A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é um distúrbio adquirido raro caracterizado por hemólise intravascular e hemoglobinúria. Leucopenia, trombocitopenia, tromboses arteriais e venosas e crises episódicas são comuns. O diagnóstico requer citometria de fluxo. O tratamento é com inibidores de complemento.
(Ver também Visão geral da anemia hemolítica.)
A hemoglobinúria paroxística noturna tem mediana da idade de início na faixa dos 30 anos, mas pode ocorrer em qualquer idade (1). Ocorre aproximadamente igualmente em ambos os sexos. Apesar do significado do nome, a hemólise ocorre ao longo do dia, não apenas à noite.
Referência geral
1. de Latour RP, Mary JY, Salanoubat C, et al. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria: natural history of disease subcategories. Blood 2008;112(8):3099-3106. doi:10.1182/blood-2008-01-133918
Etiologia da hemoglobinúria paroxística noturna
A hemoglobinúria paroxística noturna é um distúrbio clonal causado por uma mutação adquirida no gene PIGA das células-tronco hematopoiéticas. O gene PIGA, localizado no cromossomo X, codifica uma proteína que é parte integral da formação da âncora de glicosilfosfatidilinositol (GPI) de proteínas de membrana. Mutações no PIGA resultam na perda de todas as proteínas ancoradas no GPI, como a CD55 e CD59, uma importante proteína reguladora do complemento, na superfície dos eritrócitos. Como consequência, as células ficam suscetíveis à ativação pelo complemento, levando à hemólise intravascular contínua.
Fisiopatologia da hemoglobinúria paroxística noturna
Podem ocorrer tanto trombose arterial como venosa nas extremidades, bem como em locais menos comuns, como as veias portais e os seios venosos cerebrais. A trombose é resultado do aumento da ativação do complemento e da hemólise.
A perda urinária prolongada de hemoglobina pode resultar em deficiência de ferro.
A hemoglobinúria paroxística noturna está associada à disfunção da medula óssea, provavelmente por causa do ataque imunológico contra as células-tronco hematopoiéticas, geralmente levando à leucopenia e trombocitopenia. Aproximadamente 50% dos pacientes com anemia aplásica adquiridas, uma doença autoimune de insuficiência da medula óssea, tem um clone de HPN detectável (1).
Referência sobre fisiopatologia
1. Babushok DV. When does a PNH clone have clinical significance? Hematology Am Soc Hematol Educ Program 2021;2021(1):143-152. doi:10.1182/hematology.2021000245
Sinais e sintomas de hemoglobinúria paroxística noturna
As crises costumam ser precipitadas por um "gatilho” como infecção, transfusão, vacinação ou menstruação. Pode haver dor abdominal, torácica e lombar, e sinais e sintomas de anemia grave.
As manifestações da trombose vascular dependem do vaso afetado e podem causar sintomas como dor abdominal ou cefaleia, além de edema nas pernas ou braços.
Diagnóstico da hemoglobinúria paroxística noturna
Citometria de fluxo
Suspeitar de hemoglobinúria paroxística noturna em pacientes com sintomas típicos de anemia (p. ex., palidez, fadiga, tontura e possível hipotensão) ou anemia normocítica inexplicada com hemólise intravascular, especialmente se ocorrer leucopenia ou trombocitopenia e/ou eventos trombóticos.
Atualmente, o diagnóstico de HPN é feito por citometria de fluxo, utilizada para determinar a ausência de proteínas específicas da superfície celular dos eritrócitos ou leucócitos (CD59, CD55 e proaerolisina marcada com fluoresceína [FLAER] nos leucócitos). A citometria de fluxo é altamente sensível e específica.
Se o exame da medula óssea não for necessário, mas tiver sido realizado para excluir outras doenças, geralmente revelará hipoplasia eritroide.
A hemoglobinúria grave é comum durante as crises e a urina conterá constantemente hemossiderina.
