Helicobacter pylori é um patógeno gástrico comum que causa gastrite, doença ulcerosa péptica, adenocarcinoma gástrico e linfoma gástrico de baixo grau. A infecção pode ser assintomática ou provocar vários graus de dispepsia. O diagnóstico é feito por teste respiratório com ureia, teste de antígeno fecal e testes com biópsias gástricas obtidas por endoscopia. O tratamento é tipicamente com um inibidor da bomba de prótons mais 2 antibióticos e muitas vezes subsalicilato de bismuto.
(Ver também Visão geral da secreção ácida e Visão geral da gastrite.)
H. pylori é um microrganismo Gram-negativo, espiralado, que se adaptou à vida em ambiente ácido. Em países de baixa e média renda, comumente causa infecções crônicas e, geralmente, é adquirido durante a infância. Na América do Norte, as estimativas da prevalência de infecção por H. pylori variam entre 30 e 40% (1). A infecção é menos comum em crianças, mas aumenta com a idade. A infecção é mais comum em negros, hispânicos e asiáticos.
O microrganismo tem sido cultivado em fezes, saliva e placa dentária, sugerindo transmissão oral-oral ou feca-loral. As infecções tendem a ser mais frequentes em famílias e em residentes de instituições de abrigo. Enfermeiras e gastroenterologistas parecem estar em risco maior: as bactérias podem ser transmitidas por endoscópios impropriamente desinfetados.
Referência geral
1. Chey WD, Howden CW, Moss SF, et al: ACG Clinical Guideline: Treatment of Helicobacter pylori Infection. Am J Gastroenterol 119(9):1730–1753, 2024. doi: 10.14309/ajg.0000000000002968
Fisiopatologia da infecção por H. pylori
Os efeitos da infecção por H. pylori variam dependendo da localização da infecção no estômago.
A infecção predominantemente antral causa aumento da produção de gastrina, provavelmente por inibição local da produção de somatostatina. A resultante hipersecreção de ácido predispõe a úlceras pré-pilóricas e duodenais.
Infecção predominante no corpo gástrico causa atrofia gástrica e diminuição da produção de ácido clorídrico, possivelmente por meio do aumento da produção local de interleucina 1 beta. Pacientes com infecção predominante no corpo têm predisposição a úlcera gástrica e adenocarcinoma gástrico.
Alguns pacientes apresentam infecção tanto do antro quanto do corpo com várias repercussões clínicas. Muitos pacientes com infecção por H. pylori não apresentam qualquer repercussão clínica evidente.
A amônia produzida por H. pylori permite que o microrganismo sobreviva no ambiente ácido do estômago e pode danificar a barreira de muco. Cerca de 10% das pessoas infectadas com H. pylori desenvolvem uma úlcera péptica, em comparação com 1% das pessoas não infectadas com H. pylori (1). Citotoxinas e enzimas mucolíticas (p. ex., protease e lipase bacterianas) produzidas por H. pylori podem participar do dano à mucosa e da subsequente ulcerogênese.
Pessoas infectadas têm maior probabilidade de desenvolver câncer gástrico (2, 3). H. pylori é um carcinógeno do grupo 1 (cancerígeno para humanos) (4). A infecção por H. pylori está associada ao adenocarcinoma do tipo intestinal de corpo e antro gástricos, mas não ao carcinoma da cárdia. Outros cânceres associados incluem linfoma do tecido linfoide associado à mucosa (mucosa-associated lymphoid tissue [MALT] lymphoma), um tumor das células B monoclonalmente restrito.
Referências sobre fisiopatologia
1. Vakil N: Peptic Ulcer Disease: A Review. JAMA 332(21):1832–1842, 2024. doi:10.1001/jama.2024.19094
2. Huang JQ, Sridhar S, Chen Y, Hunt RH: Meta-analysis of the relationship between Helicobacter pylori seropositivity and gastric cancer. Gastroenterology 114(6):1169–1179, 1998. doi:10.1016/s0016-5085(98)70422-6
3. Eslick GD, Lim LL, Byles JE, Xia HH, Talley NJ: Association of Helicobacter pylori infection with gastric carcinoma: a meta-analysis. Am J Gastroenterol 94(9):2373–2379, 1999. doi:10.1111/j.1572-0241.1999.01360.x
4. American Cancer Society: Known and probable human carcinogens. 2024. Accessed 11/12/2024.
Diagnóstico da infecção por H. pylori
Teste respiratório com ureia e teste de antígeno fecal
O rastreamento de pacientes assintomáticos não tem valor. Os exames são realizados durante avaliação de doença da ulcerosa péptica e gastrite. A pesquisa após o tratamento é tipicamente realizada para confirmar a erradicação do microrganismo.
