A lesão do globo ocular pode ocorrer por trauma ocular ou penetrante.
Traumatismo no globo pode causar:
Ruptura do globo ocular (laceração)
Neuropatia óptica traumática
(Ver também Visão geral das lesões oculares.)
As seguintes lesões, que são cobertas em outras partes deste Manual, podem ter uma variedade de causas, incluindo uma lesão traumática precipitante:
Outras lesões comuns do globo ocular incluem hemorragias conjuntival, subconjuntival e escleral, que normalmente não requerem tratamento; hemorragia retiniana, edema retiniano ou descolamento de retina; hemorragia vítrea; laceração da íris; e uma lente deslocada, que normalmente requer avaliação urgente por um oftalmologista.
A avaliação pode ser difícil em razão de intenso edema palpebral, equimose ou laceração. Não obstante, devido à necessidade de tratamento cirúrgico imediato em algumas condições (exigindo avaliação por um oftalmologista o mais rápido possível), a pálpebra é aberta, tomando-se cuidado para não exercer pressão para dentro, e conduz-se um exame o mais completo possível. No mínimo, notam-se:
Forma da pupila e respostas pupilares
Movimentos extraoculares
Profundidade da câmara anterior ou hemorragia
Presença de reflexo vermelho
Pressão intraocular
Analgésico ou ansiolítico, pode facilitar o exame. O uso cuidadoso e delicado de retratores palpebrais ou de um espéculo para pálpebras possibilita a abertura das pálpebras caso o paciente necessite de assistência. Se um instrumento comercial não estiver disponível, as pálpebras podem ser separadas com refratores provisórios, confeccionados como que se abrindo um clipe de papel em forma de S e dobrando as extremidades em U em 180 graus. Os instrumentos não devem colocar pressão sobre o globo. Deve-se suspeitar de laceração do globo ocular se:
Laceração da córnea ou esclera for visível.
Há extravasamento de humor aquoso (sinal de Seidel positivo).
A câmara anterior estiver muito rasa (p. ex., fazendo com que a córnea pareça ter dobras) ou muito profunda (devido à ruptura posterior do cristalino).
A pupila é irregular ou deformada (possivelmente indicando perfuração do globo ocular ou herniação da íris).
O reflexo vermelho está ausente (possivelmente indicando hemorragia vítrea ou lesão da retina).
Se houver suspeita de laceração do globo ocular, medidas que devem ser tomadas antes de um oftalmologista estar disponível consistem na aplicação de um escudo protetor e na administração de antibióticos intravenosos (p. ex., ceftazidima e vancomicina) (1). Deve-se realizar TC para procurar corpo estranho e outras lesões, como fraturas; a RM é evitada por causa da possibilidade de corpo estranho metálico oculto. Antibióticos tópicos são evitados. Vômito, que pode aumentar a pressão intraocular (PIO) e contribuir com o extravasamento do conteúdo ocular, é suprimido com o uso de antieméticos, conforme necessário. Pelo fato de a contaminação por fungos em feridas abertas ser perigosa, corticoides são contraindicados até que as feridas sejam fechadas cirurgicamente. Indica-se profilaxia antitetânica para lesões abertas do globo ocular. O reparo operatório normalmente requer exploração do globo ocular, remoção de qualquer corpo estranho, fechamento em camadas da esclera e da córnea e injeção de antibióticos intravítreos e/ou agentes antifúngicos sob anestesia geral. No pós-operatório, o olho é protegido com um oclusor ocular. Midriáticos e antibióticos/antifúngicos tópicos são aplicados dependendo da etiologia específica da lesão inicial e dos achados intraoperatórios. A pressão intraocular é monitorada e qualquer aumento é tratado com medicações tópicas. O paciente é acompanhado de perto por vários dias por causa do risco de endoftalmite pós-traumática. Muito raramente, após lacerações do globo ocular, o olho contralateral sem lesão torna-se inflamado (oftalmia simpática) e pode perder a visão até o ponto de cegueira, a menos que seja tratado. O mecanismo é uma reação autoimune, e o tempo é variável (2).
