Hemoptise

PorRebecca Dezube, MD, MHS, Johns Hopkins University
Revisado/Corrigido: nov. 2023
Visão Educação para o paciente

A hemoptise é a eliminação de sangue do trato respiratório pela tosse. A hemoptise maciça é a produção de 600 mL de sangue (quantidade equivalente àquela de uma cuba reniforme repleta) em 24 horas.

Fisiopatologia da hemoptise

A maior parte do sangue dos pulmões (95%) circula pelas artérias pulmonares de baixa pressão e termina no leito capilar pulmonar, no qual acontece a troca gasosa. Cerca de 5% do suprimento sanguíneo circulam pelas artérias brônquicas de alta pressão, que se originam da aorta e suprem as vias respiratórias principais e as estruturas de sustentação. Em geral, o sangue na hemoptise é oriundo dessa circulação brônquica, exceto quando as artérias pulmonares são lesionadas por trauma, erosão por tumor ou linfonodo granulomatoso ou calcificado, por alta pressão intravascular produzida por altas pressões nas veias pulmonares, átrio esquerdo e/ou ventrículo esquerdo, ou, raramente, por cateterismo arterial pulmonar, ou quando os capilares pulmonares são comprometidos por inflamação.

Etiologia da hemoptise

A expectoração com hemoptoicos é comum em muitas doenças respiratórias menos graves, como infecções do trato respiratório superior e bronquite viral.

O diagnóstico diferencial é amplo (ver tabela Algumas causas de hemoptise).

Em adultos, 70 a 90% dos casos são causados por

O câncer pulmonar primário é uma causa importante em pessoas que fumaram por 40 anos de idade, mas o câncer metastático raramente causa hemoptise. A infecção cavitária por Aspergillus tem sido progressivamente reconhecida como uma causa, mas não é tão comum como a doença maligna.

Em crianças, as causas mais comuns são

Hemoptise maciça

As causas mais comuns de hemoptise maciça variam de acordo com a região geográfica, mas incluem:

Tabela
Tabela

Avaliação da hemoptise

História

História da doença atual deve englobar a duração e os padrões temporais (p. ex., início abrupto, recorrência cíclica), os fatores desencadeantes (p. ex., exposição a alergênios, frio, esforço físico, decúbito dosal) e o volume aproximado da hemoptise (p. ex., estrias, colher de chá, copo). Os pacientes podem necessitar ser especificamente solicitados a diferenciar entre hemoptise verdadeira, pseudo-hemoptise (isto é, sangramento originário da nasofaringe que é posteriormente expelido pela tosse) e hematêmese. Uma sensação de gotejamento pós-nasal ou qualquer sangramento das narinas sem tosse é sugestiva de pseudo-hemoptise. Náuseas e vômitos concomitantes com sangue preto, marrom ou em borra de café são característicos de hematêmese. A expectoração espumosa, o sangue vermelho vivo e (se maciça) uma sensação de asfixia são característicos de hemoptise verdadeira.

A revisão dos sistemas deve procurar possíveis sintomas sugestivos das causas, como febre e expectoração (pneumonia); sudorese noturna, perda ponderal e fadiga (câncer, tuberculose); dor torácica e dispneia (pneumonia, embolia pulmonar); dor e edema nos membros inferiores (embolia pulmonar); hematúria (síndrome de Goodpasture); e secreção nasal sanguinolenta (granulomatose com poliangiite).

Os pacientes devem ser questionados a respeito dos fatores de risco de as causas. Estes incluem infecção pelo HIV uso de imunossupressores (tuberculose, infecção fúngica); exposição à tuberculose; longa história de tabagismo (câncer); e imobilização ou cirurgia recente, câncer conhecido, história ou familiar de coagulação, gestação, uso de medicamentos contendo estrogênio e viagens de longa distância recentes (embolia pulmonar).

