Tuberculose extrapulmonar geralmente resulta da disseminação hematogênica. Algumas vezes, a infecção se estende diretamente de um órgão adjacente. Os sintomas variam dependendo do local, mas geralmente incluem febre, mal-estar e perda ponderal. O diagnóstico é na maioria das vezes por baciloscopia e cultura e, cada vez mais, por testes rápidos de diagnóstico molecular. O tratamento é feito com múltiplos agentes antimicrobianos, administrados por pelo menos 6 meses.
Tuberculose refere-se propriamente apenas a doenças causadas pelo Mycobacterium tuberculosis (do qual os seres humanos são o principal reservatório). Embora os pulmões sejam o local inicial da infecção, a doença pode se disseminar para muitos órgãos. (Para detalhes sobre o organismo, fisiopatologia e doença pulmonar, ver Tuberculose.)
Tuberculose miliar
Também conhecida como tuberculose hematogênica generalizada, a tuberculose miliar ocorre quando uma lesão tuberculosa ulcera em um vaso sanguíneo, disseminando milhões de bacilos da tuberculose pela circulação sanguínea e ao longo do corpo. Pode ocorrer disseminação maciça descontrolada durante a infecção primária ou após a reativação de um foco latente. Frequentemente, são afetados pulmões e medula óssea, mas qualquer local pode ser envolvido.
Tuberculose miliar é mais comum entre
Crianças < 4 anos de idade
Pessoas imunocomprometidas
Pessoas idosas
Os sintomas da tuberculose miliar incluem febre, calafrios, fraqueza, mal-estar e frequentemente dispneia progressiva. A disseminação intermitente de bacilos tuberculosos pode leva à febre de origem desconhecida (FOD) prolongada. O envolvimento de medula óssea pode produzir anemia, trombocitopenia, ou uma reação leucemoide.
Tuberculose geniturinária
A infecção do rim pode se apresentar como pielonefrite (p. ex., febre, dor lombar e piúria) sem o patógeno habitual de vias urinárias na cultura de rotina (piúria estéril). A infecção geralmente se dissemina para a bexiga e, em homens, para a próstata, as vesículas seminais, ou o epidídimo, provocando um aumento na massa escrotal. A infecção pode se disseminar para o espaço perinefrético e abaixo do músculo psoas, causando, algumas vezes, um abscesso na coxa anterior.
Salpingooforite pode ocorrer após a menarca, quando as tubas uterinas ficam vascularizadas. Os sintomas incluem dor pélvica crônica e esterilidade, ou gestação ectópica na cicatriz tubária.
Tuberculose meníngea (meningite por tuberculose)
Meningite ocorre frequentemente na ausência de infecção em outros locais extrapulmonares. Nos Estados Unidos, é muito comum nos idosos e em pessoas imunocomprometidas, mas em áreas onde a tuberculose é comum entre crianças, a meningite por tuberculose geralmente ocorre entre o nascimento e os 5 anos de idade. Em qualquer idade, a meningite é a forma mais grave de tuberculose e possui alta morbidade e mortalidade. É uma forma de tuberculose que mostrou ser prevenida na infância por meio da vacinação com BCG.
Os sintomas são febre baixa, cefaleia constante, náuseas e sonolência, que pode progredir para torpor e coma. Os sinais de Kernig e Brudzinski podem ser positivos. Como os sinais precoces são inespecíficos, é importante considerar o diagnóstico precocemente em todo paciente com exposição conhecida à TB, infecção ou doença, incluindo TB prévia, e em todas as pessoas com sintomas compatíveis que passaram por locais com alta incidência de tuberculose. As fases são
1: sem alteração da consciência e líquido cefalorraquidiano anormal
2: sonolência ou estupor com sinal neurológico focal
3: coma
Convulsões podem se desenvolver em decorrência de trombose de um vaso cerebral principal. Sintomas neurológicos focais sugerem um tuberculoma.
Tuberculose peritonite (peritonitepor tuberculose)
A infecção peritoneal representa disseminação de linfonodos abdominais ou de salpingooforite. A peritonite é especialmente comum entre alcoolistas com cirrose.
Os sintomas podem ser leves, com fadiga, dor e sensibilidade abdominal que pode ser intensa o suficiente para se assemelhar a abdome agudo.
Tuberculose pericárdica (pericardite por tuberculose)
A infecção do pericárdio pode se desenvolver a partir de focos nos linfonodos mediastinais ou de tuberculose pleural. Em algumas partes do mundo com incidência alta, a pericardite por tuberculose é uma causa comum de parada cardíaca.
