Criptosporidiose é uma infecção pelo protozoário Cryptosporidium. É adquirida por transmissão fecal-oral. O sintoma principal é diarreia aquosa, na maioria das vezes com outros sinais de distúrbios gastrointestinais. A doença é tipicamente autolimitada em pacientes imunocompetentes, mas pode ser persistente e grave em pacientes com vírus da imunodeficiência humana (HIV), especialmente aqueles com doença em estágio terminal. O diagnóstico é feito por identificação do agente ou do antígeno nas fezes. O tratamento das pessoas imunocompetentes, quando necessário, é feito com nitazoxanida oral. Para pacientes com HIV, terapia antirretroviral altamente ativa (TARV) e cuidados de suporte são utilizados; nitazoxanida oral pode melhorar os sintomas, mas não necessariamente cura a infecção, especialmente naqueles com HIV em estágio terminal.
(Ver também Visão geral das infecções intestinais por protozoários e microsporídios.)
Fisiopatologia da criptosporidiose
Criptosporídios são protozoários intracelulares obrigatórios que se reproduzem em células epiteliais do intestino delgado de um hospedeiro vertebrado.
Depois que oocistos Cryptosporidium são ingeridos, eles eclodem no trato gastrointestinal e liberam esporozoítas, que parasitam as células epiteliais gastrointestinais. Nessas células, os esporozoítas se transformam em trofozoítos, replicam e produzem oocistos.
Dois tipos de oocistos são produzidos:
Oocistos de parede espessa, que são comumente excretados pelo hospedeiro
Oocistos de parede fina, que estão principalmente envolvidos em autoinfecções
Oocistos infecciosos de parede espessa entram no lúmen e passam pelas fezes do hospedeiro infectado; são imediatamente infectantes e podem ser transmitidos diretamente de uma pessoa para outra por via fecal-oral. Muito poucos oocistos (p. ex., < 100) são necessários para provocar doença, aumentando assim o risco de transmissão de pessoa para pessoa (1).
Quando os oocistos infectantes são ingeridos por seres humanos ou outro hospedeiro vertebrado, o ciclo de vida recomeça.
Image from the Centers for Disease Control and Prevention Image Library.
Os oocistos são resistentes a condições difíceis, incluindo os níveis de cloro normalmente utilizados nos sistemas públicos de tratamento de água e piscinas, independentemente da adesão aos níveis de cloro recomendados.
Referência sobre fisiopatologia
1. DuPont HL, Chappell CL, Sterling CR, et al: The infectivity of Cryptosporidium parvum in healthy volunteers. N Engl J Med. 1995;332(13):855-859. doi:10.1056/NEJM199503303321304
Epidemiologia da criptosporidiose
Cryptosporidium spp infectam uma ampla gama de animais. Cryptosporidium parvum e C. hominis (antigo genótipo 1 do C. parvum) são responsáveis pela maioria dos casos humanos de criptosporidiose. Também relataram-se infecções por C. felis, C. meleagridis, C. canis e C. muris. A ingestão de mesmo um número relativamente pequeno de oocistos pode resultar em doença. Infecções resultam de:
Ingestão de alimentos contaminados por fezes ou água (frequentemente água em piscinas públicas e residenciais, banheiras, parques aquáticos, lagos ou córregos)
Contato direto interpessoal
Disseminação zoonótica
A criptosporidiose é endêmica no mundo todo e é uma causa comum de diarreia moderadamente grave na África Subsaariana e no sul da Ásia (1).
Os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimam que aproximadamente 823.000 casos de criptosporidiose ocorrem nos Estados Unidos anualmente, dos quais aproximadamente 10% são atribuídos a viagens internacionais (ver CDC: Yellow Book 2024: Cryptosporidiosis). Nos Estados Unidos, de 2009 a 2017, houve 444 surtos de criptosporidiose, resultando em 7.465 casos em 40 estados e em Porto Rico. O número de surtos notificados aumentou em média 13% ao ano, potencialmente devido ao aumento do uso do diagnóstico molecular. As principais causas incluem engolir água contaminada em piscinas ou parques aquáticos, contato com gado infectado e contato com pessoas infectadas em instituições que atendem crianças (2). Em Milwaukee, Wisconsin (Estados Unidos), > 400.000 pessoas foram afetadas em uma epidemia transmitida pela água, em 1993, quando o fornecimento de água da cidade foi contaminado pelo esgoto durante as chuvas de primavera porque o sistema de filtragem não funcionou corretamente (3).