A história clínica deve incluir condições conhecidas por causar hemoptise, como doença pulmonar crônica (p. ex., doença pulmonar obstrutiva crônica, bronquiectasia, tuberculose, fibrose cística), câncer, doenças hemorrágicas, insuficiência cardíaca, aneurisma da aorta torácica e síndromes pulmonares-renais (p. ex., síndrome de Goodpasture, granulomatose com poliangiite). A exposição à tuberculose é importante, particularmente em pacientes com infecção pelo HIV ou outro estado imunocomprometido.

Uma história de hemorragias nasais frequentes, facilidade em apresentar nódoas negras ou doença hepática sugere possível coagulopatia fácil. O perfil do medicamento deve ser revisto para o uso de anticoagulantes e antiplaquetários.

Exame físico

Os sinais vitais são revistos para taquicardia, febre, taquipneia e baixa saturação de oxigênio. Também devem ser observados os sinais constitucionais (p. ex., caquexia) e o nível de dificuldade respiratória do paciente (p. ex., uso de musculatura acessória, respiração com frenolabial, agitação, diminuição do nível de consciência).

Realiza-se um exame pulmonar completo, incluindo especialmente a adequação da entrada e saída de ar, a simetria dos sons respiratórios e a presença de estertores, roncos, estridor e sibilos. Deve-se procurar por sinais de consolidação (p. ex., egofonia, macicez à percussão). As regiões cervical e supraclavicular devem ser inspecionadas e palpadas em busca de linfadenopatia (sugerindo tumor ou tuberculose).

As veias do pescoço devem ser inspecionadas à procura de distensão e as pernas e a área pré-sacral devem ser palpadas procurando-se por edema depressível (sugerindo insuficiência cardíaca). Devem-se auscultar as bulhas cardíacas, observando-se extrassístoles ou sopros que possam apoiar um diagnóstico de insuficiência cardíaca e pressão pulmonar elevada.

O exame abdominal deve centrar-se nos sinais de congestão hepática ou massas, que poderiam sugerir câncer ou hematêmese de potenciais varizes esofágicas.

A pele e as mucosas devem ser examinadas para equimoses, petéquias, telangiectasia, gengivite, ou evidências de sangramento da mucosa oral ou nasal.

Se o paciente for capaz de reproduzir a hemoptise durante o exame, a cor e a quantidade de sangue devem ser observadas.

Sinais de alerta

Os achados a seguir são particularmente preocupantes:

  • Hemoptise maciça

  • Dor lombar

  • Presença de um catéter arterial pulmonar ou traqueostomia

  • Mal-estar, perda ponderal ou fadiga

  • História de tabagismo prolongado

  • Dispneia em repouso durante o exame ou sons respiratórios ausentes ou diminuídos

Interpretação dos achados

A história e o exame físico muitas vezes sugerem um diagnóstico e guiam os exames (ver tabela Algumas causas de hemoptise).

Apesar das muitas possibilidades, algumas generalizações podem ser feitas. Uma pessoa previamente saudável, com um exame normal e sem fatores de risco (p. ex., para tuberculose, embolia pulmonar) que apresenta tosse e febre de início agudo provavelmente apresenta hemoptise em decorrência de uma doença respiratória aguda; as doenças crônicas são possibilidades muito remotas. Contudo, se houver fatores de risco, deve-se suspeitar fortemente de distúrbios específicos. A previsão clínica pode ajudar a estimar o risco de embolia pulmonar. A saturação normal de oxigênio não exclui embolia pulmonar.

Os pacientes cuja hemoptise é decorrente de uma doença pulmonar (p. ex., doença pulmonar obstrutiva crônica, fibrose cística, bronquiectasia) ou de doença cardíaca (p. ex., insuficiência cardíaca) normalmente têm uma história clara destes distúrbios. A hemoptise não é uma manifestação inicial.

Em pacientes com imunossupressão conhecida, deve-se suspeitar de tuberculose ou de uma infecção fúngica.

Em pacientes com sinais ou sintomas de doença crônica, mas sem distúrbios conhecidos, deve-se suspeitar de câncer ou de tuberculose, embora a hemoptise possa ser a manifestação inicial do câncer de pulmão em um paciente assintomático.

Vários achados específicos são importantes:

  • A insuficiência renal ou a hematúria conhecida sugerem uma síndrome pulmonar-renal (p. ex., síndrome de Goodpasture, granulomatose com poliangiite).