Os sintomas podem começar com atrito pericárdico e dor torácica pleurítica e postural ou febre. O tamponamento pericárdico pode ocorrer, produzindo dispneia, distensão de veia do pescoço, pulso paradoxal, bulhas abafadas e possivelmente hipotensão.
Linfadenite tuberculosa
Linfadenite tuberculosa (escrófula) normalmente compromete os linfonodos nas cadeias cervicais e supraclaviculares posteriores. Considera-se que a infecção nessas regiões ocorra por contiguidade dos vasos linfáticos intratorácicos ou da infecção das tonsilas e adenoides. Os linfonodos mediastinais também costumam estar aumentados na doença pulmonar primária.
Linfadenite tuberculosa cervical é caracterizada por edema progressivo dos linfonodos afetados. Em casos avançados, os nódulos podem se tornar inflamados e sensíveis; a pele sobrejacente pode romper resultando em uma fístula.
Tuberculose cutânea
Tuberculose cutânea (escrofulodermia) resulta da extensão direta de um foco de tuberculose subjacente (p. ex., linfonodo regional, osso ou articulação infectados) à pele sobrejacente, formando úlceras e tratos sinusais.
Lúpus vulgar resulta da disseminação hematogênica ou linfogênica na pele a partir de um foco extracutâneo em um paciente sensibilizado.
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Tuberculose verrucosa cutis (verruga do prosecutor) ocorre após a inoculação direta exógena da micobactéria na pele de um paciente previamente sensibilizado que tem imunidade moderada a alta contra os bacilos.
Raramente, a tuberculose se desenvolve na pele lesionada de um paciente com tuberculose pulmonar cavitária.
Tuberculose dos ossos e das articulações
As articulações que suportam peso são geralmente as mais envolvidas, mas ossos do punho, da mão e do cotovelo podem também ser afetados, especialmente após lesão.
A doença de Pott é uma infecção na coluna espinal que começa em um corpo vertebral e, muitas vezes, se dissemina para as vértebras adjacentes, com estreitamento do espaço discal entre elas. Sem tratamento, as vértebras podem desmoronar, atingindo possivelmente a coluna espinal. Os sintomas incluem dor progressiva ou constante nos ossos envolvidos e artrite crônica ou subaguda (em geral, monoarticular). Na doença de Pott, a compressão da coluna espinal produz deficits neurológicos, inclusive paraplegia; edema paravertebral pode resultar de um abscesso.
Tuberculose gastrointestinal
Como toda a mucosa gastrointestinal resiste à invasão por tuberculose, a infecção requer exposição prolongada e inoculação enorme. É muito incomum em países em que a TB bovina é rara (p. ex., por causa do leite pasteurizado e de testes de tuberculose de rotina do gado).
Úlceras de boca e orofaringe podem se desenvolver com a ingestão de laticínios contaminados por M. bovis; lesões primárias também podem ocorrer no intestino delgado. A invasão intestinal geralmente produz hiperplasia e uma síndrome inflamatória do intestino, com dor, diarreia, obstrução e hematoquezia. Também pode ser semelhante à apendicite. Ulceração e fístulas são possíveis.
Tuberculose do fígado
A infecção hepática é comum com tuberculose pulmonar avançada e amplamente disseminada ou tuberculose miliar. Porém, o fígado geralmente cicatriza sem sequela quando a infecção principal é tratada. A tuberculose no fígado ocasionalmente se dissemina para a vesícula biliar, levando à icterícia obstrutiva.
Outros locais de infecção por tuberculose
A doença pode infectar a parede de um vaso sanguíneo e romper até mesmo a aorta. O envolvimento suprarrenal, levando à doença de Addison, era comum, mas é raro nos dias de hoje. Os bacilos da tuberculose podem se disseminar para uma bainha tendínea (tenossinovite tuberculosa) por extensões diretas de lesões adjacentes no osso ou disseminação hematogênica de qualquer órgão infectado.
Diagnóstico da tuberculose extrapulmonar
Coloração álcool-ácido resistente, análise microscópica e cultura micobacteriana das amostras de secreções e tecidos, e, quando disponível, testes de amplificação de ácido nucleico (NAAT)
Radiografia de tórax
Teste cutâneo tuberculínico (TCT) e ensaio de liberação de gama interferon (IGRA)
Os testes são semelhantes aos de tuberculose pulmonar (ver Diagnóstico da tuberculose), incluindo radiografia de tórax, PPD ou IGRA e análise microscópica (com coloração apropriada) e culturas micobacterianas dos líquidos corporais afetados (líquido cefalorraquidiano, urina, ou líquido pleural, pericárdico, ou articular) e tecido para micobactéria. Os resultados das hemoculturas são positivos em cerca de 50% dos pacientes com tuberculose disseminada; esses pacientes quase sempre estão imunocomprometidos, frequentemente por infecção pelo HIV. Mas culturas e baciloscopias das secreções e tecidos são frequentemente negativos porque poucos microrganismos estão presentes; nesses casos, testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAATs) podem ser úteis.