Corpos estranhos intraoculares
Trauma penetrante no olho também pode resultar em corpo estranho intraocular retido (p. ex., lápis quebrado, fragmento de metal de uma ferramenta rotativa). Corpos estranhos intraoculares requerem tratamento cirúrgico imediato por um oftalmologista. Antimicrobianos intravítreos, sistêmicos e tópicos são indicados por sua eficácia contra o Bacillus cereus, que pode estar presente em qualquer lesão contaminada com solo ou vegetação; esses antimicrobianos incluem ceftazidima intravítrea em combinação com vancomicina seguida de doses intravenosas e vancomicina e ceftazidima tópica ou uma fluoroquinolona como moxifloxacino (1, 3). Pomadas devem ser evitadas se o globo ocular estiver lacerado.
Um anteparo protetor (p. ex., protetor ocular de plástico ou alumínio, ou o terço inferior de um copo de papel) é inserido e mantido preso sobre o olho para evitar pressão acidental que pode expelir conteúdo ocular através do local de penetração. Curativos oculares devem ser evitados porque também podem inadvertidamente aplicar pressão ao globo. Indica-se profilaxia para tétano após lesões abertas no globo ocular.
Assim como com qualquer laceração do globo ocular, vômitos (p. ex., por causa da dor) devem ser evitados, pois pode aumentar a pressão intraocular. Se ocorrer náusea, antieméticos devem ser prescritos.
Hifema (hemorragia na câmara anterior)
Hifemas geralmente resultam de lesão no segmento anterior do olho, especificamente da íris e sua inserção na esclera, resultando em hemorragia na câmara anterior. O hifema pode ser seguido de sangramento recorrente, anormalidades da pressão intraocular (PIO) e/ou coloração sanguínea da córnea, qualquer um dos quais pode resultar em perda permanente da visão. Os sintomas são decorrentes das lesões associadas, exceto se o hifema for tão grande a ponto de obstruir a visão. A inspeção direta geralmente revela células sanguíneas na câmara anterior, com ou sem camadas de sangue, e/ou a presença de um coágulo na câmara anterior. A estratificação é vista como um nível de sangue semelhante a menisco na parte dependente (geralmente inferior) da câmara anterior. O micro-hifema, uma forma menos grave de hifema, só pode ser detectável após inspeção direta da câmara anterior por exame com lâmpada de fenda, que permite a visualização dos eritrócitos em suspensão.
Um oftalmologista deve atender o paciente o mais rápido possível. O paciente é colocado em repouso no leito com a cabeça elevada 30 a 45°, e aplica-se um tampão ocular para proteger o olho de trauma adicional (ver Abrasões e corpos estranhos corneanos). Pacientes com alto risco de sangramento recorrente (ou seja, aqueles com grandes hifemas, diátese hemorrágica ou doença falciforme, bem como aqueles em uso de anticoagulantes), com PIO de difícil controle ou com probabilidade de não adesão ao tratamento recomendado podem necessitar de hospitalização. Deve-se considerar exames para procurar anormalidades hemorrágicas se a causa do hifema não é conhecida. Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) orais ou tópicos são contraindicados porque podem contribuir para sangramento recorrente. Antifibrinolíticos, como ácido tranexâmico, não são rotineiramente usados, mas podem ser úteis em pacientes com alto risco de ressangramento ou outras complicações (4).
O tratamento do hifema é principalmente focado no tratamento da pressão intraocular. A pressão intraocular pode aumentar agudamente (em horas, geralmente em pacientes com anemia falciforme ou características desta) ou mais tarde, dentro de alguns meses ou anos. Portanto, a PIO é monitorada diariamente por vários dias e, depois, regularmente por semanas e meses subsequentes e caso sintomas se desenvolvam (p. ex., desenvolvimento de dor ocular, diminuição da visão, náuseas, todas semelhantes aos sintomas do glaucoma agudo de ângulo fechado). Se a pressão aumentar, administra-se timolol a 0,5% duas vezes ao dia, brimonidina a 0,2% ou 0,15% duas vezes ao dia, ou ambos. A resposta ao tratamento é determinada pela pressão, frequentemente avaliada a cada 1 ou 2 horas até o controle ou até que uma significante taxa de redução seja demonstrada; depois, costuma ser avaliada 1 a duas vezes ao dia. Administram-se gotas de midriáticos (p. ex., escopolamina a 0,25% 3 vezes ao dia ou atropina a 1% 3 vezes ao dia por 5 dias) e corticoides tópicos (p. ex., acetato de prednisolona a 1% 4 a 8 vezes ao dia por 2 a 3 semanas) para reduzir a inflamação e cicatrizes. No entanto, as evidências para apoiar o uso de midriáticos e corticoides para hifema não são definitivas (5).
