A síndrome de Eisenmenger é uma complicação de grandes derivações não corrigidas da esquerda para a direita, intracardíacas ou da aorta para artéria pulmonar. Pode ocorrer aumento da resistência pulmonar ao longo do tempo, que por fim leva a hipertensão pulmonar grave, derivação bidirecional com aumento progressivo da derivação da direita para a esquerda. Cianose e hipóxia inevitavelmente levam a múltiplas complicações, discutidas abaixo. Os achados físicos variam de acordo com o defeito subjacente e o estágio das anormalidades fisiopatológicas. O diagnóstico baseia-se no ecocardiograma ou exames de imagem avançados e cateterismo cardíaco. Depois que a síndrome de Eisenmenger ocorre, o aumento da resistência vascular pulmonar e hipertensão pulmonar são irreversíveis, impedindo a correção primária do defeito original. Portanto, o tratamento é geralmente de suporte, mas o transplante de coração e pulmão pode ser uma opção quando os sintomas são graves. É recomendada a profilaxia da endocardite.
(Ver também Visão geral das cardiopatias congênitas.)
As anomalias cardíacas congênitas que, se não tratadas, podem resultar na síndrome de Eisenmenger são (em ordem aproximada de ocorrência — 1)
Defeito do septo atrial (DSA)
Ventrículo direito de saída dupla (VDSD) sem estenose pulmonar
Retorno pulmonar venoso anômalo parcial (RPVAP, em que algumas das veias pulmonares se conectam ao átrio direito, em vez de ao átrio esquerdo)
Raros pacientes com variantes de ventrículo único ou com transposição das grandes artérias com persistência do canal arterial e/ou defeito do septo ventricular podem desenvolver síndrome de Eisenmenger se não tratados, embora a maioria desses pacientes morra precocemente na infância se a anomalia não for reconhecida e tratada. Nos Estados Unidos, a incidência diminuiu acentuadamente em razão do diagnóstico precoce e da correção definitiva da anomalia.
A cianose com suas complicações é causada pela derivação da direita para a esquerda, consequente da síndrome de Eisenmenger. A dessaturação sistêmica de oxigênio resulta em baqueteamento de dígitos e artelhos, policitemia secundária, hiperviscosidade, hemoptise, eventos do sistema nervoso central (p. ex., abscesso cerebral ou acidente vascular encefálico) e sequelas do aumento da renovação de eritrócitos (p. ex., hiperuricemia que causa gota, hiperbilirrubinemia que provoca colelitíase, deficiência de ferro com ou sem anemia).
Referência geral
1. Diller GP, Korten MA,Bauer UMM, et al: Current therapy and outcome of Eisenmenger syndrome: data of the German National Register for congenital heart defects. Eur Heart J 37(18): 1449–1455, 2016. doi: 10.1093/eurheartj/ehv743
Sinais e sintomas da síndrome de Eisenmenger
Os sintomas da síndrome de Eisenmenger se desenvolvem em diferentes faixas etárias, dependendo da causa.
Pacientes com derivações pré-tricúspide da esquerda para a direita (defeito do septo atrial, retorno venoso pulmonar anômalo parcial) geralmente só desenvolvem os sintomas mais tarde na vida (aos 20 a 40 anos de idade). Mas pacientes com derivações pós-tricúspide não reparadas (defeito do septo ventricular, PCA ou cardiopatia congênita mais complexa) podem desenvolver doença vascular pulmonar sintomática e irreversível nos primeiros anos de vida.
Os sintomas incluem cianose, síncope, dispneia aos esforços, fadiga, dor torácica e palpitação. Alguns morrem subitamente.
A hemoptise é um sintoma tardio. Manifestações de embolia cerebral, abscesso cerebral ou endocardite podem se desenvolver.
A policitemia secundária geralmente causa sintomas (p. ex., crises isquêmicas transitórias com voz arrastada ou outros sintomas neurológicos, problemas visuais, cefaleias, fadiga acentuada, sinais de disfunções tromboembólicas). A colelitíase pode causar dores abdominais. A hiperuricemia pode levar a artrite gotosa dolorosa.