Exames não invasivos
Testes sorológicos laboratoriais ou realizados em consultório para anticorpos contra H. pylori eram anteriormente considerados os testes não invasivos de escolha para o diagnóstico inicial da infecção por H. pylori. Mas como a prevalência da infecção diminuiu, a porcentagem de resultados falso-positivos com testes sorológicos aumentou significativamente, tornando esses testes pouco confiáveis na maioria dos países e regiões. Como resultado, o teste respiratório com ureia e o teste de antígeno fecal são preferidos para o diagnóstico inicial (1). Testes qualitativos continuam positivos por até 3 anos após o tratamento eficaz e como os títulos dos anticorpos não diminuem de modo significativo por 6 a 12 meses após o tratamento, as sorologias não costumam ser utilizadas para controle de cura.
Testes respiratórios com ureia utilizam uma dose com ureia marcada com 13C ou 14C. Em um paciente com infecção por H. pylori, o organismo metaboliza a ureia e libera dióxido de carbono (CO2) marcado, que é exalado e pode ser medido em amostras do ar expirado obtidas 20 a 30 minutos após a ingestão da ureia. A sensibilidade e a especificidade são altas. Os testes respiratórios com ureia são bem adequados para confirmar a erradicação do microrganismo após o tratamento. Resultados falso-negativos são possíveis por uso recente de antibióticos ou tratamento concomitante com inibidores da bomba de prótons; portanto, os testes de acompanhamento devem ser realizados ≥ 4 semanas após o tratamento com antibióticos e 1 semana após o tratamento com inibidor da bomba de prótons. Antagonistas do receptor de histamina-2 não afetam o teste.
Testes de antígeno fecal têm sensibilidade e especificidade semelhantes às do teste respiratório com ureia, especialmente para o diagnóstico inicial; um teste fecal que pode ser realizado no consultório não está disponível. Testes moleculares para resistência antimicrobiana em H. pylori estão disponíveis nos Estados Unidos.
Exames invasivos
A gastroscopia é utilizada para se obter amostras por biópsias da mucosa, para teste rápido de urease (TRU) ou análise histológica. Culturas da bactéria são de uso limitado pela natureza fastidiosa do microrganismo. A endoscopia não é recomendada exclusivamente para o diagnóstico de H. pylori; preferem-se testes não invasivos, a menos que a endoscopia seja indicada por outros motivos.
O teste rápido de urease (TRU), em que a presença de urease bacteriana causa mudança de cor em meio especial, é o método diagnóstico de escolha em amostras teciduais. A análise histológica das amostras de biópsia deve ser feita em pacientes com resultados negativos do teste rápido de urease (TRU), mas com achados clínicos suspeitos, uso recente de antibióticos ou tratamento com inibidores da bomba de prótons. O TRU e a coloração histológica têm, cada um, alta sensibilidade e especificidade. A imuno-histoquímica é utilizada rotineiramente em alguns sistemas hospitalares e agrega valor à histologia, pois pode ser utilizada para detectar uma quantidade muito pequena de organismos.
Referência sobre diagnóstico
1. Vaira D, Vakil N: Blood, urine, stool, breath, money, and Helicobacter pylori. Gut 48(3):287–289, 2001. doi:10.1136/gut.48.3.287
Tratamento da infecção por H. pylori
Antibióticos (diversos regimes) associados a um inibidor da bomba de prótons
Para confirmação da cura, teste respiratório com ureia, teste de antígeno fecal ou endoscopia alta
Em pacientes com complicações (p. ex., úlcera, câncer) os organismos devem ser erradicados. A erradicação de H. pylori pode até mesmo curar alguns casos de linfoma MALT (mas não outras doenças malignas associadas a essa infecção) (1).
O tratamento da infecção assintomática tem sido controverso, mas o reconhecimento do papel do H. pylori no câncer tem levado à recomendação de seu tratamento em pacientes com história familiar de câncer gástrico e imigrantes de países com alta taxa de câncer gástrico (1).
Vacinas, tanto preventivas quanto terapêuticas (isto é, como um adjuvante ao tratamento de pacientes infectados), não tiveram sucesso em estudos com humanos (2).
