afetado, seguido pelo joelho e ombro (cabeça umeral). Punhos e tornozelos são envolvidos com menos frequência. Não é comum que a osteonecrose envolva o ombro ou outros locais menos afetados sem o envolvimento do quadril. Osteonecrose da mandíbula relacionada a medicamentos (ONMRM) raramente foi associada à terapia antirreabsortiva para osteoporose. A ONMRM tem características que a diferenciam das osteonecroses em outros locais.
Etiologia da osteonecrose
A causa mais comum de osteonecrose é o traumatismo; a causa mais comum de osteonecrose não traumática é o uso de corticoides.
Osteonecrose traumática
A causa mais comum da osteonecrose traumática é uma fratura subcapital deslocada do fêmur proximal; a osteonecrose é incomum após fraturas intertrocantéricas. A incidência de osteonecrose após o deslocamento do quadril está essencialmente relacionada com a gravidade da lesão inicial, mas pode ser maior se o deslocamento não for prontamente reduzido. A fratura ou deslocamento pode causar osteonecrose através do rompimento ou compressão dos vasos sanguíneos próximos.
Osteonecrose não traumática
A osteonecrose não traumática afeta mais homens do que mulheres, é bilateral em > 60% dos casos, e ocorre primariamente em pacientes entre 30 e 50 anos de idade.
Os fatores mais comuns que causam ou contribuem para a osteonecrose não traumática são
Uso de corticoides (particularmente nos casos de uso prolongado e/ou doses mais altas)
Consumo excessivo de álcool
Outros fatores de risco não traumáticos para osteonecrose incluem
Quimioterapia
Distúrbios de coagulação (p. ex., síndrome antifosfolipídica, trombofilia hereditária, distúrbios hipofibrinolíticos)
Hemoglobinopatia (p. ex., anemia falciforme)
Doença hepática
Transplante de órgãos
Radiação
Tabagismo
Lúpus eritematoso sistêmico (LES) e outros distúrbios autoimunes do tecido conjuntivo
Tumores
Doenças diversas (p. ex., doença renal crônica, distúrbios metabólicos hereditários raros)
A contribuição do uso de corticoide para o risco de osteonecrose aumenta quando a dose de prednisona ou de um corticoide equivalente é > 20 mg/dia por várias semanas ou meses, resultando em uma dose cumulativa geralmente de > 2000 mg; contudo, relatos de casos descreveram osteonecrose subsequente a uma exposição muito menor a corticoides. Notavelmente, a osteonecrose associada a corticoides costuma ser multifocal e pode afetar tanto as articulações que recebem descarga de peso quanto as que não recebem, como os ombros.
O risco de osteonecrose também aumenta quando > 3 drinques/dia (> 500 mL de etanol por semana) são consumidos por muitos anos.
Alguns fatores genéticos aumentam a suscetibilidade a osteonecrose. Anormalidades de coagulação devido a deficiências de proteína C, proteína S, antitrombina III ou anticorpos anticardiopilina (ver Visão geral dos distúrbios trombóticos) podem ser detectadas em uma alta porcentagem de pacientes com osteonecrose.
Algumas doenças que são comorbidades comuns da osteonecrose são tratadas com corticoides (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico). Evidências sugerem que o risco de osteonecrose de muitas dessas doenças está essencialmente relacionado com a utilização dos corticoides, em vez de com a própria doença. Cerca de 20% dos casos de osteonecrose são idiopáticos. Relatou-se a ocorrência de osteonecrose da arcada osseodentária associada a difosfonatos em pacientes que receberam terapia com bisfosfonatos (particularmente com administração IV) e outros agentes antirreabsortivos (p. ex., denosumabe). A osteonecrose não traumática do quadril é bilateral em ~60% dos pacientes.
O termo “osteonecrose espontânea do joelho” (ONEJ) é inadequado. Essa condição normalmente ocorre em pacientes idosos e está localizada no côndilo femoral ou no platô tibial. Considera-se que a osteonecrose espontânea do joelho seja causada por fratura por insuficiência (um tipo de fratura por fragilidade causada pelo desgaste normal e ruptura no osso osteoporótico que ocorre sem trauma direto). A verdadeira osteonecrose do joelho pode resultar de trauma ou de qualquer um dos fatores de risco não traumáticos da osteonecrose.
Fisiopatologia da osteonecrose
A osteonecrose envolve a morte dos elementos celulares da medula óssea. Os mecanismos de osteonecrose não traumática podem incluir embolização por coágulos de sangue ou gotículas de lipídios, trombose intravascular e compressão extravascular.