Aproximadamente um terço dos pacientes com clones da HPN têm HPN clássica com características de risco de hemólise e trombose (1). Os clones da HPN são comumente encontrados em pacientes com insuficiência da medula óssea (anemia aplásica adquirida) que não têm sintomas relacionados à HPN. Em geral, esses pacientes têm clones subclínicos da HPN menores (< 30%), e não se beneficiam dos inibidores de complemento; em vez disso, a terapia definitiva é direcionada para a anemia aplásica. Contudo, a HPN clássica pode evoluir a partir da anemia aplásica, e os pacientes com anemia aplásica devem ser examinados anualmente quanto à presença de um clone da HPN. Por outro lado, pacientes com HPN clássica podem apresentar insuficiência progressiva da medula óssea e, em última análise, exigir tratamento para anemia aplásica com imunossupressão ou transplante de medula óssea.
Referência sobre diagnóstico
1. Babushok DV. When does a PNH clone have clinical significance? Hematology Am Soc Hematol Educ Program 2021;2021(1):143-152. doi:10.1182/hematology.2021000245
Tratamento da hemoglobinúria paroxística noturna
Inibidores de complemento (p. ex., eculizumabe)
Medidas de suporte
Os pacientes com poucos clones (isto é, < 10% por citometria de fluxo) e praticamente assintomáticos não costumam precisar de tratamento. As indicações de tratar são
Anemia sintomática ou necessidade de transfusão
Trombose
A inibição do complemento reduz a necessidade de hemotransfusão, risco de tromboembolia, sinais e sintomas da doença e melhora a qualidade de vida.
Os anticorpos monoclonais que se ligam a C5 e agem como inibidores terminais de complemento (p. ex., eculizumabe) são frequentemente utilizados. Em um ensaio clínico, o eculizumabe reduziu a hemólise intravascular e foi a terapia eficaz para a HPN (1).
Os inibidores proximais de complemento pegcetacoplan (inibidor de C3, administrado por infusão subcutânea) e iptacopan (inibidor do fator B oral, administrado por via oral) bloqueiam a hemólise pela via alternativa. Os inibidores proximais de complemento têm o potencial de bloquear tanto a hemólise intravascular como a extravascular, o que ocorre como consequência da inibição de C5 (2). A inibição do complemento tanto terminal como proximal aumenta o risco de infecção por Neisseria meningitidis, assim os pacientes devem receber vacina meningocócica ou começar tratamento antibiótico profilático pelo menos 14 dias antes do início da terapia.
Se a inibição do complemento não estiver disponível, os corticoides podem aumentar a hemoglobina e reduzir a hemólise em alguns pacientes, mas não há evidências que sustentem isso. Contudo, por causa dos efeitos adversos do uso por longo prazo, deve-se evitar corticoides para o tratamento de longo prazo. A inibição do complemento não trata a insuficiência concomitante da medula óssea.
As medidas de suporte incluem suplementação oral de ferro e folato e, às vezes, transfusões.
Em geral, as transfusões são reservadas às crises ou anemia sintomática. Administra-se heparina seguida de varfarina ou outros anticoagulantes para trombose grave, mas, geralmente, seu uso a longo prazo não é necessário depois que a terapia com um inibidor de complemento é iniciada.
Referências sobre o tratamento
1. Hillmen P, Young NS, Schubert J, et al. The complement inhibitor eculizumab in paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. N Engl J Med 2006;355(12):1233-1243. doi:10.1056/NEJMoa061648
2. Hillmen P, Szer J, Weitz I, et al. Pegcetacoplan versus Eculizumab in Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria. N Engl J Med 2021;384(11):1028-1037. doi:10.1056/NEJMoa2029073
Pontos-chave
A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) pode causar hemólise a qualquer hora do dia, não apenas à noite.
As características clínicas comuns incluem hemoglobinúria, pancitopenia e tromboses arteriais e venosas.
As tromboses venosas ocorrem em locais incomuns, por exemplo, nas veias hepáticas.
Tratar os pacientes sintomáticos com inibidores de complemento.