A erradicação de H. pylori requer terapia com vários fármacos, classicamente antibióticos associados a supressores do ácido (3). Os inibidores da bomba de prótons suprimem H. pylori, e o pH intragástrico aumentado secundário ao seu uso pode aumentar a concentração e a eficácia dos antimicrobianos, criando um ambiente hostil para H. pylori.
O tratamento quádruplo é a melhor estratégia terapêutica inicial nos locais onde a resistência à claritromicina é > 15% ou em pacientes para os quais não estão disponíveis dados sobre resistência microbiana, sendo recomendado tanto pelas diretrizes europeias (4) como pelas diretrizes do ACG (1). No tratamento quádruplo são administrados os seguintes medicamentos por via oral durante 14 dias (5):
Inibidor da bomba de prótons (lansoprazol 30 mg por via oral 2 vezes ao dia; omeprazol 20 mg por via oral 2 vezes ao dia; pantoprazol 40 mg 2 vezes ao dia; rabeprazol 20 mg por via oral 2 vezes ao dia; ou esomeprazol 40 mg por via oral uma vez ao dia)
Subsalicilato de bismuto 524 mg por via oral 4 vezes ao dia
Metronidazol 250 mg 4 vezes ao dia
Tetraciclina 500 mg por via oral 4 vezes ao dia
Em regiões em que se sabe que o H. pylori tem resistência à claritromicina superior a 15% e em pacientes sem história prévia de exposição a macrolídeos, a terapia tripla com os seguintes medicamentos orais por 14 dias continua sendo uma opção de tratamento inicial (1, 4):
Inibidor da bomba de prótons (lansoprazol 30 mg por via oral 2 vezes ao dia; omeprazol 20 mg por via oral 2 vezes ao dia; pantoprazol 40 mg 2 vezes ao dia; rabeprazol 20 mg por via oral 2 vezes ao dia; ou esomeprazol 40 mg por via oral uma vez ao dia)
Amoxicilina 1 g por via oral 2 vezes ao dia ou metronidazol 250 mg por via oral 4 vezes ao dia
Claritromicina 500 mg por via oral 2 vezes ao dia
Se a terapia quádrupla falhar, as diretrizes europeias sugerem terapia dupla com altas doses de IBP e amoxicilina ou terapia tripla com um IBP, amoxicilina e uma fluoroquinolona (4). Há uma alta prevalência de resistência à fluoroquinolona nos Estados Unidos, de modo que essa estratégia pode não ser aplicável lá. Uma alternativa seria terapia tripla com rifabutina em baixas doses, amoxicilina e um IBP (6). Para cepas multirresistentes de H. pylori, terapia tripla com um IBP, rifabutina e amoxicilina parece ser eficaz (7). Uma alternativa é a terapia dupla com vonoprazana e amoxicilina, que é eficaz em pacientes com cepas de H. pylori resistentes à claritromicina (8).
As diretrizes do ACG recomendam que a terapia tripla com claritromicina não deve ser utilizada se a terapia quádrupla falhar (1).
As diretrizes europeias sugerem a terapia dupla ou tripla com um bloqueador ácido competitivo de potássio em vez de um inibidor da bomba de prótons, pois o supressor de ácido pode ser superior ou não inferior à terapia tripla padrão, mas a superioridade do vonoprazan não foi estabelecida fora da Ásia (4, 8).
Os pacientes com úlcera gástrica ou duodenal infectada precisam de manutenção da supressão do ácido gástrico por pelo menos 4 semanas. Pode-se confirmar a erradicação por meio do teste respiratório da ureia (9), teste do antígeno fecal ou endoscopia digestiva alta realizada ≥ 4 semanas após o término do tratamento. A confirmação da erradicação é razoável em todos os pacientes tratados, mas é obrigatória em pacientes com manifestações sérias de infecção por H. pylori (p. ex., úlcera hemorrágica). Úlcera hemorrágica recorrente é provável se a infecção não for erradicada.