Após a injúria vascular, o processo de reparação tenta remover o osso e medula necróticos e substituí-los por um tecido viável. Por exemplo, se um infarto no quadril é pequeno, principalmente se não está sujeito à descarga de peso intensa, esses processos podem ser bem-sucedidos e a cabeça femoral permanece redonda. Entretanto, em cerca de 80% dos pacientes, especialmente se o infarto é grande e em uma área que envolve descarga de peso, o colapso da área infartada supera as tentativas de reparo e a área entra em colapso. A cabeça do fêmur não é mais redonda.
Como a osteonecrose normalmente afeta as extremidades (epífise e metáfise) dos ossos longos, a superfície da cartilagem articular sobreposta torna-se achatada e irregular, com áreas de colapso que podem, por fim, levar à osteoartrite e dor mais intensa.
Para informações adicionais sobre a fisiopatologia da osteonecrose, ver Osteonecrosis: Overview of New Paradigms in the Etiology and Treatment.
Sinais e sintomas da osteonecrose
Sintomas gerais
As áreas afetadas pela osteonecrose podem permanecer assintomáticas por semanas a meses depois da injúria vascular. Geralmente a dor aparece gradualmente, embora também possa ser aguda. Com o colapso progressivo da articulação, a dor aumenta e é exacerbada pelo movimento; ao suportar peso e é aliviada com repouso.
Como muitos dos fatores de risco para o desenvolvimento de osteonecrose atuam de forma sistêmica (p. ex., uso de corticoides, ingestão excessiva de álcool, anemia falciforme), a osteonecrose pode ser multifocal. Na anemia falciforme, pode ocorrer osteonecrose ao longo de diferentes ossos longos e causar crises dolorosas súbitas.
Sintomas articulares específicos
A osteonecrose do quadril produz dor na região inguinal, que irradia para a região da coxa ou região glútea. O movimento fica limitado e o paciente adota marcha antálgica.
A osteonecrose espontânea do joelho geralmente provoca dor súbita no joelho sem trauma prévio; o início súbito e a localização da dor podem ajudar a diferenciá-la da osteonecrose clássica. A dor ocorre principalmente no lado medial do côndilo femoral ou platô tibial e se manifesta com sensibilidade, derrame articular não inflamatório, movimento doloroso e marcha antálgica.
A osteonecrose da cabeça do úmero geralmente causa menos dor e incapacidade do que o envolvimento de quadril e joelho, mas a dor e a incapacidade podem ser significativas em pacientes que utilizam muletas para suportar o peso.
Com a progressão da osteonecrose, os pacientes sentem dor e têm restrição do movimento, embora a amplitude passiva do movimento esteja menos comprometida do que sua amplitude ativa. Podem ocorrer derrames sinoviais sintomáticos, especialmente no joelho, e o líquido não tem características inflamatórias.
Diagnóstico da osteonecrose
Radiografias
RM
A osteonecrose deve ser suspeitada em pacientes com:
Fraturas prévias (p. ex., fraturas da cabeça femoral subcapital deslocada), luxações articulares (p. ex., luxações de quadril) ou outros fatores de risco (p. ex., uso de corticoides, hemoglobinopatias), particularmente se a dor persistir ou piorar
Dor persistente do quadril, joelho ou ombro, particularmente se fatores de risco de osteonecrose estiverem presentes
Inicialmente, radiografia simples pode ser feita. Ela pode ser normal e não mostrar anormalidades por meses. As primeiras descobertas são áreas localizadas de esclerose e translucidez. Posteriormente, pode aparecer um sinal de crescente subcondral em razão de uma fratura na epífise. Então, um colapso e achatamento da superfície articular são vistos, seguidos por mudanças degenerativas avançadas. Quando a causa é sistêmica, as lesões podem ser múltiplas.
Quando a suspeita clínica é alta, mas as radiografias são normais ou não são diagnósticas, deve-se fazer uma RM, que é muito mais sensível e mais específica no início do curso do diagnóstico para evitar danos contínuos às articulações que suportam peso que limitariam o sucesso dos procedimentos de salvamento articular (1). Os dois quadris devem ser examinados. Raramente a tomografia é necessária, embora ocasionalmente ela possa ajudar a detectar colapso articular que não aparece em radiografias simples e às vezes pode não aparecer na RM. As cintilografias ósseas são menos sensíveis e menos específicas do que a RM e geralmente não são feitas, a menos que RM e TC sejam contraindicadas ou indisponíveis.