Ao exame físico, notam-se cianose central e dedos em baqueta. Sinais de insuficiência do ventrículo direito (p. ex., hepatomegalia, edema periférico, distensão venosa jugular) podem estar presentes. A palpação pode revelar elevação do ventrículo direito. Sopro holossistólico de regurgitação tricúspide pode ser audível na borda esternal esquerda inferior. Sopro diastólico precoce, em decrescendo, com tom agudo da regurgitação pulmonar pode ser audível ao longo da borda esternal esquerda. B2 única, hiperfonética, é um dado constante, sendo comum o estalido de ejeção pulmonar.
Um achado incomum de baqueteamento digital e cianose somente nos membros inferiores indica que a causa da cianose é a derivação da direita para a esquerda através de um grande PCA reparado, direcionada principalmente para a aorta descendente.
Diagnóstico da síndrome de Eisenmenger
Radiografia de tórax e ECG
Ecocardiograma ou cateterismo cardíaco
Suspeita-se do diagnóstico da síndrome de Eisenmenger pela história de cardiopatias não corrigidas, complementado por achados na radiografia de tórax e ECG e corroborados por ecocardiografia 2D com Doppler colorido. Cateterismo cardíaco é muitas vezes feito para aferir a pressão arterial pulmonar, resistência vascular pulmonar e resposta aos vasodilatadores pulmonares.
Os exames laboratoriais revelam policitemia com hematócrito > 55%. A elevada alteração dos eritrócitos pode ser refletida como deficiência de ferro (p. ex., microcitemia), hiperuricemia e hiperbilirrubinemia. Deve-se suspeitar de deficiência de ferro se o volume corpuscular médio (VCM) for baixo; deficiência de ferro pode ser identificada medindo a saturação de transferrina e ferritina.
A radiografia de tórax geralmente revela artérias pulmonares centrais proeminentes e cardiomegalia direita.
O ECG mostra hipertrofia ventricular direita, desvio do eixo direito e, ocasionalmente, hipertrofia atrial direita.
Tratamento da síndrome de Eisenmenger
Medicamentos para tratar a hipertensão arterial pulmonar (p. ex., análogos da prostaciclina, antagonistas da endotelina, inibidores da fosfodiesterase 5)
Abordagem "tratar e corrigir"
Cuidados de suporte
Transplante de coração e pulmão
Idealmente, as correções cirúrgicas devem ser realizadas precocemente para evitar a síndrome de Eisenmenger. Uma vez estabelecida, a síndrome não tem tratamento específico além do transplante de coração e pulmão; contudo, medicamentos que podem diminuir a pressão arterial pulmonar demonstraram um efeito no mínimo modesto na sobrevida (1, 2).
Análogos da prostaciclina (p. ex., treprostinila, epoprostenol), antagonistas da endotelina (p. ex., bosentana) e inibidores da fosfodiesterase 5 (p. ex., sildenafil, tadalafila) demonstraram melhorar o desempenho em testes de caminhada de 6 minutos e reduzir os níveis do peptídeo natriurético pró-cerebral N- terminal (NT-proBNP). Em um pequeno número de pacientes, o tratamento agressivo com fármacos vasodilatadores pulmonares resultou em derivação positiva da esquerda para a direita, permitindo a correção cirúrgica do defeito cardíaco de base e redução significativa da pressão arterial pulmonar média. Essa abordagem é chamada tratar e corrigir.
O tratamento de suporte inclui evitar situações que possam exacerbar a síndrome (p. ex., gestação, depleção de volume, exercícios isométricos, altitudes elevadas, tabagismo). A suplementação de oxigênio pode fornecer algum benefício.