Crianças, viajantes para países estrangeiros, pacientes imunocomprometidos e equipes médicas que cuidam de pacientes com criptosporidiose estão em maior risco. Epidemias ocorrem em creches. O pequeno número de oocistos necessário para causar infecção, excreção prolongada de oocistos, resistência dos oocistos à cloração e seu pequeno tamanho levantam a preocupação do uso de piscinas por crianças com fraldas.
A diarreia crônica grave decorrente de criptosporidiose é um problema em pacientes com HIV, especialmente aqueles que receberam terapia antirretroviral (TARV).
Referências sobre epidemiologia
1. Sow SO, Muhsen K, Nasrin D, et al: The Burden of Cryptosporidium Diarrheal Disease among Children < 24 Months of Age in Moderate/High Mortality Regions of Sub-Saharan Africa and South Asia, Utilizing Data from the Global Enteric Multicenter Study (GEMS). PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(5):e0004729. Publicado em 24 de maio de 2016. doi:10.1371/journal.pntd.0004729
2. Gharpure R, Perez A, Miller AD, et al: Cryptosporidiosis Outbreaks—United States, 2009-2017. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 68:568-72, 2019.
3. Mac Kenzie WR, Hoxie NJ, Proctor ME, et al: A massive outbreak in Milwaukee of cryptosporidium infection transmitted through the public water supply [published correction appears in N Engl J Med 1994 Oct 13;331(15):1035]. N Engl J Med. 1994;331(3):161-167. doi:10.1056/NEJM199407213310304
Sinais e sintomas da criptosporidiose
O período de incubação da criptosporidiose é de aproximadamente 1 semana e a doença clínica ocorre em até > 80% das pessoas infectadas. O início costuma ser súbito, com diarreia líquida, cólica abdominal e, menos comumente, náuseas, anorexia, febre e mal-estar. Os sintomas geralmente persistem por 2 a 3 semanas, raramente por ≥ 1 mês, e então diminuem. A excreção fecal de oocistos pode continuar durante várias semanas depois que os sintomas cessam. A disseminação assintomática de oocistos é comum entre crianças em países com condições sanitárias precárias. Criptosporidiose também está associada à desnutrição em crianças que vivem nessas regiões.
No hospedeiro imunocomprometido, o início pode ser insidioso, mas a diarreia pode ser mais grave. A menos que o defeito imunitáro subjacente seja corrigido, a infecção pode persistir, provocando diarreia intratável por toda a vida. Perdas de líquidos de > 5 a 10 L/dia foram relatados em alguns pacientes com HIV (particularmente aqueles com contagem de CD4 < 100 células/microL). O intestino é o local mais comum de infecção em hospedeiros imunocomprometidos; porém, outros órgãos podem ser envolvidos (p. ex., trato biliar, pâncreas, trato respiratório).
Diagnóstico da criptosporidiose
Imunoensaio enzimático para antígenos fecais ou testes moleculares para o DNA do parasita
Exame microscópico das fezes (técnicas especiais são necessárias)
O diagnóstico da criptosporidiose é confirmado pela identificação de oocistos álcool-ácido resistentes nas fezes, mas métodos convencionais de exame de fezes (isto é, parasitológicos de rotina com pesquisa de "ovos e parasitas") não são confiáveis. A excreção de oocistos é intermitente, e múltiplas amostras de fezes podem ser necessárias. Várias técnicas de concentração aumentam o rendimento. Oocistos de Cryptosporidium podem ser identificados por meio de microscopia de fase-contraste ou coloração com técnicas modificadas de Ziehl-Neelsen ou de Kinyoun. Microscopia de imunofluorescência com anticorpos monoclonais marcados com fluoresceína permite maior sensibilidade e especificidade.
EIA para antígeno de Cryptosporidium fecal é mais sensível do que exames microscópicos para oocistos.
Há ensaios baseados em DNA sensíveis e específicos para detecção e especiação de C. parvum e C. hominis disponíveis.
Biópsia intestinal pode demonstrar Cryptosporidium dentro de células epiteliais.
Testes sorológicos estão disponíveis; entretanto, são utilizados principalmente como ferramenta epidemiológica, pois a persistência de anticorpos limita seu uso no diagnóstico de infecção aguda.