A recidiva de sangramento devido à retração do coágulo é relatada em até 38% dos pacientes (4). Um oftalmologista deve ser consultado para o tratamento, pois o ressangramento pode ser mais grave do que o sangramento inicial. Pode-se considerar a administração de antifibrinolíticos, e medicações mióticas ou midriáticas são opções viáveis. A pressão intraocular também deve ser monitorada em caso de ressangramento. É raro o sangramento recorrente com glaucoma secundário exigir drenagem cirúrgica do sangue.
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Fratura de escape repentino de ar
A fratura por explosão ocorre quando um trauma fechado força o conteúdo da órbita para a porção mais frágil da parede da órbita, tipicamente o assoalho (6). Fraturas mediais, laterais e do teto orbitário também podem ocorrer. Os pacientes podem apresentar dor facial ou orbitária, diplopia, enoftalmia, hipoestesia da bochecha e do lábio superior (por causa da lesão do nervo infraorbital), epistaxe e/ou enfisema subcutâneo. Outras fraturas ou lesões faciais também devem ser descartadas. Lesões do globo ocular, do nervo óptico e do cérebro devem ser consideradas em todos os casos de fratura orbital e avaliadas conforme indicado.
O diagnóstico é mais preciso utilizando-se TC com cortes ao longo dos ossos faciais. Se a motilidade ocular está prejudicada (p. ex., causa diplopia), deve-se avaliar nos músculos extraoculares sinais de aprisionamento.
Se houver diplopia ou enoftalmia clinicamente significativas, correção cirúrgica pode ser indicada. Contudo, muitos, se não a maioria, dos pacientes com fraturas do assoalho orbital podem ser acompanhados de forma conservadora sem cirurgia. Deve-se solicitar aos pacientes que evitem assoar o nariz para prevenir que ocorra a síndrome do compartimento orbital por refluxo de ar (7). Utilizar um vasoconstritor tópico intranasal por 2 a 3 dias pode aliviar a epistaxe. Deve-se utilizar antibióticos orais se os pacientes têm sinusite.
Síndrome do compartimento orbital
A síndrome do compartimento orbital (SCO) é uma emergência oftálmica. A SCO ocorre quando a pressão orbital aumenta de modo súbito, geralmente devido a trauma que causa hemorragia orbital. Qualquer fator que aumente o volume orbital (ar, sangue ou pus na órbita) pode levar à SCO. Os sintomas podem ser perda repentina da visão, bem como diplopia, dor ocular e edema palpebral (8).
Os achados do exame físico podem incluir diminuição da visão, quemose, equimose, motilidade ocular limitada e/ou dolorosa, defeito pupilar aferente, proptose, oftalmoplegia e pressão intraocular (PIO) elevada. O diagnóstico é clínico e não se deve postegar o tratamento por causa de testes por imagem (9).