Se a terapia quádrupla ou tripla não conseguir erradicar o H. pylori, repete-se o tratamento. Se 2 tratamentos não forem eficazes, algumas autoridades recomendam que nova endoscopia seja realizada para obtenção de culturas para teste de sensibilidade. O sequenciamento de última geração de uma amostra de fezes é uma alternativa para determinar a resistência de H. pylori a antibióticos (10). Se a terapia quádrupla com bismuto não for bem-sucedida, recomenda-se que o médico, em conjunto com o paciente, adote uma abordagem de decisão compartilhada para avaliar a melhor estratégia terapêutica; entre as opções estão: terapia tripla com levofloxacino e amoxicilina, terapia tripla com rifabutina, uma nova tentativa com terapia contendo bismuto ou, ainda, a realização de testes de resistência bacteriana, com posterior escolha do tratamento mais adequado de acordo com os resultados (11).
Referências sobre tratamento
1. Chey WD, Howden CW, Moss SF, et al: ACG Clinical Guideline: Treatment of Helicobacter pylori Infection. Am J Gastroenterol 119(9):1730–1753, 2024. doi: 10.14309/ajg.0000000000002968
2. Zhang S, Moise L, Moss SF: H. pylori vaccines: why we still don't have any. Hum Vaccin 7(11):1153–1157, 2011. doi:10.4161/hv.7.11.17655
3. Yang JC, Lin CJ, Wang HL, et al: High-dose dual therapy is superior to standard first-line or rescue therapy for Helicobacter pylori infection. Clin Gastroenterol Hepatol 13(5):895–905.e5, 2015. doi: 10.1016/j.cgh.2014.10.036
4. Malfertheiner P, Megraud F, Rokkas T, et al: Management of Helicobacter pylori infection: The Maastricht VI/Florence consensus report. Gut gutjnl-2022-327745, 2022. doi: 10.1136/gutjnl-2022-327745
5. Fallone CA, Chiba N, van Zanten SV, et al: The Toronto consensus for the treatment of Helicobacter pylori infection in adults. Gastroenterology 151(1):51–69, 2016. doi: 10.1053/j.gastro.2016.04.006
6. Graham DY, Canaan Y, Maher J, et al: Rifabutin-based triple therapy (RHB-105) for Helicobacter pylori eradication: A double-blind, randomized, controlled trial. Ann Intern Med 172(12):795–802, 2020. doi: 10.7326/M19-3734
7. Fiorini G, Zullo A, Vakil N, et al: Rifabutin triple therapy is effective in patients with multidrug-resistant strains of Helicobacter pylori. J Clin Gastroenterol 52(2):137–140, 2018. doi: 10.1097/MCG.0000000000000540
8. Chey WD, Mégraud F, Laine L, et al: Vonoprazan triple and dual therapy for Helicobacter pylori infection in the United States and Europe: Randomized clinical trial. Gastroenterology 163(3):608–619, 2022. doi: 10.1053/j.gastro.2022.05.055
9. Vaira D, Vakil N, Menegatti M, et al: The stool antigen test for detection of Helicobacter pylori after eradication therapy. Ann Intern Med 136(4):280–287, 2002. doi:10.7326/0003-4819-136-4-200202190-00007
10. Moss SF, Dang LP, Chua D, Sobrado J, Zhou Y, Graham DY: Comparable Results of Helicobacter pylori Antibiotic Resistance Testing of Stools vs Gastric Biopsies Using Next-Generation Sequencing. Gastroenterology 162(7):2095–2097.e2, 2022. doi:10.1053/j.gastro.2022.02.027
11. Shah SC, Iyer PG, Moss SF: AGA clinical practice update on the management of refractory Helicobacter pylori infection: Expert review. Gastroenterology 160(5):1831–1841, 2021. doi: 10.1053/j.gastro.2020.11.059
Pontos-chave
H. pylori é um organismo gram-negativo altamente adaptado a um ambiente ácido e que frequentemente infecta o estômago; a incidência da infecção aumenta com a idade.
A infecção predispõe a úlceras gástricas, prepilóricas e duodenais, e aumenta o risco de adenocarcinoma gástrico e linfoma.
Fazer o diagnóstico inicial com um teste de respiração com ureia ou ensaio de antígeno fecal; se a endoscopia estiver sendo feita por outras razões, analisar amostras de biópsia utilizando um teste rápido de urease ou análise histológica.
Tratar para erradicar o organismo nos pacientes com complicações (p. ex., úlcera ou câncer); um esquema típico é feito um tratamento quádruplo nas regiões com índices de resistência à claritromicina > 15% ou um inibidor da bomba de prótons, além de dois antibióticos (p. ex., claritromicina mais amoxicilina ou metronidazol).
Confirmar a cura utilizando um teste respiratório com ureia, teste de antígeno fecal ou endoscopia alta.