Sistemas de estadiamento podem ser utilizados para classificar a osteonecrose. Por exemplo, o sistema de classificação da Association Research Circulation Osseous (ARCO) para osteonecrose da cabeça femoral baseia-se no tamanho e localização da lesão, na natureza esférica da cabeça femoral e na presença de colapso subcondral ou artrite do quadril (2, 3).
Os exames laboratoriais geralmente estão normais e tem pouco valor para detectar a osteonecrose. Contudo, eles ajudam a detectar um distúrbio adjacente (p. ex., defeitos da coagulação, hemoglobinopatias, anormalidades dos lipídios).
Referências sobre diagnóstico
1. Boontanapibul K, Steere JT, Amanatullah DF, et al: Diagnosis of osteonecrosis of the femoral head: too little, too late, and independent of etiology. J Arthroplasty 35(9):2342-2349, 2020. doi: 10.1016/j.arth.2020.04.092
2. Yoon BH, Mont MA, Koo KH, et al: The 2019 Revised Version of Association Research Circulation Osseous Staging System of Osteonecrosis of the Femoral Head. J Arthroplasty 35(4):933-940, 2020. doi:10.1016/j.arth.2019.11.029
3. Koo KH, Mont MA, Cui Q, et al: The 2021 Association Research Circulation Osseous Classification for Early-Stage Osteonecrosis of the Femoral Head to Computed Tomography-Based Study. J Arthroplasty 37(6):1074-1082, 2022. doi:10.1016/j.arth.2022.02.009
Tratamento da osteonecrose
Medidas sintomáticas (p. ex., repouso, fisioterapia, AINEs)
Descompressão cirúrgica ou outros procedimentos para estimular a cicatrização
Artroplastia do quadril
Tratamentos não cirúrgicos
Pequenas lesões assintomáticas, especialmente aquelas que não estão em áreas de suporte de peso, podem cicatrizar espontaneamente e não precisar de tratamento. Entretanto, lesões sintomáticas, médias ou maiores são frequentemente tratadas (p. ex., com um procedimento simples como descompressão do núcleo) para melhorar a chance de cicatrização sem colapso da articulação. Com ou sem outro tratamento, deve-se mitigar os fatores contribuintes (p. ex., limitando o uso de corticoides) para promover a cicatrização.
Lesões maiores, sintomáticas ou assintomáticas, têm prognóstico desfavorável se não forem tratadas, especialmente na cabeça do fêmur. Portanto, o tratamento precoce para reduzir ou prevenir a progressão e salvar a articulação é conveniente. Nenhum tratamento completamente eficaz está disponível ainda. O tratamento médico (p. ex., bifosfonatos orais) e as modalidades físicas (p. ex., campos eletromagnéticos e ondas acústicas) mostraram-se promissoras em estudos limitados, mas atualmente não são de uso geral. Limitar ou eliminar a descarga de peso não demonstrou melhorar os desfechos a longo prazo.
A osteonecrose espontânea do joelho geralmente é tratada sem cirurgia porque a fratura cicatriza com o tempo. Analgésicos e uso de muletas para controlar a dor, descarga de peso progressiva e fisioterapia para manter a força e a amplitude do movimento são adjuvantes úteis.
Tratamentos cirúrgicos
Os tratamentos cirúrgicos para a osteonecrose são mais eficazes quando realizados antes do colapso da articulação. São utilizados com mais frequência no tratamento da osteonecrose de quadril, em que o prognóstico sem tratamento é pior que o da osteonecrose em outras regiões.
Descompressão central é o procedimento realizado com mais frequência; uma ou mais pequenas faixas ou perfurações são feitas na área osteonecrótica com uma broca na tentativa de diminuir a pressão intraóssea e estimular o reparo. A descompressão do núcleo é tecnicamente simples e a incidência de complicações é muito baixa se o procedimento for feito corretamente. Restrição protetora na descarga de peso (descarregar apenas o peso tolerado e com um dispositivo de assistência à mobilidade, como muletas, andadores ou bengala) durante cerca de 4 a 6 semanas. A maioria dos trabalhos indica resultados satisfatórios ou bons em 65% dos pacientes em geral e em 80% dos pacientes cujos quadris têm lesões menores que são tratadas precocemente; todavia, os resultados descritos e, portanto, a necessidade de artroplastia total do quadril, variam amplamente. Em geral, cerca de 20 a 35% dos pacientes precisam fazer artroplastia total do quadril.
A injeção de células autólogas concentradas coletadas na crista ilíaca na descompressão do núcleo durante a cirurgia pode melhorar o resultado clínico e a aparência da osteonecrose da cabeça do fêmur nos exames de imagem (1-4).