A policitemia sintomática pode ser tratada com flebotomia por precaução para diminuir o hematócrito para 55 a 65%, adicionando reposição de volume com soro fisiológico. Entretanto, policitemia compensada e assintomática não requer flebotomia, independentemente do hematócrito. A flebotomia com o tempo leva à deficiência de ferro, que está associada a maior risco de resultados adversos. No caso de deficiência confirmada de ferro, suplementação de ferro deve ser cuidadosamente administrada para repor os estoques de ferro.
A hiperuricemia pode ser tratada com alopurinol 300 mg por via oral uma vez ao dia.
A terapia anticoagulante é controversa porque o risco de trombose da artéria pulmonar e outros fenômenos tromboembólicos deve ser ponderado em relação ao risco de hemorragia pulmonar. A terapia com varfarina é potencialmente prejudicial por causa do risco de hemorragia pulmonar, portanto o uso de anticoagulantes deve ser individualizado (1). Embora não haja evidências claras, baixas doses de ácido acetilsalicílico podem prevenir complicações trombóticas.
A expectativa de vida depende do tipo e da gravidade da CC de base e varia de 20 a 50 anos. Em pacientes não tratados, baixa tolerância a exercícios e complicações secundárias limitam gravemente a qualidade de vida. O uso de terapias avançadas com vasodilatadores pulmonares demonstrou melhorar a capacidade funcional e parece melhorar a sobrevida.
Transplante de coração e pulmão ou transplante de pulmão com reparo cardíaco podem ser uma opção, mas reserva-se o transplante para pacientes com sintomas muito graves e qualidade de vida inaceitável. O prognóstico a longo prazo após o transplante é reservado.
Todos os pacientes devem receber profilaxia para endocardite antes de procedimentos odontológicos ou cirúrgicos que podem causar bacteremia.
Referências sobre o tratamento
1. Diller GP, Korten MA, Bauer UMM, et al: Current therapy and outcome of Eisenmenger syndrome: data of the German National Register for congenital heart defects. Eur Heart J 37(18):1449–1455, 2016. doi: 10.1093/eurheartj/ehv743
2. Kempny A, Hjortshoj CS, Gu H, et al: Predictors of death in contemporary adult patients with Eisenmenger syndrome: a multicenter study. Circulation 135(15): 1432–1440, 2017. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.116.023033
Pontos-chave
Anomalias cardíacas que envolvem grandes derivações intracardíacas esquerda-direita costumam, essencialmente, causar aumento da resistência pulmonar, o que primeiro provoca derivação bidirecional e, com o tempo, derivação direita-esquerda (reversão da derivação).
Na reversão da derivação, o sangue oxigenado entra na circulação sistêmica, causando hipóxia e suas complicações (p. ex., baqueteamento de dígitos e artelhos, policitemia secundária); a policitemia pode causar hiperviscosidade, acidente vascular encefálico ou outros tromboembólicos e/ou hiperuricemia.
Os sintomas geralmente só ocorrem aos 20 a 40 anos de idade em pacientes com derivações pré- tricuspídea; em pacientes com derivações pós-tricuspídea, os sintomas podem ocorrer nos primeiros anos de vida.
Os sintomas incluem cianose, síncope, dispneia aos esforços, fadiga, dor torácica, palpitação, arritmias atriais e ventriculares, hemoptise, insuficiência cardíaca direita, e morte súbita.
Fazer uma cirurgia corretiva para a anomalia cardíaca subjacente na idade apropriada deve prevenir a síndrome de Eisenmenger.
Depois de estabelecida, a síndrome não tem tratamento específico, além de transplante de coração e pulmão, mas estão sendo estudados fármacos que podem diminuir a resistência vascular pulmonar (p. ex., análogos da prostaciclina, antagonistas da endotelina, inibidores da fosfodiesterase 5) são úteis.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
American Heart Association: Common Heart Defects: Provides overview of common congenital heart defects for parents and caregivers
American Heart Association: Infective Endocarditis: Provides an overview of infective endocarditis, including summarizing prophylactic antibiotic use, for patients and caregivers