  • Os pacientes com granulomatose com poliangiite podem apresentar lesões da mucosa nasal.

  • Telangiectasias visíveis sugerem malformações arteriovenosas.

  • Os pacientes com hemoptise decorrente de um distúrbio de sangramento geralmente têm achados cutâneos (petéquias, púrpura, ou ambas) ou uma história de uso de agentes anticoagulantes ou antiplaquetários.

  • A hemoptise recorrente coincidindo com a menstruação sugere fortemente uma endometriose pulmonar.

Exames

Os pacientes com hemoptise maciça necessitam de tratamento e estabilização, geralmente em uma unidade de terapia intensiva, antes dos exames diagnósticos. Pacientes com hemoptise leve podem ser submetidos a exames em regime ambulatorial.

Sempre se realizam exames de imagem, tipicamente radiografias de tórax, embora às vezes (p. ex., na bronquiectasia conhecida) uma TC seja o exame inicial. Os pacientes com resultados normais, história compatível e hemoptise que não é maciça podem ser submetidos a tratamento empírico para bronquite. Os indivíduos com resultados anormais e aqueles sem história clínica sugestiva devem ser submetidos à TC e à broncoscopia. A TC pode revelar lesões pulmonares que não são aparentes na radiografia de tórax e ajudar a localizar lesões antecipadamente à broncoscopia e à biópsia. Angiografia por TC ou, menos comumente, cintilografia de ventilação/perfusão com ou sem arteriografia pulmonar podem confirmar o diagnóstico de embolia pulmonar. A angiografia pulmonar com TC também pode detectar fístulas arteriovenosas pulmonares.

Quando a etiologia for obscura, pode estar indicada a inspeção com fibra óptica da faringe, da laringe, do esôfago e/ou das vias respiratórias, com o intuito de distinguir hemoptise de hematêmese e de sangramento de nasofaringe ou de orofaringe.

Realizam-se também exames laboratoriais. Em geral, os pacientes são submetidos a hemograma completo, contagem de plaquetas e medição do TP (tempo de protrombina) e TTP (tempo de tromboplastina parcial). O exame do antifator Xa pode ser utilizado para detectar a anticoagulação supraterapêutica em pacientes recebendo heparina de baixo peso molecular. Em caso de suspeita dessas condições, deve-se realizar sorologia para síndrome de Goodpasture, granulomatose com poliangeíte e lúpus eritematoso sistêmico. A urinálise deve ser feita para procurar por sinais de glomerulonefrite (hematúria, proteinúria, bastonetes). Os testes cutâneos de tuberculose e cultura de escarro devem ser feitos como os testes iniciais para a tuberculose ativa, mas o resultado negativo não exclui a necessidade de induzir um escarro ou realizar uma fibrobroncoscopia para a obtenção de amostras para mais testes bacilo álcool-ácido resistente e outro diagnóstico não for encontrado.

Hemoptise criptogênica

A causa da hemoptise permanece desconhecida em 30 a 40% dos pacientes, mas o prognóstico para pacientes com hemoptise criptogênica costuma ser favorável, normalmente o sangramento desaparece depois de 6 meses da avaliação.

Tratamento da hemoptise

Hemoptise maciça

O tratamento inicial de hemoptise maciça tem dois objetivos:

  • Prevenir a aspiração de sangue para dentro do pulmão não envolvido (o que pode causar asfixia)

  • Prevenir a exsanguinação decorrente de sangramento contínuo

A proteção do pulmão não envolvido pode ser difícil, pois o local de sangramento é, com frequência, desconhecido. Uma vez que o lado de sangramento é identificado, as estratégias envolvem o posicionamento do paciente com o pulmão com sangramento na posição pendente e a entubação do pulmão não afetado e/ou obstrução seletiva do brônquio que vai para o pulmão com sangramento.