O tratamento é com uma cantotomia e cantólise lateral imediata (exposição cirúrgica do tendão cantal lateral com incisão do seu ramo inferior) seguido por:
Monitoramento com possível internação hospitalar com elevação da cabeceira do leito em 45°
Tratamento da pressão intraocular elevada; na fase aguda, o manitol intravenoso pode ser administrado como temporização a curto prazo (desde que não haja contraindicações sistêmicas ou neurocirúrgicas) (10)
Reversão de qualquer coagulopatia
Prevenção do aumento da pressão intraorbital (prevenção ou minimização da dor, náuseas, tosse, esforço, hipertensão grave)
Aplicação de gelo ou compressas frias
Consultar um oftalmologista para consideração de cirurgia e/ou outros tratamentos específicos da especialidade indicados; o tratamento médico não deve atrasar a consulta e a consideração cirúrgica
Referências
1. Bhagat N, Nagori S, Zarbin M. Post-traumatic infectious endophthalmitis. Surv Ophthalmol 6(3):214-251, 2011. doi: 10.1016/j.survophthal.2010.09.002
2. Parchand S, Agrawal D, Ayyadurai N, et al: Sympathetic ophthalmia: A comprehensive update. Indian J Ophthalmol 70(6):1931-1944, 2022. doi: 10.4103/ijo.IJO_2363_21
3. Knox FA, Best RM, Kinsella F, et al: Management of endophthalmitis with retained intraocular foreign body. Eye (Lond) 18(2):179-182, 2004. doi: 10.1038/sj.eye.6700567
4. Deans R, Noël LP, Clarke WN. Oral administration of tranexamic acid in the management of traumatic hyphema in children. Can J Ophthalmol 27(4):181-183, 1992. PMID: 1633590
5. Woreta FA, Lindsley KB, Gharaibeh A, Ng SM, Scherer RW, Goldberg MF. Medical interventions for traumatic hyphema. Cochrane Database Syst Rev 3(3):CD005431, 2023. doi: 10.1002/14651858.CD005431.pub5
6. Iftikhar M, Canner JK, Hall L, Ahmad M, Srikumaran D, Woreta FA. Characteristics of orbital floor fractures in the United States from 2006 to 2017. Ophthalmology 128(3):463-470, 2021. doi: 10.1016/j.ophtha.2020.06.065
7 Kersten RC, Vagefi MR, Bartley GB. Orbital "blowout" fractures: Time for a new paradigm. Ophthalmology 125(6):796-798, 2018. doi: 10.1016/j.ophtha.2018.02.014
8. Papadiochos I, Petsinis V, Sarivalasis S-E: Acute orbital compartment syndrome due to traumatic hemorrhage: 4-year case series and relevant literature review with emphasis on its management. Oral Maxillofac Surg 27(1):101-116, 2023. doi: 10.1007/s10006-021-01036-9
9. Hatton MP, Rubin PA. Management of orbital compartment syndrome. Arch Ophthalmol 125(3):433-434, 2007; author reply 434. doi: 10.1001/archopht.125.3.433-b
10. Johnson D, Winterborn A, Kratky V. Efficacy of intravenous mannitol in the management of orbital compartment syndrome: A nonhuman primate model. Ophthalmic Plast Reconstr Surg 32(3):187-190, 2016. doi: 10.1097/IOP.0000000000000463
Pontos-chave
Hifema, melhor diagnosticado por exame com lâmpada de fenda, requer repouso com elevação da cabeça em 30 a 45° e monitoramento atento da pressão intraocular.
Encaminhar os pacientes para correção cirúrgica das fraturas por explosão que causam diplopia ou enoftalmia inaceitável.
Fazer cantotomia lateral imediata e cantólise inferior em pacientes com síndrome do compartimento orbital e fazer uma consulta oftalmológica imediatamente.
O trauma do globo ocular pode causar laceração, catarata, deslocamento do cristalino, glaucoma, hemorragia vítrea ou lesão na retina (hemorragia, descolamento ou edema).
Tratar os corpos estranhos removendo o material estranho, prescrevendo um antibiótico tópico e, algumas vezes, instilando um cicloplégico.
Deve-se suspeitar de corpo estranho intraocular se a fluoresceína fluir a partir de um defeito na córnea, se a pupila adquirir uma forma irregular ou se o mecanismo da lesão envolver máquinas de alta velocidade (p. ex., furadeiras, serras, qualquer coisa com o mecanismo metálico), marteladas ou explosões.
Nunca tapar um olho com suspeita de lesão penetrante. Sempre usar apenas um protetor ocular.
Para os corpos estranhos intraoculares, administrar antibióticos sistêmicos e tópicos, aplicar um protetor, controlar a dor e náuseas e consultar um oftalmologista para a remoção cirúrgica.