Outros procedimentos comprovados são osteotomias femorais proximais com enxerto ósseo, vascularizado e não vascularizado. Esses procedimentos são tecnicamente difíceis, exigem restrição de carga durante até 6 meses, e não são realizados com frequência nos Estados Unidos. Os trabalhos variam em termos de indicações e eficácia. Devem ser feito principalmente nos centros que têm experiência cirúrgica e instalações adequadas para alcançar os melhores resultados.
Se o colapso extensivo da cabeça do fêmur e mudanças degenerativas no acetábulo causam dor suficiente e incapacidade, uma artroplastia geralmente é a forma mais confiável de aliviar a dor efetivamente e aumentar a amplitude de movimento. A abordagem convencional é a prótese total de quadril. Resultados bons a excelentes são alcançados em 95% das artroplastias de quadril e joelho, pois as taxas de complicação são baixas e os pacientes retomam suas atividades diárias em 3 meses. Muitas próteses de joelho e quadril duram > 15 a 20 anos.
A osteonecrose do joelho e ombro pode ser administrada sem necessidade de cirurgia mais frequentemente do que a osteonecrose do quadril. Embora limitadas, experiências com descompressão do núcleo e enxerto ósseo têm sido promissoras. Em estágios avançados, a substituição parcial ou total da articulação pode ser indicada. Entretanto, a osteonecrose espontânea do joelho costuma se resolver sem tratamento cirúrgico.
Referências sobre tratamento
1. Atilla B, Bakırcıoğlu S, Shope AJ, et al: Joint-preserving procedures for osteonecrosis of the femoral head. J.EFORT Open Rev 4(12):647-658, 2020. doi: 10.1302/2058-5241.4.180073
2. Hernigou P, Dubory A, Homma Y, et al: Cell therapy versus simultaneous contralateral decompression in symptomatic corticosteroid osteonecrosis: A thirty-year follow-up prospective randomized study of one hundred and twenty-five adult patients. Int Orthop 42(7):1639−1649, 2018. doi: 10.1007/s00264-018-3941-8
3. Zhang C, Fang X, Huang Z, et al: Addition of bone marrow stem cells therapy achieves better clinical outcomes and lower rates of disease progression compared with core decompression alone for early stage osteonecrosis of the femoral head: A systematic review and meta-analysis. J Am Acad Orthop Surg, 2020. doi: 10.5435/JAAOS-D-19-00816
4. Mont MA, Salem HS, Piuzzi NS, et al: Nontraumatic osteonecrosis of the femoral head: where do we stand today? A 5-year update. J Bone Joint Surg Am 102(12):1084-1099, 2020. doi: 10.2106/JBJS.19.01271
Prevenção da osteonecrose
O risco de osteonecrose causada por corticoides pode ser minimizado utilizando esse fármaco somente quando for essencial e dando a dose mais baixa necessária e pelo menor tempo possível. Os pacientes devem ser informados dessa complicação quando for previsto o uso de longo prazo e/ou de altas doses de corticoides.
Para prevenir a osteonecrose causada pela doença da descompressão, as pessoas devem seguir regras definidas para a descompressão quando mergulharem e quando trabalharem em um ambiente pressurizado.
O uso excessivo de álcool e tabaco deve ser desencorajado. Evidências da eficácia de vários medicamentos (p. ex., anticoagulantes, vasodilatadores, medicamentos hipolipemiantes) para a prevenção da osteonecrose em pacientes de alto risco são limitadas e inconclusivas.
Pontos-chave
A osteonecrose costuma ser uma complicação da fratura subcapital do colo femoral deslocado, mas os fatores que comprometem o fluxo sanguíneo no osso (p. ex., doença falciforme) aumentam o risco de osteonecrose não traumática.
Deve-se suspeitar de osteonecrose nos pacientes com dor atraumática inexplicável no quadril, joelho ou ombro (às vezes no punho ou tornozelo) e após certas fraturas se a dor persistir ou piorar.
Embora as radiografias possam ser diagnósticas, a RM é mais sensível e específica.
As lesões menores podem cicatrizar espontaneamente, mas a maioria das lesões maiores, especialmente no quadril, evoluem sem tratamento.
As terapias não cirúrgicas não são muito utilizadas porque sua eficácia não está claramente comprovada.
O tratamento cirúrgico costuma ser indicado para limitar a progressão e/ou aliviar os sintomas, particularmente da osteonecrose de quadril.