Ensaios baseados em ácido nucleico podem ser realizados em amostras frescas de secreções ou de biópsias e no tecido fixo (p. ex., se houver suspeita de tuberculose durante um procedimento cirúrgico e culturas não foram realizadas). Em geral, NAATs não estão aprovados para o diagnóstico de tuberculose extrapulmonar, mas são comumente utilizados na esperança de um diagnóstico precoce por motivos de cuidados clínicos e saúde pública, dependendo da cultura. Embora um resultado NAAT positivo quase sempre corrobore o diagnóstico de TB, um resultado negativo não exclui a TB na maioria dos casos porque o valor preditivo negativo é geralmente desconhecido e pode depender do processamento da amostra e de outros fatores que não são padronizados.
Tipicamente, há linfocitose nos líquidos corporais. Um resultado muito sugestivo no líquido cefalorraquidiano é um nível de glicose < 50% daquele no soro e um nível elevado de proteína.
Se todos os testes forem negativos e a tuberculose miliar ainda for uma preocupação, biópsias de medula óssea e do fígado devem ser realizadas. Se a suspeita de tuberculose for forte por outras características (p. ex., granuloma em biópsia, PPD ou IGRA positivo mais linfocitose inexplicada em líquido de pleura ou líquido cefalorraquidiano), deve-se instituir tratamento, apesar da incapacidade de demonstrar microrganismos de tuberculose.
Radiografia de tórax e outros exames de imagem, também podem fornecer informações diagnósticas úteis. Radiografia de tórax pode mostrar sinais de tuberculose primária ou ativa; na tuberculose miliar, aparecem milhares de nódulos intersticiais de 2 a 3 mm uniformemente distribuídos por ambos os pulmões.
Outros exames de imagem são feitos com base nos resultados clínicos. O comprometimento abdominal ou geniturinário geralmente requer TC ou ultrassonografia; lesões renais muitas vezes são visíveis. O comprometimento ósseo e articular requer TC ou ressonância magnética; a RM é preferível para a doença da coluna vertebral.
O PPD e o IGRA pode ser negativo no início, mas um teste repetido em algumas semanas será provavelmente positivo. Se não for, deve-se questionar o diagnóstico da TB ou procurar as causas da anergia (nenhuma reação a qualquer teste cutâneo).
Tratamento da tuberculose extrapulmonar
Antibióticos
Algumas vezes, corticoides
Algumas vezes, cirurgia
O tratamento com fármacos é a modalidade mais importante e segue esquemas e princípios padronizados (ver Fármacos de primeira linha para tuberculose). Seis a 9 meses de terapia são provavelmente adequados na maioria dos locais, exceto nas meninges, que requerem tratamento de 9 a 12 meses.
A resistência farmacológica é uma preocupação importante; aumenta por causa de baixa adesão, utilização de muito poucos fármacos e testes de sensibilidade inadequados.
Corticoides costumam ser utilizados na meningite por tuberculose, mas o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) não recomenda mais o uso de corticoides em caso de pericardite por tuberculose que não seja constritiva; entretanto, corticoides podem prevenir a constrição nos pacientes em risco. Pode-se utilizar corticoides para meningite e pericardite por TB (mesmo quando não constritiva) em pacientes com síndrome inflamatória da reconstituição imunitária.
A cirurgia é exigida para:
Para drenar empiema, tamponamento cardíaco ou abscesso do sistema nervoso central
Fechamento de fistulas broncopleurais
Ressecção de intestino infectado
Descompressão da coluna espinal afetada
Desbridamento cirúrgico é necessário algumas vezes, na doença de Pott, para corrigir deformações da coluna vertebral ou para aliviar a compressão da medula caso haja deficit neurológico se o edema não regredir ou se a dor persistir; a fixação da coluna vertebral por meio de enxerto de osso é requerida somente nos casos mais avançados. Normalmente, não há necessidade de cirurgia para a linfadenopatia da tuberculose, exceto para fins diagnósticos.
Pontos-chave
A tuberculose pode se propagar dos pulmões pela corrente sanguínea a vários locais.
Os sintomas dependem do órgão afetado, mas geralmente incluem febre, mal-estar e perda ponderal.
Diagnosticar com base na identificação dos bacilos no líquido ou tecido infectado por meio de exame microscópico e cultura e/ou testes de amplificação de ácidos nucleicos.
Tratar com múltiplos fármacos por vários meses e, às vezes, com cirurgia.
A resistência a fármacos é uma preocupação importante.