Tratamento da criptosporidiose
Nitazoxanida oral em pacientes sem HIV e com infecção persistente
Terapia antirretroviral (TARV) em pacientes com HIV; a nitazoxanida pode melhorar os sintomas, mas não necessariamente cura a infecção
Em pessoas imunocompetentes, a criptosporidiose é autolimitada. Para infecções graves ou persistentes, pode-se utilizar nitazoxanida oral.
Nenhum medicamento tem eficácia comprovada em pacientes imunossuprimidos. Para pacientes com HIV, reconstituição imunitária com TARV é a chave. Nitazoxanida por 14 dias ou mais foi eficaz em reduzir os sintomas em adultos com contagem de CD4 > 50/mcL. Pode-se tentar paromomicina, ou uma combinação de paromomicina e nitazoxanida, para diminuir a diarreia e a má absorção recalcitrante dos medicamentos antimicrobianos, que podem ocorrer na criptosporidiose crônica (1).
Medidas de suporte, reidratação oral ou parenteral e hiperalimentação podem ser necessárias para pacientes imunocomprometidos com doença grave.
Referência sobre tratamento
1. Pantenburg B, Cabada MM, White AC Jr: Treatment of cryptosporidiosis. Expert Rev Anti Infect Ther 7(4):385-91, 2009. doi: 10.1586/eri.09.24
Prevenção da criptosporidiose
A prevenção da criptosporidiose exige
Tratamento público efetivo da água
Preparação higiênica de alimentos
Precauções especiais durante viagens internacionais
Higiene fecal-oral adequada
Lavagem minuciosa das mãos após contato com fezes de seres humanos e animais
Não ingerir água ao nadar em lagos, rios, córregos, mar, piscinas e banheiras de hidromassagem
Práticas sexuais seguras
Tomar cuidados especiais ao viajar para regiões com condições sanitárias precárias
Recomendações específicas para o público em geral e pessoas com imunidade comprometida devido à HIV ou outras causas estão disponíveis no Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (ver CDC: General Public e Immunocompromised Persons).
Fezes de pacientes com criptosporidiose são altamente infecciosas; devem ser tomadas precauções rigorosas com as fezes. Foram desenvolvidas diretrizes de biossegurança especiais para manipulação de amostras clínicas. Ferver a água potencialmente contaminada por 1 minuto (3 minutos em altitudes > 2000 m) é o método de descontaminação mais seguro; somente filtros contendo poros ≤ 1 micrômetro (especificados como “1 mícron absoluto” ou certificados sob o NSF/ANSI International Standard nº 53 ou nº 58) removem os cistos de Cryptosporidium.
Viajantes podem reduzir o risco de contrair criptosporidiose aderindo cuidadosamente às precauções relacionadas a alimentos e água e utilizando técnicas adequadas de lavagem das mãos. Desinfetantes para as mãos à base de álcool não são eficazes contra esse parasita. (Ver também CDC: Yellow Book: Cryptosporidiosis and Food & Water Precautions.)
Pontos-chave
Criptosporidiose se propaga facilmente porque a excreção fecal de oocistos persiste por semanas após o desaparecimento dos sintomas, um número muito pequeno de oocistos é necessário para a infecção; os oocistos são difíceis de remover da água por filtração convencional e são resistentes à cloração.
Diarreia aquosa com cólicas geralmente é autolimitada, mas pode ser grave e por toda a vida em pacientes com HIV em estágio terminal.
Diagnosticar utilizando imunoensaio enzimático para antígeno fecal de Cryptosporidium e exames direto por microscopia para oocistos nas fezes. O último é menos sensível e requer técnicas especializadas (p. ex., microscopia de contraste de fase, coloração álcool-ácido resistente).
Para pessoas que não têm HIV, utilizar nitazoxanida se os sintomas persistirem.
Tratar as pessoas com HIV com TARV; os sintomas podem diminuir quando o sistema imunitário melhora com a TARV.
A nitazoxanida pode melhorar os sintomas, mas nem sempre cura a infecção em pessoas com HIV em estágio terminal.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
US Department of Health and Human Services: Guidelines for the Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in HIV-Exposed and HIV-Infected Children
Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Cryptosporidium Prevention & Control: Includes recommendations intended to help prevent and control cryptosporidiosis in the general public
CDC: Cryptosporidium Prevention & Control – Immunocompromised Persons
CDC: Yellow Book: Cryptosporidiosis
CDC: Yellow Book: Food & Water Precautions
European Centre for Disease Prevention and Control: Cryptosporidiosis