A prevenção da exsanguinação envolve a reversão de qualquer diátese hemorrágica e o direcionamento dos esforços para interromper o sangramento. As deficiências de coagulação podem ser revertidas com plasma fresco congelado e transfusões de fator específico ou plaquetas. Utiliza-se desmopressina para reverter a disfunção plaquetária associada com uremia e doença renal. Ácido tranexâmico é um medicamento antifibrinolítico cada vez mais utilizado para promover a hemostasia. A terapia com laser, a cauterização, ou a injeção direta de adrenalina ou vasopressina podem ser realizadas por broncoscopia.

A hemoptise maciça é uma das poucas indicações para a broncoscopia rígida (em oposição à flexível), que propicia o controle da via respiratória, fornece um campo visual mais amplo que a broncoscopia flexível, permite melhor sucção e é mais apropriada para intervenções terapêuticas, como a terapia com laser.

A embolização via angiografia arterial bronquial é o método preferido para a interrupção de hemoptise maciça, com o relato de índices de sucesso de até 90% (1). Indica-se a cirurgia de urgência para a hemoptise maciça que não é controlada por broncoscopia rígida ou embolização e, geralmente, é considerada como o último recurso.

Uma vez realizado o diagnóstico, o tratamento posterior é dirigido à causa (2, 3).

Hemoptise leve

O tratamento da hemoptise leve é dirigido à causa.

Pode-se indicar a ressecção precoce para adenoma ou carcinoma brônquicos. A broncolitíase (erosão de linfonodo calcificado para o brônquio subjacente) pode exigir a ressecção pulmonar, se não for possível a remoção endobrônquica do cálculo pela broncoscopia rígida. O sangramento secundário à insuficiência cardíaca ou à estenose mitral geralmenteresponde à terapia específica para a insuficiência cardíaca. Entretanto, em casos raros, é necessária a valvotomia mitral de emergência para a hemoptise com risco de morte decorrente de estenose mitral.

O sangramento decorrente de uma embolia pulmonar raramente é maciço e quase sempre cessa de forma espontânea. Se houver a recorrência de embolias ou a persistência do sangramento, a anticoagulação pode estar contraindicada e a colocação de filtro de veia cava inferior é o tratamento de escolha.

Como o sangramento de áreas de bronquiectasia geralmenteresulta de infecção, o tratamento da infecção com antibióticos apropriados e drenagem postural é essencial.

Medicamentos antifibrolíticos, como o ácido tranexâmico, são cada vez mais utilizados e estudados na hemoptise menor (4).

Referências sobre tratamento

  1. 1.Mal H, Rullon I, Mellot F, et al: Immediate and long-term results of bronchial artery embolization for life-threatening hemoptysis. Chest 150 (4): 996–1001, 1999. doi: 10.1378/chest.115.4.996

  2. 2. Lordan JL, Gascoigne A, Corris PA: The pulmonary physician in critical care. Illustrative case 7: Assessment and management of massive haemoptysis. Thorax 58: 814–819, 2003. doi: 10.1136/thorax.58.9.814

  3. 3. Jean-Baptiste E: Clinical assessment and management of massive hemoptysis. Critical Care Medicine 28(5): 1642–1647, 2000. doi: 10.1097/00003246-200005000-00066

  4. 4. Prutsky G, Domercq JP, Salazar CA, et al: Antifibrinolytic therapy to reduce haemoptysis from any cause. Cochrane Database Syst Rev 11(11):CD008711, 2016. doi: 10.1002/14651858.CD008711.pub3

Pontos-chave

  • A hemoptise precisa ser distinguida da hematêmese e do sangramento nasofaríngeo ou orofaríngeo.

  • A bronquite, a bronquiectasia, a tuberculose, a pneumonia necrosante, ou o abscesso pulmonar são as causas mais comuns em adultos.

  • A infecção do trato respiratório inferior e a aspiração de corpo estranho são as causas mais comuns em crianças.

  • Os pacientes com hemoptise maciça necessitam de tratamento e de estabilização antes da realização de exames diagnósticos.

  • Na hemoptise maciça, se o lado do sangramento for conhecido, os pacientes devem ser posicionados com o pulmão afetado na posição dependente.

  • A embolização da artéria brônquica é o tratamento preferido para a hemoptise maciça.

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